CONSTRUINDO UMA CULTURA DA PAZ

A Falácia de “o Povo é quem mais ordena”

Somos filhos da guerra com padrões de comportamento e relacionamentos transmitidos baseados na competição, aquele destino que domina a natureza que se quer afirmar à custa do inferior e que se observa na ordem natural e na ordem cultural. Seria de se experimentar uma cultura que tenha como base a solidariedade em vez de competição.

O slogan de que “o povo é quem mais ordena” revela-se como uma mentira e parte certamente do princípio que o povo que nisso acredita não tem suficiente capacidade de raciocínio e de discernimento, na necessidade de ser dirigido. Faz parte dos meios ideológicos de que no poder os fins justificam os meios numa estratégia de levar o povo a servir os objetivos da ideologia e interesses dos seus representantes!

Também o sistema democrático se revela como um eufemismo válido do ditatorial porque a ditadura e a democracia se encontram implantadas em cada humano (entre autoafirmação e solidariedade) e é da essência do poder defender interesses e não pessoas/povo. A igualdade legal e a igualdade de dignidade humana encontram-se em contradição com a desigualdade natural e social vigente porque a natureza se perpetua e é legitimada  na afirmação do superior (mais forte) sobre o inferior e estas discrepâncias dão oportunidade aos mais fortes de se colocarem numa situação sobranceira, até porque no âmbito legal quem faz as leis são os que mais são servidos pelo sistema e a nível social quem determina o ritmo e a marcha são os mais fortes. Se o confronto se dá entre os mais fortes interrompe-se a subordinação natural das coisas e então eles procuram lutar para vencer querendo um aniquilar o outro, como fazem os cabritos para dominarem a fêmea.

Toda a ordem se baseia na subordinação, mas não seria descabido estabelecer-se uma ordem de paz já não baseada na competição, mas na colaboração solidária. 

Se observamos mais de perto as sociedades logo notaremos que estas vivem sobretudo da indústria armamentista, do comércio de armas, da guerra contra a natureza, da exploração humana, da rivalidade entre a cidade e o campo, da luta entre o religioso e o secular, entre o materialismo e o espiritualismo, da guerra contra o amor, da guerra contra as âncoras espirituais  e deste modo contra as moradas da espécie humana.

Há uma discrepância entre o querer do povo e o querer do poder, mas como o poder se adquire à custa da ordenação/subordinação do povo, o que resta é o poder e não a solidariedade que o constituiu. Este, também ele fruto da afirmação competitiva (candidatos), quer-se afirmar cada vez mais ainda e para isso à custa de barreiras intransponíveis para o povo (que não tem valência como tal mas como indivíduo, que ele mesmo produz no seu meio através de competição individual  e que uma vez destacado no povo distancia-se dele passando a querer dominá-lo porque a sua posição transpôs a barreira anónima popular para o colocar no círculo (olimpo) dos grandes.

O povo deseja relacionamento amistoso, crescimento da confiança e solidariedade com todos os semelhantes. A Democracia, seguindo a própria matriz, não quer isto porque seus representantes são fruto da competição e não da solidariedade que é quebrada ao mudar-se a perspectiva do olhar (agora sobranceiro); também por isso na educação todo o ensino está ordenado no sentido competitivo de autoafirmação e de exclusão. Neste sentido até fica mal a partidos e organizações falarem de igualdade e de dignidade humana quando nas próprias estruturas domina a luta feroz por chegar a atingir um lugar mais alto sem olhar a meios.

De resto, o povo já tem suficientes conflitos para resolver em casa e uma sociedade estruturada com base na concorrência no ciclo do medo e da violência ao tornar-se um verdadeiro circuito global fomenta a consciência geral de que é normal a guerra em todo o lugar; o que leva  à lei da inércia, oposta a uma cultura da paz!

Assim se aceitam civilizações produtoras de dor, de separação, medo da perda, de abandono e de violência.

Resta substituir o medo pela confiança e a concorrência pela solidariedade muito embora na consciência de que tudo é complementar!

António CD Justo

Pegadas do Tempo

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Publicado por

António da Cunha Duarte Justo

Actividades jornalísticas em foque: análise social, ética, política e religiosa

2 comentários em “CONSTRUINDO UMA CULTURA DA PAZ”

  1. Caro amigo António Justo

    Estou bem tramado contigo ! …
    Então agora já enveredaste pelos caminhos desnaturados do pessimismo doentio do Thomas Hobbes (Do Leviatã…) e do Arthur Schopenhauer ( A Arte de Ter Razão) ! Oh Justo, nem tudo são guerras, exploração humana, ataques à Natureza , educação de exclusão etc etc
    Penso eu de que… apesar de alguns casos como o do teu “amigo” e religioso Putin e do carniceiro e traoliteiro da Coreia do Norte, os terráqueos têm evoluído para uma sociedade mais justa e fraterna, basta ver os povos que se uniram para ajudar, após o terramoto de há dias, a Turquia e a Siria. A Industria, felizmente, não se resume ao armamento , pois só agora, por causa da invasão da Ucrânia, é que o armamento se apresentou, na Europa adormecida, como a única maneira de resistir à morte em massa e à invasão de um qualquer ditador ! Preparai-vos para a guerra se quereis a Paz , princípio até defensável à luz das Sagradas Escrituras ( Antigo Testamento), nos tempos em que Deus era um apoiante das guerras do” seu” Povo E ,nos nossos dias , para o Patriarca de Moscovo ( Cirilo) apoiante fervoroso da invasão da Ucrânia ! Bem, sem entrar na Teologia que é a tua especialidade, é um tema que muito apreciaria que analisasses.

    Atacas a atribuição a Zelensky do Grande Colar da Ordem da Liberdade! Então, achas que o Presidente da Ucrânia não é um exemplo, a apontar ao Mundo, como um defensor da Liberdade?
    Entendo que o Presidente Marcelo já entregou aquela condecoração a gente que nunca a mereceu, mas se alguém a merece, mais que quantos , é sem dúvida ZELENSKY. Evidentemente que o Partido Comunista Português deve ser a única entidade em Portugal a criticar o nosso PR pela atribuição. Disseste e acredito que não és comunista e que apoias o Papa Francisco… Aconselho-te que ouças o Papa com ouvidos de ouvir…
    Mas também sou franco : embrulhas os teus textos com o lindo papel celofane de um bom escritor, escondendo alguns sofismas, em aparentes fábulas humanistas !
    Mais franco ainda sou ao admitir que, ao ler-te ( sempre ) me espicaças a entrar por temas que, por aqui, quase ninguém pega, quiçá por ( alguns) interpretarem à letra que a ” nossa política é a do Pai nosso”!
    Um abraço do
    JCMart

