MAIAS – Uma tradição intercultural

Tradição das Maias uma Prática tradicional e intercultural

Recordação cristã e pagã

António Justo

Segundo a tradição em parte do norte de Portugal, na noite de 30 de Abril para 1 de Maio, muitas pessoas colocam maias (giestas floridas) nas portas das casas para lembrarem o tempo da fuga de Jesus para o Egipto. Noutras terras colocam maias no ferrolho da porta para serem protegidos das doenças e dos espíritos maus. Em torno de Maio há muitos outros costumes de diferentes tradições.

 

Nalgumas terras alega-se que esta tradição remonta ao tempo de Jesus, aquando da sua fuga para o Egipto devida à perseguição de Herodes que ordenara a procura e morte do menino Jesus. Segundo a lenda, tendo sido identificada a casa onde a sagrada família pernoitava, um denunciador teria colocado um ramo de giesta na porta daquela casa para que os soldados de Herodes, depois de avisados, pudessem identificar a casa e levá-lo. Por milagre, quando os soldados se dirigiram à cidade depararam com todas as portas enfeitadas com ramos de giesta florida. Assim os soldados não puderam cumprir a ordem do mal contra o bem. Noutras terras as maias recordam o caminho da sagrada família para o Egipto: Maria para se poder orientar no regresso terá colocado giestas no seu caminho.

 

Em Maio condensam-se as celebrações de usos e costumes símbolos da fertilidade, por toda a Europa.

 

O ressurgir da natureza é festejado por todas as culturas ao longo da História, reflectindo diferentes expressões religioso-culturais conforme o espírito do tempo e da cultura envolvente.

 

Quando a natureza acorda para a juventude, celebra-se, com festas e ritos, a vida, a luz, o fogo e esconjura-se a treva. Estes ritos ganham expressão em tradições como a das maias, Florais, o burro, a rainha de Maio, coroa das maias, leilão de donzelas, a festa do mastro/árvore (esta festa também da virilidade encontra-se no norte da Europa e em Penafiel – costume celta?), etc. No Norte da Europa há lugares onde se comemora a chegada de Maio onde, outrora,  moças em idade de casar eram apresentadas no leilão de Maio.

 

Maio recebeu o nome do deus Maius que era o deus da Primavera e do crescimento. Para outros vem de Maia, mãe de Mercúrio. As celebrações em honra de Flora, a deusa das flores e da juventude (mãe da Primavera), iniciavam o novo ano agrícola e atingiam, na Roma antiga, o seu clímax nos três primeiros dias de Maio.

 

A Igreja católica declarou Maio como o mês de Maria, a mãe e rainha. Dos 54 países que celebram o Dia da Mãe, 36 festejam-no em Maio.

 

 

Também no Norte da Europa havia a tradição dos rapazes colocarem um arbusto à porta da sua amada como declaração de amor, paralelamente ao costume de serem nesse dia leiloadas as donzelas em idade de “casar”. Há tradições semelhantes em Portugal. Aqui, nalgumas terras, havia a tradição da “coroa das maias”, elaborada em papel com fitas de cores e que os rapazes, colocavam à porta das suas pretendidas, como manifestação do seu amor.

 

 

António da Cunha Duarte Justo

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Falta um novo “25 de Abril”

Democracia de Base versus Democracia de Mordomias

O povo cada vez tem de cavar mais coutos para poder manter um só novo-rico. Por esta e por outras se vai ouvindo, com veemência, por todo o lado, que falta um novo “25 de Abril”. Isto é um desabafo de impotência e desilusão dum povo que se sente encurralado!

 

Vasco Lourenço, líder da A25A, que, há 38 anos, foi um dos grandes actores da Revolução dos Cravos, disse ontem, no discurso do Rossio em Lisboa, que tanto  responsáveis políticos como Assembleia da República  “já não representam a sociedade portuguesa” e que já não estão “à altura das funções para que foram escolhidos”.  Acusa as elites portuguesas de actuarem “à porta fechada, escamoteando a realidade aos portugueses”.


