Num mundo marcado por divisões e conflitos, o Papa Francisco emergiu como um farol de humanidade e esperança. O seu pontificado foi uma lição viva de simplicidade e proximidade, como ilustra o breve diálogo que manteve com um fiel no Vaticano:
— “Bom dia, Santo Padre!”
— “Bom dia, Santo Filho!”
Esta resposta, cheia de ternura e igualdade, sintetiza o espírito de um homem que sempre viu Cristo no rosto do outro.
Um Legado de Paz e Reforma
Francisco foi o Papa da paz e do povo. A sua mensagem, centrada no amor ao próximo e na justiça social, ecoou além das fronteiras da Igreja. Quando exortou o mundo a levantar a “bandeira branca” da reconciliação — inspirado no mandamento de Jesus: “Ama o próximo como a ti mesmo” — desafiou os poderes que alimentam a guerra. “O amor e a paz são uma e a mesma moeda”, insistia. A guerra não pode ser optada como meio para se alcançar a paz! Toda a invocação ao armamento não passa de um apelo à guerra. A lógica do medo escraviza as pessoas e torna-as servas de dominadores e de belicistas.
A sua crítica à indiferença e à violência foi incansável. Citando as palavras de Cristo — “Guarda a tua espada no lugar, pois quem pela espada vive, pela espada morrerá” —, lembrava-nos que a verdadeira espada é a do discernimento, não a das emoções não resolvidas. “Enquanto valorizarmos mais os bens materiais do que o milagre da vida, a mensagem do Evangelho ainda não nos alcançou.”
Um Reformador com os Pés na Terra
Francisco revolucionou com gestos simbólicos: recusou ostentações, preferiu viver em Santa Marta, escolheu ser sepultado em terra na Basílica de Santa Maria Maior e aproximou-se dos marginalizados. A sua primeira visita a Lampedusa, onde denunciou a “indiferença desenfreada” perante os refugiados, marcou o tom do seu papado. Em 2013, ao declarar “Se uma pessoa é gay e procura o Senhor de boa vontade, quem sou eu para julgar?”, abriu portas que muitos julgavam fechadas.
Foi um reformador: aproximou-se dos marginalizados, abriu discussões sobre temas difíceis (como a acolhida a divorciados e pessoas LGBTQ+) e incentivou uma “ortodoxia dinâmica”, fiel ao Evangelho, mas adaptada às necessidades pastorais.
Promoveu sinergias, incentivando a política e a Igreja a abandonar o espírito de competição e a “encontrar Jesus nas pessoas”. Nas exortações Evangelii Gaudium (A Alegria do Evangelho) e Amoris Laetitia (A Alegria do Amor), reafirmou o espírito do Concílio Vaticano II, desagradando teólogos mais tradicionalistas. Para ele, as controvérsias (1) eram um “Método de Descoberta da Verdade”, e as discussões, necessárias. O seu legado não deixa uma igreja indiferente porque convidada a não se fixar apenas em doutrinas que embora provadas deixam a desejar no aspecto pastoral (moral sexual).
Desafios e Tensões
A sua abordagem gerou resistências. A Igreja alemã, por exemplo, criticou-o por não ser suficientemente adaptado ao espírito do tempo, enquanto outros o acusaram de ingenuidade ao dialogar com o Islão. Francisco insistia na fraternidade universal, mas a ausência de líderes muçulmanos e judeus no seu funeral — provavelmente devido às suas críticas à guerra em Gaza e ao hegemonismo religioso muçulmano— revela as complexidades desse diálogo. (Nas cerimónias fúnebres do Papa Francisco – 26 de abril de 2025, o 266.º papa depois de Pedro – estiveram presentes centenas de milhares de fiéis e mais de 160 líderes mundiais).
A sua visão de uma Igreja em peregrina, comprometida com os pobres e aberta à reforma, contrastava com estruturas enrijecidas. Questões como o celibato clerical ou o diaconado feminino ficaram em suspenso, mas o seu chamamento à “ortodoxia dinâmica” — fiel à doutrina, mas pastoralmente criativa — permanece um desafio.
