Sistema Preventivo na Educação dos Jovens


Pedagogia de Dom Bosco – Um modo de estar diferente na Escola

O sistema preventivo, iniciado por Dom Bosco e praticado nas escolas salesianas implica uma pedagogia da precaução e da prevenção baseada na dignidade humana e na dedicação e respeito pelo aluno. Isto pressupõe uma reflexão contínua sobre a tarefa, missão e conceitos do ensino e da educação. Professores e alunos embarcam juntos na mesma aventura.

Assistência é o termo usado para apoiar o jovem. No seu centro juvenil de Valdocco, e nas escolas posteriores, a vida escolar consta de jogo, estudo, formação, religião, teatro, tempo livre, etc. Assim, os jovens, em interacção, treinam as competências emocionais, intelectuais, espirituais e práticas. Trata-se de cultivar o ser humano na sua totalidade num ambiente de desenvolvimento natural espontâneo e global. O pedagogo Dom Bosco supera o pensar selectivo, causal e apelativo – moral. No centro da sua pedagogia está a pessoa, o jovem todo, aceite tal como ele é. Trata-se de acordar os seus talentos e despertá-lo para a metamorfose. A educação não pode estar alheia à disciplina, à persistência, à vontade e à auto-consciência. Uma vez descobertos os talentos próprios trata-se de despertar alegria no que se faz. Trabalho e alegria andam juntos. Dom Bosco convencia porque tinha uma vivência, uma visão de homem e de sociedade.

A dimensão preventiva está no facto de prever – uma atitude responsável de prospecção em harmonia com a criação no sentido dum desenvolvimento persistente e eficaz de potenciar a vida futura. O educando é capacitado a agir e a dar forma ao futuro na vivência dum presente antecipador.

Educador e Educando

Educador (Assistente) e educando encontram-se numa relação dinâmica inter-pessoal e ambiental, a caminho num processo relacional cada vez mais consciente. Caminham juntos numa interacção sujeito – sujeito, à margem dos papéis aluno – professor. O objectivo da educação é a realização do ser do homem, do cidadão, num biótopo natural, a escola, o centro juvenil, o local. Assim se fomentam e fortalecem identidades responsáveis nas suas aptidões emocionais, intelectuais, espirituais e práticas. É um modo de vida integral. No sistema preventivo também a teologia e a religiosidade assumem um carácter prático. Não chega amar os alunos, “é preciso que os educandos sintam que são amados”.

Não se trata de um programa orientado para a profissão e bem-estar material, para o carreirismo mas para a felicidade e realização pessoal. Uma educação demasiadamente centrada nas notas e no programa, não dá lugar à personalidade integrada e cria muita infelicidade pois conduz a autómatos e adaptados, a seres condicionados para um determinado modelo de sociedade ou instituição. Esta cimenta uma percepção condicionada fixada no pensamento, no que se pensa sem preocupação do modo como se pensa. Mais que o saber, é importante o acontecer e o observar para poder dar resposta em situação, num processo de responsabilidade global capaz de ver para lá das coisas e das ilusões. O educador em relação com o educando presencia e presencializa com ele a sua resposta ao universo, à humanidade. Num e noutro se encontra toda a criação, toda a humanidade. A competência da simpatia para com o educando é essencial no sistema educativo. Nas reacções do outro reconheço as minhas acções. É um modo de estar empático. Pratica-se na correlação de modo a acontecer metanóia numa consciência processual dos seres e do mundo… A aprendizagem torna-se num processo aberto numa atmosfera de carinho e abertura que pode culminar numa experiência comum de espírito. Regras são apenas muletas num processo de aprendizagem que se quer interpessoal e interdisciplinar. Daí a necessidade da escola estar integrada no meio onde as instituições e empresas são chamadas a contribuir com a sua experiência e saber para a formação dos jovens. A escola serve a aldeia e a aldeia serve a escola num ideal de serviço e de destino comum na afirmação perante a grande aldeia que é o mundo.

Educar torna-se a arte de aprender, de observar e viver a vida toda, ajudar a ser compreendido e a compreender, num despertar da consciência humana e do mundo. Educar é aprender a descobrir-se descobrindo, num processo dinâmico e contínuo de ipseidade-alteridade num triálogo eu-tu-nós, à imagem da fórmula da realidade trinitária.

A educação dialéctica torna-se unilateral e redutora ao fomentar um saber apenas funcionalista limitado ao cultivo do intelecto. Para lá das cortinas do pensamento há outros mundos a descobrir. Não chega o palco do intelecto para representar a complexidade do ser humano e da realidade. A auto-descoberta pressupõe o interesse pelo mundo exterior e a introspecção. “Vós sois os templos”, as escolas… Do encontro connosco mesmos e com Deus no nosso íntimo entramos na relação com o outro. Assim a acção passa a ser ressonância.

Aprender a aprender

Estamos habituados a receber vítimas na escola e a ver sair vítimas da escola convencional numa cadeia dum ciclo vicioso apenas reactivo ou mesmo reaccionário, agindo embora sob o leme do progresso. Naturalmente que o ser humano é ele mesmo mais a soma dos seu condicionalismos. A escola tradicional apenas se importa com os condicionalismos na procura duma segurança física, fomentando assim prisioneiros do sistema. Este sistema estático reflecte-se na imagem das suas paredes que determinam o espaço humano a que os alunos se têm de adaptar. Como se enchem as escolas assim se ocupam os cérebros dos alunos com ideias preparando-os para ocuparem postos ou funções – uma educação para a funcionalidade e não para a felicidade e criatividade. As ideologias são os esconderijos da alienação. Aí não há realidade; Esta é substituída por ideias, ideais e por estratégias de adaptação e imitação. Estamos habituados a colocar a cultura, a ideia, entre a pessoa e a realidade num processo de objectivação do inobjectivável, num actuar repetitivo e estático contra o carácter existencial aberto e integral da relação. A verdadeira relação acontece no amor que é universal.

Aprender a viver o momento presente de modo a torná-lo criativo e gratificante, o que alguns designam “viver na presença de Deus”. Na presença de Deus não há ideias nem normas, extingue-se o passado e o futuro, o agora é tudo, é acontecer para lá de qualquer estrutura, na relação total fora de qualquer orientação: o amor ágape. Para tão alta percepção da realidade não pode haver pressas nem atropelos na via; o processo vital implica tentativa e erro. Na nossa acção, em cada acto, presencia-se e presencializa-se o universo, integra-se o universal. Não se trata de fazer algo em nome duma força ou de Deus – este está presente na nossa presença. Não se trata já de aprender em segunda mão, mas de observar até os próprios limites do nosso saber, – trata-se de, num acto só, pensar-sentir-agir. Transpõe-se a esfera do reagir para passar à do agir. Aprende-se a descobrir como o espírito se encontra amarrado a ideias, projectos e ideais.

Integrar o Pensamento (Ensino) na Vivência do Pensar-Sentir-Agir

O primeiro trabalho será de desocupação do espírito (varrê-lo!) porque este se encontra refém do intelecto. Este reprime o espírito e impede o seu fluxo normal da energia. No Espírito está o carinho, a sabedoria, como que a terceira pessoa da Trindade, o Espírito. O carinho, o amor é o combustível de todo o agir, de toda a vida, do microcosmo e do macrocosmo, é a labareda do espírito. “Ama e faz o que queres”, pois encontras-te na responsabilidade (resposta) universal e a realidade passa a acontecer na inter-relação pessoal do eu-tu-nós.

O mais das vezes, a escola condiciona negativamente o espírito com o saber transmitido e exige o seguimento de ideais e conceitos que mais não são que projecções de ideias. Estas distorcem a realidade transformando-a em máscara, alienando assim o educando. Os conceitos, as ideias, o pensamento são importantes desde que não usurpem, para si, o domínio absoluto como acontece normalmente. No pensar lógico, a linguagem é o pressuposto do pensamento. O intelecto está condicionado à lógica causal que, por sua vez, fundamenta o pensamento lógico no espaço. Este é relativo porque empírico condicionado ao tempo – espaço. Os modelos mentais ligados à mitologia transcendem o pensar lógico causal, tal como o conceito mental transcende a dimensão espacio-temporal. É óbvia a transmissão dum pensar integral-intuitivo em que as fronteiras da minha experiência não se tornam apenas as fronteiras do meu mundo, mas um processo aberto integrador de todas as potencialidades humanas. O pensar cientifico positivista ao admitir apenas o pensar lógico condiciona a realidade ao intelecto(Ludwig Wittgenstein: “Os limites da minha fala significam os limites do meu mundo”). Daqui o vírus que infecta especialmente o sistema estatal de ensino em Portugal. Este é dialético-selectivo não tendo lugar para a diferenciação, para o individual; pretende um cidadão formatado na dicotomia, um ser só corpo, sem alma. O Espírito aparece como estorvo num regime que se preocupa apenas em formar consumidores, proletários, os melhores devotos do regime.

Para aprendermos a aprender temos de questionar o reconhecimento exclusivo do pensar lógico-utilitarista e partirmos para um pensar integral. Esta maneira de aceder à realidade, de percepção, implica uma abordagem imediata da realidade e não apenas através do desvio, do rodeio do intelecto. O intelecto racionaliza, define, limita, cria imagens. O pensamento é a reacção das experiências situadas no tempo, movimenta-se entre factos imagens, é quantitativo e por isso julga enquanto que o espírito é qualitativo, é integral. O espírito é completo, o pensamento decompõe o todo. O espírito, o amor, não define, não limita, por isso o intelecto não pode compreender o amor, a ágape. Se as ideias separam, a relação acontece na acção na realidade e não no mundo paralelo das imagens, das ideias. As ideias e os sentimentos dão lugar à paixão que é participação e criatividade no sofrimento com o outro, o mundo, para lá do eu, no nós, na acção de dar à luz. O mundo para ser compreendido tem de ser “sofrido”. A essência do pensamento é limitada à experiência e à recordação. O ser do espírito é integral, global, é como que o ventre materno que dá à luz. Será necessário pensar sentindo e sentir pensando. Então já não passaremos pelos bosques a observar as ideias que dele fazemos. De facto, a escola regular, habitua-nos demasiado a ver a realidade em diferido: Ensina-nos a apreender a realidade através dos espelhos dos conceitos, dos ideais, das ideologias ou da economia.

O ser humano é assim reduzido a uma imagem, a um objecto, tal como Deus e a realidade. Nesta perspectiva torna-se mais fácil a exploração do homem pelo homem. Tal como nos acautelámos dos instintos para que se não apoderem do espírito, o mesmo deverá acontecer em relação ao pensamento, às ideias para que não tomem posse do psíquico ou do espírito. Importante é observá-los na distância. Se os instintos são legítimos, os problemas começam nas suas imagens ao tornarem-se desejos obsessivos. A natureza responde ao chamamento universal nas espécies animais com o instinto e espécies vegetais com as leis inerentes de aferimento uns com os outros., enquanto que o ser humano tem a sua forma própria de responder na responsabilidade global. Se a realidade é fragmentada pelos nossos sentidos e pelo pensamento o espírito repõe o seu carácter integral. Uma educação para a liberdade integral terá que ter em conta tudo isto.

Alguns exemplos práticos de vida na escola salesiana

Na escola estatal aprende-se sobretudo para assegurar o futuro. Depois da escola trabalha-se sobretudo para assegurar o futuro. Na generalidade, a vida fica a caminho e chega-se ao fim sem futuro! A escola ensina-nos, a maior parte das vezes, a viver em diferido, no desrespeito do presente em nome dum futuro sempre distante e dum ser humano abstracto. A procura do futuro, nunca presente, parece acontecer à custa do presente marginalizado. As escolas estatais ao serem demasiadamente funcionais e indiferenciadas correm o risco de, com o tempo, se tornarem as escolas do resto, as escolas daqueles que não conseguem escolher um outro tipo de ensino. O bem de muitas escolas privadas é poderem, em certa medida, dar resposta não apenas às necessidades mais primárias do homem.

O sistema preventivo pressupõe um modelo de vida diferente. Não se trata de acumular ideias ou de assumir só papéis. Baseado na autonomia do educando, o educador não ajuda o educando, ele participa na sua vida e no seu projecto. Não se trata duma pedagogia para o educando, virada para o tratamento dos seus sintomas, mas duma pedagogia integral capaz de apreender a estrutura que está por trás do saber e do agir, por detrás do ser institucional, social e pessoal.

Os educadores / assistentes acompanham o educando no seu crescimento. Na escola salesiana (especialmente em sistema de internato) não há púlpitos nem estrados. O Director tem uma função correspondente à de pai; o orientador psico-pedagógico, à de mãe, e os assistentes (professores) à de irmãos mais velhos.

Ao elaborar este artigo, tenho como fonte base a experiência que fiz durante muitos anos como aluno salesiano e mais tarde como assistente (professor). Referirei apenas alguns momentos da vida escolar que me pareciam bastante relevantes. A existência de grupos com actividades específicas (Companhias) e reuniões periódicas entre os alunos eram verdadeiras oficinas do diálogo e exercício do bem e duma democracia adulta. Eu participava do Grupo do Bom Humor que contribuía com actuações para as festas da escola. Este grupo procurava elaborar, duma forma humorística, toda a vida da comunidade escolar não poupando crítica a toda a comunidade docente – discente. Este espírito de crítica humorístico fomenta, na prática, não só o espírito crítico mas também a criatividade, o respeito, o contentamento e modelos imagens condutoras. Este espírito crítico ao contrário do espírito crítico racionalista/materialista não é dialéctico mas teleológico, integral. É um espírito que eu denominaria de trinitário, a-perspectivo.

Os passeios semanais da parte de tarde e o passeio mensal de dia inteiro à natureza nas redondezas da escola, feitos a pé e por grupos que se encontravam depois num lugar pré-determinado faziam não só parte da aventura e da descoberta da natureza, mas também do indivíduo e do grupo num ambiente natural solidário e criativo. Sentir o ambiente, assistir ao nascer/pôr-do-sol em grupo e com gestos envolventes, sentir o anoitecer/amanhecer em grupo envolve mais os sentidos. A experiência da natureza fomenta o relacionamento com o ambiente e com a própria pessoa. O corpo todo e a alma estão presentes na percepção da natureza. Dá-se um novo despertar e acordar da inteligência para a natureza.

As festas da escola preparadas por todos, os teatros, os recreios, em que educandos e professores jogam juntos, criam um ambiente próprio, envolvendo toda a personalidade, numa pedagogia da vivência, e na alegria de viver. Assim se formam personalidades abertas. O fim não é saber; este pode ajudar. Importante é chegar a uma compreensão integral, a uma atitude de vida. Quer-se relação directa para lá de conceitos e convicções, de medos e de concorrência. Importante é a conduta, a acção e o relacionamento com o próximo, o mundo, ideias e sentimentos sob a perspectiva de sermos, nós também, os nossos observadores.

Dom Bosco acreditava no núcleo bom do indivíduo e por isso apostava numa cultura da confiança. Investe numa pedagogia da relação, da relação com Deus, liberta de quaisquer medos ou má consciência. A prática da “ boa noite”- alocução dum máximo de 2-3 minutos antes dos alunos se recolherem para se deitarem – parte dum facto concreto do dia e cria referências positivas. A boa-noite é um acto de purificação para libertar qualquer tensão ou desequilíbrio para que o educando descanse em paz do espírito durante a noite. O mesmo se diz da “palavrinha ao ouvido” – algo em que o educando deve pensar sem quem os outros saibam do que se trata.

A experiência dos vários modelos de sociedade baseados em conceitos intelectuais ou pragmáticos conduz à discrepância colocando a pessoa como mero intermédio entre realidade e conceito, como apêndice entre um mundo querido real e o mundo teórico. De facto abafa-se a inteligência com tanto saber desconexo também visível num mundo de mediania tão informativo que desinforma e conduz a um analfabetismo desinformado por informação em excesso. Isto é, cria rotineiros e adaptados: os oportunos do sistema.

Pedagogia do carinho, razão e coração

Quer-se uma pedagogia sem medo mas com “ideais”. D. Bosco tinha aprendido, na sua relação com o seu bruto irmão, que o medo destrói a relação. Para o superar é preciso olhá-lo nos olhos, sob o conforto duma paisagem mais alargada. Na aprendizagem não se trata de imitar mas de adquirir relacionamento numa dinâmica participativa fora do pensar utilitarista e de outros objectivos circunstancialistas. Isto pressupõe educar em situação na aquisição dum saber vivência feita numa pedagogia orientada para a acção pragmática, num pensar – sentir global, integral que se exprime numa maneira de estar própria. Na aquisição de apetências técnicas e sócio-culturais, pretende-se a balance entre razão, coração, espírito e corpo. O equilíbrio manifesta-se no respeito na consideração de um pelo outro, sem superiores e inferiores. Educador e educando aprendem. O importante é relacionar-se, aprender a observar sem pressão nem stress. Uma atmosfera de carinho, de liberdade e de alegria são fundamentais ao desenvolvimento harmónico da personalidade.

O educador age a partir da bondade que é uma mistura de simpatia e amor. O amor pressupõe um ambiente de liberdade para se poder desenvolver. O carinho não resulta de medidas pedagógicas ou de técnicas; ele acontece fora do prémio e do castigo numa acção e interacção fora da concorrência. Medidas pedagógicas e didácticas são apenas para ajudar a superar situações embaraçosas. O ponto principal é a formação da personalidade e não apenas educação para a profissão, para a sociedade.

Dom Bosco sabe que o carinho, a bondade desbloqueiam as energias do espírito. Só a harmonia do “corpo são em alma sã” conduzem ao equilíbrio, a uma sensibilidade que se alimenta do todo. Os seus centros juvenis são centros de bondade num espírito religioso alheio a moralismos. Para dar um testemunho da abertura de espírito reinante em colégios salesianos refiro apenas que eu mesmo tinha um aluno judeu de doze anos e que por empatia gostava de me ajudar à missa. Eu porém como educador salesiano vi-me na obrigação de o alertar para o facto de ele ao querer como acólito ajudar à missa, dever estar atento, para não pôr em questão a sua religião.

A opção dos Salesianos pelos pobres, pelos mais fracos e pelos jovens e adolescentes é uma aposta no futuro, na tentativa de tornar Deus presente em tudo e em todos sob a plataforma ecológica. É uma pedagogia participativa na defesa da criação que passa pelos jovens. Ela realiza-se na liberdade do conhecer, do querer e do agir. O sistema preventivo envolve as pessoas numa relação afável e empenhada. Duma maneira geral todo o educando está carente de carícias que promovam a sua dignidade. O mesmo se dá no educador, a diferença estará na consciência, no dar-se conta de o ser. Na pedagogia preventiva exige-se grande atenção à comunicação não verbal, que é geralmente mais importante que a verbal. Aquela contradiz, muitas vezes, o que se diz por palavras.

O Homem e a Obra

Dom Bosco, o fomentador do sistema preventivo, é um homem, filho do seu tempo, que transpõe e ultrapassa a própria época. Um pobre, filho de pobres, que andou a servir, órfão já de criança torna-se progenitor e criador no sentido da velha tradição judaico – cristã. A sua grande preocupação é integrar os jovens na sociedade e na economia. Através da entrega e dedicação pessoal ao educando possibilita a sua identidade e capacidade responsável no sentido da justiça e da qualidade de vida.

Em consequência das lutas italianas pela unidade da Itália e num tempo em que a repressão se fazia sentir por todo o lado, surge, como consequência desta sociedade, uma juventude que fugia do campo e da penúria social das aldeias e da guerra. Assim, uma juventude abandonada vagabundeia por todo o lado. Num mundo agreste, também ela se organizava em bandos que lutavam pela sobrevivência. Ninguém se preocupava pela juventude vítima da guerra. Muitos jovens, abandonados e sem orientação, iam parar à prisão.

Dom Bosco organiza oratórios (Centros juvenis) peregrinando com eles na região, dado não ter onde os albergar. O comportamento tão disciplinado de tais rapazes e a sua alegria expansiva chegam a ponto de alguns julgarem que Dom Bosco fosse um revolucionário levando-os a acusá-lo. Finalmente consegue um lugar definitivo para os seus jovens num palheiro dos irmãos Pinardi em Valdocco. Polivalente, o padre João Bosco, além de organizar divertimentos e teatros com eles preocupa-se com a sua formação profissional conseguindo lugares de aprendizagem para eles à base de contratos. Elaborava acordos de trabalho como os patrões, para os seus rapazes. Neles o patrão comprometia-se a dar um trabalho adequado, tempo livre e a não infringir castigos corporais.

Um pobre com vocação para os pobres nasce em Becchi perto de Turim em 1835. Já antes da sua ordenação sacerdotal, a 5 de Junho de 1841, Dom Bosco se dedicara de alma e coração aos pobres. Compreendia a sua missão como entrega aos pobres; o motivo final da sua vida era os pobres. Não se compreendia como funcionário duma instituição eclesiástica ou estatal mas sim como homem ao serviço da pessoa, da juventude na abertura do Espírito. A sua presença no meio dos jovens começou logo por incomodar políticos, senhores e eclesiásticos. Ele era perigoso porque não agia como os outros…A sua acção não se limitava a adaptar os jovens rebeldes à sociedade. A sua missão tinha uma expressão marcadamente política e revolucionária, o que naqueles tempos, de outras revoluções, criava mais incómodo. O seu espírito criativo não se subjugava aos modelos da normalidade. Ele queria servir o Espírito no serviço das pessoas e das instituições. Tal como hoje, estas tinham-se transformado em pipas velhas em que o vinho novo cada vez se misturava mais com as borras dos séculos. O pedagogo queria realizar em educacao o milagre das bodas de Canaã. Dom Bosco não vinha para intimidar, só queria transmitir a boa notícia aos jovens, começando com eles uma caminhada no encontro.

Só mais tarde os seus inimigos começaram a compreender que a sua Boa Notícia de libertação era para todos, também para os marginalizados por uma sociedade sem consciência. Deus é sempre e só boa notícia para todos os seres, privilegiando naturalmente os jovens, os pobres e os doentes incuráveis, acompanhando os sempre desprezados e ignorados por todos.

A João Bosco juntam-se outros que o acompanham na grande caminhada de ajudar a juventude. Dom Bosco que admira e segue o espírito de S. Francisco de Sales, não quer, por humildade, o seu nome para o seu movimento e dá-lhe o nome de Salesianos. Hoje os salesianos encontram-se espalhados por todo o mundo. Orientam escolas profissionais, liceus, institutos superiores técnicos e universidades onde se formam, a alto nível, os trabalhadores de amanhã. Por isso são tão queridos em todos os países. Com eles actuam os cooperadores salesianos na dedicação aos mais pobres e mais abandonados. O nível das suas escolas é superior ao das escolas estatais. Como o Estado favorece as escolas estatais em relação às particulares, estas têm que se preocupar com a cobrança de propinas para poderem assim subsidiar professores e possibilitarem ensino gratuito aos mais pobres. Se o Estado não discriminasse o ensino particular, a classe mais pobre teria ainda mais acesso a um ensino de alta qualidade.

Perfil do/a Professor/a

O professor (Assistente) deverá actuar num ambiente sem preocupações económicas sentindo-se em casa, agindo por gosto e vocação.

«O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para ensinar os pobres (anunciar a Boa Nova aos pobres); enviou-me a proclamar a libertação aos cativos e aos cegos a recuperação da vista; a mandar em liberdade os oprimidos, a proclamar um ano favorável da parte do Senhor». (Lucas 4, 16-30). Este é o espírito orientador das escolas salesianas e dos seus assistentes.