Este é um depoimento importante que merecia ser analisado fora do discurso politiqueiro enquadrado no dia-a-dia português; é um verdadeiro ataque à partidocracia portuguesa que, de facto, desde a sua origem, nunca se manteve à altura do legado de Portugal nem dos interesses do Povo português. Consequentemente haveria que questionar a Constituição que privilegia os partidos e elaborar um novo sistema de representatividade.
Desde as invasões francesas a alma portuguesa encontra-se empalamada.

É um escândalo ver como suportamos parlamentos demasiado numerosos em países pequenos e como alimentamos eurodeputados insaciáveis. O mau exemplo vem das elites.

A “realidade” de políticos e da propaganda partidária não tem nada a ver com a realidade do povo. Os vencimentos de personalidades políticas e de administradores de empresas públicas e privadas são a melhor prova de que o sistema falhou e se encontra ao serviço de alguns!
As organizações partidárias portuguesas encontram-se eivadas dum espírito mafioso engravatado e culto que não dá nas vistas. Em vez da preocupação pelo povo domina o interesse pela progressão na hierarquia partidária, por vezes sem quaisquer escrúpulos. A sociedade portuguesa foi habituada e alimentada com o discurso político à custa do discurso cultural, social e económico.

A situação económica em que nos encontramos é consequência da crise cultural e moral que criámos.  É urgente que políticos e elites, em geral, se convertam por atitude de inteligência ou mesmo oportunista. Se não se converterem à honra e  à dignidade humana, o nosso futuro tornar-se-á num inferno. A partidocracia aliada aos poderes subterrâne tem desacreditado a democracia representativa e encontra-se com a colectividade a caminho da ruina.

A alternativa está numa metanóia de elites e de povo. A mudança passará da filosofia da afirmação do eu à custa do tu e do nós para uma ética de afirmação do nós onde o eu e o tu cresçam em dignidade e respeito. O nós passa a ser o ponto de partida e de chegada do nosso pensar e agir. O nós é mais que a soma do eu e do tu.

Realmente torna-se cada vez mais óbvio um novo “25 de Abril” mas não só de cravos vermelhos, no coração de cada um. Já chega de ramos de cravos vermelhos com atilhos pretos. Portugal terá de se tornar num jardim onde crescem todas as flores numa dança de cores.

 

Portugal e a civilização ocidental têm que fazer uma cura. O primeiro tratamento será o de desenvenenar o pensamento!

 

A geração mais nova e em especial as próximas gerações terão razão acrescentada para pedir contas, a nós, os da geração 68, e ao regime.

António da Cunha Duarte Justo

antoniocunhajusto@gmail.com

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“Militares de Abril” boicotam Comemorações Oficiais do 25 de Abril

MILITARES DE ABRIL QUEREM SAIR DE NOVO PARA A RUA Protagonismo político camuflado na A25A

António Justo

A “Associação 25 de Abril” (A25A) fiel à ideologia inicial do seu “Abril não desarma” declara que “não participará nos actos oficiais nacionais evocativos do 38.º aniversário do 25 de Abril” mas sim em comemorações populares; isto traduzido em texto claro significa: participará em comemorações arruaceiras. A A25A quer ver os seus militares abrilistas na rua a fazer barulho antes que sejam chamados a responsabilidades de acções antipatrióticas outrora praticadas. Nestes festejos, a sociedade portuguesa deve estar atenta não só aos que comemoram a oficialidade como também aos mais populistas, aos que agora afirmam ser “conscientes das obrigações patrióticas que a nossa condição de Militares de Abril nos impõe…”, aos que, oportunamente abandonam as bancadas, como faz agora Soares. Só assim, os portugueses poderão concluir do conluio entre irresponsabilidade política e popular para se poder tornar imune contra o oportunismo da ideologia e da rectórica alienante.

