DA OPINIÃO AÇAIMADA E DO CABRESTO NA CABEÇA DA MISS PORTUGUESA

Só os Políticos podem namorar em Público

António Justo

Não é piada de Abril, é verdade verdadinha que Carla Rodrigues, foi destituída do cargo honorífico de Miss Portuguesa, no Dia da Mulher, por ter manifestado simpatia por Guaidó! O sistema não achou conveniente a opinião da mulher que se quer reservada para um público interessado em beleza e curvas físicas, mas não políticas!

A opinião do povo e para mais a de uma mulher costuma incomodar o mundo dos organizados em torno do poder. Isto, porém, não é mais que um sinal da tal ditadura democratizada que o nosso regime soube instalar para alguns.

Neste assunto se algum país deveria impedir a Miss Portuguesa, seria a Venezuela e isso até seria uma boa propaganda para Portugal. Meu Portugal, onde chegaste!

A sociedade portuguesa, através da política e dos aliados Média habituou-se a andar de tesoura na cabeça: a censura do politicamente correcto é a obra acabada do regime político que educa a população. Não é por acaso que temos tantos boys portugueses em cargos políticos internacionais.

Muitos surpreendem-se pensando que em democracia isto não seria possível e, para mais que o castigo tenha sido aplicado contra as regras escritas para o concurso.

A destituição da Miss Portuguesa é expressão de uma esperteza saloia, oportunista e cínica que por todo o lado ronda a nossa sociedade.

É cínica a exclusão da Miss Portugal por ter manifestado a sua opinião, quando, por toda a parte o poder político procura pôr a arte ao seu serviço! Uma vez que a organização em torno da beleza não tem competência política, pelo que seria natural que as eleitas pudessem manifestar a sua opinião privada.

Pessoas de boca açaimada porque no reino das corporações quem se coloca ao lado do povo torna-se suspeito e como tal persona non grata num Estado ocupado por corporações que se envergonham do povo. Gente livre e séria estraga o negócio.

As outras damas vão-se tornar agora cúmplices de um acto oportunista da organização! Neste nota-se ainda aquele zelo jacobino, o jeito de cão de rabo entre as pernas que oportunisticamente ronda pelas nossas instituições.  Será que em Portugal só os políticos podem namorar em público? A arena é sempre dos vencedores por isso quem pode junta-se a eles, para não ficar de fora.

António da Cunha Duarte Justo

In “Pegadas do Tempo”

UMA ÉTICA MUNDIAL PARA A CULTURA DA PAZ – Mudança do paradigma institucional para o individual

Pensar e agir em Contexto de Globalização implica fomentar um Humanismo plural

Por António Justo

Na qualidade de professor de ética na Alemanha, onde tinha alunos cristãos, ateus, hindus e muçulmanos, vi-me confrontado a ter de distinguir melhor entre Moral e Ética na disciplina que lecionava, devido às diferentes “morais” de proveniência dos alunos e à óbvia necessidade de adquirirem um mínimo de valores éticos comuns para os habilitar para um adequado relacionamento intercultural no dia-a-dia e obterem a suficiente compreensão para respeitarem as diferentes morais e crenças. Pelo que observamos a nível mundial, as culturas encontram-se com problemas irresolvidos e a civilização ocidental passa um momento axial da sua História (ou sua negação), o que a leva a uma crise de sentido do Homem e da civilização.

Urge construir uma sociedade com pessoas de boa vontade, dispostas a criar uma comunidade e um mundo de todos para todos e para isso é óbvio apostar-se na juventude como os melhores obreiros do novo mundo, uma geração comprometida com o desenvolvimento social e humano.

A Dignidade humana e consequente respeito pela pessoa é o valor primeiro a ter de ser reconhecido e integrado, como princípio ético, em todas as culturas e Estados; toda a discriminação vem da desconsideração de tal princípio ético. Dado as diferentes instituições humanas se regerem quase só pela negociação de interesses entre elas (e de corporações dentro delas) , é necessário que pessoas e grupos (em cada Estado e outras  instituições) lutem para que a nova perspectiva ética, (que parte do interesse  da pessoa e não tanto, como até agora, do interesse das instituições), seja concretizada nas instituições (a dignidade humana como seu constitutivo e primeiro objectivo)  e também através delas. Só assim se poderá chegar a uma prática comum do “não faças aquilo que não queres que seja feito a ti”.

Observa-se um esforço crescente no sentido de se estabelecer uma ética global (Direito ético) sobre a moral própria (Direito moral) de civilizações, religiões, culturas e nações. O intento revela-se de muita urgência para se poder chegar a um mínimo de consenso na relação dos povos entre si, para que se estabeleça um código de valores ou princípios éticos comuns que venham a influenciar a feitura das leis dos diferentes Estados. Este esforço não deve cair na tentação de aplanar culturas e morais por uma rasoura só racional e de pretensões materialistas hegemónicas escondidas a pretexto da racionalidade.

O direito ético (nível de reflexão) é diferente do direito moral (leis morais culturais, decálogo). Os princípios éticos (gerais e abstractos) estão para a constituição do país, como esta está para as leis e tribunais no trato directo da conduta concreta (moral) do cidadão (1). A ética seria a filosofia crítica da moral e a moral seria a ética aferida e aplicada na vida concreta (diferentes regiões e culturas). Neste âmbito os mitos de diferentes culturas e suas narrativas encobrem em si verdades universais comuns a ser exploradas.

 

O surgir de compromissos globais

Hans Küng, com o “Global Ethic Project”(2), activou fortemente a discussão mundial sobre a necessidade de um consenso básico de valores, atitudes e padrões para um Ética Global. No seu programa “Projeto Ética Global”, publicado em 1990, formulou três convicções básicas: “Não há sobrevivência sem uma ética global. Não há paz mundial sem paz religiosa. Não há paz religiosa sem diálogo religioso (Não há diálogo entre religiões sem pesquisa básica nas religiões.)”.

O Parlamento das Religiões Mundiais reunido em Chicago adoptou a Declaração (3) a favor de uma ética global, a 4 de setembro de 1993. 200 representantes de todas as religiões assinaram a declaração. Concordaram com elementos centrais de uma ética comum, assumindo o princípio da humanidade como regra de ouro e as directrizes: não violência, justiça, veracidade, parceria e direitos iguais para homens e mulheres.

Uma ética concebida à margem da espiritualidade não assume um caracter de sustentabilidade porque não se encontra ligada a um princípio superior e, na consequência, uma ética artificialmente racional traz em si o cunho da transitoriedade. Um princípio resultante de eleição democrática está sempre dependente de interesses geralmente não justificados pela natureza e o caracter espiritual fica perdido entre a luta de interesses corporativos no meio da polis. Também o argumento de que há ateus não é suficiente para se optar por uma ética meramente racional. Daí a importância do respeito da moral de caracter religioso-cultural nas diferentes regiões.