Dom Bosco centrava a sua pedagogia em Deus, donde provém paz e vida, libertação e salvação para todos. Assim opta por uma pedagogia universal ao serviço de todo o ser humano independentemente da sua crença e à margem das ideologias prosélitas. Deus não tem partido nem deve ser partido!

João Bosco queria um mundo jovem, sem vítimas do medo nem dos “bons”, sem guerras e sem Cristos abandonados. No seu oratório (centros juvenis) reinava a alegria, a esperança, a compreensão e o amor. O espírito de Cristo era o animador do centro juvenil. Deus acontece no centro juvenil (cf. João 4, 20-24). Uma forma de vida participativa e solidária para uma auto-intervenção responsável.

Embora vivendo no século XIX ele praticava e antecipava já os resultados da ciência a que Einstein chegará no princípio do séc. XX e que continuam a ser, em grande parte, desconhecidas pelas escolas estatais. Ele escreve e exercita uma pedagogia nova.

A normalidade não é válida atendendo à rapidez da mudança e transformaç1bo social. No passado bastava ser flexível, uma boa formação, e capacidade de adaptação e orientaç1bo dirigida ao futuro a para se permanecer normal e actual. Sociedade e instituiões sociais e ciência tinham facilidade em equacionar problemas e em apresentar perspectivas. Hoje, na época da teoria da relatividade e dos quanta, que veio abrir as cortinas do mundo para uma visão aperspectivista tudo rui. Actualmente, apesar do militantismo secularista estatal, já não há garantias para o bem estar e para o sentido. O horizonte normativo passou a ser pluridimensional incluindo as disciplinas da física, da biologia, da filosofia e da teologia, já não na rivalidade mas na integração. Atendendo a que a decisão de objectivos e de orientações da acção se realizam agora a um nível situacional e individual, a pedagogia terá que actuar em processo comunicativo de oferta de comparticipação de fontes que contribuem para a formação de decisões qualificadas. Longe do saber meramente teórico implicativo dum só sector humano: a razão terá que passar a uma praxis vivencial

Ele reza, joga, chora, alegra-se e come eles conseguindo como colaboradora a sua mãe, a Mamma Margarita” como lhe chamavam os frequentadores do Centro Juvenil.

Na sua infância tinha servido com criado

Ao contrário do sistema repressivo que dita as leis e depois vigia o seu cumprimento e castiga no caso de infracção, o sistema preventivo implica uma ordem e um estilo de vida em que não há papéis fixos entre educandos e educadores. Estes alternam-se numa dinâmica de aprendizagem recíproca e de entrega mútua de amor, ternura, respeito e estima. Os educadores começam por serem irmãos mais velhos, pais e mães. Na base duma relação cordial entre educadores e educandos passa a excluir qualquer castigo corporal. Naquele tempo o castigo corporal era um meio de educação comum tanto na família como nas escolas. O sistema repressivo pode impedir a desordem mas não atinge o interior do educando, não melhora o infractor.

O castigo simplifica-se e se for necessário é determinado pelo educando. O educador fala a linguagem do coração numa obediência comum. Director e professores vivem e partilham a vida dos jovens de tal modo que não há lugar para grandes infracções. A sua presença contínua não é vigia inibidora nem fomenta o cálculo porque acontece numa liberdade cordial regrada e aberta sem preconceitos virados ao futuro. Além disso, através de jogos as energias podem ser expressas e expandidas duma maneira produtiva e compensadora. É um sistema que se baseia na razão, religião e amabilidade. Ele integra o excesso de energias, a vivacidade, que estão muitas vezes na base de infracções.”Os jovens devem ter a possibilidade de terem muita liberdade, saltar como lhes der na gana, correr e fazer barulho”. A disciplina e a saúde podem ser fomentadas com jogos, música, recitações, teatros, passeios, etc.

O sistema preventivo tem em conta uma relação sujeito – sujeito num respeito de uns pelos outros no carinho caloroso autêntico que brota do coração. Aqui não há objectos nem papéis. Estes reservam-se para o teatro e para os jogos. São personalidades diferentes no encontro relacional realizador e gratificante. “Ama e faz o que quiseres”. A frequência livre dos actos religiosos é vista como medida educativa. Para os meninos do centro juvenil que pernoitavam nele havia sempre, antes da despedida para a cama, umas palavras cordiais de boa noite comum, dirigida por quem nesse dia estava à frente do grupo, mas que nunca deveria durar mais de dois três minutos. O educando vai descansar em paz e motivado para assumir uma atitude cada vez mais profunda.

O educador conquista o respeito do educando através do amor que lhe dedica. Esta dedicação, se ferida pelo educando pode provocar um olhar que se desvia e que passa a ser sentido como castigo. O desejo de ser amado e reconhecido é tão forte que desculpa as fraquezas do outro. O castigo terá que encorajar, nunca humilhar. Uma repreensão nunca se deve dar em público. A necessidade de ser respeitado é implícita à personalidade. ”Não chega amar os jovens, é preciso que estes sintam que são amados”. Dom Bosco continua: “ Se nós amarmos o que lhes dá alegria, se aceitarmos as suas inclinações, então eles também aprendem a reconhecer o amor nas coisas que lhes não agrada” tais como disciplina, auto-domínio, a capacidade de perseverar. Amor torna-se visível no equilíbrio da diferença. O assistente deve amar o que agrada à juventude, então os jovens amarão o que agrada aos educadores”. Ao dar-lhes uma alegria libertamo-los duma necessidade, duma dor. Sabe-se que o amor não separa o direito do dever. Também Jesus nos ama não por sermos bons mas porque Ele é bom.

O Amor, a cordialidade e a confiança recíprocas são as colunas da educação.

Esta pedagogia não directiva está orientada para as fontes. Ela não se limita a reagir, pelo contrário, antecipa-se e age. O educador/professor não se fixa nos problemas que os educandos possam trazer mas nas suas potencialidades.

Hoje a protecção do meio-ambiente está relacionada com a protecção da vida das crianças; duas garantias de futuro em perigo. A actividade salesiana é uma acção de desenvolvimento que une o espírito criativo ao participativo. A crença dá lugar às obras. Não chega ser devoto; ele quer os professores, os padres, em mangas de camisa, para poderem arregaçar as mangas e melhor servir!…

António da Cunha Duarte Justo


REMODELAÇÃO CONSULAR – APENAS COSMÉTICA?

O Novo-Rico na Tradição do Barão Republicano

A emigração portuguesa é a chaga aberta da Nação. Os nossos políticos tratam a causa dos emigrantes e luso – descendentes com indiferença e até com desprezo. De facto, figurinos políticos e administrativos que gostariam de se apresentar ao estrangeiro como representantes dum país de cara lavada, que faz os deveres de casa, continuam a fomentar a ideia dum Portugal à laia de Marrocos-de-Cima na tradição do artificialismo do nosso barão. De consciência embaçada, vivem bem nos seus guetos discretos e imperceptíveis. Gastam o dinheiro que a Nação não tem. Como representantes da miséria envergonhada limitam-se quase a representar-se, a passear o seu corpo de gravata empertigada e falar da imigração em Portugal e de tudo o que fazem por ela, no concerto dos grandes e ricos importadores de mão-de-obra!

A emigração por motivos de carência, como a escravatura outrora, é um derivado carente do sistema económico. Como tal deveria ser apoiada e assistida pelos governos portugueses para que esta passe a usufruir do que investe em Portugal e a intervir mais rentavelmente nas economias onde se encontram radicados. Para isso não chegam só ideias criativas; é preciso, uma política clara, uma cultura prática, com apoio ao investimento, capacidade de risco e de Marketing e um novo espírito administrativo.