Aproveitando-se do mal-estar português, a A25A torna-se porta-voz de recalcados anseios dos seus “Militares de Abril” por um novo Golpe Militar. A A25A apoia descaradamente a opção militarista como solução para os problemas de Portugal, como se Portugal fosse uma república das bananas interessada na solução árabe para Portugal. De facto, a A25A, no seu manifesto, confessa, para quem lê nas entrelinhas:declaramos ter plena consciência da importância da instituição militar, como recurso derradeiro nas encruzilhadas decisivas da História do nosso Portugal”. Portugal “nosso” deles…

Continua-se com a mesma oratória de há 200 anos para cá, como se os problemas políticos e sociais das sociedades modernas pudessem ser solucionados com uma rectórica partidária irresponsável. Têm ainda a insolência de afirmar: “a nossa atitude não visa as Instituições de soberania democráticas”, como se esta acção demagógica não partisse de pessoas ligadas às instituições de soberania como é o caso de Militares e não fosse apoiada por pessoas como M. Soares.

Afinal, quem são os “Militares de Abril”? Uma aparição salvadora? O protagonismo político, que a A25A cobre, é irresponsável, num momento em que Portugal ferve e deveria reflectir sobre si mesmo e sobre estratégias isentas para sair da crise. Fala-se do Militares de Abril como se na terceira república não tivéssemos também os militares de Novembro. Será que as forças militares se sentem obrigadas a ideologias ou estará a facção abrilista interessada em criar o caos em Portugal?

Os interesses da facção dos “Militares de Abril” e seus aliados, em tempos de crise, descobrem a rua e muitas autarquias locais como campo de acção, para, à custa do mito de Abril (Primavera) poderem continuar a vestir a pele de cordeiro e poderem, no ribeiro popular, afirmar que quem “suja” a água não são eles mas os outros, os maus. Camuflados dos ideais de liberdade, justiça e libertação enganam o povo dizendo “A A25A participará nas Comemorações Populares e outros actos locais de celebração do 25”. “Abril não desarma”! Que armas têm estes militares?

É cinismo verificar como “Militares de Abril”, que, com os seus cúmplices de partido, atraiçoaram os interesses de Portugal, a nível internacional, se querem agora aproveitar da crise e das insatisfações do momento bem como correspondente descarga de culpas no estrangeiro. A culpa morreu solteira, sabia também o povo de antigamente! Em nome de Abril, a terceira república meteu a carroça da nação na lama e os seus beneficiados querem-se agora ilibar, armando-se em libertadores da nação. Oportunos, falam agora mas não quando deveriam ter falado! Coisa semelhante aconteceu na primeira república que depois deu origem à do Estado Novo. A Nação portuguesa já está habituada a ser o bombo da festa de oportunistas à espera do momento para assaltar o Estado. Quem provou os seios do Estado foge do povo para se alimentar dele. Da situação de Portugal somos todos responsáveis, a não ser que pretendamos a  confusão dum estado para mamar e doutro para acusar!

Na sua ética e moral jacobínias atiram pedras escondendo-se por trás de palavrinhas mágicas como liberdade, cidadania, etc. Do alto do barranco do protagonismo político da A25A, pretendem a sua “Integração plena na sociedade portuguesa” como se eles não se tivessem de integrar na sociedade portuguesa. Esta mentalidade tem sido o cancro da nação: em vez de se pretender integrar as partes no todo pretende-se reduzir o todo à parte!

Que as condições mercantilistas impostas a Portugal devam ser contestadas é lógico mas que o movimento republicanista se lave as mãos da lixeira por ele criada, ultrapassa os limites do tolerável.

O que falta em Portugal é o sentido dum trabalho produtivo, um voltar à terra e ao povo deixando a ideologia que apenas serve os privilegiados, os tais de “corpo inteiro”, já que turbo-capitalismo e esquerdismo só valorizam o trabalho à custa da dignidade humana. Os quadros da ideologia e da economia, esses, os senhores da ética (que enriqueceram à custa do 25 falam agora de “ética como “palavra vã”) são os novos-ricos alimentados à custa da exclusão social e de dinheiros da UE. Senão observe-se a excrescência que o 25 de Abril tem produzido: gente esfomeada do dinheiro e da ideologia a viver em nichos e uma pobreza cada vez mais envergonhada no povo. Enriqueceram à custa da revolução e à sombra da revolução atiram pedras sabendo bem que quem paga a crise não são eles, os encostados à Nação mas sim o povo que a alimenta.

