António Justo
Hoje é o aniversário da Independência de Timor-Leste efectuada a 20 de Maio de 2012.
Apresento alguns textos que em 1996 enviei para os Media e que testemunham a coragem de um povo oprimido na resistência contra a ocupação indonésia.
Timor-Leste – a ilha esquecida
Em Outubro 1996, o bispo timorense Carlos Ximenes Belo e o representante no exterior da Resistência timorense, José Ramos Horta, também ele timorense, receberam o prémio Nobel da Paz. Até aí, Timor tinha sido uma ilha esquecida do mundo. Poucos souberam do genocídio que aí aconteceu ou não queriam saber! Portugal foi uma excepção: tentou chamar a atenção para os acontecimentos em Timor-Leste desde que a Indonésia invadiu a antiga colónia portuguesa. Até hoje a brutalidade e a repressão indonésia já provocou a morte a mais de 200 000 timorenses, numa tentativa de esmagar a voz dum povo que há 20 anos luta pelo direito à autodeterminação.
Timor-Leste pertenceu a Portugal desde o século XVI até 1975 Os timorenses não se sentiram oprimidos pelos colonialistas. Muitos converteram-se desde já muito cedo ao catolicismo. Na mitologia dos timorenses, os portugueses aparecem como irmãos.
O fim do colonialismo português
Depois do 25 de Abril, Portugal deu a liberdade à sua colónia no oceano índico bem como à maioria das outras colónias. Então, em Timor Leste surgiram dois partidos: a UDT (União Democrática de Timor), que defendia uma federação com Portugal e a FRETILIN (Fronte Revolucionária de Timor Leste Independente) que aspirava à independência depois de 5 anos de transição. Um partido chamado APODETI (Associação Popular Democrática de Timor) que queria a unificação com a Indonésia, não teve ressonância no povo.
Porém a Indonésia reclamou para si o direito à posse da ilha. No fim do tempo do colonialismo, Timor Leste era um país pouco desenvolvido embora seja rico em cobre, petróleo, carvão e madeira de sândalo. Só a FRETILIN conseguiu apresentar um programa para o desenvolvimento político e social de Timor. No dia 28 de Novembro de 1975 proclamou a “República Democrática de Timor Leste” para se opor a uma invasão da Indonésia. A Tanzânia, a Argélia, Angola e Moçambique reconheceram o novo estado. A ONU exigiu a retirada dos indonésios de Timor Leste mas sem resultado.
A invasão pelos indonésios e as suas consequências
Esta proclamação não conseguiu bloquear o mecanismo de guerra indonésio. No dia 7 de Dezembro de 1975, a Indonésia invadiu Timor Leste e começou um grande genocídio que continua até hoje. Os militares mataram homens, mulheres e crianças. Isolaram a ilha do resto do mundo, destruíram as colheitas e proibiram o cultivo dos campos, para vencerem a resistência do povo através da fome. Duma população constituída por 700.000 habitantes morreram já nos primeiros meses entre 60.000 e 100.000 timorenses.
Uma grande parte da população fugiu para o interior montanhoso da ilha. Em 1979 as autoridades indonésias prometeram uma amnistia para aqueles que capitulassem. Muitos deixaram o seu esconderijo devido à fome e ao desespero, mas os ocupantes mataram 10.000 civis e membros da FRETILIN, que tinham seguido a promessa de amnistia.
Em 1979 grassava grande fome. 80 % dos sobreviventes sofriam de malária, hepatite e tuberculose e quase todos sofriam de subalimentação. O governo da Indonésia elaborou um programa para a esterilização à força do povo de Timor Leste.
Apesar de todas estas crueldades o governo indonésio não conseguiu vencer a resistência do povo. Em Março de 1983 o governo acordou um armistício com a FRETILIN, mas já em Agosto do mesmo ano a ilha foi atacada por 35.000 soldados indonésios. As obras de assistência foram expulsas e raramente era permitido a visitantes estrangeiros visitar a ilha.
