Berlim como símbolo do cristianismo e Nice como símbolo da República
Por António Justo
O atentado em Berlim provocou 12 mortos e 49 feridos (destes encontram-se 14 em perigo de vida). Eram pessoas que se alegravam como outros, nos milhares de mercados de natal que tradicionalmente se realizam durante as quatro semanas de advento, em todas as cidades e aldeias da Alemanha. Fica a compaixão com as vítimas.
A polícia judiciária Federal alemã busca o tunisino Anis Amri, disponibilizando um prémio de recompensa pela captura que vai até 100.000 euros. No camião foram encontradas impressões digitais e os documentos do refugiado tunesino (tolerado) de 24 anos de idade (em posse de diversos documentos de identidade); Anis Amri já tinha sido condenado a quatro anos de prisão na Itália mas a Tunísia não o aceitou e ele depois de cumprida a pena submergiu na sociedade pedindo depois refúgio na Alemanha. A Alemanha tolerava-o dado não o poder enviar para a Tunísia. Os Verdes não estão de acordo considerar os países do norte de áfrica como países seguros onde se possa reenviar refugiados não reconhecidos como tal.
O delinquente islamista era “soldado do Estado Islâmico”, segundo declarou o porta-voz do EI Amak.Os extremistas consideram “soldados” do islão quem é jihadista e se torna mártir no exercício de acções ou missões para atingirem os seus fins. Neste sentido o assassino poderia ser considerado “soldado” da sua guerra santa, mesmo sem pertencer ao IS.
As pessoas de boa vontade e o povo alemão encontram-se assustados e tristes e a chanceler sente-se “horrorizada, chocada e profundamente triste”. Para estas coisas “não há respostas simples”, confessa ela. Este é o maior ataque na Alemanha que atinge profundamente a chanceler dos refugiados.
Atentado contra os símbolos da cultura ocidental
O atentado de Berlim repete a estratégia do atentado de Nice perpetrado na França a 14 de julho passado, dia nacional da República, e que provocou 86 mortos e 400 feridos. Na França são atacados os valores republicanos da revolução francesa e em Berlim é atacado o cristianismo, como sua fonte.
Apesar do grande empenho e da alta competência e actividade do sistema de segurança nacional, a Alemanha não conseguiu impedir o que um dia teria de acontecer.
O islamismo fanático está consciente da importância dos símbolos, dos mitos e das ideias como motivadores de acção e como fundamentos em que assenta a história de toda a cultura, nação ou civilização. Por isso escolhem bem os espaços e os tempos da sua intervenção na sua luta anti-cultural. O mercado atacado tem grande densidade de significado e conteúdo: fica mesmo ao lado da “Igreja do Memorial”, que é símbolo da paz e da reconciliação e como mercado do advento prepara a festa do Natal.
A logística do fanatismo cria rituais e contra-símbolos como mensagens estatuídas, nos minaretes do tempo, a avisar contra os símbolos dos adversários. De fora operam com atentados, de dentro não aceitando as canções de natal ou a festa do são martinho, cruzes, etc. Pelo que observo, nas sociedades onde se encontram, como pessoas são geralmente muito simpáticas mas como grupo religioso, geralmente lutam pelo seu direito de grupo mas não pela humanidade ou pelos direitos da pessoa (a defesa destes enfraqueceria o grupo!).
O problema não está nos refugiados mas na ideologia. Não se trata agora de criminalizar tantos refugiados vítimas da guerra nem de abdicar de uma sociedade aberta e livre mas de levar os chegados a abrir-se à abertura que lhes permite serem eles (e, por outro lado verificar até que ponto os imigrados são integráveis; sim porque uma civilização não pode transformar-se numa floresta aberta). Não chega perseguir aqueles que em nome do Islão praticam a barbaridade, é preciso que o islão se transforme de maneira a aceitar os outros como pessoas e não apenas como crentes de um lado e adversários do outro. Doutro modo o Ocidente passa a viver na reacção ao medo e na caça daqueles que alimentam a suas energias negativas a partir do Corão (até surgiu a ideia de encerrar todos os mercados de natal na Alemanha assim como a de evitar festas de natal nos jardins de infância ou nas escolas para se não ferirem susceptibilidades islâmicas! Entretanto optaram por colocar cubos de cimento nos acessos aos mercados de natal). Há que purificar as águas do abuso na fonte, doutro modo tudo não passará de maculatura. Uma sociedade aberta não se pode desculpar por ter de defender a abertura, uma sociedade aberta tem o direito de exigir dos hóspedes também a abertura que eles exigem para si. Doutro modo autodestrói-se. Combater os nazis e seus dizeres e ignorar os dizeres (suras) do Corão que são mais desumanos que os dizeres dos nazis é confundir e enganar a sociedade. O Corão precisaria de ter notas explicativas que neutralizassem a guerra e que justificam.
Os políticos e a economia são os mais responsáveis do estado a que chegamos porque pretendem enganar o cidadão dizendo que na guerra declarada à cultura ocidental se trata apenas de casos individuais ou de grupos extremistas e, por isso, não exigem o estabelecimento de acordos bilaterais de abertura que assegurem nas sociedades islâmicas o respeito pelos cristãos e ateus como acontece nas sociedades ocidentais com os muçulmanos. A troca e o intercâmbio não é suficiente nem honesta se uma parte se preocupa apenas com o dinheiro como se o mundo se reduzisse a um supermercado.
