Urge uma Esquerda pós-materialista e um Conservadorismo activo
A sociedade ocidental vive hoje uma guerra cultural silenciosa, mas profunda, que divide nações, polariza debates e redefine valores. No centro deste conflito está a esquerda (socialismo), que, desde o início do século XXI, abandonou a sua luta tradicional contra o capitalismo e pelos trabalhadores, substituindo-a por uma agenda cultural agressiva centrada em minorias e na desconstrução dos valores ocidentais. Esta transformação, aliada à arrogância das elites políticas e culturais, gerou um distanciamento perigoso entre os governantes e a maioria da população. (Na Europa tanto progressistas como conservadores, em vez de analisarem a necessidade de mudança urgente expressa na eleição de Donald Trump, esgotam-se em conversas de caracter emocional de defesa do status quo sociopolítico!)
A Esquerda e a Guerra Cultural
A esquerda, que outrora se concentrava em questões económicas e na defesa dos trabalhadores, mudou radicalmente de estratégia. A partir da revolução cultural de 1968, e especialmente após o ano 2000, a esquerda passou a priorizar uma agenda cultural, focada em temas como identidade de género, sexualidade e desconstrução da família e da cultura ocidental. Esta mudança foi tão absorvente que dominou o discurso público através dos media, da política e das instituições culturais.
No entanto, esta obsessão com a guerra cultural levou a esquerda a uma crise de identidade. Em países como a Alemanha, vemos partidos de esquerda a adoptar posições conservadoras, enquanto nos EUA e na Europa, os progressistas perderam a conexão com as preocupações reais da maioria da população. A família tradicional, outrora um pilar da sociedade, foi substituída por conceitos como famílias substitutas, grupos woke e transgénero, alienando ainda mais a esquerda das suas raízes populares.
A Reacção Conservadora e o Descontentamento Popular
Enquanto a esquerda se fragmenta em múltiplas facções, os conservadores começam a reagir. Nos EUA, a eleição de Donald Trump foi um sinal claro de que uma parte significativa da população está cansada do domínio progressista. Na Europa, o descontentamento com as políticas da União Europeia (UE) e a sua agenda globalista também cresce. A UE, que deveria focar-se na economia e na tecnologia, insiste em impor valores abstractos e políticas culturais que desrespeitam a soberania das nações, a vontade da maioria e a tradição.
As elites políticas e culturais, incluindo as eclesiásticas e económicas, alinharam-se com esta agenda progressista, mas o povo está farto. A sensação de que as minorias passaram a ter mais direitos do que a maioria, aliada à arrogância das elites, criou um clima de revolta latente. Os conservadores, tanto na Europa como nos EUA, começam a perceber que precisam de se afirmar para equilibrar o barco e devolver a sociedade aos seus valores fundamentais.
A Crise dos Media e a Desconexão das Elites
Os media tradicionais, subvencionados pelos governos e por contribuições dos cidadãos, tornaram-se porta-vozes da agenda progressista, distanciando-se da realidade e das preocupações do povo. Em vez de ouvirem as dores da população, preferem estigmatizar movimentos populares como “populistas” ou “extremistas de direita”, atribuindo a culpa às redes sociais e às fake news.
Esta desconexão das elites é evidente na forma como governam. A UE, por exemplo, chegou ao absurdo de legislar sobre a curvatura das bananas, enquanto ignora questões culturais e identitárias que afectam profundamente as nações. A arrogância das elites, que se consideram acima do povo, só aumenta o fosso entre governantes e governados.
A Necessidade de uma Esquerda Pós-Materialista e de um Conservadorismo Renovado
Para superar esta crise, precisamos de uma esquerda pós-materialista que volte a conectar-se com as preocupações reais da população, sem abandonar a defesa dos mais vulneráveis. Ao mesmo tempo, os conservadores precisam de se renovar, assumindo as boas características da esquerda, como a solidariedade humana concreta, sem cair no extremismo. Neste sentido a doutrina social da Igreja católica podendo este ser um modelo de fidelidade à pessoa e à comunidade (a exemplo do capitalismo social de mercado criado na Alemanha pós-guerra, surgido da colaboração entre sindicalismo e cristianismo).
Exemplos como Robert Kennedy, nos EUA, mostram que os conservadores podem ser mais eficazes na resolução de problemas sociais do que os progressistas. A melhoria das refeições escolares e o apoio às famílias carenciadas são exemplos de acções concretas que fazem a diferença.
O Caminho a Seguir
A sociedade ocidental precisa de um diálogo construtivo entre esquerda e direita, onde ambas as partes reconheçam as virtudes do outro e trabalhem em conjunto para o bem comum. A sabedoria popular, que ultrapassa a práxis política, deve ser valorizada. Respeito e caridade são essenciais para lubrificar as engrenagens sociais e restaurar a confiança entre governantes e governados.
Enquanto a esquerda se mantiver refém da sua agenda anti cultural e as elites continuarem a governar como deuses do Olimpo, a confusão social persistirá. É tempo de uma mudança de atitude, tanto da esquerda como dos conservadores, para que a sociedade possa encontrar um equilíbrio e enfrentar os desafios do século XXI com união e propósito.