(O papa terá de orientar-se entre a “verdade revelada” e a interpretação que a natureza e a História expressa no seu desenrolamento, o que implica a capacidade de manter a igreja una e de escolher a melhor pedagogia para se fazer compreender num mundo secular cada vez mais exposto à formatação da consciência social e pessoal por elites desalmadas. Almas assim formatadas tornam-se alérgicas a tudo que envolva espiritualidade, o que exige por isso caminhadas mais longas sem recursos a atalhos.) É importante seguir com os tempos sem cair na tentação da politização da Igreja especialmente nesta época em que poderes económicos e ideológicos a actuar globalmente ameaçam levar na sua enxurrada a pessoa humana e tudo o que tenha a ver com valores perenes. Urge continuar uma ortodoxia viva e dinâmica virada para a pastoral do cunho da teologia da libertação no espírito de Francisco. O grande desafio será manter a tradição evangélica doutrinal não corruptível pelo tempo, não a maculando com a pressão ocidental demasiadamente adaptada às tendências modernistas europeias como é mais próprio dos evangélicos na Alemanha, sem pressupor que a Igreja é universal e como tal não subjugável a uma cultura ou a modas do tempo não podendo ser embaciada por elas de modo a não ver a verdade que deve seguir para poder confirmar os fiéis na fé.
O Adeus ao Papa do Povo
Com a sua morte, a 26 de abril de 2025, o mundo parou. Centenas de milhares de fiéis e mais de 160 líderes mundiais reuniram-se no Vaticano. Trump e Zelensky aproveitaram o momento para um encontro inédito, confirmando o papel da Igreja como mediadora.
Mas quantos daqueles políticos, ali presentes, estavam verdadeiramente próximos do seu espírito? Francisco, o primeiro Papa jesuíta e não europeu, viveu como “construtor de pontes”, colocando a caridade e o humanismo cristão no centro da sua missão.
O Caminho que Fica
Num mundo racionalista e cada vez mais desumanizador, o seu legado é um convite: Escutar o coração, onde Jesus fala no silêncio. As razões do coração, afinal, transcendem a lógica unilateral da mente.
A Igreja, peregrina na História, enfrenta o dilema de equilibrar a “verdade revelada” com os sinais dos tempos. O Espírito Santo age tanto na instituição quanto no povo — mas o poder espiritual, que concede verdadeira dignidade, não se confunde com o poder político – meramente democrático (como por vezes se fez sentir na Igreja da Alemanha). Permanecerá o desafio: O poder espiritual presente no povo é diferente do poder político em que assenta a democracia; não é legítimo, por isso, confundir-se o voto individual democrático movido pelo poder político com o voto individual movido pelo Espírito Santo; este é mais abrangente e é o que concede a verdadeira dignidade e a soberania à pessoa, o outro é limitado produzindo dependência e igualdade apenas perante a lei.
Francisco partiu, mas a sua pergunta ecoa: “Quem é responsável pelo que está a acontecer agora?” Num mundo de hipocrisia e medo, a sua vida foi uma resposta: “Só o amor terá a última palavra.”
O novo papa Leão XIV saberá acamar os ânimos divergentes e fazer a ponte entre tradição e inovação.
António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo: https://antonio-justo.eu/?p=10032
(1) Controvérsia como Método de Descoberta da Verdade: https://antonio-justo.eu/?p=3336
O Papa Francisco sempre se diferenciou do comportamento de funcionários e da conduta arbitrária e distante que muitos políticos e dignatários expressam nas suas funções.
Houve tantos políticos presentes em torno do cadáver de Francisco e tão longe do seu espírito. O livro “Esperança” do Papa Francisco é a primeira autobiografia publicada por um papa na história manifesta também ele com suas revelações e reflexões o espírito humanista e envolvedora.
Considero-o, caro António Justo…um homem honesto e sério. Mas considero que, sem ser por desonestidade, na questão religiosa está enganado e penso mesmo que será por bondade sua!
Veja por favor (em nome da verdade de Cristo lho peço) a Conferência do Doutor Mauro Biglino, cujo link lhe mando adiante, e verificará que as concepções dimanadas há séculos do Vaticano partem de mentiras sistemáticas, manipulatórias e, em símbolo, verdadeiramente satânicas.
Como acredito que o António Justo estime e esteja limpamente com a Verdade, ou seja com Cristo – que não nego, mas que os Papas e demais parafernália continuam a falsear cinicamente (todos eles, pois não podem desconhecer que este “Cristianismo” parte de uma ABSOLUTA FALSIDADE TEOLÓGICA EXPRESSA MEDIANTE A BIBLIA que é uma falsa fantasia/construção deles, ocidentais). Nomeadamente o falecido Jorge Bergóglio, dito Francisco, que teve total acesso aos aclaramentos de Mauro Biglino mas, com cinismo, os ignorou por interesse da sua falsa religião.
No fundo, abusou também do honesto António Justo! Pois a hipocrisia abusa de todos!
Um abraço firme do seu confrade
ns
e segue-se o link da conferência esclarecedora:
https://www.youtube.com/watch?v=2-Hmx6t4PPU
Caro amigo , vejo que estás a falar de algo que para ti tem um peso muito forte e até pessoal. Respeito isso, até porque envolve memórias familiares e um opinar de caracter absolutista.
Certamente na linguagem simbólica do familiar referia-se a uma próxima cisão na Igreja e que o Papa anda com os comunistas vermelhos.
Como interpretas exatamente essa parte do ‘mentiroso da terra pequena’? Estás a ligar isso ao Papa Francisco diretamente?
Compreendo que vejas ligação entre alguns posicionamentos sociais do Papa e ideias que associas ao comunismo. Mas também vejo o Papa a falar sobretudo de justiça social, à luz do Evangelho, o que a Igreja já faz há séculos – muito antes do comunismo existir.
Agradeço-te a sinceridade com que te expressas, e o respeito que tens por mim ao partilhar algo que sentes ser importante e até urgente.
Acredito sinceramente em Cristo, no Evangelho e também reconheço o valor profundo da Tradição cristã ao longo dos séculos. Não fecho os olhos a erros históricos, nem a debates legítimos, mas também não alinho em visões que reduzem tudo a uma conspiração deliberada. No mundo e na sociedade não há bem sem mal nem mal sem bem. Todos nós nos manobramos entre os dois. Uma coisa que me preocupa é o ataque sistemático que há à Igreja feito até por católicos. Preocupa-me porque vejo no plano de apagamento da mesma o plano maior que é a destruição da sociedade ocidental, para ser feito dela uma sociedade movida pelo mero funcional à maneira asiática e muçulmana.
Caro amigo, conheço as teorias de Mauro Biglino e, sinceramente, não as considero credíveis do ponto de vista histórico ou linguístico. A maioria dos estudiosos sérios do hebraico antigo (mesmo não-cristãos) considera as suas leituras como forçadas e especulativas. Não é por ignorância ou cinismo que o Papa não segue essas ideias, mas sim porque são frágeis e fora do consenso histórico e teológico.
O Papa Francisco pode ter falhas como qualquer pessoa, mas vejo nele uma voz de compaixão, justiça e coerência com os valores de Cristo. Acusá-lo de falsidade ou satanismo parece-me excessivo, e não ajuda à causa da verdade. Além disso observo que uma elite globalista procura desacreditar o cristianismo dado ele considerar a pessoa humana e cada uma delas como soberana.
Mais do que debater sobre teorias ou interpretações extremas, acredito que é no exemplo de Cristo e no amor ao próximo que se prova a verdade. Podemos continuar a caminhar juntos, mesmo que vejamos algumas coisas de modo diferente.
Um abraço cordial
António Justo