Também é verdade que uma cultura se afirma em grande parte pela economia e tecnologia mas estas não são monopólio eterno do Ocidente e no futuro quem mais se afirmará serão as culturas com economias fortes. O ocidente vive na ilusão de poder continuar a abdicar da sua cultura e só com a economia e meia dúzia de valores desencarnados poder continuar a influenciar determinantemente o mundo sem uma plataforma cultural vivida; equivoca-se não se tornando consciente das razões da sua decadência. Nos inícios havia a guerra entre tribos, depois entre nações e agora dá-se entre civilizações. O ocidente encontra-se num momento da História semelhante ao dos judeus no tempo em que os romanos lhe destruíram o templo. Deles poderia o Ocidente e em especial a Europa aprender muito. O povo judeu integrou nele a interculturalidade sem perder nem renegar a sua identidade. Por isso continua a ser no mundo uma referência positiva e ao mesmo tempo, com o cristianismo, um grande impulsionador da história humana. Nos países onde os judeus se encontram, a civilização avança sem que se imponham. Estes poderiam constituir para as elites europeias um exemplo de abertura e de autodefinição na medida em que ad intra se aceitam como judeus crentes e judeus seculares e ad extra se afirmam no respeito pelas leis que vigoram nos países onde se integram sem quaisquer devaneios ideológicos de grupo.
A culpa repartida traz mais juros para as partes
Quem é o culpado do atentado? O assassino, o EI, o Islão? Esta é uma questão complicada e difícil de responder na nossa sociedade, habituada a culpar o cristianismo pelas maldades acontecidas em épocas passadas. O ressentimento é alimentado e cultivado por grupos de interesses que se aproveitam do sistema e procuram justificar-se buscando a culpa nos outros.
Por vezes tem-se a impressão que a culpa repartida traz mais juros para todos os grupos de interesses organizados no Estado, de forma autónoma, mesmo contra os interesses da nação e do povo. Por vezes tenho a impressão de encontrar um certo paralelo na atitude de tanatofilia dos suicidas bomba muçulmanos na defesa do islão e uma atitude de tanatofilia de muita gente da esquerda radical que consciente ou inconscientemente disputa pela morte da própria cultura.
Independentemente da realidade manifestada nos factos, cada partido reage aos atentados segundo a sua ideologia e programa, o que é natural em democracia. O que se torna estranho é o facto dos adversários de dentro se aproveitarem do inimigo de fora como aliado de luta para defesa da própria ideologia e ataque da do concorrente político; o factual passa à margem e o todo também. Agora, na rua, formam-se manifestações paralelas da direita e da esquerda, umas contra as outras; o que não se vê são manifestações de muçulmanos contra a barbaridade cometida. Procura-se tirar capital político das acções abomináveis em que cada parte aponta no sentido do polo contrário. Alguns falam de “mortos de Merkel” e da culpa da política de refugiados do governo alemão, outros vêm no acontecido um mal menor numa sociedade aberta, outros sentem satisfação e interesse em que se caia no caos, porque este lhes ofereceria mais oportunidades, que uma sociedade ordenada e próspera não ofereceria.
A discórdia e a luta de uns partidos contra os outros é aquilo que mais alegra e dá força aos islamistas. A sociedade se não quer ver a sua liberdade roubada terá de a defender, mas a sociedade de interesses encontra-se polarmente dividida predominantemente empenhada em fazer valer os interesses de uma parte contra os da outra perdendo-se na concorrência partidária sem se empenhar por encontrar um consenso do que constitui as colunas da própria identidade cultural que possibilita a uns e outros uma existência baseada na sustentabilidade.
Aos problemas da dinâmica democrática junta-se os parâmetros de uma outra sociedade concebida em termos fascistas que se exprimem, cada vez mais, numa sociedade com mais de 5 milhões de muçulmanos (quatro milhões de turcos cujas associações que de facto se sentem mais ligadas a Erdogan do que à constituição alemã). Os interesses de uns e de outros encontram-se à mistura e repartidos por diferentes facções políticas e económicas, todas elas interessadas no negócio com eles.
O islão-político conhece bem as fraquezas do Ocidente que, sem uma identidade comum será fácil de dividir ainda mais e de dominar tal como aconteceu a Roma perante os vizinhos bárbaros.
Enquanto o terrorismo internacional servir os interesses de algum grupo dentro de um país, ele não poderá ser combatido consequentemente sem haver “guerra-civil” ideológica. Haverá sempre a compreensão e os aliados que sacrificam a vítima em favor da agressão, tal como acontece hoje na Síria.
De facto não se trata já de deixar o terrorismo entrar na sociedade, ele já se encontra nela, camuflado de diferentes formas; o que se combate fora encontra-se dentro e vice-versa. Torna-se grutesco que vítimas da injustiça se tornem injustas tornando suas vítimas os humanos que os acolhem. A guerra gera guerra.
A paz não pode ter um só sentido em vias paralelas, pois nunca nos encontraríamos, doutro modo ganhará o que tiver a estratégia de autoafirmação exclusiva e mais agressiva.
O atentado de Berlim não é um ataque à Alemanha mas aos fundamentos da sua identidade na sua vertente religiosa do Natal e na vertente política da revolução francesa.
Apesar das provocações na própria casa, os cristãos têm de defender a abertura que lhe é própria na convivência com o próximo; para o cristão a dignidade é inerente ao homem e não a uma confissão. No caso, como se trata de interesses políticos não seria oportuno, depois de se ter apanhado na face direita, oferecer a esquerda, mas de fugir ao círculo vicioso de pagar o mal com o mal. O ódio é o pior companheiro porque, além de vingativo e cegar, traz consigo danos emocionais, físicos e espirituais. O mal não vem de fora; ele só se afirma porque se encontra dentro de nós e na sociedade que deformamos.
António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo