COM O FADO NA ARAGEM DO MAR

Minha terra, meu eu, já não canta,

voz roubada pelo sal dos adeuses

absorta na marcha lenta das sombras

que se desfazem em névoa e silêncio.

 

Perde-se na onda de um amanhecer pálido,

onde o sol, doente de exílio,

se dissolve em pranto sobre as águas.

Olha para um céu feito de espelhos quebrados,

cada fragmento, um mapa de um porto perdido,

canto de sereia afogado no tempo.

 

Meu eu, tecido de mar e vento,

véu de luto sobre o peito do mundo

esvai-se na espuma da onda,

leito frio onde a memória se deita

e sonha com o fogo que outrora a aquecia.

 

Tanta procura! Chama extinta na brisa,

farol apagado pelo ruir do mar,

que canta, em segredo, a litania das marés:

Vem, sente o abraço da solidão,

este sal que cicatriza a alma,

este infinito estelar que nos veste de eternidade.

 

E eu, náufrago de mim mesmo,

alongo a mão na voz do mar,

frágil barco de palavras à deriva

enquanto o fado, na aragem,

me ensina a morrer e renascer.

 

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

 

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António da Cunha Duarte Justo

Actividades jornalísticas em foque: análise social, ética, política e religiosa

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