  2. Caro amigo JCMart,

    Compreendo a admiração pelo presidente ucraniano que é contra o autocrata russo, embora considere apressada a posição do nosso presidente como procurei argumentar! O que me custa a entender é o automatismo de reacções perante quem procura reflectir sobre um assunto tão embrulhado na opinião pública- O constatar que os nossos governantes agem como se a opinião do povo fosse a deles, e o facto de só haver uma opinião no tribunal público, isso motiva-me à alternativa (estratégica) de parecer o advogado do diabo!
    Não me deixo levar pelo pensamento de Thomas Hobbes (Do Leviatã); pelo contrário, no que escrevi manifesto a tristeza de observar no comportamento da Rússia, da Otan e da Ucrânia e a incompreensível reação das pulações que se submetem à aplicação desse pensamento perverso de os fins justificarem os meios! Se bem observares o comportamento dos nossos “Leviatãs” tal como se pode ver na Bíblia ao referir-se ao monstro Leviatã que impõe obediência e subjugação através do medo. Muitos acreditam no Estado poderoso (EUA) e outros no Estado poderoso da Rússia quando o que os move são interesses perversos ao declararem-se a guerra total! Este é o grande equívoco político cuja factura é paga pelas populações. E isso é que causa tristeza mas o facto de o constatar não significa aprovação:
    “Resta substituir o medo pela confiança e a concorrência pela solidariedade muito embora na consciência de que tudo é complementar”!
    Por vezes chego a interrogar-me se a nossa colectividade não é uma sociedade sem pai e como anda tão preocupada à procura dele negligencia nela a parte maternal. Se bem observares os meus textos notarás que não se reduzem sofismos de fábulas humanistas mas a uma vontade de fomentar uma ordem de paz já não baseada na competição, mas na colaboração solidária. Penso que vale a pena, num mundo cada vez mais quartel, fazer-se algo no sentido contrário da utopia da paz! A política irracional em que nos encontramos envolvidos merece o diálogo sobre outras perspectivas doutro modo não passaremos de meros súbditos de uns ou de outros.
    Quanto ao slogan romano “Preparai-vos para a guerra se quereis a Paz” compreendo-o num mundo de lobos em que os impérios também caem como aconteceu ao romano apesar de tanta preparação para a guerra (Um meio-termo creio que seria importante como estádio preparatório de uma cultura da paz)! Quanto ao aspecto guerreiro de Deus no Antigo Testamento apenas correspondia à necessidade que o povo tinha de quem o defendesse e apoiasse nas intenções de formar um povo. O Deus de Jesus Cristo é um Deus da paz porque a sociedade já tinha atingido um estado de consciência de viver em harmonia com todos os povos (Deus universal e não nacional como hoje pretendemos fazer nós com nacionalismos na pessoa de de Cirilo, quer na de algum bispo protestante e também alguma voz desgarrada entre os católicos.
    Quanto à ajuda às vítimas do terremoto na Turquia e na Síria, também aqui se notou, a nível de reportagens a ambivalência de tratamento em relação à Turquia e à Síria; o apoio à Síria chegou dias mais tarde. Naturalmente há dificuldades específicas e também amizades políticas preferenciais mas o lamentável é constatar-se que também aqui – assunto humanitário – o critério determinante é político-militar!
    “Os terráqueos” do ocidente e do oriente, pelo facto de se encontrarem em desenvolvimento social desigual, não podem dar ao Ocidente a carta branca da evolução com o consequente direito de possuidores da verdade e nesse sentido manterem o direito de organizar as suas campanhas como se tais valores lhe justificam actos como os de Putin (essa atitude é a base de toda a guerra). Penso que muito do nosso desentendimento será por eu me referir a um processo que começou em 2007 e depois deu início à guerra que começou em 2014 e ter verificado que a Europa não tem projecto próprio na geoestratégia. Já agora, qual seria a tua concepçao da necessidade de um projecto próprio para a Europa?
    Penso ser importante procurar informações dos dois lados das trincheiras e depois tirar conclusões que não correspondam aos interesses de nenhuma delas. Importante é atravessar o deserto mas sempre com a vontade de se procurar avistar a luz no fundo do túnel!
    Torna-se difícil tirar conclusões que não correspondam aos interesses de nenhuma das partes; apesar de tudo será boa a aventura de se tentar avistar a luz ao fundo do túnel muito embora essa luz também esteja sujeita a curto-circuitos!
    Como politicamente o conhecimento se encontra repartido e os interesses é que determinam o factual e as alegações factuais é que reivindicam ser verdadeiras devido à perspectiva com que são encaradas, procurar encontrar a luz no fundo do túnel torna-se uma aventura que relativiza o próprio saber. Somos fruto da palavra e da informação e seria pena se ela empancasse em cada um de nós fixando-se numa ou outra posição ideológica ou num ou outro atributo quando ela permanece dinâmica na pessoa de Jesus Cristo que morre aos milhares (ucranianos e russos) na Ucrânia com o fogo dos russos, dos ucranianos e da OTAN!
    Como em política está ausente o princípio salesiano” nossa política é a do Pai nosso”, procuro reflectir também um pouco sobre as relações Estado e Povo como deixa em aberto o Leviatã bíblico!
    Caro amigo, desculpa algum incómodo.
    Muito agradecido pelo teu feed beack!
    Grande abraço amigo
    Justo

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