Construíram um Portugal dos oportunos (somos dos países com mais cargos em instituições internacionais e vêm agora queixar-se que “Portugal não tem sido respeitado entre iguais”. Precisam dum Portugal vítima para não terem de ser chamados à responsabilidade. Os delinquentes são sempre os de fora! Para si só importam o marisco!…

Falam de barriga cheia porque sabem que a crise, seja ela qual for, só ajuda os das margens da esquerda e os das margens da direita. A terceira república fomentou, entre coisas boas e más, a irresponsabilidade, o medo sub-reptício, o conformismo e o oportunismo; tudo isto em nome do combate ao fantasma de Salazar, pensando que se pode viver à custa do trabalho dos outros. Lavam os seus erros nos erros de Salazar. O povo não come moral nem ideologia e neste momento o que tem é fome, fome de justiça e de trabalho digno e de honra ganha com o próprio esforço.

Os Militares revolucionários de Abril queriam-nos um protectorado de Cuba, Pequim e Moscovo e, agora, no seu camuflado de libertadores abrilistas, acusam-nos de sermos um “protectorado”. Protectorado não é porque Portugal conhece bem o sol do oportunismo e a sua situação de terra maninha, a terra do que é mais forte. A nossa História dos últimos séculos só dá razão aos fracos no momento em que servem de plinto para os mais fortes subirem.

No manifesto da A25A, incapazes (a situação em que nos encontramos é disso a prova) acusam Portugal de ter “dirigentes sem capacidade autónoma de decisão” como se não tivessem sido eles, também, quem na altura abdicou de Portugal para se deixar ir na corrente mais forte.

O regime da terceira república configurou a Constituição Portuguesa e o povo na afirmação dos seus ideais e valores ideológicos e numa estratégia de derrube de tudo o que cheirasse a tradição ou a ética da responsabilidade pessoal e institucional. O povo dançou e dança nele ao toque das bandas políticas deles e da moda; agora sofre as consequências e os organizadores da festa têm o desplante de se armarem em homens bons. Porque “Abril não desarmou”, Portugal chegou onde chegou. Há 38 anos os militares de Abril na “convicta certeza „ de só eles serem os porta-vozes do povo, quando, o que fizeram foi substituir um regime autoritário por outro, e permanecer na sua “convicta certeza” de só terem certezas para oferecer, esquecendo que o que faz um povo crescer é a dúvida metódica. Se “Abril não desarma” o povo encontra-se em guerra: a guerra do oportunismo só serve os tais que sempre vivem encostados à “convicta certeza” como quer a A25A.

Ontem como hoje os portugueses gritaram e gritam por liberdade; ontem como hoje os responsáveis falam da culpa dos outros e o mesmo povo entra no jogo não notando que está sempre a canto! O que Portugal precisa não é de revolução, o que o precisa é de responsabilidade. Quem aposta na culpa dos outros precisa de um inferno para eles! Esquece que o paraíso que tem para oferecer é o inferno dos outros também!

“Viva Portugal”, termina o manifesto. Os mercenários internacionalistas de outrora camuflam-se agora de patriotas e gritam a palavra oportuna do momento: Viva Portugal!

António da Cunha Duarte Justo

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25 de Abril – O Despertar duma Ilusão (1)


Geração 68 – Revolução Política e Religiosa

António Justo

A revolução começa no espírito para só depois ganhar expressão política. Já antes do 25 de Abril andávamos todos à procura de bilhetes para a liberdade.

Em 1959, João XXIII responde à ânsia do mundo por inovação e emancipação convidando todo o mundo ao “aggiornamento”, à mudança. Dos USA surgiam rajadas de ventos anunciadores da ânsia de emancipação expressa na música Pop, Rock, Blues, Rolling Stones, Beatles, etc. no movimento hippie e no desejo de emancipação sexual.

