Hipocrisia ao Serviço de Narrativas políticas contra Populações e Estados
A invasão russa da Ucrânia é um reflexo da invasão americana do Iraque e isso é ocultado pelos media e pelos políticos. Também foi em nome dos valores ocidentais que os EUA aprisionaram, por muitos anos, 400 árabes sem acusações em Guantánamo/Cuba.
A afirmação de Moscovo que não marchariam sobre a Ucrânia é tão mentira como a do Ocidente quando prometeu que nunca se daria uma expansão da OTAN para o Leste e quando diz que a guerra começou em 24 de fevereiro 2022. A OTAN desculpa-se agora dizendo que a promessa dada à Rússia não tinha obrigatoriedade de cumprimento porque não pertencia ao direito internacional. Nesta lógica da mentira mútua como se legitima a valorização de uma e a desvalorização da outra a ponto de uma mentira se tornar verdade?
Durante dezenas de anos, enquanto, na Ucrânia, o Ocidente lavrava a terra, Moscovo deitava adubo e cada um na esperança de vir ter a melhor colheita.
Naturalmente cada parte tem direito à sua verdade-mentira para levar a sua adiante enquanto o povo dormir, mas nem uma parte nem a outra deveria ter a arrogância de demonizar a parte oposta e assim se continuar a viver no faz-de-conta que é verdade!
Os media pró EUA/OTAN criaram em toda a União Europeia a opinião de que quem não dá a culpa absoluta a Putin não se deve sentir homem de bem, o que demonstra que estamos todos enredados na verdade alternativa de espírito maniqueu: de um lado Deus, do outro o Diabo. Torna-se fatal este puritanismo para toda a humanidade mantendo-a atualmente refém dos EUA. Que outros diabos se encontrem já em cena ao lado do grande Belzebu não faço referência aqui.
Tanto a Nova Rota da Seda como os gasodutos Nord Stream 1 e 2 contrariavam os planos dos EUA tendo-os boicotado (empresas que participassem neles), chegando ao ponto de destruir os gasodutos. Quem deixa aos EUA a função de polícias do mundo perde a oportunidade de ver um mundo não só ocidental, mas também oriental e o facto é que o dinheiro seduz independentemente de ser chinês, russo ou americano! A ideia de uma Europa soberana e politicamente livre não terá hipótese de realização enquanto os Estados Unidos da América do Norte continuarem a jogar com os interesses nacionalistas de nações europeias como impedidores da construção da Europa no sentido da Eurásia e mantiverem as suas bases atómicas em países europeus como apenas defensoras dos seus interesses e enquanto o contrato 2+4 tiver validade prática para a Alemanha e não passar ao nível do simbólico.
Com a intervenção de Putin contrária ao direito internacional, o mundo deixou de ser monopolar para ter a chance de vir a ser multipolar muito embora num processo de “bipolaridade” dinâmica chamada a transcender-se; a Europa e os EUA não se mostram interessados em reconhecê-lo (preferindo manter-se como bloco monopolar decadente), nem a Europa parece aceitar que deixou de representar o mundo (depois das grandes guerras), papel (unipolar global) então assumido pelos EUA que se tornou num processo anti natural e cego porque abusador ao arrogar-se ser a síntese da “bipolaridade” natural.
O factor egoísta do “primeiro América”, terá de dar lugar a uma nova plataforma de entendimento com espaço para a diversidade e de maneira a incluir os diferentes interesses de todos os povos. O processo conflitual construído na Ucrânia em duas dezenas de anos quer pelos EUA, quer pela Rússia assenta em conceitos estratégicos antiquados a que falta o reconhecimento dos sinais dos tempos e por isso conduziu à catástrofe em via. Também a viragem alemã afirma a velha filosofia do “preparemos a guerra” porque o mundo que nos rodeia é inimigo! Esta filosofia atrasará, várias dezenas de anos, o desenvolvimento dos povos!
Para nos aproximarmos um pouco mais da realidade, seria suficiente uma análise neutra dos fatos que não viesse das fileiras da OTAN nem da Rússia e que contemplasse os interesses dos diferentes povos. O ex-primeiro-ministro israelense, Naftali Bennett, desabafou dizendo que os seus esforços de mediação pela paz falharam e não por causa de Putin ou de Selensky, mas por causa da intervenção dos EUA e do Reino Unido. Recentemente Israel atacou a capital da Síria, destruindo edifícios causando 15 civis mortos e dezenas de feridos. O mesmo tem feito a Turquia agindo contra o direito internacional na Síria. Disto não se fala na Europa porque se trata de um amigo dos EUA e um povo bem informado constituiria um perigo para os actores geoestratégicos; um povo bem informado (não manipulado) não se deixaria levar na enxurrada e passaria a acautelar-se da corrente, ficando-se mais na margem não se deixando opiar numa visão maniqueísta da vida que só serve impostores poderosos encostados aos altos valores militares!
A uma Rússia humilhada segue-se a Rússia combatida e isso não pode levar a bom fim como já tivemos o exemplo da Alemanha ao ser humilhada no fim da guerra 1914-1918. A arrogância afirma-se dos dois lados: Enquanto o senhor do Ocidente (“Leviatã bíblico”) assenta o seu trono na Polónia e fala aos seus súbditos, o senhor da Rússia (“Leviatã bíblico”) procura em Moscovo convencer os seus súbditos.
A duplicidade de critérios na apresentação do conflito induz as populações a conclusões falsas de que os políticos deveriam ser responsabilizados não só pelos crimes em acto mas também pelo seu papel desconstrutivo da democracia.
A Importância da Hipocrisia ajuda à criação e factos determinantes da História muito embora à posteriori se revelem como motivados pela mentira; assim a mentira passa a determinar o futuro, porque em termos de História os factos é que contam; desta premissa parecem partir os beligerantes!
António CD Justo
Pegadas do Tempo