Origem do Português e do Galego

A Língua portuguesa é a Irmã gémea do Galego

António Justo
A Academia Brasileira de Letras fez um levantamento sobre a língua portuguesa e verificou que esta tem atualmente cerca de 356 mil unidades lexicais.

A grande riqueza do português provém na sua maioria do latim e do grego e das línguas das tribos ibéricas: galaicos, lusitanos (marcas de origem indo-europeia e miscigenação com os celtas, anterior às invasões romanas), etc. e dos invasores germânicos do séc. V (cerca de 600 palavras de origem germânica) e dos ocupantes mouros (berberes e árabes do séc. VIII que enriqueceram o português com 600 até mil palavras); com os Descobrimentos o português continuou a enriquecer-se integrando palavras dos novos povos no seu léxico; actualmente a preponderância da cultura anglo-saxónica favorece a integração de palavras inglesas. De notar que o português não só recebeu palavras das culturas com que contactou mas também deixou crioulos e palavras noutras línguas (O japonês também tem cerca de 600 palavras de origem portuguesa).

O galaico-português era o idioma falado nas regiões de Portugal e da Galiza, no Reino de Leão, que devido à divisão política do mesmo espaço geográfico, posteriormente começou a diversificar-se nas línguas portuguesa e galega. A partir do séc. XII a literatura apoderou-se do galaico-português de modo, a o português se diferenciar no século XVI da língua galega, sua irmã gémea.

A língua portuguesa é a evolução do latim que, como língua veicular literária e cultural, se expressava de duas formas: a maneira de falar intelectual (erudita) e a popular; assim, na formação do Português, encontramos a forma clássica – a língua do Lácio falada até uma certa altura e depois mantida pelos eclesiásticos, poetas e prosadores, como veículo da cultura intelectual e por outro lado a forma do latim vulgar que era falada pelo povo e que abandonada a si mesma se ia modificando mais e mais, com um certo acompanhamento do linguajar erudito. O mesmo se dá hoje: distingue-se a maneira de expressar (especialmente na escrita) de uma pessoa sem grande formação e uma pessoa formada. Os próprios escritores latinos, que utilizavam a forma clássica, referem também o falar do latim vulgar do povo; os escritores romanos referem-se ao falar do povo com os termos “sermo vulgaris”, “cotidianus”, “plebeius”, “rusticus”, etc.

Estas divergências encontram-se ainda hoje nas formas populares e de escrita de qualquer língua a nível fonético, morfológico e por vezes até sintático. A população não consumidora de “alta cultura” usa menos palavras para se exprimir metendo por vezes numa só palavra outros sentidos ou conotações, enquanto a pessoa mais culta recorre, para tal efeito, a maior diferenciação e consequentemente a uma maior gama de palavras.
No território que hoje constitui Portugal e Espanha, já se falavam várias línguas, antes dos invasores latinos chegarem. Entre elas a mais falda era a céltica. O Vasco conseguiu resistir ao latim.

De resto, pelos fins do séc. IV a língua vulgar falada por toda a península era a forma vulgar do latim, o “romanço”. Com as invasões dos alanos, suevos e godos e depois dos árabes, o romanço foi enriquecido com palavras novas dos falares dos invasores. A língua, naqueles tempos abandonada a si mesma, sem disciplina gramatical que lhe desse formato evolutivo, decaiu modificando-se segundo as regiões, pois já não havia a administração romana para lhe dar sustentabilidade nem uma regulamentação da língua, a nível suprarregional. Entre os falares surgiu o galego-português que se modificou algo, devido à independência de Portugal alcançada por D. Afonso Henriques e à obrigação do uso do português então “arcaico” ordenado por D. Dinis para os documentos escritos em vez do latim. Assim, temos hoje o idioma português e o galego; a maior diferenciação do galego deu-se a partir do séc. XVI. Embora se possa provar a existência do galego-português no séc. VII (e o português proto-histórico – um latim bárbaro) só a partir do séc. XII surgem textos completos em português notando-se então a influência da literatura sobre ele.

Numa missão civilizadora, os trovadores que cultivavam a poesia e a música por gosto, contribuíram muito como estabilizadores e fomentadores da língua. Ao irem de castelo em castelo espalhavam também ideais e a dignidade da mulher. Os segréis faziam da arte de trovar uma profissão. Os jograis tocavam vários instrumentos e cantavam versos alheios (artistas da boémia). Muito do legado antigo encontra-se nos Cancioneiros Primitivos.
O lirismo galego-português é do mais genuíno e documenta-se como uma poesia de romaria a Santiago de Compostela e nas romarias aos santos. Segundo Celso Ferreira da Cunha deve “considerar-se como obra de síntese de diversas influências, sobretudo da poesia popular e da poesia latino-eclesiástica”. Tinha duas correntes poéticas: a cantiga de amor que denuncia influência estrangeira, e a cantiga de amigo de caracter popular tradicional. Esta é a primeira manifestação genuína do lirismo peninsular.

Um documento importante do português Arcaico é o Testamento de D. Afonso II (1214) que começa assim:” En nome de Deus. Eu rei Don Afonso, pela gracia de Deus, rei de Portugal, sendo sano e saluo, temete o dia da mia morte, a saúde de mia alma e a proe de mia molier, raina Dona Orraca, e de meus filios e de meus uasssalos…”

No português histórico temos a fase arcaica do séc. XII, XIII e XIV (as terminações arcaicas em “om” deram origem às terminações modernas em “ão” e “am”); segue-se a fase de transição do séc. XV e finalmente a fase moderna, com início no séc. XVI até hoje. No séc. XIV e XV introduziram-se na língua muitas palavras do latim erudito e do grego; o séc. XV foi muito profícuo em mestres da língua (Garcia de Resende, Fernão Lopes, Eanes de Zurara, Rui de Pina, Frei João Alves); a língua passa a ter o seu eixo já não em Santiago de Compostela mas em Lisboa; o séc. XVI produziu grandes mestres da língua como Gil Vicente, João de Barros, António Ferreira, mas o maior de todos eles, o grande mestre do português moderno foi Luís de Camões com “Os Lusíadas”. Camões é um grande entre os maiores da literatura mundial, como afirmava já o grande Friedrich von Schiller, grande poeta, filósofo e historiador alemão que trocaria a sua obra pela glória dos Lusíadas de Camões.

No séc. XVI dá-se a grande diferenciação do português em relação ao galego.

António da Cunha Duarte Justo
www.antonio.justo.eu

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António da Cunha Duarte Justo

Actividades jornalísticas em foque: análise social, ética, política e religiosa

10 comentários em “Origem do Português e do Galego”

  1. Caro António,
    Lembro também que os moçárabes, que eram cristãos, que viviam subjugados aos árabes na Península Ibérica , recebendo profundas influências na linguagem…
    Abraço
    MN

  2. Sim, os cristãos que não se convertiam designavam-se de moçarabes; para manterem a identidade cristã nas regiões de domínio muçulmano, tinham de pagar um imposto de submissão por cabeça obtendo contudo um estatuto social inferior ao dos ocupantes muçulmanos.
    Conseguiram também do Papa o reconhecimento dos ritos cristãos do reino cristão visigodo (ainda hoje o rito católico de Braga mantem rituais desse tempo).

    Os moçarabes tendo depois sido bastante perseguidos pela dinastia dos almorávidas e atendendo ao facto de em Portugal o último território liberto da ocupação muçulmana ter sido o Algarve em1249, a influência moçarabe não foi muito grande, tendo sido mais de caracter de intermediária. Naturalmente também questões de investigações históricas não são isentas do Zeitgeist e da motivação movente.

    Deixo aqui um contributo muito importante embora nele o Historiador não parecer referir-se nele ao contributo do reino cristão visigodo na questão da organização dos municípios numa interligação de administração romana e vestgótica!
    No link pode-se ler um contributo muito válido sobre os Moçarabes, do meu Professor de História Medieval Prof. Dr. José Mattoso:
    http://ww3.fl.ul.pt/unidades/centros/ctp/lusitana/rlus_ns/rlns06/rlns06_p5.pdf

  3. Já agora aproveito para perguntar ao António, qual a relação dos ismaelitas da época da da Península Ibérica muçulmana(berberes?) e os atuais ismaelitas portugueses, tão presentes em Portugal , como o Zeinal Bava, diretor -presidente da OI brasileira.

