Germanofobia encoberta em Afirmações generalizadoras e Argumentação do Tipo Preto ou Branco?
Por António Justo
O Frankfurter Allgemeine de hoje diz: “A peça teatral ateniense é altamente medíocre”. Medíocre é também uma imprensa que tendenciosamente demoniza a Alemanha como sendo a responsável pela crise da Grécia que junta em si os sintomas do seu sistema corrupto aos de uma Zona Euro desorganizada e mal ajustada. Tanto a Grécia como a Alemanha fazem parte do mesmo sistema em que nenhum dos países se pode ilibar de erros e virtudes.
Fala-se muito do Diktat alemão e da sua prepotência económica. Argumenta-se com as suas atrocidades da História especialmente numa imprensa que antes se virava contra o imperialismo americano e agora acha como suficiente reduzir os problemas da Europa e do globalismo à agressão económica da Alemanha. Acho graça que num país como Portugal, num jornal como o Público, um jornalista como Boaventura Sousa Santos, no artigo “A Alemanha como problema” se socorra da pedrada “nazista” para fomentar sentimentos antigermânicos em vez de colocar a problemática em termos do liberalismo económico liberalista e no contexto de uma Europa feita de nações e de mentalidades extremamente divididas.
Do colonialismo para o imperialismo económico
Não há que definir uma Alemanha como o touro da vaca Europa nem tão-pouco como seu bode expiatório! O facto é que nos encontramos num mudo extremamente complicado e em plena guerra económica. O problema da Alemanha é produzir demais e o dos outros países é produzirem de menos e consumirem demais. Numa economia meramente mercantilista querer comparar exigências de nações com 80 milhões de cidadãos e de alta tecnologia e produtividade a outras com uma dezena de milhões e pretender colocá-las em igualdade de decisão seria ingénuo ou mera ideologia que, contra a realidade, querer tornar igual o que é desigual.
Vassalos da economia ou/e vassalos das ideologias?
Aos colonialismos europeus sucederam os imperialismos dos USA e russo e agora encontramo-nos em pleno imperialismo económico selvagem. Esta é a realidade a enfrentar que tem andado pelos países em desenvolvimento e agora atinge os europeus e em especial os seus vindouros. Os tempos mudaram, antigamente havia guerras hoje há guerrilhas; ontem dominava a arrogância bélica hoje a arrogância económica; ontem prestávamos vassalagem à França e à Inglaterra, hoje prestámo-la a Bruxelas. Sejamos realistas, procuremos é reduzir o nível da vassalagem com propostas económicas sem nos tornarmos também vassalos de ideologias.
A queda do Muro de Berlim (1989) e a correspondente reunificação tiveram como consequência a fortaleza da Alemanha. Que esta tente disciplinar os países europeus como se disciplina a si é uma questão discutível tal como a das diferentes mentalidades na maneira de encarar e resolver os problemas.
Com a criação do euro é consequente a concorrência económica desigual porque se dá entre sistemas económicos e de finanças diferentes; há que corrigir o sistema e canalizar as energias para se não ser vítima delas.
No altar da democracia, os sacerdotes da crise simplificam a questão; para explicarem as desigualdades de um sistema desigual, precisam de uma vítima e de um pecador: da vítima Grécia e do pecador Alemanha. O problema não está tanto no sermos alemães, portugueses ou gregos mas no facto de nos encontrarmos todos no redemoinho financeiro que, através das dívidas, quer a subjugação das soberanias nacionais a uma soberania hegemónica económico-financeira.
Não chega defender o soberanismo dos fracos contra o soberanismo dos fortes; a discussão terá de ser no sentido da inclusão económica e cultural de uns em relação aos outros. Na época do globalismo e da reorganização das nações em zonas de influência económica, o mito de soberanismos iguais distrai-nos da ocupação no essencial, não passando de ecos da revolução marxista cultural. Partir de que “no contexto europeu, o soberanismo ou o nacionalismo entre desiguais é um convite à guerra„ é não querer compreender que o preço da União Europeia será bem caro e terá de ser pago com facturas de soberania. Como se pode construir uma Europa de bases democráticas quando a economia em todos os países europeus não se submete à democracia e, na realidade, todas as democracias pretensiosamente soberanas se submeteram à economia? Importa será como resolver o dilema.
Trabalhar mais e viver menos ou vice-versa?
Também a mim me agradaria mais o estilo da forma de viver à maneira Sul, uma maneira mais católica; só que agora que o Sul professa os mesmos actos de fé dos benefícios do capitalismo protestante não é justo que se condenem estes, porque então o problema passaria a ser a inveja.
O tão desgastado argumento do respeito pela diversidade implicaria consequentemente o reconhecimento de que o desigual para viver mais trabalhará menos e consequentemente terá de deixar o alemão trabalhar mais para que consiga poder mais à custa do seu viver menos. Não seria correcto querer comer a fatia do bolo e exigir, ao mesmo tempo, que ele fique inteiro! O espírito pacífico da convivência em dignidade democrática e o respeito pela diversidade implicaria então o aceitar a prepotência, a nível económico do irmão mais forte e tentar arranjar-se com ele na consciência de preservar a irmandade e de uma concorrência humana. O facto é que toda a Europa se encontra endividada, toda ela se tornou refém da guerra fria entre política e economia.
Os argumentos baseados num saudosismo dos tempos da guerra fria e de um mundo bipolar correspondem ao mundo de ontem. Quem não reconhece isto terá de perder as energias a mostrar os podres da Alemanha e a esconder os seus. Por vezes tem-se a impressão que a Alemanha é responsabilizada pela falta de inteligência de quem assina contratos, não aplica eficientemente os fundos ou vende a sua soberania em troca de postos a nível europeu e mundial. O que está a acontecer não é bom para a Europa nem para nenhum país europeu. A Europa para arrepiar caminho terá de moderar o turbo-capitalismo e o marxismo cultural.
O sadismo de lamber o sofrimento das próprias feridas com o sofrimento desejável para os outros nunca será bom conselheiro e não ajuda ninguém. Se não queremos continuar todos a jogar ao faz-de-conta e ao esconde-esconde das mentalidades, se queremos contribuir para um desenvolvimento humano da sociedade europeia, haverá que purgar os vícios que herdamos do tempo das invasões francesas e corrigi-los com uma aproximação comedida à Europa nórdica ou renunciar ao consumismo de que tudo, e em especial a cultura, é vítima. A germanofobia é tão grave como a xenofobia alemã; uma implementa a outra.
Concluindo
Uma Zona Euro sem um sistema económico e de finanças aferido torna-se em ilusão e engano e dará razão à nossa sabedoria popular que diz “casa onde não há pão todos berram e ninguém tem razão”.
Se nos encontramos em tempos da guerra económica haverá que conter a Alemanha levando-a a investir os seus lucros na periferia. Combater o nacionalismo económico alemão com o nacionalismo político das nações torna-se desadequado em termos de objecto e de tempo… A receita para a Europa não pode pressupor a contenção económica alemã.
Antes de acções precipitadas de um discurso sobre a saída do euro, Portugal e os países mais débeis deveriam pedir um ajusto de contas quanto à distribuição de investimentos e implementar com o tempo a criação de um imposto de solidariedade em todos os países da Zona Euro que seria investido nos países da periferia económica. Durante uma certa fase o pagamento dos juros aos credores deveria, também ele, estar condicionado ao correspondente investimento nos países onde é quebrado.
Torna-se cada vez mais corrosivo o espírito xenofóbico popular que se manifesta até em cabeças bem pensantes. Se se é pela reintrodução do Escudo seria importante uma discussão de base económica mas que, querendo ou não, tem que contar com a maior potência económica que é a Alemanha e, de uma maneira ou de outra, condicionará os hábitos de produção e concorrência de mercado.
Conheço um pouco a mentalidade dos povos do sul e a mentalidade da Alemanha; por isso sofro dos dois lados, por isso me custa ouvir os de uma mentalidade contra os da mentalidade dos outros, sem perceber que por trás de uma mentalidade se revela uma maneira de ser e estar com um determinado agir.
O povo alemão pode ter os defeitos que tiver mas é um povo consciente, trabalhador, disciplinado, bem estruturado, corajoso, altruísta, honesto e leal. Se trabalha mais não os devemos invejar por também comer mais mas também ele não nos deve invejar nem ter pena por vivermos mais e comermos menos.
António da Cunha Duarte Justo
In “Pegadas do Tempo” www.antonio-justo.eu