FOGOS DEVIDOS AO FACILITISMO E À SISTÉMICA FALTA DE GOVERNANÇÃO

Teorias sobre Incendiários dominam o Debate desculpando o Facilitismo e o Desinteresse partidário

A repetição anual dos incêndios e a narrativa dominante sobre incendiários misteriosos ou interesses económicos obscuros, muitas vezes, servem como explicação simplista para um problema muito mais complexo.

Portugal é o país da Europa que mais arde devido a uma combinação de fatores naturais, humanos e de gestão territorial. Por um lado, as condições climáticas e geográficas como o clima mediterrânico com verões quentes e secos, com temperaturas frequentemente acima dos 30°C e baixa humidade, criam condições ideais para incêndios; por outro lado a vegetação seca com muitas áreas de florestas densas com espécies altamente inflamáveis, como eucaliptos, pinheiros e mato , que ardem facilmente, tudo isto acrescido dos ventos fortes que favorecem a rápida propagação das chamas, são factores básicos da catástrofe que se repete.

A estes factores vem juntar-se o abandono rural e mudanças no uso do solo: o despovoamento do interior levou ao abandono de terras agrícolas, permitindo o crescimento descontrolado de vegetação seca; a falta de vegetação variada mista e a monocultura do eucalipto, altamente inflamável, domina grandes áreas devido à sua rentabilidade para a indústria de celulose.

Uma outra razão é a falta de gestão florestal eficiente, com a correspondente falta de limpeza dos montes: muitas zonas não têm manutenção regular (como desbaste e limpeza de matos), acumulando material combustível. Uma política virada só para os centros urbanos e para a região litoral tem descurado gravemente as regiões agrícolas e florestais o que conduz a uma legislação insuficiente porque embora existam leis, a fiscalização e aplicação são fracas, especialmente em terrenos privados abandonados.

A isto junta-se ainda o comportamento humano e incêndios criminosos: agricultores usam fogo para limpar terrenos, mas muitas vezes perdem o controlo e muitas vezes ligados a conflitos fundiários, seguros e passagem de terrenos florestais/agrícolas para urbanos.

Dificuldades no Combate aos Incêndios

Um grande obstáculo é o terreno acidentado com áreas de difícil acesso para os bombeiros. Por outro lado, a política disponibiliza recursos limitados, o que apesar dos esforços, especialmente do empenho sobre-humano de bombeiros, os meios de combate a incêndios nem sempre são suficientes para grandes ocorrências de fogo simultâneos.

O Mito do “Incendiário Anónimo”

É verdade que Portugal tem uma taxa elevada de incêndios criminosos (cerca de 30% dos casos, segundo o ICNF), mas esquece de referir que muitos são reincidentes ou negligentes (queimadas mal controladas, foguetes, cigarros), poucos são “pirómanos” ou criminosos organizados dado a maioria ter motivações locais (limpeza de terrenos, vinganças, conflitos entre vizinhos) e  falta uma investigação eficaz, ficando muitos casos sem culpados identificados, o que alimenta teorias conspiratórias.

É mais fácil culpar um “bode expiatório” (incendiários, empresas) do que admitir falhas estruturais (má gestão florestal, abandono rural).

A imprensa tende a destacar casos espetaculares (como os de Pedrógão Grande ou Odemira) ou de casos individuais, mas ignora as causas sistémicas.

A Indústria do Eucalipto e os Interesses Económicos

Nos interesses económicos da indústria haverá um fundo de verdade, mas não é a causa principal, pois o eucalipto arde facilmente, mas não é o único problema (o pinheiro-bravo, o mato seco e a carqueja também).

Também é verdade que as celuloses (Navigator, Altri) beneficiam do eucalipto, mas não há provas de que provoquem incêndios. Activistas atribuem responsabilidade direta às grandes celuloses, Navigator Company, Grupo Altri e a associação Celpa, nos incêndios florestais (1). O problema, porém, é a monocultura sem gestão: Muitos terrenos estão abandonados ou são malcuidados, mesmo os de grandes proprietários.

A crítica é legítima se feita ao modelo ao modelo florestal português, mas transformar isso numa “teoria da conspiração” tira o foco das soluções reais (como ordenamento territorial e fiscalização).