Também aqui seria de aplicar, a nível global, o princípio da civilização cristã: a Deus o que é de Deus (ao povo o que é do povo) e a César o que é de César. Este princípio implicaria o estabelecimento de uma cultura de paz que reconhece a complementaridade de culturas, instituições e pessoas, o que tornaria como consequente a instituição de uma ética global vinculativa para todos os povos (missão secular) e o outro princípio, ao povo o que é do povo (a Deus o que é de Deus), implicaria, também a nível de supraestruturas, o respeito e reconhecimento da sua cultura e religião. Estas enchem com vida a Ética.

 

Para compreender a discussão entre conservadores e progressistas

Para se compreender o valor e a necessidade do estabelecimento de um código ético universal é relevante partir-se da distinção entre ética e moral (4).

Na linguagem cotidiana costuma-se usar ética e moral (moralidade) quase com o mesmo significado. Com o desenvolvimento da globalização e de novas possibilidades científicas (manipulação do gene, inseminações artificiais, etc.) a política precisa de uma moral propriamente secularizada (ética) em termos gerais; isto possibilita um maior discernimento necessário numa sociedade cada vez mais intercultural e de expressão científica. Enquanto a moral consta de um sistema de normas tendentes a levar a um comportamento moral e a acções concretas, a ética é a ciência (filosofia moral) deles e tem como objeto o esclarecimento e análise crítica da moralidade na base de princípios éticos fundamentais: não julga mas classifica de ético ou não ético, enquanto a moral julga. A ética passa a ter um caracter mais científico (político) e a moralidade um caracter mais religioso (cultural).

Uma coisa é o direito constitucional – os valores da sociedade como critérios objectivos de orientação – (por exemplo a Constituição Nacional a nível político, e a nível religioso o Papa em contexto universal que garante uma visão católica unitária) e outra coisa são as leis (uma espécie de pastoral) que a interpretam e aplicam num aferimento com a realidade concreta.

As leis são como que o compromisso entre os princípios gerais (constituição, dogmática, etc.) e o comportamento do povo; por isso a lei chega, por vezes, a ser inconstitucional (caso do aborto) e tacitamente aplicada em razão do contexto social. (Neste caso, a constituição estatal por razões de ética proíbe o matar, mas cede quanto à moral). A ética, sem perder de vista a realidade geral das diferenças a ser integradas, permite, por outro lado, paulatinamente uma mudança cultural…

O assumir de uma ética universal corresponde a adoptar como que uma doutrina comum por que se teriam de orientar as Constituições dos países; como acontece com a dogmática e a pastoral a nível de Igreja.

Assim a supraestrutura (p.ex. Estado) ao assumir, a nível internacional, compromissos de caracter ético (credo), portanto constitucional, terá de o aplicar concretamente, na legislação (ministério da justiça e tribunais). Hoje já é visível o efeito da aceitação do princípio ético da dignidade humana, dos direitos humanos e da não descriminação e os efeitos tornam-se, por vezes, inesperados porque tocam com toda a matriz social.  O estabelecimento de uma ética universal tem consequências na feitura das leis nacionais; estas terão de ser aferidas aos princípios éticos acordados (a Igreja católica, como única organização orgânica de caracter global tem aqui um significado especial; por outro lado ao aplicar no concreto o princípio ético da dignidade humana e dos direitos humanos, que ela mesmo difundiu, terá de rever certas posições).

O acordo de uma ética global seria uma maneira indirecta de estabelecer também na civilização muçulmana a igualdade entre Homem e Mulher (a moral islâmica mudar-se-ia a partir de dentro). De notar já as consequências que o princípio ético da dignidade humana e da não discriminação provoca na legislação concreta dos países da Europa. A não discriminação da pessoa provoca mudanças profundas no conceito de família e no trato jurídico.

No cristianismo torna-se fácil compreender a distinção entre “convicções éticas e convicções morais” porque o cristão adulto deve estar na disposição de distinguir entre a atitude certa para com a vida e a atitude errónea tomada irreflectidamente e na compreensão de que a decisão foi tomada de maneira imponderada e em dependência psicológica ou moral. Neste caso embora a atitude não tenha sido objectivamente certa (isto é, tenho sido eticamente má) moralmente foi boa porque agiu segundo a própria convicção.

Por isso, segundo o catolicismo, é preciso ser-se mesmo adulto para se poder cometer um “pecado mortal” porque este se define como “uma falta contra a razão, contra a verdade livre e contra a consciência reta que fere a natureza do homem e ofende a solidariedade humana” : para isso é preciso juntar-se os três critérios ao mesmo tempo: a gravidade da matéria, o pleno conhecimento e pleno consentimento. Doutro modo faz algo mal mas sem culpa (consciência errónea). Também a obediência a uma lei civil pode basear-se em princípios (obediência cega) que não correspondam à ética.

Como se vê, a Ética tem com objecto de exame a razão, os argumentos racionais e compreensíveis. Isso torna a ética um assunto de lógica porque se age no sentido do bem com argumentos racionais. A moral tem uma conotação mais religiosa (vem de cima) por fundamentar as suas acções num fundamento a priori que é Deus. Por outro lado, a consciência cristã, ao ter a referência a Deus, não desliga a razão pelo que Deus passa a representar um argumento objetivo. Obediência a Deus corresponde à obediência à razão/consciência. Não chega seguir-se o argumento de autoridade, seja ele o dogma, a Constituição do Estado ou uma instituição religiosa. Facto é que nem a instituição religiosa nem o Estado podem justificar isenção de erro. Tanto o cristão como o não cristão que possui uma atitude moral bem pensada, justificada e reflectida e age segundo ela, procede moral e eticamente bem porque pode justificar o seu comportamento. Daqui a necessidade de treinar a pessoa para não se tornarem escravos morais nem da lei nem da autoridade.

Com tudo isto não se dissipa, porém, uma outra questão em relação à razão ética. O facto de eu poder apresentar logicamente a minha posição ética não quer dizer que posições opostas à minha lógica deixam de ser éticas; isto leva a justificar-se a ética também como estudo da moral.

 

Concluindo: elaborar uma ética baseada num humanismo plural

É natural que, numa sociedade cada vez mais pluralista, o Estado não queira permitir que uma religião ou mundivisão determine o que é bem ou mal na polis.  O Direito tem que organizar juridicamente essas relações. Cada vez serão mais naturais as comissões de ética e não de moral (5)!

