(A sorver a mística do génio cristão)
Miniatura sou do Universo criado,
espelho quebrado onde Deus se contempla,
gota que transporta o mar sem o conter,
pó da terra a arder com sede do Infinito.
Na carne frágil que me delimita,
arde-me o eco do Verbo Encarnado,
e o limite que me cerra é o mesmo
que me abre ao abismo do Seu Mistério.
Pois sei, na vivência sentida,
que o corpo é cárcere e sacrário,
e que a Palavra, feita carne em mim,
não repousa até ser chama consumida,
até ser rio dissolvido no regaço de Deus.
O masculino e o feminino,
não são vestes da terra, mas sopros do Céu,
duas faces do Mesmo que não tem rosto,
duas labaredas que se buscam
na noite escura dos sentidos,
no silêncio onde o Espírito fala.
O fogo que delimita, que penetra, que protege,
é o selo do Cristo sobre o meu ser.
O rio que acolhe, que dissolve, que nutre,
é o seio materno do Mistério,
onde me perco e me encontro,
onde me anulo e renasço.
E eu, pequeno, finito na sombra,
sou parte dessa dança,
sou barro que geme sob o peso da Luz,
sou sede insaciável do que me ultrapassa,
sou carne em combate com a promessa,
sou verbo em gestação,
sou lágrima e riso no parto da Eternidade.
Ah, se o mundo atendesse
E os ventos gritassem
que no seio ferido da mulher esquecida,
Deus planta a sua tenda,
e que o feminino não é sombra, mas sagrado,
não o calariam, nem o negariam,
antes cairiam de joelhos,
porque onde o ventre acolhe,
o Espírito sopra,
e onde a carne se curva,
o Verbo habita.
Que se calem os juízos do mundo,
eu encontrei o meu Cristo:
Ele faz-Se limite para habitar-me,
eu faço-me nada para O possuir.
E no abraço que excede o corpo e o tempo,
sou ferido pela lança do Fogo,
sou diluído no rio da Misericórdia,
sou, na minha territude,
a miniatura do Universo reconciliado,
a centelha perdida que o Amor recolhe,
a carne que já não teme ser barro,
pois é no limite que Deus Se revela,
é no limite que Deus me consome.
António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo
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