O Desgoverno do governo português em Berlim

Embora possuindo um terreno em Berlim, o estado português paga 29.894,93 euros de aluguer pelas instalações da Embaixada e 12.782,30 euros pela residência do Embaixador, num total mensal de 42.677,23 euros, como refere o Portugal Post. Naturalmente que esta verba mensal, comparada com o que se gasta anualmente com um cônsul ou com um conselheiro de embaixada não tem grande significado. O problema é que quem tem de alimentar tão grandes estômagos de Chicos espertos é o Zé-povinho, a quem não resta nada para poder consumir cultura. Portugal para ser humano e moderno terá de racionalizar os gastos com a sua vaidade. Numa época em que o Estado repete os mesmos erros que fez no tempo das lutas liberais e republicanas apetece-me dizer com Almeida Garrett: “E eu pergunto aos economistas políticos, aos moralistas se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar à miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infância, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico?” Entre hoje e ontem apenas uma diferença primária: se os barões de então se serviam dos bens fundiários da Igreja, os barões de hoje servem-se dos bens do povo.

Que critérios levaram à despromoção do Consulado-Geral de Frankfurt a Vice-Consulado?

Enquanto os chineses e os americanos mantêm os maiores consulados da Europa em Frankfurt, Portugal despromove o seu Consulado-Geral a vice-consulado. O dinheiro que se gasta com um cônsul dá para pagar a cinco professores, pelo que vale a pena pensar-se bem antes de se manter a categoria de consulado ou nomear um cônsul. Porque se não reduzem também os consulados de Hamburgo, Düsseldorf e Estugarda a vice-consulados? Seriam centenas de milhares de euros que o Estado pouparia por ano e teria disponíveis para investimentos produtivos. Mesmo um vice-consulado não pode continuar a ser um espaço fechado limitado a actos administrativos.

Como se explica que o Consulado-Geral de Frankfurt seja despromovido para vice-consulado em favor dos consulados de Stutgart, de Düsseldorf e Hamburgo? Quererá isto dizer que Portugal exportará mais portugueses para essas regiões? É muito nobre e digna a assistência aos portugueses; só que esta precisa mais dos trabalhadores consulares do que dos cônsules; para trabalhadores falta o dinheiro.

Em Frankfurt está sedeado o Banco Central Europeu; em função do futuro, no caso de Portugal ter um cônsul na Alemanha, talvez a nomeação dum bom cônsul para aí se revelasse mais útil para os interesses de Portugal na Alemanha, pressupondo-se para isso um perfil de cônsul totalmente novo.

É natural que se fizéssemos, pelo que se conhece, a avaliação da actividade dos cônsules que passaram por Frankfurt – falo do que conheço melhor desde há 28 anos – que pouco ou nada fizeram por Portugal e nada pela comunidade portuguesa. No tempo em que o Consulado esteve sem cônsul, tendo a administrá-lo apenas a vice-cônsul, não se notou em nada a falta daquele. A ver as questões por esta perspectiva naturalmente que seria uma atitude inteligente despromover Frankfurt para vice-consulado, poupando-se aquela despesa irracional. Também não se conhece nada do que terão feito os cônsules de Estugarda, de Dusseldorf e de Hamburgo, o que, a seguir a mesma lógica, também estes deveriam ser reduzidos a vice-consulados, destinando-se as centenas de milhares de euros anualmente poupados na promoção das actividades associativas e cívicas em torno do consulado

Fazer dos Consulados Casas da Porta Aberta

Uma política de reestruturação consular terá que assentar em dados científicos e numa política prospectiva que tenha em conta uma acção programática portuguesa a curto prazo para os próximos 10 – 20 anos. Os vice-consulados terão de se tornar em Centros da Porta Aberta, em Casas de Portugal onde se realizam as mais diferentes actividades. Para isso o Estado português teria de saber o que quer, não se podendo limitar a medidas cosméticas, reagindo a interesses parciais instalados. A economia e a cultura serão os determinantes do futuro. As Casas de Portugal terão de se tornar biótopos, viveiros de toda a vida das regiões onde se encontram os portugueses.

O que se tem feito, embora vagarosamente, faz-se sem visões de fundo e com as mãos em cima dos joelhos, numa prática de administração da miséria. Às vezes lá se tem a sorte de se ter um funcionário superior simpático… O povo contenta-se com pouco!

Não chega criar “condições para responder às solicitações” dos utentes; é preciso antecipar-se a elas e aos instalados no sistema. A proceder-se como até agora continuaria a andar o carro à frente dos bois! Isto interessa e fomenta apenas uma administração subserviente que engorda no seu meio os seus representantes sindicais e políticos que só conhecem a reivindicação salarial ou o fomento da própria moita. Uma chusma de Chicos espertos anda à volta dos consulados e das embaixadas chegando mesmo a impedir de trabalhar alguns inocentes que ainda se não deram conta da realidade da vida. A administração tem muitos subterfúgios para levar a água ao moinho dos seus astutos. Na colocação de pessoal, como no caso de Hamburgo dá-se emprego a um mediador de seguros, etc. como funcionário consular, sem problema de incompatibilidades, tudo em nome da lei. Para isso recorre-se ao “processo de selecção simplificante” que os espertos introduziram na lei para salvaguarda de encostados e penduras. A moral mete-se na gaveta e do legal interessa apenas o seu rabo fora da gaveta..

Naturalmente que o que está mais em questão é o perfil dos cônsules. Além disso, uma democracia, se de facto o é, deverá pedir contas aos seus representantes. Os cônsules, tal como os conselheiros, deveriam tornar público um plano bienal que mostre o programa bienal a realizar concretamente por eles. Naturalmente que de dois em dois anos deveria ser apresentado um relatório do que fizeram ou deixaram de fazer e porquê. Assim a comunidade adulta poderia controlar o que os seus “servidores” fazem e intervir. A comunidade civil tem o direito de saber o que os seus mais altos funcionários fazem.

Um novo modus faciendi tornaria insuficiente uma eventual declaração de intenções ou um relatório para inglês ver a serviço da burocracia. Portugal precisa de trabalhadores técnicos rentáveis e eficientes. (É uma ilusão o recurso a inspecções efectuadas por pessoal que pertence à tutela: pelo que me foi dado observar no ME, uma mão lava a outra). Uma política de tachos e de meninos bem comportados não tirará o país da cepa torta. Se a sociedade portuguesa tem tantas dificuldades é devido à insuficiência dos quadros técnicos superiores a nível de empresas e da administração estatal. O negócio governamental a continuar como até agora e no segredo dos deuses só servirá os interesses dos penduras dos ministérios e dos partidos. Portugal é demasiado carente para se dar ao luxo de continuar a manter a obesidade do baronato.

Como poderá Portugal permitir que pessoas ocupem cargos administrativos improdutivos e recebam do erário público mais de dois mil contos por mês sem apresentarem contas do que fazem à comunidade civil? É pena que a grande maioria suje a veste de alguns poucos.

A reestruturação dos consulados terá de ser mais radical a nível de concepção, de estratégias, de perfil do pessoal e de excussão. Senhor secretário de Estado, não se deixe atemorizar. Não actuar é beneficiar a praga dos gafanhotos. Eles comem tudo e não deixam nada…

António da Cunha Duarte Justo

REMODELAÇÃO CONSULAR – APENAS COSMÉTICA?

O Novo-Rico na Tradição do Barão Republicana

A emigração portuguesa é a chaga aberta da Nação. Os nossos políticos tratam a causa dos emigrantes e luso – descendentes com indiferença e até com desprezo. De facto, figurinos políticos e administrativos que gostariam de se apresentar ao estrangeiro como representantes dum país de cara lavada, que faz os deveres de casa, continuam a fomentar a ideia dum Portugal à laia de Marrocos-de-Cima na tradição do artificialismo do nosso barão. De consciência embaçada, vivem bem nos seus guetos discretos e imperceptíveis. Gastam o dinheiro que a Nação não tem. Como representantes da miséria envergonhada limitam-se quase a representar-se, a passear o seu corpo de gravata empertigada e falar da imigração em Portugal e de tudo o que fazem por ela, no concerto dos grandes e ricos importadores de mão-de-obra!