A declaração dos direitos humanos em 1948 está agora a provocar grandes mudanças em vários ramos do Direito. A cidadania (a consciência dos direitos humanos) é a palavra de ordem da contemporaneidade..

É interessante verificar-se como a convenção dos refugiados ( imigração) leva a novas interpretações das leis em casos concretos, e como estas interpretações se tornam, por sua vez, em fonte de direito para novos julgamentos.

No caso concreto de uma possível acção criminal cometida por um afegão na Alemanha, este pode contar com uma pena menor, dado o juiz ter de considerar na sua sentença, os direitos humanos do acusado e, nesse sentido, ter de interpretar a lei, no contexto histórico, sociológico e valores morais religiosos, culturais e a formação individual do arguido. O juiz terá de sentenciar, pelo mesmo crime, uma pena mais leve a ele do que a um cidadão alemão. Isto legitimaria, a termos, numa sociedade aberta, diferentes tratos entre os diferentes grupos de uma mesma sociedade. A subjectivação da justiça contribui por outro lado para o fomento de ressentimentos e sentimentos de injustiça da Justiça. Neste sentido passaria a haver uma discriminação positiva das minorias.

Temos todos de nos dar as mãos e reconhecer a complementaridade. Sem esforço nem espiritualidade não haverá ética que perdure. Razão e fé (crença) terão de andar de mãos dadas.

O cristianismo, ao iniciar a crença num Deus único universal para todos, criou o fundamento para a aceitação de uma ética global ancorando a cidadania (dignidade humana) já não numa lei, raça ou Estado, mas na natureza humana onde toda a pessoa independentemente de crença ou religião, tem filiação divina comum. Deste modo deu-se origem a um humanismo plural. Com as iniciativas pela criação de um código ético universal encontra-se já em via uma mudança do paradigma institucional para o individual. O protótipo de toda a pessoa é Jesus Cristo.

© António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo

In “Pegadas do Tempo”

MORAL SEXUAL DA IGREJA ESTRANHA À VIDA

Mais Fé e menos Moral – Abolir o Dever celibatário

António Justo

Os Presidentes das Conferências Episcopais encontram-se com o Papa Francisco de 21 a 24 de fevereiro 2019 em Roma, para debaterem o tema “proteção dos menores” e prevenção de abusos sexuais. Este é um tema quente e que exige medidas imediatas.

Depois do regresso dos bispos a casa, passar-se-á ao descongestionamento de reformas importantes na Igreja. Uma consequência imediata será a não tolerância perante o prevaricador, mais responsabilidade dos bispos e mais transparência e justiça para com as vítimas. Esta será também mais uma oportunidade para os conservadores na Igreja passarem a dar mais importância à exortação apostólica Amoris Laetitia (1) do Papa Francisco.

Embora os abusos sexuais não tenham a ver com o celibato, a multiplicidade de casos de abusos também em instituições católicas não pode deixar a instituição eclesial indiferente (2). Isto embora muitos se aproveitem do assunto para as suas campanhas anti-Igreja.

No processo preparatório da reunião, pessoas notáveis da comunidade católica aproveitaram para apelar à conferência episcopal alemã para intervir no sentido de abolir o dever celibatário dos padres e admitir mulheres ao sacerdócio, qualificando a moral sexual da Igreja como estranha à vida.

Segundo uma investigação da Conferência Episcopal Alemã (3), na Alemanha terá havido 3.677 vítimas de violência sexual entre 1946 e 2014, em que estariam envolvidos 1.670 padres.

Violência sexual e narcisismo

Violência sexual é um tema que abrange todas as instituições da sociedade civil e religiosa.  Em geral, pessoas pedófilas ou abusadoras sexuais não abusam por carência, mas por terem uma perturbação psicológica narcisista patológica. O seu distúrbio do narcisismo expressa-se no uso de pessoas como coisas. Naturalmente a maior parte dos narcisistas não são abusadores sexuais.

Um narcisista pode ser atraído para uma posição alta na sociedade ou de grande exposição social. A obtenção de prazer através de abuso é uma energia doentia e criminosa. Também há pessoas que procuram obter prazer devido a uma sexualidade infantil porque são incapazes de relação com um parceiro e pensam assim encontrar um refúgio. Também haverá casos em que a ocasião faz o ladrão!

Abusadores sexuais tratam as pessoas como coisas para usufruírem de prazer delas sem estabelecem laços pessoais. Usam da sedução para atraírem mulheres e da dependência dos menores pois estes são demasiado frágeis e subalternos. Na literatura psicológica também se afirma de Playboys terem também esta tendência vendo na mulher apenas um objeto de prazer.

 

O clericalismo não responde às necessidades de hoje

Quem ainda não notou que, na Europa o ponto de referência social está a passar da instituição para o indivíduo e que isso implica uma mudança bastante radical na legislação, perde tempo e energia em queixumes que deveriam ser empregues em preparar-se e antecipar-se à corrente como faz o lavrador no campo, apressando-se a abrir regos que orientem a água, para que esta não se perca.

O papa já advertiu que “Não podemos lidar apenas com aborto, casamentos homossexuais, contracepção” e além do mais, “Os ensinamentos da Igreja – dogmáticos e morais – não são todos iguais.” Em texto claro significa isto que nem tudo o que é verdadeiro e correcto é igualmente importante.

O Vaticano com os seus bispos precisa de ultrapassar um clericalismo demasiado empenhado em salvar a imagem da Igreja e, por isso mesmo, perde a vista dela. Na Europa, pretende-se que a vida do clérigo esteja mais integrada na comunidade cristã. Mais que soluções para a vida, o que esta precisa é de respostas.

A autoridade já não deve vir do cargo nem apoiar-se no medo de prejudicar a instituição. Em muitas comunidades essa atitude já não é aceitável (observa-se mais o perigo de isolamento do padre no âmbito da liturgia) e a credibilidade do padre encontra-se hoje sob observação do que diz e do que vive. A instituição tem de se adaptar ao povo porque o povo já não se adapta a ela (o que não significa seguir-se o mainstream, nem tão-pouco uma acomodação irresponsável ao cotidiano, mas sim estar atento aos sinais dos tempos e responder-lhes (4, 5, 6, 7, 8, 9). Embora no sector político se observe cada vez mais centralismo e controlo, a Igreja não deve abandonar o seu lugar que é o do povo, dando testemunho do Cristo abandonado que se encontra nele.

Deus ama-nos na criação, e esta é a realidade que somos e de que dispomos, não podendo ignorar nem desprezar a natureza. Abstrair-se do mundo e abandonar o planeta a si mesmo não ajuda ninguém! A pessoa já nasce com princípios éticos, mas estes, perante os instintos, precisam de cultivo.