O mapa do tempo e dos sentimentos públicos eram determinados pela baixa pressão soviética e pela alta pressão americana. Na altura o mundo encontrava-se todo em ebulição. Sob o cenário da “guerra fria”, proliferavam os cenários das fronteiras ideológicas. As palavras de ordem da altura eram: “Proibido proibir”, “abaixo o Estado”, “seja realista, peça o impossível”, “não confie em ninguém com mais de 30 anos”.

Este clima, além de fomentar ânsias e aspirações, favorecia a constituição de redes revolucionárias desde Moscovo, Cuba, Ásia, América latina, Argélia até à MPL (Movimento Popular de Libertação de Angola), à Frelimo (Frente de Libertação de Moçambique) e ao Movimento dos Capitães, depois MFA (Movimento da Forças Armadas portuguesas).

O movimento revolucionário servia-se também da arte para conseguir atingir a juventude e a burguesia pós-guerra. Fermentavam a massa social de então como os WikiLeaks, os Piratas, o Facebook , mainstream, a Internet e a ofensiva cultural árabe no Ocidente fermentam a de hoje.

Manifestava-se a reacção a uma jerarquia repressiva adversa a um novo sentimento de vida. Era o espírito proletário contrariador do estilo burguês a afirmar-se; os filhos da segunda grande guerra formam então uma geração contestatária, a geração 68.

Na sua fuga à culpa e aos ressentimentos provocados pela segunda guerra mundial, a nova geração manifesta-se extremamente sensível à paz, à liberdade e a tudo o que lhe é próprio; inicia uma verdadeira revolução de emancipação que envolve todas as camadas sociais e se manifesta no desenvolvimento tecnológico, na revolução sexual, pílula, droga, etc. Arrumam também com Deus pois não querem reconhecer pai nem mãe.

Neste ambiente o mundo fervia, subindo ao céu, por todo o lado, um grito fumarento de libertação contra a intolerância dos outros. O Maio quente de 68 em Paris torna-se o símbolo duma autêntica revolução cultural em marcha (apesar disso, nesse ano foi assassinado Martim Luther King e falhou também a revolução checa a favor dum socialismo humano).

Movimentos jovens de contestação política vão surgindo por todo o lado, enquanto, paralelamente, os activistas iniciavam uma corrida às instituições instalando-se nelas. A ideologização do movimento levou também à criação de movimentos subversivos que viam em Guevara (assassinado em 1967) o símbolo da resistência.

O movimento dos Capitães de Abril catalisa nele as forças revolucionárias de esquerda, então bem organizadas por todo o mundo, e também o desejo emancipatório febril da juventude num tempo de mudança. A nível político, os espertos da ocasião viam no movimento das forças armadas portuguesas o melhor instrumento para transpor para a Europa (Portugal) a realidade cubana. Na altura, a nossa geração queria mudar o mundo, seguindo ingenuamente os “sinais dos tempos „ propagados e apostando no “efeito borboleta” das pequenas iniciativas. Nesta atmosfera é de compreender os erros cometidos pelos homens de Abril na esperança dum lugar ao sol e o envolvimento do povo desejoso duma sociedade mais livre e justa.

Ventos frescos nos Corações e nas Instituições

(Um testemunho pessoal)

Na altura (66-71) encontrava-me no seminário de Manique do Estoril onde, Hippies, Beatles, Concílio Vaticano II (1) e personalidades pacíficas faziam florir, também nos seus pátios, as melhores rosas e os melhores cravos de esperanças virgens de liberdade e irmandade com todo o mundo. Era o tempo da teologia da libertação, das comunidades de vida,  de novas ideias e iniciativas, a era duma nova educação, a germinar por todo o lado. Era um tempo jovem!

Lembro-me de, então, organizar no seminário de Manique do Estoril cursos de alfabetização para pessoas adultas da região e, nesses cursos, seguir devotamente o método de Paulo Freire. No ar havia uma simpatia pela revolução cultural de Mao Tsé-Tung e por tudo que cheirasse a inovação (Não se imaginava que ele seria um dos maiores ditadores e aniquiladores de povo). Fiquei com a ideia de que Portugal não era tão hermético como se cria, quando em 1969 mandei vir da China “O Livro Vermelho” de Mao, tendo tido a precaução de, ao encomendá-lo, escrever apenas como remetente: Justo, Instituto, Manique do Estoril. Cerca de um ano depois recebi da China vários exemplares com o meu nome e o endereço completos. Então, fiquei estupefacto com o caso.