A emigração por motivos de carência, como a escravatura outrora, é um derivado carente do sistema económico. Como tal deveria ser apoiada e assistida pelos governos portugueses para que esta passe a usufruir do que investe em Portugal e a intervir mais rentavelmente nas economias onde se encontram radicados. Para isso não chegam só ideias criativas; é preciso, uma política clara, uma cultura prática, com apoio ao investimento, capacidade de risco e de Marketing e um novo espírito administrativo.

O Desgoverno do governo português em Berlim

Embora possuindo um terreno em Berlim, o estado português paga 29.894,93 euros de aluguer pelas instalações da Embaixada e 12.782,30 euros pela residência do Embaixador, num total mensal de 42.677,23 euros, como refere o Portugal Post. Naturalmente que esta verba mensal, comparada com o que se gasta anualmente com um cônsul ou com um conselheiro de embaixada não tem grande significado. O problema é que quem tem de alimentar tão grandes estômagos de Chicos espertos é o Zé-povinho, a quem não resta nada para poder consumir cultura. Portugal para ser humano e moderno terá de racionalizar os gastos com a sua vaidade. Numa época em que o Estado repete os mesmos erros que fez no tempo das lutas liberais e republicanas apetece-me dizer com Almeida Garrett: “E eu pergunto aos economistas políticos, aos moralistas se já calcularam o número de indivíduos que é forçoso condenar à miséria, ao trabalho desproporcionado, à desmoralização, à infância, à ignorância crapulosa, à desgraça invencível, à penúria absoluta, para produzir um rico?” Entre hoje e ontem apenas uma diferença primária: se os barões de então se serviam dos bens fundiários da Igreja, os barões de hoje servem-se dos bens do povo.

Que critérios levaram à despromoção do Consulado-Geral de Frankfurt a Vice-Consulado?

Enquanto os chineses e os americanos mantêm os maiores consulados da Europa em Frankfurt, Portugal despromove o seu Consulado-Geral a vice-consulado. O dinheiro que se gasta com um cônsul dá para pagar a cinco professores, pelo que vale a pena pensar-se bem antes de se manter a categoria de consulado ou nomear um cônsul. Porque se não reduzem também os consulados de Hamburgo, Düsseldorf e Estugarda a vice-consulados? Seriam centenas de milhares de euros que o Estado pouparia por ano e teria disponíveis para investimentos produtivos. Mesmo um vice-consulado não pode continuar a ser um espaço fechado limitado a actos administrativos.

Como se explica que o Consulado-Geral de Frankfurt seja despromovido para vice-consulado em favor dos consulados de Stutgart, de Düsseldorf e Hamburgo? Quererá isto dizer que Portugal exportará mais portugueses para essas regiões? É muito nobre e digna a assistência aos portugueses; só que esta precisa mais dos trabalhadores consulares do que dos cônsules; para trabalhadores falta o dinheiro.

Em Frankfurt está sedeado o Banco Central Europeu; em função do futuro, no caso de Portugal ter um cônsul na Alemanha, talvez a nomeação dum bom cônsul para aí se revelasse mais útil para os interesses de Portugal na Alemanha, pressupondo-se para isso um perfil de cônsul totalmente novo.

É natural que se fizéssemos, pelo que se conhece, a avaliação da actividade dos cônsules que passaram por Frankfurt – falo do que conheço melhor desde há 28 anos – que pouco ou nada fizeram por Portugal e nada pela comunidade portuguesa. No tempo em que o Consulado esteve sem cônsul, tendo a administrá-lo apenas a vice-cônsul, não se notou em nada a falta daquele. A ver as questões por esta perspectiva naturalmente que seria uma atitude inteligente despromover Frankfurt para vice-consulado, poupando-se aquela despesa irracional. Também não se conhece nada do que terão feito os cônsules de Estugarda, de Dusseldorf e de Hamburgo, o que, a seguir a mesma lógica, também estes deveriam ser reduzidos a vice-consulados, destinando-se as centenas de milhares de euros anualmente poupados na promoção das actividades associativas e cívicas em torno do consulado

Fazer dos Consulados Casas da Porta Aberta

Uma política de reestruturação consular terá que assentar em dados científicos e numa política prospectiva que tenha em conta uma acção programática portuguesa a curto prazo para os próximos 10 – 20 anos. Os vice-consulados terão de se tornar em Centros da Porta Aberta, em Casas de Portugal onde se realizam as mais diferentes actividades. Para isso o Estado português teria de saber o que quer, não se podendo limitar a medidas cosméticas, reagindo a interesses parciais instalados. A economia e a cultura serão os determinantes do futuro. As Casas de Portugal terão de se tornar biótopos, viveiros de toda a vida das regiões onde se encontram os portugueses.

O que se tem feito, embora vagarosamente, faz-se sem visões de fundo e com as mãos em cima dos joelhos, numa prática de administração da miséria. Às vezes lá se tem a sorte de se ter um funcionário superior simpático… O povo contenta-se com pouco!

Não chega criar “condições para responder às solicitações” dos utentes; é preciso antecipar-se a elas e aos instalados no sistema. A proceder-se como até agora continuaria a andar o carro à frente dos bois! Isto interessa e fomenta apenas uma administração subserviente que engorda no seu meio os seus representantes sindicais e políticos que só conhecem a reivindicação salarial ou o fomento da própria moita. Uma chusma de Chicos espertos anda à volta dos consulados e das embaixadas chegando mesmo a impedir de trabalhar alguns inocentes que ainda se não deram conta da realidade da vida. A administração tem muitos subterfúgios para levar a água ao moinho dos seus astutos. Na colocação de pessoal, como no caso de Hamburgo dá-se emprego a um mediador de seguros, etc. como funcionário consular, sem problema de incompatibilidades, tudo em nome da lei. Para isso recorre-se ao “processo de selecção simplificante” que os espertos introduziram na lei para salvaguarda de encostados e penduras. A moral mete-se na gaveta e do legal interessa apenas o seu rabo fora da gaveta..

Naturalmente que o que está mais em questão é o perfil dos cônsules. Além disso, uma democracia, se de facto o é, deverá pedir contas aos seus representantes. Os cônsules, tal como os conselheiros, deveriam tornar público um plano bienal que mostre o programa bienal a realizar concretamente por eles. Naturalmente que de dois em dois anos deveria ser apresentado um relatório do que fizeram ou deixaram de fazer e porquê. Assim a comunidade adulta poderia controlar o que os seus “servidores” fazem e intervir. A comunidade civil tem o direito de saber o que os seus mais altos funcionários fazem.

Um novo modus faciendi tornaria insuficiente uma eventual declaração de intenções ou um relatório para inglês ver a serviço da burocracia. Portugal precisa de trabalhadores técnicos rentáveis e eficientes. (É uma ilusão o recurso a inspecções efectuadas por pessoal que pertence à tutela: pelo que me foi dado observar no ME, uma mão lava a outra). Uma política de tachos e de meninos bem comportados não tirará o país da cepa torta. Se a sociedade portuguesa tem tantas dificuldades é devido à insuficiência dos quadros técnicos superiores a nível de empresas e da administração estatal. O negócio governamental a continuar como até agora e no segredo dos deuses só servirá os interesses dos penduras dos ministérios e dos partidos. Portugal é demasiado carente para se dar ao luxo de continuar a manter a obesidade do baronato.

Como poderá Portugal permitir que pessoas ocupem cargos administrativos improdutivos e recebam do erário público mais de dois mil contos por mês sem apresentarem contas do que fazem à comunidade civil? É pena que a grande maioria suje a veste de alguns poucos.