A política do dividir para imperar seguida pelo neomodernismo tornou-se profundamente incómoda e destrutiva por se reduzir a uma arma rectórica (o filósofo Karl Popper identifica o marxismo e a sua dialética como pseudociência)! Que sentido tem colocar-se em desafio heterossexuais e LGBTQ, homens e mulheres, natura e cultura, pretos e brancos, minorias e maiorias? Assim a sociedade é enganada ficando com a impressão que discussão dialética é científica quando não passa da contraposição de ideias a que falta evidência e a verificação da experiência.
António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo
Obrigada por este texto muito elucidativo que nos faz reflectir sobre as mudanças globais nas sociedades seus motivos e consequências.
O regresso a uma esquerda de boas características sem caír no extremismo seria desejável, mas o que é se teme é o confronto entre culturas e ideologias políticas que se afastam cada vez mais do equilíbrio e da paz.
Mafalda Freitas Pereira, muito obrigado pelo seu comentário tão ponderado e reflexivo. De facto uma inversão de marcha da esquerda no sentido de uma esquerda equilibrada, sem extremismos, não só beneficiaria o debate político e social mas possibilitaria a construção de uma cultura de paz baseada no bem-comum . De facto, como bem apontou, o afastamento desse equilíbrio tem gerado polarizações perigosas, que ameaçam a coesão social e a paz. O confronto entre culturas e ideologias, cada vez mais distantes do diálogo e da moderação, é de facto preocupante e a EU, com a Alemanha à frente parece querer obrigar-nos ao velho espírito germânico e o Reino Unido ao espírito oportunista na linha tradicional anglo-saxónica. Precisamos de encontrar caminhos que promovam a união, o respeito mútuo e a busca por soluções comuns, sem perder de vista a diversidade de pensamentos que enriquece as sociedades. A sua reflexão é um importante contributo para esse debate!
Bom texto. O neo-marxismo, baseado em Gramsci, na escola de Frankfurt e nos pós-modernistas, fez soar os tambores de guerra na área sócio-cultural impondo uma agenda que o comum da população (refiro-me às classe trabalhadora e média) não aceita, na medida em que dividir a sociedade entre opressores e oprimidos, homens e mulheres, brancos e negros, heterossexuais e LGBTQ, cria fracturas irreparáveis e conduz ao inevitável suicídio do Ocidente. Assim, isto é tão verdadeiro na Europa, como no outro lado do Atlântico. A resposta começa a ser dada em termos políticos e com o factor tempo será contundente. Moveram o pêndulo numa direcção que ele vem, agora, com toda a força na direcção contrária.
Francisco Henriques da Silva, excelente comentário! Como sempre, o senhor Embaixador acerta no fulcro da questão ao analisar a influência do neo-marxismo e sua agenda sócio-cultural, que, de facto, tem promovido divisões profundas na sociedade. A reflexão sobre as consequências dessas fracturas e o movimento pendular que agora se observa na reação política é extremamente pertinente. O seu diagnóstico sobre a situação tanto na Europa como do outro lado do Atlântico é preciso e oportuno. Só é pena que a sociedade europeia ainda se encontre embalada na sequência da batuta da “esquerda-woke” e por isso não se dê conta do que começou a acontecer nos EUA, quando, com a devida distância, a EU deveria aceitar nela mesma uma metanoia quaresmal para poder tornar-se numa força positiva impulsionadora e ao mesmo tempo correctiva do que Trump iniciou! Os progressistas procuram agora por todo o lado colocar-se nas barricadas e como se encontram instalados nos órgãos mais importantes das instituições ainda vão danda a impressão ao povo de que eles é que têm razão ao fixar-se apenas nos podres dos outros. Parabéns pela lucidez e pela clareza!
A curvatura das bananas: é uma figura de estilo ou é mesmo verdade? nem Kafka imaginária tal coisa!
Vítor Lopes , a curvatura das bananas começa por ser uma figura de estilo baseada na realidade (mas confesso que ao aplicá-la no texto queria provocar no leitor o mesmo sorriso que provicou em si! Sim é um tema fascinante e profundamente existencial como muitos com que a sociedade tem sido confrontada. Será uma figura de estilo? Será uma realidade burocrática? Ou será apenas o universo a lembrar-nos que até os frutos têm os seus padrões a cumprir? Kafka, de facto, ficaria orgulhoso desta ideia magna de absurdo regulamentar (uma EU que determina o cumprimento das bananas e de repente a banana da Madeira por muito que se esticasse não chegava ao apogeu de Bruxelas). Quem diria que um dia tivéssemos de discutir, com toda a seriedade, o ângulo ideal de uma banana para que ela possa ser digna de ser vendida? Enfim, uma União Europeia, à frente no que toca a elevar o trivial ao nível de arte e agora, pelos vistos, preocupada em apontar o gatilho! De resto parece que também as bananas têm de se curvar às normas. Ironias à parte, é um daqueles casos em que a realidade supera a ficção!