PARA UMA DEMOCRACIA DE CIDADÃOS PLENOS

Eleições Presidenciais de 18 de janeiro de 2026, diáspora portuguesa e superação do burocratismo

As próximas eleições presidenciais de 18 de janeiro de 2026 em Portugal voltam a colocar no centro do debate democrático uma questão recorrente e estrutural: até que ponto o exercício da cidadania se encontra verdadeiramente ao serviço do povo soberano (Const. art.º 3.º) e não condicionado pelos meandros de uma democracia excessivamente partidária?

Numa democracia madura, o direito à cidadania não pode ser filtrado nem limitado por interesses partidários, nem transformado num instrumento seletivo que favorece uns cidadãos em detrimento de outros, conforme conveniências eleitorais de momento. Quando os direitos políticos são submetidos ao crivo das máquinas partidárias, o sufrágio deixa de ser expressão plena da vontade popular e passa a ser parte de um jogo estratégico de poder.

Esta limitação torna-se particularmente evidente no relacionamento dos partidos com os eleitores portugueses residentes no estrangeiro. A diáspora, que constitui uma parte significativa da nação, continua a enfrentar obstáculos práticos e burocráticos no exercício do voto (entraves administrativos, em contradição com o princípio constitucional da igualdade, art.º 13.º e com o direito de participação política, art.º 49.º), revelando uma contradição profunda entre o discurso oficial de inclusão e a realidade administrativa da exclusão indireta e prática.

Da formalidade ao essencial para recuperar o sentido do bem comum

Em cada ciclo eleitoral, observa-se um desgaste crescente do debate público: ativistas partidários perdem-se em questões formais, polémicas acessórias e confrontos estéreis, enquanto o essencial, o bem comum, os projetos de futuro, a coesão social, é relegado para segundo plano ou nem sequer se tem em vista. Esta lógica de confronto permanente não fortalece a democracia; pelo contrário, empobrece-a.

Urge, por isso, criar instrumentos mais transparentes, simples e eficazes de expressão da vontade cívica, que libertem o debate político da obsessão procedimental e permitam recentrá-lo no conteúdo, nas ideias e nas soluções.

Voto por correspondência e voto eletrónico são meios, não ameaças

Entre as possibilidades concretas para reforçar a participação democrática encontram-se o voto por carta e, sobretudo, o voto eletrónico. A recusa persistente em preparar seriamente estas modalidades não se justifica por razões técnicas insuperáveis, mas antes por receios políticos e pela defesa de interesses organizados que beneficiam da atual opacidade e complexidade do sistema.

Num tempo em que a tecnologia é utilizada para gerir sistemas financeiros, infraestruturas críticas e serviços públicos essenciais, argumentar que o voto eletrónico é, por natureza, inseguro revela mais um espírito retrógrado do que uma prudência democrática (art.º 9.º, al. c). A verdadeira ameaça à democracia não reside na tecnologia em si, mas na falta de vontade política para a colocar ao serviço da cidadania.

Não só representação, mas sobretudo participação democrática direta

Na era da Inteligência Artificial e da digitalização avançada, a democracia não pode continuar limitada a um modelo estritamente representativo, intermitente e pouco participativo. Cada cidadão deveria ter a possibilidade de participar de forma direta e regular na validação de programas, orientações estratégicas e grandes medidas governativas, através de mecanismos claros de consulta e votação cívica.

Tal evolução não destruiria a democracia; antes a aprofundaria. Naturalmente, este novo paradigma colocaria em causa interesses partidários enraizados numa cultura política baseada no confronto, no bloqueio mútuo e na instrumentalização do adversário, visto como inimigo a abater, e não como parte complementar de uma sociedade plural e complexa.

Urge mudança do espírito democrático

Um espírito democrático à altura do nosso tempo traria dificuldades àqueles que vivem da criação artificial de problemas para proveito próprio. Mas esse é precisamente o sinal de que a democracia estaria a cumprir melhor a sua função: servir os cidadãos e não os intermediários do poder.

Vai sendo tempo de abandonar definitivamente a lógica da apagada e vil tristeza — não como evocação nostálgica do passado, mas como crítica a um presente que insiste em permanecer aquém das suas possibilidades. Uma democracia viva exige coragem, confiança nos cidadãos e abertura à transformação.

A cidadania não pode ser administrada como concessão partidária. É um direito originário, inalienável e fundador da própria República.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do tempo

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António da Cunha Duarte Justo

Actividades jornalísticas em foque: análise social, ética, política e religiosa

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