A responsabilidade internacional
A chave para a solução do problema em Timor Leste está nas mãos dos grandes países ocidentais que apoiam a Indonésia, política, económica e militarmente. A Alemanha é o segundo fornecedor de armas para a Indonésia! Jornalistas australianos documentaram couraças de Mercedes em acção em Díli, a capital de Timor Leste. Até oficiais militares e da polícia da Indonésia são formados pela Bundeswehr. Na ONU, a Alemanha abstém-se do voto no que respeita a Timor Leste. Até hoje nunca tentou influenciar o governo indonésio em direcção ao direito à autodeterminação timorense. A mesma coisa fazem os Estados Unidos que são o fornecedor mais importante de armas para a Indonésia. A Austrália e os países da Europa de Leste também se calam. Jovens timorenses que “ocuparam” embaixadas estrangeiras (quer dizer eles saltaram por cima dos muros e desenrolaram transparentes com as suas reclamações), estes jovens foram entregues à polícia indonésia pelas embaixadas da Alemanha e da França. Outras embaixadas mandavam-nos para Portugal, onde recebiam asilo. Portugal, as antigas colónias portuguesas africanas e outros países do Terceiro Mundo defendem Timor Leste. Por iniciativa da Alemanha Federal, em 1986 Timor Leste foi tirado da “lista negra” da Comissão dos Direitos de Homem da ONU.
Depois da atribuição do Prémio Nobel da Paz respectivamente ao bispo de Díli, Ximenes Belo e ao representante da resistência timorense no exterior, Ramos Horta, em Outubro 1996, o único comentário do governo alemão foi de que “respeitava” a decisão da Academia Sueca.
No dia 28 de Outubro 96, Kohl visitou o seu amigo Suharto. O público esperou de Kohl a coragem de defender os direitos do povo timorense. Depois do encontro só disse a cerca de Timor-Leste, que ele tinha uma opinião diferente da de Suharto quanto aos direitos humanos. É sintomático que o bispo Belo, um homem desejoso de harmonia se tenha recusado ao convite do Kohl. Belo sabe que o interesse do Ocidente é apenas económico, até ao ponto de negar a própria cultura.
Só se os países poderosos do mundo deixarem de apoiar a Indonésia e obrigarem o governo indonésio a resolver este problema duma maneira humana e pacífica, o sofrimento e a opressão de Timor Leste poderá acabar.
Razões da Indiferença Alemã perante o Genocídio do Povo Timorense
A Indonésia com uma população de 210 milhões de habitantes, distribuídos por 9.000 ilhas, é um mercado muito atractivo para o Ocidente. Em 1945 tornou-se independente. Outrora havia no país 61 povos, 360 etnias e 250 Línguas. Para efeitos de identidade foi criada artificialmente a língua indonésia e estendida a todo o país. A unidade do povo é forçada através de repressão e da incrementação do islão como religião de identificação nacional. O governo indonésio tem mesmo um Ministério para a Transmigração que põe em prática a política de colonização interna para desintegrar etnias tal como fez em 1975 aquando da ocupação de Timor, enviando colonos muçulmanos para lá com o fim de desestabilizar uma região com uma certa influência cristã; na altura 35% dos habitantes eram católicos que conviviam com as religiões autóctones.
Durante a guerra fria fez parte da estratégia política do Ocidente criar na Ásia do sudeste um contrapeso contra a China. A Indonésia, anticomunista, torna-se membro dos países neutros (Bloco Livre). Assim pôde intervir brutalmente, sem ser incomodada por outras nações, contra vários povos no país e desde 1975 praticar em Timor Loro Sae das maiores barbaridades deste século criando lá o maior desemprego (70%) e a maior mortalidade do mundo. Como membro dos estados ASIAN renuncia ao armamento atómico sendo um „pequeno tigre“ da região com o maior aumento de armas e com grande aumento militar embora não tenha inimigos naturais.
A Indonésia é um forte parceiro comercial da Alemanha (em 1997 a exportação da Alemanha para lá atingiu 5,2 biliões de Marcos). Exporta principalmente armas: Submarinos, navios-tanque, carros-blindados, etc. Um relatório da BRD em 1996 relativo ao fornecimento de armamento à Indonésia refere 600 fornecimentos nos últimos dez anos, sendo a Alemanha, depois dos USA, o segundo fornecedor de armas da Indonésia. Os alemães estão também muito integrados nas indústrias principais do país: indústria metalúrgica (Preusak), indústria automóvel (Ford alemã), construção de aviões, etc.
Por iniciativa do Governo Federal Alemão a Indonésia, apesar do genocídio contínuo em Timor, foi riscada da „Lista Negra“ da Comissão da ONU para os Direitos Humanos. A ONU, porém, não reconheceu a anexação de Timor-Leste pela Indonésia. No que respeitava a Timor Leste a Alemanha abstinha-se sempre do voto, na ONU. Jovens timorenses que “ocuparam” embaixadas estrangeiras na Indonésia (isto é, que saltaram por cima dos muros da embaixada e desenrolaram transparentes em que manifestavam as suas exigências no que respeita aos direitos humanos e à independência), foram entregues à polícia indonésia pelas embaixadas da Alemanha e da França. Outras embaixadas mandavam-nos para Portugal onde recebiam asilo político.