A Indústria do Combate a Incêndios

É um facto que o Estado (ou seja, nós os contribuintes) gasta milhões em meios aéreos e bombeiros, mas o problema é a prevenção, não o combate. Há quem diga que interessa que haja fogos para as empresas de combate ganharem dinheiro. Empresas privadas (como a Everjets) ganham contratos, mas não há indícios de que promovam incêndios.

Teorias da conspiração muitas vezes circulam no âmbito da especulação (com algum aspecto de verdade) mas o que verdadeiramente as mantem é a desconfiança generalizada em relação ao Estado e a grandes empresas (capitalismo) bem como a falta de transparência do Estado nos gastos públicos com incêndios ou com outros sectores da vida pública.

O Desinteresse político

Os incêndios repetem-se ciclicamente porque não há fiscalização eficaz em terrenos privados abandonados; as autarquias não têm recursos para impor a limpeza de matos; o Plano de Defesa da Floresta (PNDF) falha na execução (ex.: rede de faixas de gestão de combustível não é mantida) e ainda o que piora tudo é o êxodo rural; a política fomenta a emigração da gente do campo para as cidades e isso provoca mais terras abandonadas e mais mato acumulado.

Para populações mal-informadas e para partidos torna-se mais fácil e cómodo culpar “os incendiários” ou “as empresas” e louvar o esforço abnegado de bombeiros, do que exigir políticas de eficiência a longo prazo.

De facto, o que fata é consciência e coragem política para mexer em interesses (como o do negócio com a celulose) e investir em prevenção.

De resto, de uma maneira geral, a sociedade prefere o drama do momento (notícias de incêndios) em vez de exigir em privado e em público, mudanças estruturais (2).

O problema dos incêndios deveria tornar-se em questão de prioridade nacional (para isso partidos, candidatos a presidente, deveriam apresentar estratégias e projetos para uma solução real do facto dos incêndios). Imagine-se que em vez de Portugal comparticipar com milhões em despesas para a guerra na Ucrânia ou para instituições ecológicas mundiais empregava esse dinheiro, a mente e o esforço numa reflorestação e numa ecologia portuguesa sustentável. Afinal, que interesses estão em jogo e que cartadas valem mais? Não é primeira obrigação dos nossos deputados e governantes afirmar os interesses do seu povo e defendê-lo da cobiça alheia?

Para isso seriam necessários programas de redução de monoculturas inflamáveis e promover a diversificação das espécies sem perder de vista que o pinheiro é uma planta natural e que o sobreiro com ele contribuiria para o equilíbrio ecológico em parte das nossas florestas.

Obrigar a limpeza de terrenos com fiscalização pesada, mas implementá-la com apoios estatais, e projectos de reflorestação, dado tratar-se de uma incumbência nacional que tem também a ver com a natureza do território.

Enquanto isso não acontecer, o ciclo vai repetir-se – e as teorias sobre incendiários e conspirações vão continuar a dominar o debate.

Portugal é um temporal perfeito para incêndios: clima propício, vegetação inflamável, abandono rural, gestão florestal deficiente e factores humanos. A solução exigiria uma combinação de reflorestação com espécies menos inflamáveis, melhor gestão territorial, fiscalização rigorosa e investimento em prevenção.

 

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo: https://antonio-justo.eu/?p=10182

(1). Activistas: https://arquivo.climaximo.pt/2022/07/18/acao-eucalipto-e-fogo-e-a-navigator-a-altri-e-o-icnf-sao-responsaveis/

Aspecto complementar: A Navigator exporta cerca de 91% dos seus produtos para 130 países dos cinco continentes e a Altri exporta 530 milhões de euros (2019): https://www.publico.pt/2020/07/27/sociedade/noticia/altri-navigator-concorrentes-negocio-aliados-combate-incendios-1925982

(2) Fogos: um problema que se repete repetindo-se os mesmos lamentos: https://www.mundolusiada.com.br/portugal-atafegado-com-o-fumo-dos-fogos-e-da-corrupcao/

https://antonio-justo.eu/?m=201710