A jerarquia está habituada a reagir somente a pressões embora fossem possíveis reformas abrangentes na igreja sem que para isso fosse necessário distanciar-se da doutrina católica. A tradição é um elemento muito importante na Igreja católica, mas não a ponto de impedir a criatividade pentecostal.

Não há que ter medo de perder a identidade desde que salvaguardada na comunhão de vida com Jesus Cristo. No sentido do Papa Francisco, somos servidores da alegria e não senhores da fé. Também, como Igreja peregrina (ecclesia sempre renovanda), o organigrama do catolicismo e a sua consciência democrática (corpo místico) permanecem salvaguardados como matriz de uma comunidade universal de Irmãos, mesmo que haja transformações substanciais na constituição da pastoral.

A Instituição eclesial tem, também ela, de consciencializar-se da responsabilidade que assume no anúncio do Evangelho, ao dizer que não podemos seguir Cristo se não o fizermos na Igreja e com a Igreja!

A instituição clerical precisa de coragem para descentralizar (dar mais poder de decisão às conferencias episcopais regionais sem com isto ter medo de pôr em causa a catolicidade; em nome da perfeição não pode reduzir-se a uma espécie de convento universal, arriscando-se a ver cada vez mais reduzida a cristandade.  A missão da Igreja não é só de caracter religioso; S. Paulo tinha razão nas suas iniciativas pastorais!

É verdade que a igreja tem a responsabilidade de dar testemunho e salvaguardar o espírito comunitário; para isso, na pastoral pode salvaguardar o dever da responsabilidade docente e pastoral, não tanto na qualidade do ofício de juiz ad extra, mas no consenso da vivência comunitária em que o membro participa da soberania.

Quando o clérigo dialoga com o cristão, a nível de confissão ou de direcção espiritual, o seu caracter de juiz recua para dar lugar à misericórdia, compaixão, e assim embarcar com ele e ajudar a pessoa a reconhecer os seus actos e, se necessário, a deixar caminhos errados. Neste embarcar do sacerdote com o irmão, realiza-se uma caminhada em conjunto o que leva a uma outra consciência ou percepção dos caminhantes; assim dá-se uma constatação conjunta sem a necessidade de se recorrer a incriminações.

No caminho e a caminho, o sacerdote e o fiel encontram-se na mesma caminhada e, numa estação concludente do caminhar, a decisão é conjunta e possivelmente unânime. O que vale para a relação de sacerdote e leigo deveria óbvia na relação sacerdote e jerarquia.

A sobrecarga dos sacerdotes com meros afazeres administrativos pode levá-los a um alheamento de uma espiritualidade vivida.

Jesus Cristo é o caminho, a verdade e a vida não podendo ser aprisionado na roupagem (teologia e certas doutrinas) que a teologia lhe tenha colocado num determinado percurso do caminho histórico.

A teologia tem de procurar caminhos para uma maior referenciação da espiritualidade cristã ao espaço e ao tempo em que se vive.

Depois de a teologia ter realizado a grande missão de formação da Europa urge agora preocupar-se por concretizar hoje aquilo que no século XV e XVI se anunciava como novo e ainda se encontra por realizar. Neste sentido veja-se o artigo “Um rosto feminino molda o mundo novo – Teresa de Ávila” (10).

JC pode estar vivo em cada pessoa e comunidade num estilo de vida próprio sem questionar a universalidade da Igreja que se mantem através do credo, da liturgia, dos sacramentos e do episcopado.

O Papa é o garante da constitucionalidade da Igreja e certamente pode garanti-la, mas, mesmo assim, torna-se urgente que inicie uma reforma da moral sexual, do celibato e do sacerdócio das mulheres.

É certo que o celibato não provoca, por si, pedofilia nem violência sexual, mas isto também não é argumento para não se começar com reformas. Neste sentido é de esperar iniciativas ousadas dos bispos e das igrejas locais. Na polis, a maturidade sexual, embora se viva num período de oblações sexuais, depende de cada pessoa. Hoje não é plausível conectar-se o dever do celibato ao sacerdócio. Efetivamente a sequela Christi e o reino de Deus têm um lugar privilegiado nas ordens e congregações religiosas, não deixando de ser programa também para o clero secular e no dia-a-dia de cada cristão.

A sexualidade não tem apenas a ver com o sexo; o “eros” possibilita, também ao celibatário, a vivacidade criadora e a convicção.

A questão da moral sexual na igreja deve-se também ao facto de a experiência de homens e mulheres casados não ser envolvida no processo de formação da opinião eclesiástica. Uma moral sexual elaborada por homens celibatários torna-se necessariamente estranha à vida.

A proibição do sexo fora do casamento conduz a uma atitude inevitavelmente hipócrita que muitos terão de levar para o casamento. A Igreja tem razão que o sexo não é nenhum bem de consumo tendo o seu lugar numa relação responsável; mas entre pessoas responsáveis uma coisa não exclui a outra. Num tempo em que a realidade se distancia do ideal, a Igreja tem de se preocupar por ser credível, verossímil para poder manter-se também como interlocutora. Além disso não há falta de conteúdos que a Igreja pode trazer para a sociedade.

Na discussão de ideias sobre sexualidade e possíveis impedimento à vida, tem-se o princípio orientador que é o Evangelho e a soberania da consciência. O espírito católico cristão encontra-se, em relaç1bo às instituições políticas onde elas têm muito a dar para lá chegar; ela considera a consciência individual como soberana até em relação à Igreja e a qualquer outra instância, o que certamente não legitima ninguém a armar-se em juiz dos outros! Ao contrário do mundo político e ideológico que frequentemente vive do falar mal do adversário, na Igreja deveriam ser aceites, como complementares, ideias aparentemente contrárias; a riqueza da diversidade de antropologias e de regiões poderia expressar-se em estilos diferentes de vida de uns bispados para os outros; também na Igreja há múltiplas espiritualidades. Mais que normas morais muito restritas torna-se urgente dedicar-se mais empenho na formação das consciências.

Os textos oficiais de ensino católico, nalguns aspectos, andam atrás do acontecimento. É de esperar, que num futuro próximo, o espírito de sua Santidade o Papa Francisco encontrará eco.

Torna-se escandalosa e contraditória a falta de sacerdotes numa comunidade cristã que nem sequer produz sacerdotes que administrem os sacramentos nela; o recurso à importação de padres da África e da América Latina é intolerável se tivermos também em consideração o isolamento (e desaferimento) em que se encontram muitos sacerdotes, por serem transplantados de culturas totalmente diferentes das nossas. Um clericalismo burocrático teima ainda em obrigar padres a terem de administrar várias paróquias impossibilitando-lhe o enraizamento na vida cristã delas.