O processo revolucionário da geração 68 pensava-o então, numa perspectiva conciliar de religioso, como a continuação genuína da grande revolução iniciada por Cristo (JC) com a diferença que o JC não pretendia como o nazismo, o socialismo, o turbo-capitalismo e o maometanismo impor uma forma de vida à humanidade. O que observava lá fora via-o como consequência do espírito revolucionário pelo bem e pelo bem-comum que se encontrava dentro dos muros do seminário. Este espírito, aliado a um espírito de amor e justiça, impregnava a nossa contestação interna que se expressava em iniciativas teatrais como o “Bom Humor”, o “Festival da Canção” e os “Telejornais”. Na altura rebelavamo-nos contra hábitos e autoridades eclesiásticas legalistas e contra hábitos como a vestidura da batina em iniciativas e teatros engendrados pelo nosso “Grupo do Bom Humor”. O grupo actuava em festas da comunidade e noutras ocasiões com teatros, festivais da cancão, telejornais em que a vida do seminário, acontecimentos, atitudes, superiores e personalidades eram passados a pente fino pela crítica humoral.

A título de exemplo: Numa festa pública de vestidura da batina, em Manique do Estoril, onde estavam presentes, também, os familiares dos seminaristas que iam receber a batina, o “Grupo do Bom Humor” actuou e na peça teatral ridicularizou tal acto, o que provocou o desconsolo e a reacção da ordem estabelecida. Esta tinha confiado no “bom senso” do “Bom Humor” para abrilhantar a festa. Depois do espectáculo, o director do Instituto chamou a contas o Padre Conselheiro, que era o ponto de ligação institucional com o “Grupo do Bom Humor”. O sacerdote lá se desenfiou como pôde perante o Reitor e tomou a iniciativa de chamar o grupo a contas. Interessado em descobrir quem era o responsável do grupo e para poder estatuir um castigo exemplar, chamou a si, um a um, cada membro do grupo. Mas, como no grupo eram todos por um e um por todos, cada qual declarou ser o responsável do grupo. Deste modo foi conseguido, com humor e responsabilidade, estoirar com um princípio de toda a autoridade institucional que é: castigar um por todo o rebanho, para que o medo açaime a manada. Assim o superior não pôde castigar nem o grupo nem ninguém. A solidariedade dum grupo arrasa montanhas. Uma instituição que conseguira acordar o sentido da rebeldia bem canalizada e mantida dentro duma ordem conformista, sente-se agora impotente perante o espírito da responsabilidade que ela mesma propagava. O espírito de liberdade e de respeito pela pessoa, transmitido à imagem da pessoa do protótipo JC era o mesmo que questionava as incrustações de regras, autoridades e instituições. A liberdade da experiência do JC dava-nos força e legitimidade para toda a contestação. Era uma contestação vinda de dentro, não de fora. Perante o JC encontrávamo-nos, superiores e subordinados na mesma plataforma do Seu seguimento. Este espírito, ajudado pelos novos ares davam-nos força para quebrar com as correntes do hábito e de obediências cegas a que grande parte dos superiores se encostava regaladamente.

Os mesmos ventos da mudança eram comuns dentro e fora dos muros, embora com diferentes motivos e objectivos. Pessoalmente, mais tarde saltei o muro e na procura de mais liberdade e menos teias de aranha ingressei em partidos diferentes de Portugal e da Alemanha. Uma coisa constatei, o espírito de rebanho e de manada é muitíssimo maior nas instituições seculares do que nas religiosas. Dentro dos muros dos conventos há mais liberdade que fora deles, porque nos conventos, apesar de tudo a pessoa é rei. Quem liberta o espírito e vive dele não conhece o medo da autoridade nem o cálculo da oportunidade!

Os oportunistas da Revolução

Veio depois a enxurrada da “revolução” do 25 de Abril e nela entra a arraia-miúda e a arraia graúda, numa viagem paradisíaca, não atenta ao destino nem aos motivos da viagem. Era querida uma orientação monocolor e pretendia-se meter a liberdade em uniformes ideológicos.

O autocarro de Abril partiu e o povo continuou na esperança de chegar a melhor. Sentíamo-nos todos passageiros da liberdade, provindos dos mais diferentes meios, mas querendo construir uma sociedade com lugar ao sol para todos. Portugal estava todo inteiro, a caminho da liberdade, a caminho dum viver por viver. Então, na rua, nas estações olhos confidentes se trocavam numa atmosfera que se abria para um futuro risonho de espaços abertos e na sequela dum chamamento de libertação.

Por alguns momentos fomos um povo unido e especial que atraía grupos das esquerdas dos mais diversos países; Portugal era a Roma do turismo político de esquerda tal como era e continuou Cuba depois.

No horizonte, aqui e acolá, nuvens de estragos se vão acumulando. O espírito que motivava os actores da revolução era apenas político sem contemplar o Homem todo nem Portugal no seu todo. Por isso o que a princípio parecia uma revolução revelou-se, com o tempo, ter sido apenas um golpe de Estado com os benefícios das mudanças que na altura, noutros Estados europeus acontecia na normalidade. O egoísmo de grupos e “personalidades” da nossa praça, sem escrúpulos, vai-se servindo da nação, deixando para o povo o sacrifício da abnegação; mandam os santos para o deserto para se porem a si no nicho da reputação. Os abrilistas ocuparam o céu português e hoje ainda têm o descaramento de desculparem a crise da nação na culpa dos outros. E o mesmo povo continua a ir na fita pensando que a culpa está neste ou naquele quando ela é bem nossa que continuamos a dar paleio aos que encurralaram a esperanças para si. Aquela alegria, aquela esperança e liberdade da rua que se julgava pública, passaram a ser reservadas para os cínicos do poder que ocuparam o lugar que pertencia ao povo no dia-a-dia, na TV e noutros Meios de Comunicação social. Foi um sonho de pouca dura mas que levou o povo inocente e bom a interiorizar uma superficialidade libertina e a abdicar da dignidade, da honra e do respeito que provinham duma ética de cunho responsável.

O povo confiante acorda agora molhado. Também deixou de ser família universal com o coração no mundo e nos povos ultramarinos para se tornar num canto europeu, num povo de dançarinos de alma na rua saltando ao som de interesses anónimos e ao ritmo da mesma cor. Cconstruiu-se uma liberdade que guarda a oportunidade para o mais forte, uma liberdade amarrada a ideologias e a interesses alheios e não uma liberdade de visão integral e responsável do não só mas também!

Organizaram-se então campanhas revolucionárias de libertação e de reeducação do povo. Tudo bem-intencionado e preparado para atrair a inocência de crenças nobres. Para se responder ao desejo de inocência procura destruir-se a vergonha. Organizam-se, até em recônditas aldeias, sessões de desflorações virginais em grupo; quer-se o comunismo, tudo maninho, querem-se as meninas, menos as que têm o dono presente; procede-se à queimada de livros de “fachos”, etc. O que não serve a ideologia de alguns deve queimar-se ou arrumar-se. À hora da direita segue-se a da esquerda e vice-versa. Esta é a liberdade confinada aos que agora querem ter razão, como se também esta não fosse processo e só pertencesse a alguns. Agora assistimos ao instinto da inocência a vingar-se na resignação. (A geração de agora tem de reparar os estragos, tem de granjear-se a honra e o respeito que lhe foi roubado).

A liberdade desencadeada deixa no ar o som de cadeados caídos numa revolução descontrolada de libertinagem bárbara que se satisfaz no andar na vida por ver andar os outros. Não há respeito por si mesmo nem pelos outros. Tudo à própria disposição. Uma liberdade adolescente, irresponsável, que não conhece nada nem ninguém; toda ela em nome duma culpa passada. Egoísmo puro que faz do outro cliente do próprio sentimento. A droga é propagada, desinibe e o sexo ajuda a ideologia. Quem trabalhava e fazia pela vida era designado de “facho”. Professores exigentes eram saneados e organizam-se os exames colectivos. Uma das causas da crise portuguesa de hoje está nesse espírito leviano de então que levou os estudantes formados, com as notas do grupo, a ocupar os lugares de responsabilidade das nossas administrações.