A reestruturação dos consulados terá de ser mais radical a nível de concepção, de estratégias, de perfil do pessoal e de excussão. Senhor secretário de Estado, não se deixe atemorizar. Não actuar é beneficiar a praga dos gafanhotos. Eles comem tudo e não deixam nada…

António da Cunha Duarte Justo

A Escola e as Diabruras do Ministério

O REGIME MINISTERIAL AUTORITÁRIO DESACREDITA A DEMOCRACIA

Educação é um sector sensível em democracia. Em estados democráticos os funcionários ministeriais e administrativos, no pelouro da Educação, têm grande respeito pelos seus multiplicadores, os docentes e os encarregados de educação. Há uma opinião pública bem formada e o respeito por ela é enorme, dado os meios de comunicação, nestes países, se considerarem um poder do lado do povo. Em Portugal quem se encontra na mó de cima não precisa de contar com consequências para comportamentos desregrados. A julgar pelo comportamento do ME, Portugal ainda se encontra no tempo do ditado de regentes sem preparação nem vocação para o ensino! Quanto à sua democracia, deixa muito a desejar!

Incompetência Estrutural

“Casa em que não há pão todos ralham e ninguém tem razão”. A formação escolar e profissional em Portugal, segundo os resultados de PISA, encontaram-se no lugar do farolim de retaguarda da Europa. Para isso há muitas razões: uma delas está nos governos fazerem do ensino escolar uma cobaia contínua. Na falta duma política nacional de ensino assiste-se a políticas que se servem do ensino mantendo numa instabilidade contínua um segmento nacional que precisa de calma para bem actuar.

Ultimamente, uma esquerda militante instalada nas reparições administrativas do ME que tem uma relação perturbada com a cultura, atribui a miséria escolar ao professorado.

Em Portugal não há nem pode haver um perfil de professor aferido enquanto não houver um perfil de aluno nem de escolas. Isto pressuporia também o levantamento das necessidades profissionais da economia regional e nacional nos seus diversos ramos. Assim, o sucesso escolar é posto em questão logo à partida, atendendo à incompetência estrutural. O ME acaba de publicar um estatuto dos professores indigno e irrealista, fruto de ideias peregrinas formuladas por claques oportunas a viver à sombra dos ministérios. Enquanto ministério, escolas e professores não se compreenderem como elementos componentes do mesmo projecto educativo, com o mesmo espírito pedagógico e democrático, o projecto escolar continuará a fracassar.

Mais que no fomento dos alunos, o ME aposta no fortalecimento da administração contra a livre iniciativa e a experiência directa provinda da comunidade docente e discente. Com a nomeação de paraquedistas, ao vento da ideologia, para as direcções escolares dá-se mais um passo ao serviço do autoritarismo e do alargamento da fazenda partidária.

Por outro lado o centralismo continua a servir as nomenclaturas ministeriais, pelo que a situação continua precária e crónica. O ME, na sua expressão, consegue juntar as falhas do sistema capitalista às do socialista, tornando a vida do cidadão honesto cada vez mais insuportável. A experiência, porém, ensina que “quem semeia ventos colhe tempestades”!

Avaliação dos docentes – Política de desvio das atenções

Neste meio, o critério e o equilíbrio tornam-se moedas raras. O equívoco deste governo tem sido confundir a necessidade de reformas profundas com políticas epidérmicas tendentes ao branqueamento das estatísticas nacionais no concerto comparativo das nações europeias. O Governo, para não deixar vir à tona da nação o fracasso da sua política de educação em comparação com standards estrangeiros, e para desviar as atenções do problema das taxas de insucesso e de abandono escolar, conduz uma batalha contra os professores desautorizando-os e desacreditando as escolas servindo só a burocracia à custa do tempo roubado aos conselhos executivos e aos docentes. Estamos perante um ministério armado em menino bonito à custa da vituperação dos professores e de regulamentações anacrónicas e ideológicas. O ME procura o argueiro no olho dos outros, não vendo a trave que tem no seu olhar.

No passado, quando havia impasses, o ME costumava iludir o problema mudando o nome da tutela ou da repartição. Agora, em vez da mudança do nome da etiqueta, evita a reforma atribuindo as culpas ao professorado.

Um ministério eivado de espírito despótico quer uma escola à sua imagem ao serviço duma democracia para alguns. Um povo que não consome cultura porque lhe falta o essencial tem que ser ajudado mediante uma política concertada e não, como está em voga, recorrer-se à desestabilização duma classe média a favor dum internacionalismo de cunho zebrado favorecedor do grande capital que só conhece barões…

Encarregados de educação e alunos são promovidos a avaliadores de professores como se não fossem necessários critérios profissionais para o poder fazer. Isto é que é democracia! O povo é quem mais ordena!… Uma chicla que dá para cobrir muita miséria!

Fazer subordinar a avaliação de desempenho dos professores, a sua progressão na carreira e remuneração, do sucesso dos alunos, é aleatório e uma maneira fácil de conseguir bons resultados na pauta. (Quando falo disto a colegas alemães eles ficam negativamente admirados) Isto só poderia surgir duma mentalidade proletária e duma ministra formada em económicas mas não para o cargo que ocupa. Esta forma de avaliação do desempenho docente é reprovável e déspota. O despudor dum irracionalismo abrilista tardio encontra-se por detrás de muitas medidas deste governo. Querem o “sucesso” de graça, através de êxito nas estatísticas! Continuam a apostar num Portugal para inglês ver. Nas fileiras do ME, encontram-se muitos fundamentalistas que parecem querer desestabilizar o país. O que o país preciso é de autenticas reformas que assentem numa mudança de mentalidade aferida à realidade portuguesa. Activistas dum certo Abril ainda se não esqueceram dos tempos dos comícios em que se protelavam as decisões para horas tardias, a altura em que a maioria já se tinha retirado para casa restando os militantes mais fanáticos, os da súcia, para a votação e implementação “democrática” do que queriam. O ME socorre-se de tais subterfúgios administrativos tendo reservado para as férias a discussão dos problemas contando assim com a força democrática da distracção.

Será que o ME quer afastar os melhores da escola para a administração poder fazer o que lhe dá na gana?!

É também maldosa a insinuação feita pelo ME com a comparação da assiduidade da classe docente à de outras profissões, atendendo à grande percentagem de professoras no ensino e dado a gravidez ainda não ser um distintivo também masculino. Ou será que se quer voltar aos tempos da velha senhora em que o ideal da professora era ser solteira, ou será que se quer desmotivar as professoras a formar família. Por estas e por outras se vê a falta de realismo e o predomínio do factor ideológico partidário neste governo. Primeiro fomentaram a irreverência e agora segue-se o facilitismo.

Programas escolares sem respeito pelas diferenças de aptidões

Programas orientados para perfis universitários e currículos de via única, tendo como meta o 12° ano, estão destinados a conduzirem ao fracasso, por não contemplarem as necessidades reais de emprego nacional nem as diferentes aptidões e vocações dos alunos. Implementa-se uma discriminação insuportável que prejudica, ao mesmo tempo, os alunos com aptidões de carácter mais abstractas e aqueles que têm mais competências para actividades de carácter prático. Além doutros, há muitos factores não considerados também para um público, muitas vezes, não consumidor da cultura: pobreza, vocação, hiperactividade, agressividade, desconcentração, dislexia, coeficiente de inteligência, motivação, etc.…

Um regime escolar que não contempla a diferença de situações e objectivos diferenciados nos seus currículos fomenta o fracasso social e individual destruindo quqlquer possibilidade de eficiência do sistema e a auto-estima individual. Um curso unificado tão heterogéneo, a manter-se, teria de dispor de muito mais professores, de modo a estes poderem acompanhar cada aluno individualmente, o que se torna impossível quando um professor dá aulas a 100-1500 alunos por semana.

A comunidade escolar tem vários públicos pressupondo-se a existência de currículos diferenciados tendentes para a profissionalização média, para a formação profissional superior e para a formação universitária. O alcance dum tope de currículo deverá possibilitar porém o acesso ao superior que se lhe segue (como acontece aqui na Alemanha). É urgente também a fomentação de Escolas especiais para um segmento da população escolar com características específicas ou com deficiências próprias que exijam pessoal especializado para o efeito com programas exclusivos.

