Quando era ainda pequenito, nos anos 50, ouvi, da boca da minha avozinha, uma história contada pelas avós de então aos meninos:
Nos tempos em que os homens andavam na selva e em fila, cada um levava uma sacola à frente e outra atrás das costas. Na sacola da frente levam depositadas as virtudes e as boas qualidades e na sacola de trás levavam as mazelas e os defeitos.
Como não viam os seus defeitos só falavam mal dos defeitos alheios que viam na sacola de quem seguia à frente.
A minha avozinha como era já ceguinha e muito tolerante dizia que as pessoas, hoje como antigamente, só viam o que se lhe depara à frente por não poderem vergar o pescoço da reflexão.
Desde então descobri que o mundo era mais cego que a minha avozinha.
Por vezes queixamo-nos de tudo e de todos! O essencial é que no horizonte de uma queixa se encontre um sol benigno e o respeito pela pessoa.
A falta leva a notar os defeitos ao mesmo tempo em si e nos outros. Florbela Espanca também desabafava com certa desilusão:” Sou bem diferente, sou, das outras mulheres todas. Eu quero antes os meus defeitos que as virtudes de todas as outras”. Certamente também haverá pessoas que são boas e/ou más pelo simples facto de lhes faltar a oportunidade. Um defeito é apenas uma mancha no próprio vestido. Não se trata de negar os defeitos mas de os diminuir. O perdão vem do reconhecimento da própria carência.
Esta história já Jesus a sabia, por isso advertia os cegos do pensamento correcto dizendo:
“Aquele que não tiver pecado atire a primeira pedra”! E Lucas 6:41-42: “Hipócrita, tira primeiro a trave do teu olho, e então verás claramente para tirar o argueiro que está no olho de teu irmão.”
(Narrei a “parábola da sacola” aqui, porque a vi atribuída a pessoas nascidas muito posteriormente ao tempo em que eu a ouvi da boca da minha avozinha e depois no seminário! É pena, que no tempo da Internet não se respeite a autoria dos textos e muitos se apropriem deles apresentando-os como seus, mesmo quando transmitidos pela sabedoria popular! Outros colocam dizeres na boca de pessoas célebres quando estas nunca os disseram).
António da Cunha Duarte Justo