© António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo

Pegadas do Tempo

UMA NOVA ÉTICA AO SERVIÇO DE UM IMPÉRIO UNIVERSAL?

Não somos educados a acreditar, mas movidos a fazê-lo!

Por António Justo

A paz mundial só pode conseguir-se numa cooperação dialogal comum entre religiões, e entre religiões e Estados seculares, no reconhecimento e respeito recíproco de instituições, crentes, ateus e agnósticos.

Alguns tecnocratas do globalismo (da política, da economia, da ciência e da filosofia) têm dado a entender que, para se estabelecer a paz mundial, é preciso implantar uma ética secular sem culturas nem religiões (uma espécie de patriotismo/crença do Direito). Trabalham no sentido de criar uma nova consciência e, para tal, secularizar a ética e implementá-la de modo a que a Razão-ciência ocupe o lugar da consciência. Querem, para isso, assenhorear-se do conhecimento (um património público da humanidade), calando que este (como ciência, filosofia e religião) é mais complexo e se encontra sempre em processo inacabado, não podendo, como tal, ser petrificado num sistema dogmático exclusivista, seja ele materialista ou espiritualista, nem tão-pouco numa mundivisão fechada, mesmo com o pretexto de servir uma nova ordem. De facto, os fins não justificam os meios e na realidade orgânica tudo cresce de baixo para cima (do elemento para o complexo) e a solução para que, na floresta, todo o solo tenha sol não seria natural optar-se por arrancar as folhas às árvores. Querem criar um mundo unívoco sob a rasoura de uma razão que aposta num pensamento unívoco ao serviço da ciência e da política.

Partem, para isso, do pressuposto que as pessoas e as instituições na procura da liberdade e do bem se orientam só por princípios racionais. Um outro equívoco dos construtores da polis, a nível mundial, é atribuir um caracter “divino iluminista” à razão/inteligência, pensando que a razão é, por si só, capaz de penetrar nos enigmas do mundo e do ser humano apenas com os instrumentos da observação, experimentação e cálculo, próprios do método da ciência positiva, sem contemplar a espiritualidade transcendente.

Uma tal tentativa levaria a um totalitarismo materialista servido pela absolutização de uma razão prática, que se quer como directriz ao serviço da eficácia utilitária e pragmática, não só para uma eficiente orientação e controlo da humanidade, mas também como orientação da interpretação do mundo.

Esquece-se a advertência do filósofo Pascal que constatava que a vida e o Coração têm razões que a Razão desconhece.

O que acho mais preocupante é ter de constatar, nalgumas teses do Dalai Lama apresentadas no livro “Um Apelo ao Mundo”(1), onde, também ele, serve os propósitos da  luta cultural marxista.

No meio de muitas frases edificantes e cativantes encontram-se algumas teses fundamentais que passam desapercebidas, mas que servem o intento referido, com a cobertura e a embalagem do Zeitgeist.

O Dalai Lama é um ilustre budista que faz tudo pelo budismo e, a partir dele, empenha-se na construção da paz mundial. Pelo que observo de algumas suas teses, serve-se da filosofia existencialista europeia e de Feuerbach, que tem muito de comum com o budismo, para propagar a criação de uma ética secular universal, uma espécie de decálogo da razão de caracter imanentista e materialista (Em jogo está a negação da capacidade humana para a transcendência, a negação de Deus para assim se atirar com as religiões e se poder criar um tipo de religião secular universal de “espiritualidade” materialista no sentido de um futuro governo mundial-ONU). Este artigo é a sequência do texto “O Dalai Lama no Barco do Mainstream” (2).

A sociedade do “pensar politicamente correcto” cria os seus tabus para melhor implementar os seus objectivos, e aproveita-se da boleia de ícones e personalidades que, pelo respeito que gozam ou merecem, não são questionadas. Neste sentido ressalta à vista a esperteza como ONGs se aproveitam do Dalai Lama no sentido dos seus objectivos (Isto é legítimo e não minora os galardões do Dalai Lama, tornando-se, porém, mais eficiente, quando ninguém nota o que acontece por trás dos bastidores; isto sem excluir o direito à dúvida e ao erro que nos faz avançar!). A iniciativa da criação de uma Assembleia Parlamentar Mundial também não pode ser rejeitada de princípio e como tal justifica muitas diligências no sentido de o preparar.

A pretexto da razão e da ciência comercializa-se uma ideologia com os pré-requisitos para, no meu ver, uma transformação socialista da sociedade (A China manda cumprimentos!…). Nem em nome de uma sociedade aberta, nem de um racionalismo crítico (3), nem, tão-pouco,  uma alegada necessidade de se estabelecer uma supraestrutura mundial para a paz, podem legitimar uma organização superintendente da inteligência e da história da humanidade (mesmo em nome de uma ética secularizada em nome da razão!).

Naturalmente que o Homem é ele com as suas circunstâncias não podendo ser reduzido às circunstancias, por muito importantes que elas sejam para o seu desenvolvimento. Em nome do bem geral da sociedade não se deve passar à sacarificação dos diversos “biótopos” culturais e do indivíduo…

Uma atitude meramente mecanicista que prescinda da transcendência, nas mãos de uma superorganização, corre o perigo de considerar o argumento acima das consciências individuais e nacionais (exemplo do estalinismo, maoismo, nazismo, teocracia do Irão, etc.). Não chega mudar o mundo é preciso fazê-lo interpretando-o.

O Dalai Lama afirma a ética contra a religião como se só fosse possível uma posição exclusiva dizendo: “as religiões conduzem à guerra, a religião é algo aprendido, enquanto a ética é inata”! Fala no sentido de algumas ONGs (4) em torno da ONU, aplanando-lhes o caminho, afirmando:” Seguindo princípios de uma ética puramente secular tornar-nos-emos pessoas mais descontraídas, solidárias e sensatas”. E, para confundir, questiona a transcendência das religiões monoteístas dizendo:” vejo cada vez mais claramente que o nosso bem-estar espiritual não depende da religião, mas da nossa natureza humana inata”. Naturalmente, como tudo não passa de matéria adiante, tudo começa e acaba nela!

Em vez de procurar uma via inclusiva e de esclarecer a relação entre religião e moralidade, o Dalai Lama opta, em termos de poder,  pela exclusão da religião, para se pôr ao serviço de uma ideologia materialista secular sob o pretexto de uma ética natural da racionalidade.