No que respeita ao exporte de armamento a Indonésia é equiparada à NATO, sendo tão fácil exportar para lá armamento como para a França. Carros-blindados alemães da Mercedes foram usados pelos militares indonésios em massacres contra a população civil de Timor (cfr. Documentação de jornalistas australianos). Agentes da polícia e oficiais indonésios são formados na Alemanha (último exemplar importante foi o genro de Suharto). Em Setembro de 1998 tornou-se público que o exército federal ambiciona fazer do exército indonésio uma forte armada.
Do Movimento para a Paz na Alemanha não se pode esperar nada, ele está paralisado. Falta-lhe vida, convicção e parece burocratizar-se, dando a entender que a sua estratégia será organizar-se como mediador entre parceiros em litígio. O seu destino e ideais parecem andar ligados aos dos Verdes.
Um outro aspecto que explica o desinteresse nos massacres em Timor, é a ideologia do Movimento 68 que via no islão a religião dos oprimidos e no cristianismo a religião dos colonializadores-opressores.
Por um lado, os Média alemães de vocação popular são consensuais, informam normalmente sob uma perspectiva economicista nacional, na base de uma moral utilitarista. Por outro lado, o Governo, aspira assumir mais responsabilidades a nível mundial, prisioneiro porém da mesma mundivisão, não se decide a tempo, hesita na ajuda a prestar, vendo-se obrigado a marcar presença desatempadamente, correndo atrás dos acontecimentos. Este agir está em contradição com a posição que a Alemanha quer assumir internacionalmente. O assumir de responsabilidade exige capacidade e vontade de empenho numa perspectiva que transponha a Alemanha.
No meio de tudo isto a Indonésia usa a ambiguidade como estratégia política: para o exterior fala de „Unidade na Pluralidade“ e internamente pratica a repressão e a descriminação das etnias, especialmente dos „sem Deus“ que no sentido islâmico são os que não pertencem a uma religião do livro. A extinção de etnias, a repressão de religiões e o fomento do islão como factor de identificação do país fazem parte da sua política maquiavélica. Por razões óbvias o Ocidente não está interessado em observar o que se passa e quer mesmo acreditar nas declarações falaciosas da Indonésia.
A dupla-moral da Alemanha e dos Média no tratamento histérico do Kosovo e no ignorar de Timor mostra claramente que o que está em jogo não são questões humanitárias mas puramente económicas. Sintomático foi o facto, de, a princípio, o ministro dos negócios estrangeiros (Fischer) se mostrar muito preocupado com o problema da „desestabilização da Indonésia“… A opinião de que se deve renunciar a uma política exterior „moralizadora“, tendo em conta os interesses económicos, é míope, desumana e autodestruidora. Ou será que o sangue dos outros terá de ser a energia básica para o prosperar da nossa economia? Uma economia que fecha os olhos aos atropelos contra os Direitos Humanos e a ditadura atraiçoa a própria cultura e significa a desagregação da mesma, não podendo reclamar para si o respeito de valores humanistas nem assumir responsabilidades de caracter universal.
Ao concedermos à intolerância o direito a ser tolerada destruímos a tolerância e o estado de direito tal como aconteceu na Weimarer Republik.
TIMOR-LESTE: UM TESTEMUNHO A PESAR NA
CONSCIÊNCIA DO MUNDO
Prémio Nobel da Paz 1996
Em Outubro de 1996 foi atribuído o prémio Nobel da Paz, a D. Carlos Filipe Ximenes Belo, salesiano, bispo de Dili e a José Ramos Horta, também ele timorense, representante no exterior da Resistência timorense.
Até aí, Timor era uma ilha esquecida do mundo. Poucos souberam do genocídio que aí aconteceu ou não quiseram saber! Portugal, apesar duma política de descolonização irresponsável, foi uma excepção: tentou chamar a atenção do mundo para os acontecimentos em Timor-Leste desde que a Indonésia invadiu a antiga colónia portuguesa.
Uma história de opressão
Desde 1975 a brutalidade e a repressão indonésia já provocou a morte a mais de 200 000 timorenses, numa tentativa de esmagar a voz dum povo que há 20 anos luta pelo direito à autodeterminação.