Uma revolução que prometia tanto, com tão boa música e fanfarra que abria as portas ao progresso desembocou no beco sem saída duma gula de marcha limitada a ritmos de esquerda direita; meteu assim a terceira república nos caminhos da bancarrota, tal como aconteceu na primeira. Heróis da revolução, que o povo ainda canta, vivem com ordenados mastodônticos e injuriosos, como nunca na História houve, enquanto muito do povo vegeta com ordenados de miséria que não dão para viver nem para morrer. Tudo acontece  e se legitima à sombra duma democracia que querem prostituta.

Partidos, sindicatos, grupos organizados, etc. instalam-se no aparelho do Estado. Numa guerrilha ímpar de aumentar o próprio lucro e “honra” agregam-se à volta do estado como chulos à volta do bordel. Por todo o lado se encontram guardiões da revolução, cães de guarda duma liberdade oferecida não conquistada mas em benefício de adeptos e adversários. Privilegiados da revolução agarram-se todos ao vermelho da ideologia ou da parceria perdendo o sentido pela riqueza das cores.

A consciência da liberdade partidária negligencia a liberdade pessoal e a descoberta da força das próprias possibilidades. Um na ilusão á espera de Gudot, outros na letargia virados para D. Sebastião; tudo se alinha nas ordens de marcha de grupos e de organizações secretas enlaçadas em coutadas de compadrio e na burocracia. Compra-se o indivíduo para se afirmar a jerarquia.

A caminhada para o futuro viu reduzido o seu horizonte ao 10 de Dezembro de 1910 e aos resquícios liberais napoleónicos. Um tradicionalismo obediente e a fé nas razões do poder não conseguiram quebrar o bolor dum liberalismo mafioso e dum republicanismo ultrapassado, guardados na nação a sete chaves em gavetas intelectuais seguidoras dos excessos do Marquês de Pombal. A visão ideológica impede o olhar pessoal e regional. Nas pistas dum futuro em liberdade esbarramos connosco, repetiindo os erros da 1. República.

No comboio da história, numa alternância de cor, continuam os mesmos lugares reservados para os da nova oportunidade; o povo continua em bicha e sempre à chuva, sempre à espera nas estações, sempre na ânsia dum comboio com carruagens para ele. Esperar na desesperança é a sua condição independentemente da cor da governação. Para se entrar no comboio dos donos da razão e do arrazoar, é preciso um compartimento, um vagão do partido, do sindicato, do compadre, do mação. A História, sem heróis, deixa-se conduzir pela banalidade do quotidiano e afasta-se cada vez mais da arraia-miúda. Esta, por sua vez, revela-se massa, sem consciência, sempre à espera dum revisor que lhe cobre o bilhete. Uma elite à trela dum Estado dominado pela insuficiência partidária e grupal não gera civis livres nem sequer heróis. Produz acomodados e mercenários, gera políticos da capitulação a ideologias e à subserviência boçal, não tolera heróis nem homens bons. Um povo unido tornou-se num povo humilde sempre vencido. Povo, sempre ao toque de caixa dos oportunos e que então aplaudia e agora lamenta.

(1) O Concílio Vaticano II foi anunciado pelo Papa João XXIII a 25.01.1959, iniciado em 1962 e concluído em 1965. Com este encontro global queria-se renovar as estruturas encrustadas e fazer-se um agiornamento de ideias e práticas em todo o mundo. Por todo o mundo se organizaram iniciativas de mudança que as igrejas nacionais através dos padres conciliares levariam a Roma. O movimento de 68 foi uma versão de estilo secular a uma revolução que o Concílio iniciara antes no sentido espiritual da renovação do Homem todo, no sentido de metanoia de corações e instituições, no sentido de o “Homem” se tornar Homem.

António da Cunha Duarte Justo

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