No jardim invisível da alma humana, onde os sentimentos germinam em silêncio e a consciência respira antes de se tornar palavra, o Natal floresce. Não é apenas um dia no calendário: é um acontecimento cósmico, um nascer contínuo. É a centelha que reacende o céu interior e devolve sentido ao coração do mundo.
No presépio humilde, esse palco mínimo onde o infinito escolheu caber, a História e a Natureza entrelaçam-se como raízes antigas. Da terra nasce o humano; do céu, o sopro (espírito). E dessa união irrompe a Luz: Jesus. Não apenas um nome, mas um sinal vivo de que Deus se oferece na fragilidade, de que a humanidade inteira é elevada à dignidade de dom. Um presente absoluto, sem embrulho nem preço, deitado no berço da Terra.
E o mistério aprofunda-se: não somos apenas espectadores. Somos também o presente.
Eu, tu, nós, ofertas vivas em permanente nascimento. Existimos para ser dados, para ser partilhados. Como o Menino no estábulo, somos chamados a existir para os outros. Quando tomamos consciência disso, tudo se transforma em dádiva: o olhar que acolhe, a mão que ampara, o pão repartido, a palavra justa, o silêncio que escuta.
Assim entramos na grande circulação da graça, onde dar e receber deixam de ser opostos e se tornam um mesmo gesto. A gratidão passa a ser a música secreta da vida,o tema jubiloso do Natal que vibra nas ruas iluminadas, no ar frio da noite, no calor inesperado da esperança.
Estamos todos envolvidos num papel de embrulho divino, tecido com fibras da terra e perfumes de musgo, com a vastidão do céu e o brilho inaugural da primeira estrela. Somos interligados por uma energia criadora que incessantemente nos tece em pessoas mais verdadeiras, mais inteiras, mais humanas. Até o sol é um presente: um imenso coração em chamas que aquece o planeta e convida a alma a erguer o olhar. Ele aponta, como um dedo de fogo, para a estrela-guia, não apenas para a Belém histórica, de pedra e poeira, mas para a Belém interior, o lugar profundo onde a luz deseja nascer em nós.
Ali, no fundo fértil do nosso ser, a energia divina dança. É impulso de ascensão, ensaio permanente de amor, força criativa que insiste em transformar medo em confiança e cinza em semente.
Deste núcleo luminoso, ecoa um chamamento suave, mas irrecusável. O Natal é a voz de Deus na Natureza: ressoa no mar que ruge e no vento que sussurra, mas também grita, com urgência ética, na garganta seca dos pobres que pedem justiça. Vibra no olhar atento dos animais, na madrugada em que a noite recua e o tempo parece recomeçar, jovem, aberto, possível.
Que este Natal nos desperte não apenas para a doçura, mas para o assombro criativo de sermos presença oferecida. Que nos reconheçamos como continuadores da obra divina, coautores de um mundo mais justo e fraterno. Que a estrela no céu e a luz no peito nos recordem: somos feitos de terra e céu embrulhados para a vida, destinados a dançar, a oferecer, a crescer em consciência.
A alegria nasce quando compreendemos a missão que somos. A esperança revela-se quando percebemos que cada gesto pode ser estrela e cada caminho pode tornar-se Belém. Somos, juntos, caminho uns para os outros na senda do Deus Menino.
No jardim encantado das almas humanas, o Natal continua a brilhar, mesmo quando oculto sob as cinzas e o ruído de uma matriz social que se esgota no útil, no imediato e no passageiro. A Luz surgida em Belém persiste de maneira silenciosa, mas criadora na espera que alguém a acolha.
António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo