Revolta dos ‘Burgueses’ na Europa (1)
Elite irresponsável, Classe Média ofendida e Precariado anónimo
António Justo
Burguês é o habitante do burgo; modernamente falando, seria o cidadão activo. Esta espécie, devido à partidocracia, deixou de ser tomada a sério pelas novas camadas dirigentes, nos estados europeus.
A camada média da sociedade conservadora sente-se roubada dos seus valores éticos e do seu papel de medianeira social. Uma política do salve-se quem puder prescinde duma classe média motriz, enraizada no povo e na nação. Um socialismo, que até à introdução do Euro ainda constituía uma energia moral correctiva do capitalismo tornou-se numa força esquerda do oportunismo liberalista. Infiltrou-se nas estruturas do Estado e em nome da representatividade proporcional partidária assegurou o lugar para os seus Boys e ideologia nas grandes empresas e nas instituições formadoras da opinião. Ideologia e interesses económicos, numa estratégia niveladora do seu caminho, unem-se assim numa missão de destruir valores que tenham a ver com economia social e com a cultura nacional. A nova elite fomenta uma cultura do escândalo para no caos poder servir-se sem reservas morais.
A geração política actual, que quer representar sem trabalhar, favorece gente sem consciência, movida apenas pelo desejo do dinheiro e do poder. Esta consegue evitar legislação e regras que seriam necessárias para impedir os excessos e extremismos de elites engordadas longe da cidadania e do trabalho sério e à margem da sociedade e da cultura. Com o turbo-capitalismo esta mentalidade epidemia espalha-se nas cúpulas por todos os continentes. Para os hábeis resta-lhes o encosto aos aparelhos dos partidos no Estado.
Um resto de velhas elites europeias com consciência social e cultural, que ainda se encontra por todo o lado em minoria, é, também ela, desacreditada na percepção popular, devido ao comportamento imoral e insocial da maioria da elite.
A Alemanha, e com ela a Europa pós-guerra, foram construídas pela camada baixa da sociedade em cooperação com a “burguesia”. A riqueza criada e o bem-estar possibilitaram o desenvolvimento da democracia e dum estado social exemplar a nível mundial.
Cidadãos ordeiros, disciplinados, com vontade de trabalhar, que fundavam pequenas e médias empresas, que compram casas e inscrevem os filhos nas melhores escolas, sentem o seu futuro e o futuro dos filhos ameaçados, sendo ao memo tempo difamados de “tradicionalistas” por essa Europa fora.
De repente, levantam-se aos milhares, a qualquer pretexto, por toda a Europa. Na França a pretexto da reforma, na Alemanha, Bélgica, Holanda e países nórdicos a pretexto da integração dos estrangeiros e de projectos de prestígio, que as gerações futuras têm de suportar.
Esta burguesia trabalhadora, que convive com o precariado social, levanta agora a voz da classe média ameaçada por oligarquias desenraizadas da sociedade e por um precariado que a política perdeu de vista. Frank A. Meyer consegue sintetizar bem a sua situação real ao afirmar na revista “Cicero”: “Os alemães ‘honestos ‘(dignos) sentem-se ignorados, desprezados, postergados, abandonados à direita e à esquerda”.
O laissez faire e o individualismo grassante, manifestos em elites, precariado e jornalismo liberal de esquerda dominante, têm olhado, com desdém, o “burguês” honrado e empenhado. Este deixou-se levar pela enxurrada do turbo-capitalismo liberalista, e sente-se em maus lençóis, começando agora a acordar e a protestar.
Uma Alemanha cujo segredo da sua alta tecnologia vem do desenvolvimento feito nas pequenas e médias empresas, que cobrem todo o território, sente-se ameaçada pela elite dos super-ricos da globalização e por novas gerações, com má formação escolar, que, uma vez subidas às cúpulas, não poderão garantir a produtividade até agora conseguida pelas elites surgidas da burguesia do pós-guerra. 1949 e 1989 são marcos da época contemporânea que determinam a política não só da Alemanha mas também da economia europeia e mundial. O fogo-de-vista da geração 68, com as suas vantagens e desvantagens, deve-se em grande parte ao “milagre económico” e a uma atitude de revolta contra a velha sociedade que se desacreditara na guerra mundial. Esta situação impediu e impede uma reflexão séria sobre um individualismo anónimo que se afirmava e afirma, contra a comunidade (instituição) e desprezava, por outro lado, a responsabilidade individual. A partir da queda do muro de Berlim e do socialismo real desaparece o correctivo socialista, desenvolvendo-se um capitalismo feroz aliado a uma ideologia liberalista meramente económica. Atempadamente, o chanceler Kohl fomentou uma política favorecedora do grande empresariado alemão para este partir duma posição forte para a nova concorrência global a nível de gigantes. Assim compensa muitas cedências feitas à União Europeia a troco da união alemã.
Segue-se uma nova geração de “boys” da política. Desenvencilhada de antigas convicções, opõem-se à política americana e atrela-se aos lobistas da economia. Aproveita-se de temas quentes como meio de agregar o povo em torno de emoções adequadas ao momento político mas sem uma estratégia integral.
É a hora da ideologia! Um miserabilismo sentimental aliado a um “respeito” alemão por um multiculturalismo de paralelismo cultural (no caso, gueto germânico/gueto islâmico) veio de encontro à filosofia islâmica e procurou considerar os estrangeiros como pessoas melhores do que os alemães, devido à sua diferença, exotismo e desconvencionalismo.
O sentimento de culpa alemão, que se expressa, nos meios liberais e de esquerda, na vergonha de ser alemão, é usado por SPD, Verdes e FDP, para levar a água aos seus moinhos e como chibata de domesticação das massas. Os conservadores, por razoes económicas e interesse no petróleo árabe e em investimentos em zonas estratégicas fecham os olhos ao que acontece na nação e no povo.
Contra o sentimento patriótico e contra o cidadão insurge-se, também, o espírito internacionalista da ocasião. Ofendida por uma opinião publicada leviana, a calasse média, começa a desforrar-se por toda a Europa. Tabus impostos por arranjos de políticos e publicistas, acompanhados do bem-estar económico, impediam a burguesia de falar abertamente e de expressar-se. Uma estratégia ideológica que fazia dos estrangeiros os melhores cidadãos, revela-se agora como perigosa para os instalados e para os que se aproveitam do sistema social. O burguês europeu não quer ser um Zé entre muitos outros Zés ao contrário do que pretende o turbo-capitalismo. Questiona o povo cigano e o povo árabe na sua tradição de gueto e de exploração do estado social e revolta-se contra as chefias. O problema não são os estrangeiros nem os dependentes; as elites é que se estão a tornar-se no problema e com elas os fazedores de opinião.
Não há que ter medo dos alemães. Não são mais racistas do que os que os consideram como tais. A oligarquia alemã continuará a ter o povo na mão, não fosse ela germânica! Devagar, ela consegue, inteligentemente integrar esquerda e direita, oligarquias e proletariado em benefício da nação. A crítica social e temática faz parte duma sociedade que gosta de discutir e assim catalizar e resolver de maneira mais produtiva os seus problemas. Para tudo tem uma estratégia e uma medida limite: o bem do Estado e do Povo em geral! Na discussão também o povo aprende e tem a impressão de ser tomado a sério. Todos se sentem úteis!
A camada média burguesa moderna não pretende manter-se fechada nela mesma como acontecia antes da primeira guerra mundial; pretende ser privilegiada nos impostos na medida da sua produtividade e quer ter o direito a chances especiais para os seus filhos em escolas privadas querendo, ao mesmo tempo, manter a sua distância perante o Estado numa sociedade aberta.
Precisam-se mais burgueses (cidadãos conscientes) com mentalidade de cidadãos do mundo. Precisa-se de todos os cidadãos na qualidade de esquerdos e direitos, ricos e pobres, estrangeiros e nacionais unidos na empresa comum de construir-se um Estado e um mundo mais humano e mais justo.
António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com
Pedagogo e teólogo