(Não quero aqui desvalorizar a laicidade, nem o papel da relação razão-ciência nem o aspecto também positivo que a discussão materialista tem desempenhado em relação a um espiritualismo desencarnado. De facto, se dou uma vista de olhos pela natureza, pela cultura, pela sociedade e até pelo indivíduo, reconheço que tudo neles é complementar, o que, na relação com o Homem e com a sociedade, fala a favor de uma estratégia de inclusão das diversas partes e a isto encoraja-me também o Vaticano II na sua preocupação pela conexão da heteronomia!)

Segundo o Dalai Lama, na continuação da filosofia materialista e da sua religião (que propriamente ele não considera religião), religião seria um constructo social e o bem-estar espiritual é natural (produto da natureza) não tendo nada a ver com uma qualidade religiosa inata nem com um re-ligar (religar o Homem a Deus, o humano ao humano, numa relação transcendental), no sentido das religiões monoteístas. (Chega-se a ter a impressão que aqui o Dalai Lama segue as mesmas pegadas da agenda Gender que quer reduzir características humanas, provenientes de diferenças biológicas, a meros resultados da aprendizagem adquirida através da cultura, no percurso da História.)

O filósofo Wittgenstein advertia:” Os limites da minha língua significam os limites do meu mundo”! Uma adequada paráfrase poderá ser: os limites das minhas perguntas são os limites da minha inteligência (Como esta é de natureza aberta, deixa sempre, a nível intelectual, uma porta aberta para a dúvida metódica).

Hoje mais que nunca precisamos de uma crítica à ideologia. Se muitos se queixam que na Idade Média tudo circulava em torno das catedrais e no mundo árabe tudo circula em torno de Meca, não têm a distância suficiente para notar que hoje na sociedade secular ocidental tudo circula em torno das catedrais da Banca e da ideologia do “politicamente correcto”.

O Dalai Lama serve aqui o plano marxista anti-cultura ocidental na sua luta contra os fundamentos da cultura ocidental e em especial contra o cristianismo, que circula todo ele em torno da filiação divina da pessoa humana e numa visão linear da História.

Na discussão filosófica e científica encontra-se também “provado” o caracter inato (congenital) da religião e não apenas o da ética, como advoga o Dalai Lama.

Já Charles Darwin, no seu livro “A Descendência do Homem e a escolha sexual de reprodução”  descreveu uma evolução biocultural bem sucedida da religiosidade e das religiões para um monoteísmo.

Investigações sociológicas, antropológicas, psicológicas e filosóficas demonstram que a religiosidade é inata. A inclinação religiosa é inata e a fé pertence ao Homem, como se observa nos primórdios da humanidade (animismo, rituais ao sol, ao fogo, ao vento, etc.) não podendo ser reduzida apenas a algo adquirido culturalmente.

Tal como mostram muitos  estudos sobre o fenómeno religioso, o diretor de um projeto de pesquisa (com 57 eruditos de 20 países), Dr. Justin Barret, do Centro de Antropologia e Mente da Universidade de Oxford, conclui, como resultado do mesmo,  quereligião é um aspecto (5) comum da natureza humana e o pensamento humano está “enraizado” em conceitos religiosos. Isso sugere que as tentativas de suprimir a religião tendem a ter vida curta, uma vez que o pensamento humano parece estar enraizado em conceitos religiosos, como a existência de deuses ou agentes sobrenaturais, a possibilidade de vida após a morte, e de algo anterior a essa”.

Outros investigadores do fenómeno religioso e ético dizem ter observado manifestações desses fenómenos até em grupos de primatas. Há macacos que ao pressentirem tempestades fazem a dança da chuva ou quando morre o semelhante ficam em silêncio, de olhar perdido e “pensativo” perante o morto (Naturalmente que estes comportamentos em parte semelhantes a humanos não permitem conclusões apressadas (6).

O facto de a religião proporcionar a visão mística e treinar a capacidade de sair do “aqui e agora” estimulou no Homem a possibilidade da passagem da inocência comum da apatia animal do paraíso terreal, para um estado dialogal de ouvir e dar resposta (Adão e Eva desenvolvem a personalidade numa relação inicialmente medrosa com um Tu transcendente – mais tarde Jesus Cristo destruiu o medo repondo a dignidade no Homem ); daqui surge o assumir responsabilidade no pensar próprio e fazer erros (a capacidade da culpa e do erro, num processo de chamamento – do Adão, onde estás? -, torna-se no motor do nosso desenvolvimento, numa aventura de “erro e tentativa”; esta dinâmica é consagrada no encorajamento da “culpa feliz” que passou da liturgia da Vigília pascal também para o pensamento secular (7). A luz e o chamamento divino levaram-nos a voar em vários mundos (emocional e mentalmente).

A religiosidade dá relevo à capacidade humana de se maravilhar e de conseguir sair do “aqui e agora” sem deixar de se empenhar responsavelmente pela polis!

Numa sociedade que se quer, cada vez mais só aqui e agora, de um relativismo e utilitarismo aferido ao mercado, a espiritualidade parece só vir complicar e distrair do negócio da construção de uma polis que se quer só mercado sob um só poder. Não questiono aqui a ONU/NU, a Carta das Nações Unidas, a Declaração dos Direitos Humanos, (8) nem as Convenções, motiva-me apenas raciocinar sobre o espíritos que se aninham em torno delas.   (Também não pretendo justificar os males e erros dos poderosos que, muitas vezes, se usaram do medo e da religião como meio de educação e disciplinação do povo, como também hoje é de reprovar o uso dos medos e de leis (do “politicamente correcto”) que tenham como mero objectivo controlar e domar o cidadão, quer por poderes seculares quer por poderes religiosos). Cada tempo tem o seu movimento e mesmo dentro do espaço tempo é essencial não só viver no aqui e agora, mas contemplar também o horizonte que nos leva a levantar o rosto e a viver a existência à luz de uma esperança que chama toda a natureza à imagem do que faz o Sol em relação ao planeta.

Num romance que li há muitos anos, conta-se que um humano foi cruzado com um macaco. Alguém matou aquela criatura que é meio humana, meio macaco. A questão ética que se põe no caso é: aquele que matou este ser assassinou uma pessoa ou matou um animal? Em retrospetiva sobre a sua vida chegaram à conclusão que era um ser humano porque o tinham observado a sacrificar num altar um bocado de carne, ficando assim claro que se tratava de um ser humano porque revelava sentimentos religiosos. Assim o que o matou foi um assassino…

Num mundo necessitado de paz, a estratégia para se resolverem os problemas individuais e sociais, não pode seguir a via da destruição da diferença e da variedade, mas sim o caminho da aceitação e da tolerância mútua, numa consciência de subsidiariedade e complementaridade.