Timor Leste compreende a parte oriental da ilha, bem como a ilha de Ataúro, o ilhéu de Jaco e o enclave de Oc-Cusse num total de 19.000 Kms quadrados, tendo em 1975 uma população de 700.000 habitantes. No mar entre Timor Leste e a Austrália há uma das grandes reservas petrolíferas do mundo.
Timor-Leste pertenceu a Portugal desde o século XVI até 1975. Os timorenses não se sentiram, duma maneira geral, oprimidos no tempo da colonização portuguesa. Esta é resultado duma política de assimilação baseada no facto dos recursos humanos, militares, económicos e culturais de Portugal serem muito limitados. Portugal, país de brandos costumes exportara para Timor um regime feudal baseado numa autoridade central colaboradora ora mais com uns régulos locais ora mais com outros beneficiando também ela do colonialismo interno dos régulos e suas influências. Muitos timorenses converteram-se desde muito cedo ao catolicismo; em 1975 a população era constituída por 35% de católicos subindo em pouco tempo, após a invasão indonésia para 90% da população. Este fenómeno mostra bem a necessidade deste povo em apresentar o cristianismo como expressão/factor da sua identificação e sinal da sua vontade de autodeterminação esperando exasperadamente da Igreja, como instituição, aquilo que as outras instituições humanas não querem reconhecer: o direito a serem diferentes, a serem eles mesmos.
Na mitologia dos timorenses, os portugueses aparecem como irmãos.
O fim do colonialismo português
Depois do 25 de Abril, Portugal deu a liberdade à sua colónia no oceano índico bem como à maioria das outras colónias. Então, em Timor Leste surgiram dois partidos: a UDT (União Democrática de Timor), que defendia uma federação com Portugal e a FRETILIN (Fronte Revolucionária de Timor Leste Independente) que aspirava à independência depois de 5 anos de transição. Um partido chamado APODETI (Associação Popular Democrática de Timor) que queria a unificação com a Indonésia, não teve ressonância no povo.
A Indonésia reclama para si o direito à posse da ilha. No fim do tempo do colonialismo, Timor Leste era um país pouco desenvolvido embora fosse rico em cobre, petróleo, carvão e madeira de sândalo. Só a FRETILIN conseguiu apresentar um programa para o desenvolvimento político e social de Timor. No dia 28 de Novembro de 1975 proclamou a “República – Democrática de Timor Leste” para se opor a uma invasão da Indonésia, dado não poder esperar apoio de Portugal nem da Austrália, pelo que só lhe restava a única hipótese de se proclamar independente para assim poder levantar a sua voz autorizada na ONU e tentar através da Nações Unidas impedir a invasão. A Tanzânia, a Argélia, Angola e Moçambique reconheceram o novo estado. A ONU exigiu a retirada dos indonésios de Timor Leste mas sem resultado. A proclamação da independência não conseguiu bloquear o mecanismo de guerra indonésio.
A invasão pelos indonésios e as suas consequências
No dia 7 de Dezembro de 1975, a Indonésia invadiu Timor Leste e começou um grande genocídio que continua até hoje. Os militares mataram homens, mulheres e crianças. Isolaram a ilha do resto do mundo, destruíram as colheitas e proibiram o cultivo dos campos para vencerem a resistência do povo através da fome. Duma população constituída por 700.000 habitantes morreram já nos primeiros meses entre 60.000 e 100.000 timorenses.
Uma grande parte da população fugiu para o interior montanhoso da ilha. As FALINTIL (Forças Armadas de Libertação Nacional de Timor Leste) na sua luta armada, apoiadas pela população, difamadas por colaboradores indonésios como um punhado de “rebeldes”, são a expressão talvez desesperada e o grito dum povo que se sente lesado no seu direito e nas suas aspirações a ser País. Em Setembro de 1978 no massacre de Fatumaca os soldados indonésios mataram ca. de 5.000 pessoas depois de terem violado as mulheres à vista das suas famílias. Em 1979 as autoridades indonésias prometeram uma amnistia para aqueles que capitulassem. Muitos deixaram o seu esconderijo devido à fome e ao desespero, mas os ocupantes mataram 10.000 civis e membros da FRETILIN, que tinham seguido a promessa de amnistia. Naturalmente que também houve aqueles que atentos à oportunidade da situação acederam e se tornaram colaboradores do regime de Jacarta obtendo privilégios à custa dos interesses da causa timorense e aqueles que tiveram mesmo que resignar devido à força das circunstâncias. Xana Gusmão, chefe da resistência armada, símbolo do povo amordaçado encontra-se prisioneiro nas masmorras indonésias.
