(Alegoria da Cidadania Usurpada)
Nas praças do tempo ressoam tambores,
mas dançam os mesmos — herdeiros do trono
que de mão em mão passam o cetro mudo,
enquanto o povo, de olhos vendados, aplaude o luto.
A política, velha atriz de mil máscaras,
oferece-nos sonhos envernizados,
liberdades com correntes invisíveis,
e um céu onde voar… só com asas emprestadas.
Dizem-nos: “És livre! Escolhe!” —
mas entre sombras, quem vê o caminho?
Prometem mundos e fundos
desde que não se deseje o mais simples:
uma vida de pão e alegria,
de riso e responsabilidade partilhada.
Vendemo-nos por moedas de direitos vazios,
e em troca tiram-nos a alma do dia.
Chamam a isso progresso —
mas é só o velho truque de sempre:
dar à pedra o nome de pão,
à mordaça o nome de voz.
Os plutocratas, senhores da fala,
altifalantes do engano bem vestido,
ensurdecem-nos com promessas,
enquanto a dignidade escorre pelas frestas da história.
E nós, filhos da esperança,
tateamos no escuro por um gesto,
um sinal de que viver ainda pode ser mais
do que obedecer sorrindo.
Oh, democracia, irmã ferida da justiça,
onde é que te escondes?
Em que canto te recolheste
enquanto te desfiguram com trapos de ideologia e medo?
Mas ainda há quem sonhe —
e quem se erga.
Na poeira do esquecimento
nascem vozes que recusam a servidão disfarçada.
Que a liberdade não seja licença para a indiferença,
mas sim o fogo que ilumina o rosto de cada um,
na alegria de sermos diferentes
e iguais no direito de existir com dignidade.
António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo