A VIOLÊNCIA NA SÍRIA NA PERSPECTIVA DOS EUA E DA UE

Intervenções, Interesses e Direito Internacional

O recente ataque de Israel a Damasco, justificado como uma acção para “proteger a minoria drusa”, revela mais uma vez a complexidade dos conflitos na Síria e o papel das potências externas na região. A escalada de violência entre clãs sunitas e drusos seguida por intervenções militares israelitas, demonstra como tensões locais são instrumentalizadas por actores regionais e globais, com consequências devastadoras para a população civil. Os beduínos sunitas estão em conflito com os drusos xiitas há décadas.

A Justificativa de Israel e a Realidade Geopolítica

Israel alega que os seus bombardeamentos visam proteger os drusos, uma minoria xiita que inclui cidadãos israelitas: 153.000 drusos são cidadãos israelitas e muitos deles prestam serviço voluntariamente nas forças armadas de Israel e mais de 20.000 drusos vivem como cidadãos sírios nas Colinas de Golã ocupadas por Israel. No entanto, é evidente que o objetivo estratégico mais amplo é enfraquecer o governo sírio e impedir a consolidação de um exército nacional forte. A Síria, fragmentada após anos de guerra, tornou-se um palco onde potências regionais e globais disputam influência.

Uma comparação com a Rússia na Ucrânia (após 2014) torna-se pertinente: ambos os casos mostram como potências externas justificam intervenções militares alegando proteção de minorias, enquanto, na realidade, buscam interesses geopolíticos. Se essa lógica se normalizar, o direito internacional e a soberania dos Estados ficam ainda mais fragilizados e ao serviço das grandes potências.

O Silêncio da UE e a Hipocrisia Ocidental

A cobertura mediática europeia, especialmente na Alemanha, tem sido bastante omissa quanto aos recentes acontecimentos na Síria. Esse silêncio reflete a cumplicidade histórica dos EUA e da UE na desestabilização do país. Desde 2011, o Ocidente apoiou rebeldes, incluindo grupos jihadistas ligados à Al-Qaeda, na esperança de derrubar Bashar al-Assad. O resultado foi o caos, a ascensão do ISIS e a destruição de um Estado que, apesar de autoritário, mantinha uma frágil coexistência entre sunitas, alauitas, cristãos e drusos. Coisa semelhante já se observou no Iraque e na Líbia.

O actual governante sírio, Ahmed al-Sharaa, é um exemplo dessa política falida. Apesar do seu passado em organizações terroristas, ele recebeu o apoio ocidental por ser visto como uma alternativa a Assad. No entanto, a sua liderança é fraca, e a violência sectária só aumentou, com massacres contra alauitas e cristãos. Em março, combatentes islâmicos massacraram centenas de alauitas; neste mês de julho uma igreja cristã foi atacada, resultando do ataque mortos e feridos.  Para a liderança israelita, o governante al-Sharaa é um “islamista de fato”.

Os Interesses das Grandes Potências

A Síria é mais uma vítima do jogo geopolítico entre EUA, Rússia, Irão, Turquia e Israel: Israel não quer uma Síria forte e age para manter o país dividido, os EUA e a UE, após falharem na mudança de regime, ainda apoiam facções rebeldes, perpetuando a instabilidade; a Rússia e o Irão sustentam o governo sírio, mas também exploram a situação para expandir a sua influência.

No meio de tudo isto, a população sofre: mais de 300 mortos nos recentes bombardeios e também cristãos e alauitas perseguidos, e um Estado falido que não consegue proteger os seus cidadãos.

O Direito Internacional em Colapso?

Se potências externas continuarem a intervir em conflitos internos sob pretextos humanitários ou de “proteção de minorias”, a soberania dos Estados fracos será uma ilusão. A Síria é um exemplo trágico de como intervenções estrangeiras, sob a fachada de democratização ou proteção, podem destruir um país.

Enquanto a comunidade internacional não reconhecer que a paz na Síria exige o fim das interferências externas e uma solução política inclusiva, a violência só vai escalar. E, como sempre, serão os civis sírios, sejam sunitas, drusos, alauitas ou cristãos, os que pagarão o preço.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do tempo

ROUBOS EM LOJAS ALEMÃS DE COMÉRCIO

O comércio retalhista alemão enfrenta prejuízos milionários com o aumento de furtos, um fenómeno impulsionado pela escalada dos preços, estratégias comerciais questionáveis e um crescente mal-estar social. Segundo um estudo do Instituto EHI, as perdas chegaram a 4,95 mil milhões de euros em 2024, envolvendo desde clientes (2,95 mil milhões de euros) até funcionários (890 milhoes de euros) e fornecedores com o respetivo pessoal de serviço (o resto).

Com a inflação a corroer o poder de compra, muitos consumidores já não conseguem pagar produtos básicos. Alguns recorrem ao furto por pura necessidade, enquanto outros o fazem como forma de protesto contra os preços abusivos. As caixas de auto-atendimento também facilitam os roubos, tornando mais difícil a deteção.

Os produtos mais visados são itens de valor elevado e fácil revenda, como bebidas espirituosas, perfumes, cosméticos e lâminas de barbear. No entanto, o problema vai além da criminalidade ocasional: cerca de um terço dos furtos são cometidos por redes criminosas organizadas, que agem de forma planeada.

O aumento descontrolado dos custos e a prática de reduzir o conteúdo das embalagens sem ajustar o preço – conhecida como shrinkflation – têm gerado desconfiança nos consumidores. Para muitos, a sensação de injustiça económica justifica, de alguma forma, os furtos. Além disso, o contexto global, incluindo guerras financiadas indiretamente pelos cidadãos, contribui para uma erosão da moral social, fazendo com que alguns vejam o roubo como um ato de resistência.

Apesar dos esforços do setor, que em 2024 gastou 1,6 milhões de euros em medidas de segurança, o EHI revela que 98% dos casos de furto passam despercebidos. A dificuldade em conter o problema reflete não apenas a sofisticação dos criminosos, mas também a dimensão de uma crise que vai além da segurança e toca em questões económicas e éticas mais profundas.

Enquanto os preços continuarem a subir e as desigualdades se acentuarem, o comércio terá de lidar não só com a criminalidade, mas também com a crescente perceção de que, para muitos, o furto deixa de ser um crime e tornando-se um ato de sobrevivência ou revolta.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

De Roma, um apelo à razão e à consciência do mundo

Papa Leão XIV clama aos poderosos: troquem as armas pelo diálogo

Num tempo em que o mundo parece andar tolo e perder o rumo, o Papa Leão XIV levanta a voz com firmeza e esperança.

“Peçamos ao Senhor que toque os corações dos poderosos e inspire as suas mentes, para que substituam a violência das armas pela busca do diálogo.”

É um apelo direto. Um sopro de lucidez no meio da confusão.
Porque onde deveria haver liderança com alma, cresce o ruído das ambições.
Poder, dinheiro, influência e controlo — são estes os ídolos de muitos políticos que em vez de servirem o bem comum preferem determinar como o povo e as outras pessoas devem viver, agir, falar e pensar.

Antes das férias, o Papa deixa uma bênção simples, mas necessária:

“Desejo a todos um tempo de descanso para fortalecer o corpo e a mente.”

Mas vai além do descanso. Pede consciência.

Chama-nos à responsabilidade de erguermos a voz em favor do que realmente importa — aquilo que se está a afogar na loucura do nosso tempo.

E que loucura é essa?

É a de um mundo onde a paz já não é prioridade.
Onde os líderes trocam o diálogo pela imposição.
Onde a palavra cede lugar à força e a humanidade fica para trás.

Leão XIV fala para todos. Mas sobretudo para aqueles que detêm o poder de mudar o rumo das coisas.
Que saibam ouvir. Que escolham a paz. Que compreendam que o verdadeiro poder está no serviço, não na dominação.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

EUROPA SOLO E SEM HERDEIROS

Um Retrato da Solidão Demográfica

A Eurostat, essa discreta contabilista do Luxemburgo, anunciou recentemente que a Europa em 2024 albergava 202 milhões de famílias (agregados domésticos). Deste número, 75 milhões eram compostas por uma única alma — solitários sem filhos, a marchar triunfantes no pódio das estatísticas, com um crescimento de 16,9%. Em segundo lugar, os casais sem filhos (49,1 milhões) e outras configurações domésticas igualmente estéreis (30,5 milhões). E, lá no fim, quase como uma relíquia do passado, os casais com filhos (30,3 milhões), cuja quota encolheu 4,4% desde 2015.

Uma Europa que envelhece, que se fecha em apartamentos minúsculos, que celebra a liberdade individual, mas se assusta com engravidamentos. E, no entanto, essa mesma sociedade lamenta-se da imigração, como se os refugiados fossem um incómodo matemático: queremos menos gente, mas também queremos quem faça o trabalho que já não nos apetece. A economia, essa divindade caprichosa, prefere importar braços em vez de exportar oportunidades. E assim se constrói o paradoxo: condenamos os que fogem da miséria enquanto nos encolhemos no nosso bem-estar estéril.

No meio de tudo isto, a política alimenta fantasmas. Inventa inimigos, semeia divisões, transforma a convivência num campo de batalha. O belicismo, outrora disfarçado de último recurso, agora passeia-se de cabeça erguida, travestido de virtude cívica. E o cidadão, confuso entre slogans e estatísticas, descarrega a sua frustração no estrangeiro — esse bode expiatório sempre conveniente.

Os números, frios e implacáveis, desenham uma Europa em declínio. Seriam ainda mais sombrios se as estatísticas ignorassem os muçulmanos, esses fiéis à “lei natural” que, ao contrário dos nativos, ainda ousam multiplicar-se para poderem engrandecer a sua “Uma”! Ironia das ironias: enquanto uns promovem o aborto como bandeira progressista, outros cultivam guetos onde a natalidade é vista como um dever e indícios de progresso. Dois mundos que coexistem sem se entenderem, alimentando uma guerra cultural que ninguém assume, mas que todos combatem à socapa.