Como resultado da política da fome seguida pela Indonésia, em 1979 grassava grande fome. 80 % dos sobreviventes sofriam de malária, hepatite e tuberculose e quase todos sofriam de subalimentação. O governo da Indonésia elaborou um programa para esterilização forçada no povo de Timor-Leste.
Apesar de todas estas crueldades e repressão e do esforço indonésio na construção de estradas para os militares mais facilmente poderem atingir o interior, o governo indonésio não conseguiu vencer a resistência do povo maubere. Em Março de 1983 o governo acordou um armistício com a FRETILIN, mas já em Agosto do mesmo ano a ilha foi atacada por 35.000 soldados indonésios. As obras de assistência foram expulsas e a visitantes estrangeiros raras vezes lhes foi permitido visitar a ilha. Uma paz dos cemitérios adquirida à base duma política de pacificação compulsiva adquirida à custa da morte, desterro, tortura, massacres, violação de mulheres, desaparecidos e de colaboradores mesmo cristãos que por interesses pessoais ou para não terem de recear vinganças ou a perda de certos privilégios se vêem na necessidade de repudiar publicamente o movimento timorense.
O bispo Ximenes Belo está empenhado na defesa dos direitos humanos e na formação escolar e académica do povo. Belo, timorense de 48 anos, desde 1983 bispo de Díli capital de Timor-Leste afirma o seguinte: “A soldadesca indonésia que nos rouba a nossa liberdade e destrói a nossa cultura trata-nos como cães sarnosos. Justiça é para eles um termo estranho. Os indonésios mantêm-nos como escravos…em Timor há uma paz aparente apenas à superfície…de facto na ilha reina o pânico, por toda a ilha se encontram soldados e polícias indonésios… eles fazem prisões arbitrárias tanto de dia como de noite …eles podem torturar e matar porque sabem que nada será conhecido no exterior… todos os dias ouvimos falar de novos desaparecidos não se sabendo o que acontece com eles…vive-se numa insegurança contínua…se na ilha há paz, como afirmam as autoridades indonésias, porque é que não deixam jornalistas estrangeiros visitar Timor-Leste?…nós esperamos uma solução humana pacífica e democrática para o problema de Timor-Leste”. Para se ter uma imagem da brutalidade indonésia em Timor basta recordar que em 1991 no dia em que timorenses se juntaram para protestar pacificamente e rezar no cemitério de Santa Cruz em Díli por dois timorenses assassinados pelos soldados indonésios, estes, então, dispararam sobre a multidão matando 500 timorenses.
A RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL
Um povo massacrado e o mundo fecham os olhos
A chave para a solução do problema em Timor-Leste está nas mãos dos grandes países ocidentais que apoiam a Indonésia, política, económica e militarmente. A Indonésia com os seus 200 milhões de habitantes é um mercado muito atrativo para o Ocidente. A Alemanha é o segundo fornecedor de armas para a Indonésia. Jornalistas australianos documentaram couraças de Mercedes em acção em Díli, a capital de Timor Leste. Até oficiais militares e da polícia da Indonésia foram formados pela Bundeswehr (Exército alemão – interesses estratégicos de economia). Na ONU, a Alemanha abstêm-se do voto no que respeita a Timor Leste. Até hoje nunca tentou influenciar o governo indonésio no sentido da defesa do direito do povo timorense à autodeterminação. A mesma coisa fazem os Estados Unidos que são o fornecedor mais importante de armas para a Indonésia. A Austrália interessada na mão de obra barata da Indonésia e em alcançar dividendos na partilha (entre ela e a Indonésia) dos direitos às reservas de petróleo existentes entre Timor Leste e a a Austrália também se cala. Jovens timorenses que “ocuparam” embaixadas estrangeiras na Indonésia (isto é, que saltaram por cima dos muros da embaixada e desenrolaram transparentes em que manifestavam as suas exigências no que respeita aos direitos humanos e à independência), foram entregues à polícia indonésia pelas embaixadas da Alemanha e da França. Outras embaixadas mandam-nos para Portugal onde recebem asilo político. É um escândalo que por iniciativa da Alemanha Federal, em 1986 Timor Leste tenha sido tirado da “lista negra” da Comissão dos Direitos do Homem da ONU, embora a ONU não reconheça a anexação de Timor-Leste pela Indonésia e a invasão lese direitos internacionais. Apenas Portugal, as antigas colónias portuguesas africanas e outros países do Terceiro Mundo defendem Timor Leste.