© António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e pedagogo

“Pegadas do Tempo”

(1) https://static.fnac-static.com/multimedia/PT/pdf/9789898873316.pdf
(2) https://antonio-justo.eu/?p=5241
(3) https://portalconservador.com/livros/Karl-Popper-A-Sociedade-Aberta-e-Seus-Inimigos01.pdf
(4) ONGs são associações ou sociedades não governamentais sem fins lucrativos adstritas ao terceiro sector da sociedade civil actuando local, internacional ou e também associadas à sociedade civil global, (isto vem do sociólogo Amitai Etzioni, que distingue três sectores sociais: Estado, mercado-economia e sociedade civil). Por exemplo a OSF de George Soros que em nome da filantropia apoia iniciativas da sociedade civil questionáveis; o mesmo se diga da organização de Aga Kahn . (ONGs preztendem  dar  resposta a problemas que superam as fronteiras e Estados). Ao contrário dos lobistas da economia, o terceiro sector envolve o sector público. São demasiado fortes, mesmo em relação a governos.” Um dos principais objectivos do envolvimento de ONGs no contexto da ONU é influenciar os debates políticos através dos vários canais de comunicação. As ONGs de direitos humanos muitas vezes usam os canais oficiais que a ONU criou para expressar suas preocupações… 3050 ONGs que têm status consultivo junto ao ECOSOC. A ONU desempenha um grande trabalho humanitário em muitas regiões do globo. Algumas ONGs aproveitam-se para espalharem ideologias
(5)  http://www.criacionismo.com.br/2011/05/pesquisa-comprova-fe-em-deus-e-inerente.html
(6)https://www.spektrum.de/news/wenn-schimpansen-trauer-tragen/1030194
(7) “Ó culpa feliz “, o Exultai que a Igreja canta na Vigília Pascal convida-nos à alegria e a romper com todos os medos e a integrar o sofrimento como parte de uma vida sorridente. No Budismo, mais virado para a terra, Buda fixa-se no sofrimento: o nascimento é sofrimento, a vida é sofrimento, a morte é sofrimento e por isso procura a solução no não-ser (nirvana). É o contraditório da “Felix culpa” que nos torna agentes no processo da libertação e salvação! A culpa é aceite como natural e como comum a toda a humanidade e, ao mesmo tempo, como ocasião de felicidade devido à superabundância da graça. Onde se encontra Deus lá se descobre uma solução e uma saída. Deus que é Pai recebe o filho pródigo, não com culpabilizações, ameaças ou castigos, mas com danças e músicas (Luc. 15,11). O pai só confia na esperança do filho que pode reconhecer na casa do pai o melhor abrigo! No cristianismo o errar é visto como chance; o problema é que muitos só conhecem dele o aspecto folclórico do cristianismo e não a sua vivência e filosofia; o que explica tanto azedume e negativismo.
(8) Carta das Nações Unidas: https://www.cm-vfxira.pt/uploads/writer_file/document/14320/Carta_das_Na__es_Unidas.pdf  e Declaração dos Direitos Humanos: https://nacoesunidas.org/wp-content/uploads/2018/10/DUDH.pdf

O DALAI LAMA NO BARCO DO MAINSTREAM

Contradições no Pensamento do Líder religioso tibetano

António Justo

O livro “Um Apelo ao Mundo – O Caminho da Paz em Tempos de Discórdia”, do Dalai Lama e Franz Alt, pretende propagar mundialmente uma nova ética secularista que ultrapasse culturas e religiões, no sentido e espírito da política das Nações Unidas. Percebe-se, pelo seu teor, a intenção de conectar o “politicamente correcto” com o budismo monista (1) para assim melhor espalhar um programa mundial “urbi et orbi”, sob a bênção de sua santidade o 14.º Dalai Lama, como se tal programa fosse a receita para a resolução dos problemas do “nacionalismo, da crise dos refugiados, dos conflitos interculturais, da igualdade de género ou da neurociência” (2) e não viesse criar novos problemas

Serve-se de teses (3) que soam bem, mas que carecem de fundamento, chegando mesmo a ter um caracter exclusivo (não inclusivo) e, por vezes contraditório, em contraste com o seu pacifismo proclamado; pode-se reconhecer, como substrato do ideário apresentado, uma intenção de servir uma agenda comunista materialista, ao serviço de uma política da ONU; isto também no que respeita ao Pacto da Migração .

Usa teorias como: “A ética é mais profunda e é mais natural do que a religião” …  Numa pretensa inclusão, revela uma estratégia do “ou…ou…” e da exclusão, sem ultrapassar sequer a estratégia da culpabilização. A frase enunciada carece de qualquer de base científica. Trata-se mais de um texto de boas intenções e de propaganda por um poder secular conforme ao atual Zeitgeist (espírito do tempo).

O programa da Unesco e a posição do Dalai Lama pretendem estabelecer a mentalidade de que a ética é mais importante que religião. Na intenção de se criar uma ética universal secularista, pretendem ver a ética desligada das culturas e das religiões para as submeter a uma ética natural orientada apenas pela razão abstrata. Pelo que se depreende do texto, para fundamentar ou explicar juízos morais, seriam suficientes o sentimento da compaixão, a cooperação inerente à evolução humana e a faculdade da razão.

Trata-se de um texto interessante, mas também ele provocador porque, para favorecer uma ética secular descontextuada, serve-se de uma mundivisão materialista monista; é compreensível a preocupação do Dalai Lama, atendendo ao jacobinismo islâmico desestabilizador de sociedades e Estados por todo o mundo; isto porém não legitima esta tentativa de determinar um tipo de comportamento social e humano, em todo o mundo,  pautado por um juízo categórico de valor universal secularista e arquitectado em contraposição às religiões e à consciência individual; não chega servir-se do crivo simplicista da razão (de que se apodera), passando por cima dos mais variados dados filosóficos e sociológicos do campo da ética, e, para mais, quando a acção  implica uma colaboração na campanha do fomento de preconceitos contra o fenómeno religioso, e, como se isto, não correspondesse à tentativa monopolizadora de derrubar uma certa diversidade cultural, religiosa e nacional para tentar solucionar o problema islâmico e de concretizar aspirações dos ideólogos do domínio do mundo (governo mundial). Tanto os crentes como os não crentes são pessoas e, como tal, são capazes de qualquer tipo de comportamento positivo ou negativo. Importante é que os imigrantes se submetam às leis dos países para onde emigram. Ou será que, na política da ONU, a mistura dos povos é mais importante do que manter uma certa identidade e autonomia cultural?

Na falta de uma vontade económico-política para a mudança deve a vontade cultural sofrer…

O livro será usado ou abusado como catecismo para ideologias marxistas que andam à boleia de organizações da ONU, ONGs e organizações políticas de esquerda como é o caso do pacto da esquerda latino-americana   Foro de São Paulo. A corroborar esta ideia estará também o facto de o livro ser publicado em todos os países do mundo.

Para a Unesco e para o Dalai Lama, a educação ética , tal como pressupõe Habermas, na sequência da doutrina socialista da Frankfurter Schule, é vista como prevenção contra a radicalização da sociedade; por isso e atendendo ao “pluralismo religioso e ideológico” as religiões e culturas devem estar prontas a “ter reconciliado o privilégio do conhecimento das ciências socialmente institucionalizadas, bem como a primazia do Estado secular e da moral social universalista com a sua fé”.

O Dalai Lama, ao manter-se na confusão, toma partido pela filosofia do mainstream partindo da filosofia materialista de que religião é um subproduto da evolução.

Em texto claro, quer isto dizer que se pretende pôr o problema na civilização ocidental (sem diferenciar as religiões), como se esta, devido à imigração muçulmana, estivesse obrigada a prescindir dos seus valores e cultura para se submeter (a longo prazo) a uma mera racionalidade (ética secular como super-religião) que facilite as intenções de criar um governo central global (ONU), correspondente aos seus inicias promotores maçónicos.

A cultura ocidental e a religião cristã, que até agora se orientavam pela visão da pessoa humana como cidadã de dois reinos (a César o que é de César e a Deus o que é de Deus), deve abdicar da sua liberdade soberana para se submeter ao Estado secular, à doutrina materialista do Estado com o seu sacerdócio universitário,  que, para tal, só reconhece a sua lógica racional como autoridade para melhor poder prosseguir a sua acção de desintegração da cultura ocidental, também mediante o fomento de imigrantes de cultura árabe (para os dominar só vêem como saída a hegemonia de um estado secular forte!); estes também são usados como meio e, ao mesmo tempo, como pretexto para uma melhor imposição da agenda marxista, também ela implementada por organismos da ONU.

Para melhor se ter mão nos muçulmanos e em nome de uma educação das religiões cria-se uma instância absoluta (estado e universidade superiores à consciência) como se, para isso, fosse possível apenas uma ética meramente racional; parece tratar-se de se deixar o modelo europeu para, pouco a pouco, se seguir o tipo de Homem e o modelo chinês como possível molde político, antropológico e sociológico para todo o mundo. Em nome da globalização e de um novo modelo de sociedade, no sentido do Pacto da Migração, a sociedade ocidental terá de renunciar ao seu modelo de civilização.

O cristianismo, que reconhece a separação de poderes (âmbito secular e religioso) é colocado ao mesmo nível do islão que não reconhece tal, e pelo facto de se encontrarem muitos muçulmanos, na Europa, a civilização ocidental deve submeter-se ao ditado secular ateu que, a pretexto da sua razão, quer aplanar o caminho a uma elite política secular, para a qual não basta o poder político, mas que se quer ser também em posse do poder ético-moral. Criam-se os pressupostos para o controlo total.

Um componente da religião cristã é a filosofia com o seu instrumento da razão, pelo que os críticos da religião não podem alegar explicações racionais para a negarem, porque tanto o materialista ateu como o cristão fazem uso da razão, só que em diferentes contextos e, como tal, é de pressupor a consideração e o respeito mútuos, também como filhos ou produtos da mesma cultura.

A circunstância de nos movermos numa sociedade pluralista e com tendência de um islão cada vez mais presente nela, não é suficiente para motivar a divisão na sociedade ocidental mediante a criação de uma ética secular materialista como algo mais importante que a religião, como se uma ética mundial secular e religião tivessem de ser incompatíveis (caso, por enquanto, apenas verificável no islão!) e em nome disto que se fomente uma filosofia marxista de modo a torna-la uma panaceia universal legitimada pelo facto de se referir à razão, predicado que ela não merece como se viu na sua História.

O facto de o Dalai Lama embarcar neste sentido e de ter sido adoptado como profeta do programa em via (principalmente a partir da queda do socialismo soviético), não é tão inocente como parece, porque vem favorecer o fortalecimento da mundivisão budista no domínio do mundo a nível global e querer legitimar o monopólio de um estilo de vida regulado por princípios marxistas.

Não é legítimo querer uniformizar o que de si é múltiplo e complexo, como ensina a evolução da natureza e da cultura. A filosofia a seguir-se deveria ser, na consideração da cultura e da natura, aceitar a diferença no respeito sagrado por cada pessoa e grupo; e isto numa relação de complementaridade consciente e aceite, em vez de se procurar tornar tudo cada vez mais igual na ilusão de que, com um simples ideal monolítico e monista, se dá resposta à necessidade de nos reconhecermos mundialmente como irmãos. O que está aqui em jogo não é tanto o respeito pelo povo, mas a defesa de interesses monopolistas de caracter económico e ideológico. Em vez de nos prostrarmos perante uma ditadura económica liberal e ideológica  seria óbvio apostar numa revolução humanista a partir da pessoa e de baixo para cima.

© António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo (Português e História)

Pegadas do Tempo

(1)  Monismo é uma doutrina que reporta a pluralidade dos seres a uma única substância ou princípio. Para ele a distinção entre matéria e espírito, entre mundo e Deus é falsa e a multiplicidade dos fenómenos e o dualismo são tidos como ilusão dos sentidos. Só a totalidade tem substância real. Numa tal doutrina, tal como no comunismo, não há lugar para a pessoa soberana (tipo ocidental), o que conta é o todo e como tal a pessoa só tem sentido em função dele, e nesse entender fundamentaria que os “fins justificam os meios”. Daqui a união da posição do Dalai Lama com a ideologia comunista contra a cultura ocidental no esforço de, em comum, criarem um governo universal (ONU), possivelmente no sentido do modelo chinês!

(2)  No livro corre-se o perigo de se juntar o sorriso crónico do budista Dalai Lama à sabedoria moralista do cristão Franz Alt, porque possibilita, a pessoas desacauteladas, uma projecção unilateral de correntes ideológicas do Zeitgeist.

(3)  «Vejo cada vez mais claramente que o nosso bem-estar espiritual não depende da religião, mas da nossa natureza humana inata». “Os políticos preferem defender as fronteiras, nunca a inclusão; as desigualdades económicas evitam a coesão; as religiões geram violência”. «De certa forma, penso que seria melhor se não existissem religiões. Todas as religiões e todas as escrituras encerram em si um potencial de violência”.” Seguindo princípios de uma ética puramente secular tornar-nos-emos pessoas mais descontraídas, solidárias e sensatas”.