E no meio deste teatro, Bruxelas dança. Os donos do poder e disto tudo deliciam-se com os seus discursos, enquanto a população — nativa e migrante — é reduzida a mero figurante num drama que não escolheu. Vítimas de um sistema que as explora e depois as põe umas contra as outras.

A diminuição demográfica tal como a agressão aos estrangeiros são o sintoma, não a doença. A doença chama-se irresponsabilidade política — essa arte estéril de governar pelo conflito, de alimentar medos em vez de esperanças, de criar bodes expiatórios em vez de assumir falhas. Enquanto o povo e os migrantes se gladiam, os verdadeiros responsáveis observam, impunes, do alto dos seus cadeirões sem terem de ser judicialmente julgados pelos seus actos. São eles os arquitetos desta guerra entre pobres, e, no entanto, continuam a chamar-lhe ‘democracia’ dos seus valores que não dos da Europa.

Resta perguntar: quando a última família tradicional desaparecer, quem trará flores ao seu funeral?

 

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do tempo

A Onda Guerreira Ameaça Dominar os Diferentes Setores da Sociedade: Um Apelo à Consciência

Kassel: Do Passado Destruído ao Presente Belicista

Durante a Segunda Guerra Mundial, dois terços da cidade de Kassel, na Alemanha, foram reduzidos a escombros devido à sua importância estratégica na indústria de armamentos. Ironia da história, hoje, Kassel volta a ser um dos maiores centros da produção bélica germânica. O ciclo parece repetir-se, mas desta vez com um agravante: a normalização da guerra como política de Estado.

O Requerimento que Simboliza uma Tendência Perigosa

Recentemente, em Niestetal-Kassel, o partido CDU apresentou no parlamento um pedido para a construção de uma pista de testes de tanques, com uma extensão de 100 hectares — o equivalente a 140 campos de futebol. Este projeto não é um caso isolado. Em toda a Alemanha, os partidos do arco do poder têm abraçado um discurso belicista, pressionando por mudanças legais que facilitem o armamento e a militarização. Manifestação em Niestetal. Há 8 horas — Manifestação em frente ao conselho distrital

Contra essa corrente, manifestantes tomaram posição (4/6/2025) em frente ao conselho distrital com palavras de ordem que ecoam como um grito de alerta: “Carteiras escolares em vez de carreiras de tiro”, “Capacidade de paz em vez de capacidade de guerra”, “Mais ativistas da paz e menos belicistas”. No entanto, a resposta da imprensa mainstream tem sido uma “artilharia pesada” contra os pacifistas, enquanto o governo alemão justifica o investimento militar como motor de recuperação económica.

A Militarização da Educação e a Lavagem Cerebral das Novas Gerações

O cenário torna-se ainda mais sombrio quando empresas de armamento buscam infiltrar-se nas escolas, participando em feiras de orientação profissional para recrutar jovens. Com financiamento estatal, ambicionam também influenciar a investigação universitária, direcionando-a para o desenvolvimento de tecnologias bélicas.

Onde estão os espaços que promovam a cultura da paz? As escolas preparam os alunos para a competição, mas não para a cooperação. Quem defende a presença da Bundeswehr (Forças Armadas alemãs) nas salas de aula não fala do futuro — fala da guerra. E, pior ainda, está a servir um “modelo de negócio de morte”.

A Hipocrisia dos Partidos “Cristãos” e a Manipulação da Opinião Pública

Os partidos com a letra “C” (de cristão) no nome abandonaram qualquer princípio pacifista, alinhando-se com a indústria da guerra. Sob o pretexto de “todos queremos a paz”, promovem as “oficinas da guerra” com um fervor inédito. Enquanto isso, a opinião pública é manipulada por uma narrativa que esconde os verdadeiros problemas sociais, transformando a população em marionetas de um jogo geopolítico perigoso.

O Papa Leão XIV já alertou: “A aprendizagem do respeito e da amizade é condição prévia para a paz.” Mas a Alemanha, aspirante a líder da União Europeia, parece empenhada em transformar o continente no “segundo grande polo armamentista”, logo atrás dos EUA.

A Esperança Resiste: Os Jovens e a Resistência Pacifista

Apesar da propaganda, um estudo recente — “Jovem Europa 2025” — revela que 55% dos alemães entre 16 e 26 anos rejeitam o serviço militar obrigatório. Apenas 38% apoiam a medida. Os Verdes, por sua vez, tentam trazer transparência, prometendo tirar a Bundeswehr e as empresas de armamento “da sombra”.

A Cultura como Último Bastião da Paz

É urgente que a arte — o teatro, a música, a literatura — assuma o seu papel como “mensageira da paz”, recusando-se a ser instrumentalizada como “música de fundo” da política belicista. A sociedade não pode permitir que a guerra seja normalizada.

Chegamos a um ponto de viragem. Ou escolhemos o caminho da diplomacia e do humanismo, ou seremos arrastados por uma onda de militarismo que só trará mais destruição. A pergunta que fica é: Onde é que chegámos? E, mais importante ainda: Para onde queremos ir?

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do tempo