A atitude do governo alemão (: protótipo do agir do Ocidente)
Depois da atribuição do Prémio Nobel da Paz respectivamente ao Bispo de Díli D. Carlos Ximenes Belo, e ao representante da resistência timorense no exterior, Ramos Horta, em Outubro de 1996, o único comentário do governo alemão foi de que “respeitava” a decisão da Academia Sueca.
No dia 28 de Outubro de 96, Kohl visitou o seu amigo Suharto em Jacarta. Depois do encontro só disse acerca de Timor-Leste, que tinha uma opinião diferente da de Suharto no que respeita aos direitos humanos.
É sintomático que o bispo Belo, um homem desejoso de harmonia e paz tenha recusado o convite de Kohl. O corajoso Bispo deu uma lição ao mundo ocidental ao não aceitar encontrar-se com o chanceler Kohl na Indonésia. Carlos Belo foi meu colega nos Salesianos em Portugal. Por isso penso interpretar bem a sua atitude. Ao basear a sua recusa por motivos pastorais, ele contrabalança o valor da vida cultural dum povo à hegemonia do económico. Ele sabe bem que o que preocupa Kohl não é a defesa do povo ameaçado e da cultura ameaçada de Timor-Leste mas sim meros interesses económicos. Além disso, se Belo tivesse aceitado o convite reconheceria indirectamente o domínio da Indonésia sobre Timor-Leste. A declaração de Kohl de que ele era por uma “solução pacífica” do problema em Timor não deixa transparecer grande convicção e dá a impressão de ser apenas uma frase devida à espectativa da opinião público que esperava uma tomada de posição pelo chanceler alemão. Entretanto, no fim de Outubro o bispo Belo pediu ao chanceler alemão Kohl a realização de um encontro entre os dois em Bona, aquando da sua deslocação a Oslo…
Política à margem da moral
Ximenes Belo não pode aceitar que o mundo assista inactivo a tanta repressão e ao facto da Indonésia através duma política sistemática de envio de colonos muçulmanos indonésios para a região, pretender, a longo prazo, ameaçar a identidade étnico-cultural dos timorenses de Leste podendo, com o tempo, vir a reduzi-los a uma minoria no próprio país.
Os timorenses têm razão para se sentirem esquecidos e atraiçoados pela comunidade internacional. A desilusão ainda se acentua mais pelo facto dos timorenses de Leste serem portadores duma tradição de quase 500 anos de Cristianismo – portanto a sua cultura ter raízes ocidentais.
Esta tradição é agora aniquilada com o consentimento tácito e até com a ajuda do mundo ocidental, à maneira de Judas, apesar do sentir comum dos timorenses com o ocidente.
A opinião corrente de que se deve renunciar a uma política exterior moralizante porque os interesses nacionais das nações fortes do Ocidente são de caracter económico é míope desumana e redutora. Não tem sentido que o ocidente chegue a ponto de trocar a sua cultura por um prato de lentilhas (tal como a figura bíblica de Esaú que entrega ao irmão Jacob os seus direitos e o seu futuro a troco dum prato de lentilhas). Se em nome da defesa do bem estar económico ocidental e da defesa dos lugares de trabalho se está disposto a pagar um tão alto preço incluindo a destruição e infelicidade de um povo irmão, não se poderá reclamar para si o respeito valores éticos de humanismo e de responsabilidade universais.
Uma economia de legitimação democrática que fecha os olhos à violação dos direitos humanos e à ditadura é uma traição à própria cultura e traz em si mesma o germe da própria desagregação e da autodestruição, é uma sociedade decadente.
A partir de Janeiro de 1997 Portugal passará a ter assento no Conselho de Segurança da ONU. Esperemos que daí Portugal não perca a oportunidade para mover a comunidade internacional no sentido da causa timorense. O parlamento belga ao pronunciar-se, em Novembro p.p., pela causa do povo timorense é já um indicativo duma certa sensibilização e abertura para o problema.
De esperar seria que, os portugueses migrantes, seguissem o grande exemplo do povo português na defesa de Timor e surgisse alguma iniciativa para apoiar este povo. Também a escola e as associações não deveriam ser alheias a esta responsabilidade. Os alunos portugueses, bem documentados, poderão ser veículo de informação, nas escolas que frequentam, apresentando temas nas semana-projecto e exposições nas aulas. De não desprezar seria o envio de cartas às fracções partidárias dos parlamentos chamando-as à atenção do que se passa e pedindo-lhes o respectivo empenhamento.
1.12. 1996
António da Cunha Duarte Justo
www.antonio-justo.eu