Escolas democráticas

Em democracia seria natural a existência dum projecto educativo integral aferido às diferentes capacidades dos alunos, aberto e por isso não reduzido a um sistema centralista e monopolista. O saber, como as escolas deviam ser de todos e não monopólio do Estado nem de ninguém. O povo dá o dinheiro ao Estado para que este assegure todo o ensino e não apenas as escolas estatais. Liberdade de escolha e de autonomia de projectos educativos são pressupostos duma democracia real. Os mais pobres não podem escolher as suas escolas nem as suas universidades, são obrigados a frequentar a escola estatal que em certas zonas se degradam para escolas do resto.

Os resultados escolares não podem ser indiferentes ao sistema. Estes ajudam-nos a saber onde nos encontramos e assim conhecer o desenvolvimento e o fim.

É fundamental a existência de auto-responsabilidade relativamente às aulas, ao pessoal e ao orçamento, nas escolas públicas, sejam elas estatais ou privadas. O que importa é atingir o objectivo contemplado por lei, independentemente do caminho a lá chegar.

O controlo não pode acontecer na base da desconfiança mas como apoio dentro da concorrência escolar. O controlo, mais que quantitativo, deve ser qualitativo. A escola é auto-responsável. O sistema democrático questiona-se a si mesmo se, ao pretender pessoas autónomas, não fomenta a auto-responsabilidade da escola. O desenvolvimento escolar acontece através das escolas. A avaliação para se tornar eficiente terá de se dar na base da confiança e da responsabilidade. Um controlo que não transmita informações utilizáveis fomenta o autoritarismo. Como podermos ter um povo democrático se a sua administração é autoritária?

O que precisamos é de escolas com autonomia de gestão e com certa flexibilidade na organização dos programas e horários.

António da Cunha Duarte Justo

Docente na Alemanha

Ensino de Português na Alemanha – Um Bicho-de-sete-cabeças


Desde 1997 tem-se dado um desinvestimento contínuo no ensino de português no estrangeiro. Esta situação, acrescida dos erros crassos duma política míope que leva os professores a abandonar os lugares de colocação, além da instabilidade criada aos docentes, conduz agora a cursos sem aulas de português e gera a necessidade do aumento da verba orçamental para o ensino em cada ano que passa.

O ME revelou não ter vocação nem competência para gerir esta modalidade de ensino. A partir de 1997 surge um partidarismo do ME no subsistema da tutela do “Ensino de Português no Estrangeiro de tal modo militante e autista que hoje será difícil reparar tão grande mal instituído. Talvez isto também explique a reserva e o medo do Ministério dos Negócios Estrangeiros em concretizar a sua integração no Instituto Camões!… Quanto mais tempo isto durar mais uma esquerda desintegrada à rédea solta e seus comparsas, se apoderam dum sector que precisa de calma para bem servir.

Apesar da Constituição Portuguesa garantir o ensino de português aos luso-descendentes e de o ano escolar já se encontrar bastante avançado, as comunidades de Kelsterbach, Hildrizhausen, Pfalzgrafenweiler, Kempten e Garmisch-Partenkirchen ainda se encontram sem aulas. Na área Consular de Frankfurt, em Kelsterbach, temos 17 alunos do 1º-4º ano e 18 alunos do 5º-10º sem aulas.Não chega a boa cabeça de algum funcionário nem de bons docentes para dar resposta aos problemas a surgir. O sistema está todo enfermo!

As propostas, feitas por políticos da emigração, de integrar o ensino de português, como língua estrangeira, nos currículos regulares do ensino na Alemanha não passam de desculpas de maus pagadores ou revelam a ignorância dos nossos políticos em relação às possibilidades que a legislação vigente oferece. Esta, duma maneira geral, possibilita de facto a criação de cursos de português integrados no currículo das escolas desde que haja pretendentes. O problema é que faltam os candidatos à aprendizagem do Português (A comunidade portuguesa na Alemanha é reduzida e encontra-se muito dispersa por toda a Alemanha, o que não possibilita a formação de cursos integrados nas escolas alemãs). Alunos alemães e alunos de outras nacionalidades optam pela aprendizagem do Espanhol surgindo assim a oferta do ensino do Espanhol por todo o lado nas escolas.

Os poucos pretendentes ao português, como não são suficientes para se poder criar um curso de português integrado no horário regular da escola optam também eles pelo espanhol. Tenho muitos alunos que no estudo complementar, optam pelo espanhol em vez do francês ou do inglês porque, não havendo número suficiente para formar uma turma de português, estes, devido à sua bagagem de português, tiram as máximas notas em espanhol, o que não aconteceria com o francês ou com o inglês se continuassem com ele. Assim melhoram a nota do fim do curso complementar, facilitando-lhes também a entrada e a escolha duma universidade a seu gosto. Certamente que, quando Angola, Moçambique e o Brasil oferecerem maior interesse pelas suas riquezas e estas sociedades oferecerem maiores garantias ao investimento alemão e europeu, o entrecâmbio aumentará e com ele a procura do português. O Brasil já é bastante atractivo.

A oferta da escola virtual através da Internet é uma boa iniciativa como apoio. De resto, por enquanto, será um segmento de procura mais aproveitável para os portugueses que residem nas Américas.

Naturalmente que o leque das possibilidades de modalidades de ensino a oferecer aos emigrantes ainda não está suficientemente explorado, no sentido da racionalização e da sua exploração e expansão. Para isso seria necessário mais sentido da realidade e uma vontade forte para se superar a mentalidade das capelinhas e maior colaboração institucional e associativa.

As soluções administrativas e muitas das propostas feitas por iniciativas migrantes na Alemanha pecam por demasiada parcialidade ou mesmo partidarismo.

Certas associações e grupos políticos, como se revela no caso do Conselho das Comunidades, são demasiadamente monolíticos, sem pluralidade partidária, tornando-se as suas iniciativas a nível de opinião pública, um meio de auto-afirmação à custa de problemas filtrados pela sua perspectiva e em serviço próprio. Por outro lado as posições dos deputados da emigração sobrepõem-se, por companheirismo e falta de interesse, agindo com accionismos à margem dos verdadeiros interesses da população luso-descendente. A sua actividade, ao longo dos tempos tem-se revelado como um álibi para a política estabelecida portuguesa. Assim nem as organizações, nem as lobies “representativas” dos emigrantes servem os luso-descendentes nem os interesses de Portugal.

Tudo isto facilita e confirma o desinteresse do governo. Ninguém está interessado em conhecer a realidade nem em contactar os que estão com a mão na massa, ou melhor, os que apenas actuam por amor à causa do ensino e dos portugueses.

Por estas e por outras, ao desinvestimento progressivo de Portugal no ensino acrescenta-se uma apresentação oportunista da realidade que a todos prejudica salvaguardando apenas os interesses de alguns funcionários administrativos e alguns funcionários sindicais que assim vão fazendo e vivendo a sua vida à custa dum mau serviço ao povo e aos governos. O problema é crónico e não terá saída atendendo ao emaranhado da rede monolítica que domina a expressão da população portuguesa na Alemanha. O mesmo ideário esquerdista constitui o substrato que vai do jornal de emigração na Alemanha aos representantes do Conselho das Comunidades Portuguesas e outras instituições.

Também os deputados se encontram condicionados por uma situação sui generis rodeando-se também eles de pessoas com interesses pessoais e assim melhor poderem atingir os seus fins imediatos sem estorvos de qualquer género. É a lei do oportunismo e um partidarismo mal entendido prejudicador e desqualificador duma política de partidos séria. Estes porém sabem-se à rédea solta sem necessidade de prestarem contas às centrais localizadas em Portugal. De facto, no caso destes se interessarem seriamente pelos interesses da comunidade portuguesa quem teria de pagar a conta, num primeiro momento, seria Portugal.

A longo prazo porém, Portugal ganharia se mudasse a sua maneira de estar!

António da Cunha Duarte Justo