O Poder político-económico instrumentaliza a Ciência e os Media
O mundo que temos não merece que nos adaptemos a ele, pelo que urge procurar novos caminhos! Por um lado, os bons espíritos abandonaram as nossas elites, por isso elas se servem da pressão criada nas massas e do Zeitgeist que as encandeia. Por outro lado, a corrida dos acontecimentos é de tal ordem que fomenta criadores da opinião pública sem remorsos, produzidos por elites sem vergonha que abusam cada vez mais de tudo e de todos (1).
A Ciência tem uma função crítica na sociedade e deveria abrir o horizonte dos problemas e das pessoas, não devendo ser usada para os controlar, nem tão-pouco convertida em meio de implementação do conformismo e do pensar “politicamente correcto”, como é de observar na maioria dos programas das nossas TVs. De facto, se observarmos a opinião publicada e reportagens televisivas nota-se nelas uma monotonia de pontos de vista e falta de pluralidade de abordagens e de controvérsia (2) nos seus resultados.
A formação da consciência do cidadão assumida pelas agências dos Media (transformados em amplificadoras dos interesses do sistema) obedece, na generalidade, a uma pesquisa ou escolha controlada de actores a aparecerem em programas de TV ou de entrevistados na imprensa, chegou a um ponto de confundir ciência e peritos com apoiantes de informações fornecidas. Especialistas seleccionados são convidados repetidamente (sempre os mesmos para confirmar os seus objetivos e se algum começa a urinar fora do penico logo o/a jornalista o interrompe ou o abana com perguntas tendenciosas que o pobre é obrigado a conter-se!), os peritos são ouvidos, não tanto por respeito à ciência e à diversidade mas por poderem transmitir uma aura da ciência que ainda consegue enganar povo.
Na praça pública assiste-se a um alastrar de protagonistas da ideologia do lado certo. Assim leva-se o povo a confundir objectividade ou ciência com as informações transmitidas. Em nome da crise atual, assiste-se a uma proibição inerente ao que fomente pluralidade de opinião e controvérsia saudável.
As instituições públicas renunciam, no essencial, à busca do conhecimento e o estado de direito está a ser usado indevidamente para fomentar proselitismos ou um estado de espírito conformista. A ciência e os meios de comunicação social, mais que mobilizados ao serviço da liberdade, funcionam ao serviço da justificação de agendas políticas.
A ciência é aberta e sujeita a interpretações controversas, mas nunca poderá ser enfileirada numa só linha ou sentido. É ilegítimo, a nível científico, exigir-se juízos de valor com a finalidade de formar uma vontade política e correspondentes decisões.
A verdadeira ciência serve a democracia, mas não segue princípios democráticos previamente determinados porque se sente comprometida com a razão; as ciências humanas procuram muitas vezes orientar os fatos no sentido de uma decisão ou de formar opinião; estas contribuem para a razão pública, mas prendem-se em debates acalorados, dado, especialmente estas ciências não guardarem suficiente espaço entre opinião individual e observação pretensamente objectiva!
A ciência passa a ser utilizada abusivamente e afastada de seu propósito essencial: orientação livre e independente para o ideal de descobrir a “verdade/realidade”; a ciência quer-se senhora e não escrava ao serviço de algum senhor.
Também as universidades estão cada vez mais sujeitas ao assalto por forças que lhe deveriam ser estranhas e, assim, muitos cientistas transformam-se em almeidas da estrada da política e economia, outros em cães de guarda do rebanho que não deve demarcar-se da estrada e dos desígnios de uma política ávida de conformismo.
De facto, é de observar que até já as universidades perdem, cada vez mais, a universalidade de visão e a liberdade de espírito, uma vez que a sua investigação está sobretudo dependente das vontades política e económica! Por outro lado, toda a disciplina científica tem os seus limites de conhecimento; exigir de um departamento do saber, uma confissão de caracter genérico torna-se enganosa (especialmente para pessoas que não entendam a complexidade das questões nem entendem a relatividade do que o especialista sabe ou diz). Problemas ou sistemas complexos requerem diferentes modelos causais e diferentes explicações. Toda a priorização ou preferência de medidas encurta a realidade!
Todos estamos submetidos a uma necessidade natural de nos definirmos (identificação) procurando reconhecimento que nos dê a sensação de sucesso, mas, de uma maneira geral, ao seguir o ritmo de marcha dos que ditam os acontecimentos, só podemos tornar-nos cada vez mais na mesma (reduzidos a rebanho)! Ao seguirmos o culto do conformismo, aceitaremos também o que é imoral e indecente. Embora tenhamos herdado de Pilatos a opinião de seguir a disposição da multidão não podemos esquecer que estamos chamados à liberdade (luta contra a inércia da entropia) a uma realidade superior se não nos reduzimos a sermos formatações de programas que outros elaboram.
Não se trata aqui de defender a rebelião ou a revolta, mas sim de uma continuada e firme resistência não violenta
Precisamos de não conformistas que anseiam por paz e justiça em atitude humilde e não arrogante. Se observamos o desenvolvimento da política e da igreja encontramos sempre não conformistas a desbravar-lhe o caminho. A opinião maioritária pode ser perigosa porque impede a fuga, anseia pelo hábito, pondo-nos a caminho da entropia. Paulo aos Romanos 12,2” Não sejais como o mundo, em vez disso transformai-vos pela renovação da vossa mente.” A mudança não é fácil porque é processo à imagem do fermento na massa.
Ingenuidade e credulidade levam-nos a deixar o espírito crítico e a vivermos de meias-verdades para não termos de questionar o que nos parece oferecer segurança. Hitler já dizia cinicamente em “Mein Kampf”: “Uso o entusiasmo para as massas e reservo a convicção lógica para os poucos”. O preconceito costuma ir à frente dos factos……
É natural que em todos os regimes, os media do sistema procurem criar um clima imune à crítica porque pretendem cidadãos de cérebro penteado ao gosto do regime. O cidadão consciente deveria estar ciente disto!
Na crise contemporânea a que assistimos, seja ela a do Corona Vírus seja a da crise geoestratégica em jogo na Ucrânia, as elites políticas conseguiram imunidade contra a crítica; facto este que é observável na opinião indiferenciada e generalizada nas massas; o que me parece mais grave é o facto de se observar que grande parte dos académicos não vislumbrarem mais que a massa do mainstream! Há falta de potencial crítico às ideologias e de interesse no diálogo às partes em discussão.
Nem a ciência nem a religião devem ser instrumentalizadas em serviço das guerras! A ciência investiga movimentando-se no âmbito do saber que é poder, a religião interpreta à luz da sabedoria; as duas são complementares movimentando-se na compreensão de matéria e espírito.
António da Cunha Duarte Justo
Teólogo e Pedagogo
Pegadas do Tempo,
(1) “A IDADE DIGITAL INICIA A ERA PÓS-FÁTICA”: https://antonio-justo.eu/?p=3932
(2) MÉTODO DA CONTROVÉRSIA: https://antonio-justo.eu/?p=3336
Toda a razão.
As reportagens TV são repetitivas conduzindo até ao desinteresse.
Em dias certos da semana há debates e análises quase sempre com os mesmos interlocutores. É verdade que cada um defende os seus pontos de vista, tentando a controvérsia, mas falta alma que dê força para desenhar mudança.
Não creio que seja intencional da parte dos convidados, é, talvez, o comodismo instalado.
Manter o sistema é mais económico para os órgãos de Comunicação Social.
Excelente reflexão! Nem imagina o bem que me faz ler reflexões lúcidas e plenas de sensatez num mundo que, a cada minuto que passa, se degrada mais um pouco… Muito grata!
Muito obrigada pela séria e fortissima reflexão. Partilho com gosto.
FB
OH amigo e condiscípulo JUSTO, não sejas injusto !
O teu argumentário contra os EUA e os Estados do Ocidente, baseia-se na falsidade Aristotélica do que agora se chama de PÒS-VERDADES e também de FAKE NEWS e no que se chama, há muito, de manipulação, de abuso da ignorância geral, de demagogia, de hipocrisia etc etc. Essa falsidade está demonstrada pela RAZÃO, pelo BOM SENSO, pela EVIDÊNCIA perceptível por todas as pessoas que analisam os factos. Peço-te, pois, que partas apenas do que está demonstrado, sem necessidade de trazeres à colação os “cães de guarda” dos regimes e, implicitamente, da Economia, da Política e da Democracia.
Formulário sobre a verdade:
Quem invadiu a Ucrânia e porquê?
Quem bombardeou dia e noite e arrasou as cidades (Suas escolas e Hospitais) da Ucrânia?
Quem desalojou e matou milhões de civis na Ucrânia?
Quem determinou a invasão da Ucrânia?
Qual o regime politico do País invasor?
Quem investiu mais em políticas de guerra e fez mais Bombas, Carros de Combate ,aviões e helicópteros?
Quem é o líder da invasão, cínico e hipócrita e bárbaro?
Quem tem o direito e o dever de se defender da agressão ?
Quem beneficia da invasão ?
Responde a esse formulário, JUSTO, e responderei ao teu formulário, ponto por ponto!
Com um abraço e votos de saúde do
Caro amigo,
Creio que a face da moeda que procuro apresentar se encontre um pouco ferrugenta e confesso que não desgosto da face que tu apresentas. Se tivesse em conta só a estima deixava-te a moeda toda!
As minhas perguntas como as tuas considero-as como momentos importantes a ter-se em conta a nível de formação individual da consciência e na discussão pública da nossa sociedade que se expressa com caracter demasiado polémico e em que, em vez de se criarem momentos de reflexão suficientes, se fomentam hostes contra hostes e cada tropa age como se possuísse a verdade toda!