    Lembro que Portugal assinou uma ‘concordata’ histórica com a comunidade ismaelita , aprovando na Assembleia da República ,o acordo firmado com o Estado português. O acordo é descrito como uma segunda concordata – sendo o primeiro a ser assinado em Portugal com uma confissão religiosa que não a católica – e que contou com os votos de todos os grupos parlamentares.

    Tenho a acrescentar que a proposta de Resolução 8/XIm foi o resultado de um acordo firmado entre o ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Amado, e o Aga Khan, 49.º imã hereditário dos muçulmanos Shia Ismailis.
    in Diálogos Lusófonos

  4. Xiismo, Sebastianismo e Aga Kahn
    Prezada Margarida
    Isso significaria um grande trabalho de investigação para mim; a existência duma comunidade ismaelita no norte de África e a morte de D. Sebastião no Norte de África constituiriam assunto interessante . Os Ismaelitas como pertencentes à confissão muçulmana xiita também influenciaram o mito do sebastianismo português (do encoberto) com a crença em Ismael, que regressará no futuro para ser o profeta dos últimos tempos e com a crença do xiismo em geral do 12° Imã ou Imã Oculto e Mahdi (divinamente guiado). Esta crença encontrava bom terreno nos moçárabes que com a sua crença messiânica no Jesus Cristo dos últimos tempos poderiam ver na crença xiita uma aplicação mais concreta das suas esperanças e projecções(messianismo cristão e messianismo xiita). Os xiitas, ao contrário dos sunitas, tornam-se assim mais próximos de certas crenças cristãs.
    Quanto ao Sim, Aga Khan é das pessoas mais ricas do mundo. A questão de Aga Khan, 49.º imã hereditário dos muçulmanos Shia Ismailis é uma questão mais complicada. É uma pessoa com uma vida muito comprometida e com affären; tem uma fortuna de mais de dez mil milhões de euros e recebe dos seus adeptos doações anuais em centenas de milhões de euros. É amigo de Sarkozy que a partir de 2008 libertou Aga Khan do pagamento de impostos, na França. A concordata com o governo português é uma questão difícil. Uma coisa é certa: assim certamente conseguirá libertar-se de muitos impostos! Tem uma grande rede de desenvolvimento e de apoio a obras sociais. A sua instituição também doou 80 milhões de dólares para a reconstrução do Afeganistão; fundou também o „Institute of Ismaili Studies“. É uma pessoa que tem recebido muito reconhecimento público.
    António Justo

  5. Caro António Justo,

    Obrigada pela sua resposta.
    Há muito que me interesso por este assunto e acredito que as ligações com os ismaelitas são milenares! O legado dos muçulmanos e semitas na lusofonia é importante e muitos de nós desconhecemos este assunto. Também não sei se são eles, que são devotos de Nossa Senhora de Fátima e frequentam o Santuário, porque o nome Fátima é o nome da filha de Maomé, e existe uma lenda muçulmana de que a Fátima que apareceu, naquele local, é a filha de Maomé!

    Quanto ao Aga Kahn, independente do poder financeiro dele e dos interesses, percebe-se no discurso dele e nas ações, o resgate de heranças deles e dos portugueses. A Fundação Aga Khan , por exemplo, ensina a língua portuguesa em Moçambique e, em Portugal, a comunidade ismaelita é significativa, sendo a maior parte cidadãos portugueses, como o que assumiu a presidência da OI ,no Brasil, o Zeinal Bava .

    Na verdade as afinidades desta comunidade com a cultura portuguesa são grandes e isto também tem a ver com as raízes do português!

    Saudações,

    Margarida Castro
    in Diálogos Lusófonos

  6. Prezada Margarida
    Sim, em torno de Fátima e das lendas mouras há muitas interpretações ao sabor de todas as intenções. Em relação ao lugar Fátima era muito povoada por mouros e o conto mais popular é referido do modo seguinte: “Existe o conto não confirmado que a topónimo Fátima deriva de uma princesa moura local de nome Fátima que, depois de haver sido capturada pelo exército cristão durante a Reconquista, foi dada em casamento a um conde de Ourém. Aceitando o cristianismo, foi baptizada recebendo o nome de Oriana em 1158. Às terras serranas o conde deu o nome de Terras de Fátima, em memória dos seus ancestrais, e ao condado o nome de Oriana, depois Ourém.”
    Quanto à oportunidade dos discursos tudo tem também a ver com o poder económico árabe de que se aproveita o Ocidente; este mostra-se culturalmente aberto até porque a nova matriz a preparar para a União Europeia é uma Europa aberta sem nações nem religiões e tudo o que contribuir para a multiculturalidade (mais que interculturalidade) faz parte de um pragmatismo orientado pelo lucro; o Ocidente recebe dinheiro e disponibiliza cultura; o islão, nos seus territórios não admite pluralismo mas fora consegue viver de cara lavada e missionar docemente novas terras com o dinheiro e a emigração. Importante no meio de tudo isto é que todos se sintam felizes e se viva em paz. Onde há muita luz há sempre muita sombra! E toda a realidade é composta das duas componentes Luz e Treva!
    António Justo

  7. Sr. António cunha Justo:
    Isso de que o português é galego são línguas diferentes, é invenção castelhana, para estatalizarem o português da Galiza e afasta-lo dos outros portugueses.

    Olhe textos da Galiza dos séculos XVII e XVIII, e além da peculiar ortografia, demótica da única que era possível ser conhecida na Galiza, diga-me por on de está o serem diferentes.
    Pois com esse mesmo critério brasileiro, açoriano e não sei quantas mais também o são

    http://www.slideshare.net/Socri/sculos-escuros-textos

    quando quiser falar nisso consulte a Academia galega

    http://academiagalega.org/

    alexandre banhos.

    só mais uma coisa. Há línguas que somam v.g o castelhano, que todo soma, incluídos ladinos, kharchas e outras variantes bem afastadas. e noutras há problemas irresolúveis
    In Diálogos Lusófonos

  8. “Origem do Português e do Galego”
    Prezado Sr. Alexandre Banhos,
    Muito obrigado pela sua tomada de posição. Só agora tive oportunidade de ler a sua mensagem; a minha posição apresentada no texto não se deixa reduzir a um ou… ou…. O assunto é muito complexo pelo que deve ser abordado de várias perspectivas.

    Quero deixar claro que não acho oportuna a defesa do autonomismo do Galego e que julgo mais conveniente os esforços feitos e a fazer no sentido do integracionismo no Português e da inclusão do Galego na comunidade lusófona.
    O Galego encontra-se numa situação delicada entre o Castelhano e o Português sob a ameaça da sua identidade pelo Castelhano e por um globalismo que só conhece o respeito pelo mais forte.

    Tenho um outro texto sobre o assunto que tinha reservado para publicação e pô-lo-ei dentro em breve aqui porque responde directamente à questão que apresenta.
    Atenciosamente
    António Justo

  9. Antes dos colonizadores romanos houve já outros colonizadores ou factores de influência.
    O substracto da formação do léxico português tem referências universais. Diz-se que a mãe da língua portuguesa é o latim (80%) mas a influência celtibera, goda, árabe deixou grandes marcas na formação do léxico português sem menosprezar também as palavras dos povos com que contactamos. A influência goda, além do mais, está muito presente em palavras antroponímicas (Alarico, Alfredo, Gerardo, Teodorico, Américo, Raimundo, Fernando, Rodrigo, Álvaro, Gonçalo e Soare), na toponímia estão muito presentes nomes árabes; os mais antigos celtiberos (fusão dos povos celtas e iberos entre eles os lusitanos, nossos “bis-avós”) também deixaram muitas palavras no léxico português.
    https://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%A9xico_da_l%C3%ADngua_portuguesa
    Ao estudarmos as línguas verificamos os vestígios dos diferentes colonialismos. Hoje na época da internet acontece acontece com os métodos de antes e de maneira mais subtil também através da interpretação da informação que se dá ou se disponibiliza para estudo.

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