Kassel: Do Passado Destruído ao Presente Belicista
Durante a Segunda Guerra Mundial, dois terços da cidade de Kassel, na Alemanha, foram reduzidos a escombros devido à sua importância estratégica na indústria de armamentos. Ironia da história, hoje, Kassel volta a ser um dos maiores centros da produção bélica germânica. O ciclo parece repetir-se, mas desta vez com um agravante: a normalização da guerra como política de Estado.
O Requerimento que Simboliza uma Tendência Perigosa
Recentemente, em Niestetal-Kassel, o partido CDU apresentou no parlamento um pedido para a construção de uma pista de testes de tanques, com uma extensão de 100 hectares — o equivalente a 140 campos de futebol. Este projeto não é um caso isolado. Em toda a Alemanha, os partidos do arco do poder têm abraçado um discurso belicista, pressionando por mudanças legais que facilitem o armamento e a militarização. Manifestação em Niestetal. Há 8 horas — Manifestação em frente ao conselho distrital
Contra essa corrente, manifestantes tomaram posição (4/6/2025) em frente ao conselho distrital com palavras de ordem que ecoam como um grito de alerta: “Carteiras escolares em vez de carreiras de tiro”, “Capacidade de paz em vez de capacidade de guerra”, “Mais ativistas da paz e menos belicistas”. No entanto, a resposta da imprensa mainstream tem sido uma “artilharia pesada” contra os pacifistas, enquanto o governo alemão justifica o investimento militar como motor de recuperação económica.
A Militarização da Educação e a Lavagem Cerebral das Novas Gerações
O cenário torna-se ainda mais sombrio quando empresas de armamento buscam infiltrar-se nas escolas, participando em feiras de orientação profissional para recrutar jovens. Com financiamento estatal, ambicionam também influenciar a investigação universitária, direcionando-a para o desenvolvimento de tecnologias bélicas.
Onde estão os espaços que promovam a cultura da paz? As escolas preparam os alunos para a competição, mas não para a cooperação. Quem defende a presença da Bundeswehr (Forças Armadas alemãs) nas salas de aula não fala do futuro — fala da guerra. E, pior ainda, está a servir um “modelo de negócio de morte”.
A Hipocrisia dos Partidos “Cristãos” e a Manipulação da Opinião Pública
Os partidos com a letra “C” (de cristão) no nome abandonaram qualquer princípio pacifista, alinhando-se com a indústria da guerra. Sob o pretexto de “todos queremos a paz”, promovem as “oficinas da guerra” com um fervor inédito. Enquanto isso, a opinião pública é manipulada por uma narrativa que esconde os verdadeiros problemas sociais, transformando a população em marionetas de um jogo geopolítico perigoso.
O Papa Leão XIV já alertou: “A aprendizagem do respeito e da amizade é condição prévia para a paz.” Mas a Alemanha, aspirante a líder da União Europeia, parece empenhada em transformar o continente no “segundo grande polo armamentista”, logo atrás dos EUA.
A Esperança Resiste: Os Jovens e a Resistência Pacifista
Apesar da propaganda, um estudo recente — “Jovem Europa 2025” — revela que 55% dos alemães entre 16 e 26 anos rejeitam o serviço militar obrigatório. Apenas 38% apoiam a medida. Os Verdes, por sua vez, tentam trazer transparência, prometendo tirar a Bundeswehr e as empresas de armamento “da sombra”.
A Cultura como Último Bastião da Paz
É urgente que a arte — o teatro, a música, a literatura — assuma o seu papel como “mensageira da paz”, recusando-se a ser instrumentalizada como “música de fundo” da política belicista. A sociedade não pode permitir que a guerra seja normalizada.
Chegamos a um ponto de viragem. Ou escolhemos o caminho da diplomacia e do humanismo, ou seremos arrastados por uma onda de militarismo que só trará mais destruição. A pergunta que fica é: Onde é que chegámos? E, mais importante ainda: Para onde queremos ir?
António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do tempo
A cultura tem um significado maior do que a arte
Vítor Lopes, afirmação “A cultura tem um significado maior do que a arte” é, de fato, lapidar — mas também redutora. Ela pressupõe uma hierarquia clara entre dois conceitos que são, na verdade, interdependentes e coessenciais. De facto:
A arte é a expressão mais pura da cultura
A cultura não existe no vácuo; ela se materializa através de suas manifestações artísticas. A arte — seja literatura, música, pintura ou dança — é o veículo pelo qual a cultura se torna tangível, emocional e acessível. Sem arte, a cultura seria um esqueleto sem corpo: teria estrutura, mas não vida.
A cultura é o solo, a arte é a flor
Sim, a cultura abrange mais do que a arte (inclui tradições, normas, valores, hábitos). Mas seria como dizer que o solo é mais importante do que as plantas que dele brotam. O solo é fundamental, mas é através das flores que sua riqueza se revela. A arte, nesse sentido, é a cultura em ato, a sua face visível e sensível.
A arte transcende a cultura
Enquanto a cultura muitas vezes se vincula a um grupo ou tempo específico, a arte tem o poder de ultrapassar fronteiras e eras. Uma sinfonia de Beethoven ou um quadro de Van Gogh falam a pessoas de culturas distintas, às vezes séculos depois. Nesse aspecto, a arte não é menor — é justamente o que torna a cultura universal.
O “significado maior” depende da pergunta
Se perguntarmos “O que é mais abrangente?”, a cultura ganha. Mas se perguntarmos “O que é mais transformador?” ou “O que comunica o inefável?”, a arte surge como força primordial. A cultura define-nos como grupo; a arte define-nos como humanos.
A arte e a cultura não competem — completam-se. Dizer que uma tem “maior significado” do que a outra é como debater se o vinho é mais importante do que a uva. A cultura é a raiz, mas a arte é o fruto que nos embriaga de sentido. Obrigado pelo teu comentário. Assim tive a oportunidade de esclarecer do meu ponto de vista uma afirmação meia-verdade; sabes, das meias verdades vivem os nossos políticos e quem não se encontra no caminho da procura dela.
Se os 5% do PIB de cada cada país , fossem investido em cultura , jamais falariâmos em guerra. A vida é bela sempre.
Josue Paranho, exatamente! Se esses 5% transformassem ódio em arte, medo em diálogo e indiferença em empatia, a vida não só seria bela – seria paz em flor.
Magnífico texto! Toca nas feridas duma sociedade que resvala para
o abismo mas também aponta meios de cura e preservação do que ainda existe de melhor. Sigamos o alerta do nosso actual Papa Leão XIV.
Bem Haja!
Mafalda Borges Freitas Pereira, muito obrigado! Efectivamente, se a consciência é o primeiro passo para a cura, o seu reconhecimento já é sinal de esperança. O alerta do Papa Leão XIV continua a ser uma voz num deserto árido onde as botas dos poderosos marcham numa alienação de si mesmos e da sociedade. O Santo Padre inspira-nos a agir pela cura da sociedade e pela beleza que ainda resiste. Bem haja, Mafalda, pela luz que traz
Tempos preocupantes, nos quais, a velha máxima: ” que somente pela guerra se alcança a paz”. Ou seja, uma “paz” imposta pela vontade do vencedor. Posso estar errado, mas vejo os tempos atuais no livro “Leviatan” de Thomas Hobbes, o surgir do monstro, o qual ira dominar a luta perpetua do homem contra o homem, mas no caso atual, tenta-se aludir a um estado “leviatanico” superior aos demais estados, que impedirá a luta pela própria luta, neste caso, primeiramente uma luta retórica – (normalização) – de uma “eventual e exagerada” necessidade protetiva de ímpeto nacional. No fundo, a meu ver, é a conservação daquilo que chamamos ” cultura ocidental”; “democracia”; ‘tirania” e por ai fora, dentro de moldes hermeticamente fechados e que não admitem outras formas de visão, entendimento, analise e nova conceitualização desses mesmos conceitos. Posso estar errado na analise, mas é assim que vejo o assunto por si apontado, no qual o “inimigo” é o diferente, (o pacifista, o da não à guerra), o outro que mostra outra visão e por tal, é necessário devolve-lo ao “pensamento” imposto, que as coisas são como são e não são, nem podem ser iguais ao que ele pensa.
Nelson Luis Carvalho Fernandes , agradeço profundamente o seu comentário, que enriquece o texto com aspectos filosóficos e políticos pertinentes. Você traz à tona o paradoxo hobbesiano de que a ‘paz’ pode ser apenas a máscara de uma ordem coercitiva — um ‘Leviatã’ que, hoje, se reinventa como hegemonismo cultural ou mesmo como narrativa de ‘proteção’ universalizada. Concordo que há um risco real de dogmatização e de formalização e formatização do pensar do povo : quando a ‘cultura ocidental’ e a ‘democracia’ se tornam conceitos estáticos, blindados a críticas, transformam-se em armas contra o dissenso, inclusive contra vozes pacifistas ou alternativas. Observa-se, a partir de Bruxelas, da OMS, da UNESCO, etc. uma tendência de defesa de um pensamento único e de posições únicas como sendo as certas, como se observa concretamente em relação às guerras em que o Ocidente se encontra envolvido, à militarização institucional e do discurso público.
No entanto, pergunto: será possível escapar dessa lógica sem recair em novos absolutismos? Se o ‘inimigo’ é sempre o diferente, como evitar que a própria resistência a esse sistema se torne outro Leviatã, ainda que sob novas roupagens? Talvez a saída esteja não na imposição de um novo status quo, mas na aceitação do conflito como espaço de diálogo — uma gramática do mistério (como diria Octavio Paz) onde ‘o outro’ não precise de ser assimilado, mas sim escutado.
A sua análise é incisiva e, mesmo que debatível (como toda boa reflexão deve ser), aponta para o cerne do problema: a guerra pela narrativa. Que possamos, juntos, desarmar mais discursos assim aplainar mais trincheiras.
Sem dúvida que sim, afirmo como forma de desejo de que devemos desarmar discursos. Mas vou ficar apenas na pergunta colocada. Tudo surge do conflito, porque afinal de contas a verdade para o homem não é absoluta, por isso acho um tanto difícil, pelo menos para já, o ultrapassar dessa “paradigmatia dualista” de peso e contra peso, como forma de evitar o absolutismos. Creio que, no entanto, o ultrapassar de tal necessitará de um novo espírito mental e uma moral mais cooperativista e mais elevada, a qual, a meu ver reflete um pouco o espirito do autor referenciado por si, e o qual, honestamente desconheço. Mas, consultando um pouco esta maquineta, consegui verificar que se trata de um escritor mexicano do séc. XX, no entanto, como afirmei, desconheço sua obra. No fundo, é o escutar e dialogar que tais conceitos deixam ou tenta-se que deixem de ser hemáticos e passam a ter uma abertura a novas possibilidades, no entanto, sempre precisamos estar atentos ao que escutamos e por vezes replicamos, pois algumas coisas ouvidas são armadilhas, que contribuem em muito para a repetição do mesmissímo.
Nelson Luis Carvalho Fernandes, a sua reflexão toca em pontos profundos sobre a natureza do conflito, da verdade e da busca por um diálogo autêntico. Permita-me responder de forma a alinhar sua perspectiva com a ideia de que “no princípio era a Palavra” (João 1:1), propondo uma síntese entre o seu comentário e essa noção primordial:
O senhor menciona que “tudo surge do conflito” — e isso ecoa justamente a queda do homem na relação com a Palavra original. Quando a verdade é fragmentada em pesos e contrapesos humanos (como você bem observa), estamos longe da Palavra que precede e unifica os opostos. O dualismo que citou é, em essência, um sinal de que a Verdade absoluta (a Palavra criadora) foi substituída por disputas de narrativas e por uma maneira condicionada de ser e de estar em sociedade.
A sua esperança por uma “moral cooperativista” é nobre, mas talvez precise ser radicalizada: não se trata apenas de uma evolução ética, mas de um retorno à fonte, dado a moral andar sempre demasiadamente amarrada às circunstâncias. A Palavra já estava lá antes de todos os formatos e forças que nos moldam (“E a luz resplandece nas trevas, e as trevas não a compreenderam” — João 1:5). O problema é que ela “nem sequer é procurada”. As “armadilhas” do discurso que menciona (a repetição do “mesmíssimo”) surgem quando dialogamos a partir de paradigmas humanos demasiadamente situados , e não a partir da Palavra como fundamento.
Também fala em “escutar e dialogar” para além de categorias fechadas — e isso é importantíssimo. Mas a verdadeira abertura não é apenas para “novas possibilidades”, e sim para Aquilo que já era: a Palavra que desarma os discursos porque os transcende e por isso mesmo dá oportunidade às subjectividades. O risco não está apenas no que replicamos, mas em como replicamos: se com as palavras do mundo (cheias de cálculo dualista) ou com a Palavra que “era desde o princípio” (1 João 1:1).
O autor mexicano que você desconhece (e que é secundário aqui) talvez intuísse algo disso. Mas a resposta plena está no Evangelho de João: a Palavra que se fez carne e habita no diálogo — não como peso ou contrapeso, mas como graça e verdade (João 1:14). O “novo espírito” que você busca já existe: é o Espírito que “vos guiará a toda a verdade” (João 16:13), rompendo paradigmas não por relativismo, mas por re-ligação à origem.
O conflito é a ausência da Palavra no diálogo. E a solução não está em evitar absolutismos, mas em encontrar o Absoluto certo — aquela Palavra que, se acolhida, nos liberta da “paradigmatia dualista” e das forças formatadoras porque nos coloca antes dela.
É triste primo, a russia fez que tudo mudasse as ideias do mundo
António Cunha, por trás da Rússia e da Ucrânia há muitos outros interesses em jogo. Naturalmente a União europeia procura convencer o público dos seus interesses e as outras fazem o mesmo respectivamente. Eu sou de opinião de a nível individual não nos tornarmos soldados de um lado nem do outro.
Eu sou igual : para quê a guerra? Cada um tem aquilo que tem. Ninguem quer morrer por políticas sujas a vida é muito curta . Jamais serei pela guerra mas sim paz
A guerra é sempre negócio para elites (plutocracias) e os filhos do povo são a carne para canhão. E por fim quem fica na História para o povo admirar são por vezes aqueles que abusaram dele!
Manuel Campos, a afirmação lapidar e gratuita “Um Governo que retira a Ética do seu Código de Conduta, deveria demitir-se ou ser demitido! Perdeu a credibilidade!” desqualifica o governo e quem a diz, porque quem a lê fica com a impressão de que se trata de um juízo precipitado. A frase soa categórica e acusatória, mas ao carecer de exemplos ou provas, pode ser percebida como um ataque político vazio, desqualificando tanto o governo quanto o autor da crítica, por falta de substância.
António Cunha Duarte Justo, provas de quê? A decisão porventura não foi tomada?
Falta de que substância? Podes dizer?
Manuel Campos, uma premissa deve estabelecer o ponto de partida para chegar a uma conclusão! E a conclusão a que chegas na mensagem que colocaste é questionável porque carece de um raciocínio ou argumento lógico que justifique a conclusão a que chegas. Apenas move sentimentos!
António Cunha Duarte Justo, gostava de saber por que código se deve reger e guiar então um governo! A frase é lógica e categórica, não precipitada porque a decisão foi tomada.
Manuel Campos, compreendo o ponto de vista, mas justamente por se tratar de uma decisão já tomada é que importa analisá-la com equilíbrio e sentido crítico. A questão que levantei não pretende negar que governos devem reger-se por princípios e objetivos claros, mas sim sublinhar que, neste nível de discussão, deveríamos ir além do partidarismo e focar-nos nos méritos e riscos concretos da ação em causa.
A boa governação não se julga apenas pela intenção ou pelo enquadramento partidário, mas também pelos efeitos reais das medidas. É nessa perspetiva que entendo ser mais construtivo debater – procurando os aspetos positivos e negativos, sem ceder à tentação da dicotomia ideológica. Penso que a nossa formação pressupõe visões empenhadas mas para lá do partidarismo se não queremos ter um público que só diz amen mas não está interessado em olhar para além das entrelinhas ou não consegue ver muito além do que a própria perspectiva e interesses convêm..