Compreendo porém que, de uma maneira geral, as populações do lado da atmosfera russa sejam levadas a gostar do ar que respiram tal como acontece com as do lado da Otan. Penso, porém que para construirmos uma casa comum europeia mais humana é natural e importante procurarmos o caminho do bom senso e da razão e não o da confrontação. Porque perfilho uma certa autoridade, para não dizer supremacia, ao Ocidente sou levado a apresentar aspectos na discussão que penso não serem suficientemente tidos em conta na discussão. Não pretendo ser justo nem injusto numa contenda bélica que considero já de si injusta (O meu contributo injusto e talvez desarmónico na discussão é tentar enquadrar o litígio a realizar-se em campo ucraniano, sob um ponto de vista europeu, que não se identifica com a UE, com a Otan, com a Rússia, com a China, com os USA) .
As perguntas que coloquei são de enquadrar num estratégia uníssona a que assistimos da parte da política de informação que evidencia os pressupostos e a solução de tal modo certos que torna supérfluo qualquer observação ou arrazoar.
O contributo de cada um não precisa de ser ordenado numa ou noutra posição; mais importante que isso é conseguirmos todos maior eficácia e racionalidade na procura de soluções inovadoras e adequadas aos desafios de uma nova época que tenha como substrato uma cultura de paz!
Naturalmente todos nós teremos de resistir à tentação de contornar uma sociedade de cunho cristão que corre perigo de ser embrulhada em acontecimentos actuais de caracter belicista.
A mim o que mais me preocupa é o assunto em que medito no texto “Conformismo versus Espírito crítico” porque essa é a guerra intestina que nos conduz cada vez mais para a afirmação do poder pelo poder no sentido maquiavélico e que fomenta subversivamente uma atitude jacobina entre os cidadãos.
Quanto à guerra seria de rir se não desse para chorar!
Um abraço cordial
Caro Antonio Justo
Não se trata de tomar partido nesta saudável troca de opiniões, mas ser um imperativo de consciência elogiar e agradecer o enriquecimento que os teus artigos me proporcionam. Não tomas partido, apenas, avisadamente, lembras que ” A realidade é a-perspectiva e passa a ser narrativa ao tentar ser limitada a uma perspectiva perceptada como objectiva!
Hoje mais que nunca é importante manter o guarda chuva bem aberto, dado a guerra da informação produzir ventanias vindas do Oriente e do Ocidente que trazem consigo muita chuva ácida!”
Cordiais saudações
JVaz
Caro JVaz,
Muito obrigado pela compreensão e por teres evidenciado dois conceitos muito importantes que referi e que expressam a base de grande parte do meu raciocinar.
Percebo, no entanto as objecções que alguns colegas fazem, atendendo ao facto de sermos seres situados e como tal com uma certa corporeidade que é preciso também reconhecer e não desprezar o processo de identidade e a necessidade intrínseca ao ser humano de identificação!
Sei que alguns pensamentos que abordo podem constituir ameaça se os enquadrarmos numa atitude fortalecedora do relativismo em voga e de uma democracia liberal com caminho mas sem missão nem metas; embora pareça verdade que a democracia liberal seria o sistema que possa dar resposta à questão da diversidade a fermentar nas sociedades europeias, penso no entanto que a EU na sua ideologia de sociedade aberta composta de democracias liberais pode conduzir-nos a grandes problemas porque não chegam o valores abstratos liberais que os nossos tecnocratas nos querem impor na qualidade de mundivisão (valores europeus,) porque no fim se tornam incapazes, de darem resposta a uma vida orgânica existencial da sociedade (o espírito é infinito mas tem que ter em conta a limitação condicionante que é o corpo). O comportamento de sociedades como as das comunidades muçulmanas no interior da nossa sociedade deveriam acordar-nos no sentido de nos alertar para os cavalos troianos que as nossas políticas têm possibilitado a nível conceptual e de política de imigração; a liberalidade que nos é própria falha quando nos impede de promovermos a nossa tradição e torna-se vício quando chegamos a ponto de nos negarmos a nós, por tão preocupados que andamos na defesa dos interesses de outros.
No aspecto político penso que a opinião pública anda tão enredada nos interesses russo-americanos (Nato/Ucraina Rússia) que esquece os interesses de uma Europa não só protestante mas também católica, não só anglo-saxónica mas também greco-romana!
Um abraço cordial e também muito obrigado por me teres motivado a pensar.
Bom dia
Mais uma excelente reflexão, noutra perspetiva de capital importância, que nos obriga a pensar no sentido de alcançar o melhor modelo de sociedade, sendo que o perfeito é inalcançável!
Um bom dia para todos.
Muito obrigada pela séria e fortissima reflexão. Partilho com gosto.
Maria Tomaz , muito agradecido pelo feedback! É realmente importante que todos nos empenhemos mais na coisa pública para que uma nova consciência possibilite a construção de uma sociedade mais humana. Para isso é importante invetir no pensamento e na informação porque a ideia leva à acção.
Maria Tomaz, pensa.se pouco nisto ! E um caso serio ! Temos “expertos” a mais a sairem en la caja tonta !!
Anna Ruestes há, realmente, que fomentar o espírito crítico do cidadão, o único com capacidade para corrigir os desvios dos governantes e os levarem a corrigir erros para iniciarem novas tentativas no sentido de se construir futuro mais justo, pacífico e mais humano!