DEUS SÓ VEM AO AFEGANISTÃO PARA CHORAR

 Urge uma Revolução cultural feminina

Por António Justo

Deus chora nas mulheres afegãs enquanto uma nuvem tenebrosa se alastra no firmamento da humanidade! No Afeganistão as trevas vieram para ficar em forma de guerra civil e da masculinidade contra a feminilidade! Estamos em plena guerra cultural mundial: a “guerra santa” contra a humanidade!

Depois da catástrofe humana a acontecer no Afeganistão, há muitas perguntas que se colocam também ao Ocidente! De facto, com ingenuidade não se chega a lado nenhum!

A situação atual no Afeganistão e as imagens do aeroporto afegão mostram impiedosamente as fraquezas dos Estados ocidentais (1).  

Por que é que o Ocidente continua a promover o machismo na implementação da emigração quase só de homens para o Ocidente? Porque não introduzir uma quota de pelo menos 50% de mulheres? Não fomenta o Ocidente, deste modo, o machismo nos países islâmicos e a emigração do sistema patriarcal para a Europa? (ou precisarão os homens afegãos que não emigram das mulheres para as usarem como cobaias parideiras?).  Qual a razão por que a NATO, durante 20 anos, não investiu muitos dos seus milhares de milhões de euros no fomento prioritário de mulheres na carreira militar afegã? Um exército de mulheres empenhar-se-ia em defender a nação ameaçada e certamente não entregaria as armas, de mão beijada, aos adversários, porque teria muito para defender. (Uma estratégia de fomento da feminilidade sistémica no Afeganistão valeria também para África: fomento de grupos femininos de autoajuda.)

Porque não investiram na promoção de mulheres polícias? Porque não promoveram Partidos femininos? Porque não fortaleceram a criação sistemática de associações de mulheres? Porque não formarem comités de anticorrupção formados por mulheres?

Enquanto a matriz masculina se mantiver como força motriz da sociedade e da cultura e não houver a finalidade de integrar nela a feminilidade, muitos dos esforços masculinos e femininos não passarão de remendos na matriz patriarcal que ordena ainda todas as sociedades. A luta tem feito parte essencial da masculinidade, mas precisa de ser reparada, urgindo a integração da feminilidade nela (e não transformar as mulheres em meras lutadoras (homens) tornando-se elas mesmas estranhas à sua feminilidade; afinal lutam num mundo masculino, à maneira masculina, pela implantação de um mundo que não passa além das características masculinas).

Uma cultura que transforma as mulheres em escravas e servas de homens só pode ser modificada através de uma estratégia e filosofia que transforme a mulher em actora e portadora da liberdade! Só uma aposta na feminilidade e na mulher poderá constituir a primeira base de resistência contra os hábitos sociais e culturais e o meio de implementar neles a liberdade.

Precisa-se de uma revolução feminina não só que implemente mulheres ao poder para moderar a oligarquia masculina, mas sobretudo para introduzir na sociedade uma filosofia feminina. Nos homens não haverá confiança, enquanto não integrarem neles mais características da feminilidade! Só as mulheres podem libertar de maneira especial o Islão de uma filosofia e estruturas extremamente patriarcais. A luta contra o extremismo machista e contra o terrorismo não será eficaz, a longo prazo, com bombas nem com mísseis; ela tem de começar pelas estruturas internas da sua antropologia e sociologia (religião e ideologia político-económica). A tarefa é extremamente difícil, dado o ideário islâmico ser tão coeso em si que impossibilita os próprios crentes de se pensarem e serem pensados fora dele: a subjugação da mulher é-lhe inerente! O islão ao apropriar-se prioritária e sistemicamente do princípio de afirmação e legitimação do mais forte, revela-se com garantia de sustentabilidade (lei evolutiva primeira da natureza) Precisamos de uma revolução cultural feminina que ponha na ordem do dia os valores e características da feminilidade; a luta das mulheres pela emancipação tem sido benéfica, mas continua a ser nos moldes da filosofia da matriz masculina!

Com a volta da talibã, ISIS e grupos extremistas, às mulheres só espera sofrimento e sobressaltos!

A desumanidade anti-feminina chega-lhes sob a forma primitiva de homens barbados que tratam as mulheres pior que gado, pois para eles a mulher é objecto perigoso a subjugar e para tal a sexualidade é considerada mercadoria e a humanidade é tratada como assunto privado!

O poder do EI, do Talibã e grupos radicais correspondentes proíbem a formação às mulheres porque esta lhes possibilitaria sair da cegueira e assumir consciência e resistência. Uma atitude que rejeita na educação tudo o que é mundano (não religioso) é ultrapassada e contra o ser humano!

Para se ter uma ideia mais concreta do que se passa no Afeganistão, leia-se o livro, “Do outro Lado do Destino” (2), onde a autora apresenta a biografia de Shirin-Gol, que é uma imagem exemplar do desespero de milhões de afegãs de outrora e de agora! O livro permite-nos compartilhar o destino das mulheres afegãs e de tantas outras no mundo.

Mulheres corajosas cheias de vida preservadas apenas pela esperança são expressão da escravatura ainda nelas hoje aceite. A escravatura exercida por bastardos vingadores da vida (3) não avançaria se não fosse aceite, também pela nossa sociedade, como algo natural-cultural a respeitar, apesar da crueldade de uma cultura do ódio e da vingança.

Se até agora tínhamos assistido a uma guerra masculina entre homens, agora passou-se a uma guerra de machos cruéis contra mulheres. O agora das mulheres (o papel clássico das mulheres) encontra a sua sustentabilidade num presente de miséria, de pobreza e de fanatismo: uma realidade sempre moderna contra elas! Até agora, o país tem sido assolado por uma guerra masculina: por um lado destrói-se o país com bombas e rivalidades de homens e por outro lado destroem-se as mulheres tornadas vítimas das bombas da cultura usada contra elas!

Um terço da população afegã encontra-se sempre em fuga. Um desastre para todos enquanto a população civil do islão se identificar com população religiosa.

A vida é invencível, mas a escravidão torna-se na queda da esperança que a sustenta. A política é a arte do possível, não do que se desejaria, esperemos só que o Homem se torne mais “humano”!

 

António CD Justo

Teólogo e Pedagogo

© Pegadas do Tempo

  • (1)   A situação atual no Afeganistão mostra impiedosamente as fraquezas dos Estados ocidentais que queriam expor, com a sua democracia e economia, o caminho a seguir pelo mundo. A milícia terrorista EI (Estado Islâmico) pertence ao grupo do Salafismo e é ainda mais radical do que os Talibãs, também militantes e cruéis. A EI (IS) é Sunita e quer espalhar o Islão por todo o mundo enquanto os Talibãs, sunitas também, concentram o seu agir no Afeganistão. Para o EI, “o nacionalismo é uma espécie de apostasia” porque aspiram a um califado transnacional; o seu objetivo é a dominação do mundo pelo Islão. Os combatentes talibãs que rejeitam as conversações com os EUA desertaram para a EI. Isto reforça a posição da Turquia no Ocidente como um parceiro sunita de negociação adequado. O Ocidente nunca se importou onde muitos milhares de milhões de dólares acabaram; “ninguém se importou”, queixam-se os afegãos agora.
  • (2)   “Deus só vem ao Afeganistão para chorar” é o título do livro em alemão “Nach Afghanistan kommt Gott nur noch zum weinen” de Siba Shakib. Em português o livro tem o título “Do outro Lado do Destino”!
  • (3)   A mulher é, como a árvore, um símbolo da vida; Imagine-se! Nem sequer lhes é permitido dançar, cantar e rir!

 

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Publicado por

António da Cunha Duarte Justo

Actividades jornalísticas em foque: análise social, ética, política e religiosa

58 comentários em “DEUS SÓ VEM AO AFEGANISTÃO PARA CHORAR”

  1. Ontem vi um vídeo de um cabeça de lista da AfD (Alternative für Deutschland) em que ele pergunta: O que fizémos nós, Alemaes, pelas mulheres afegans, em 20 anos de ocupaçao, uma ocupaçao defendida pela ministra federal da defesa como tendo sido em prol das mulheres afegans. Morreram 56 soldados alemaes… aparentemente por uma Liberdade que nunca o chegou a ser. Vidas alemans por um ideal feminista no outro lado do mundo?
    Quanto vale essa Liberdade olhando para todas as mortes de soldados estrangeiros no Afeganistao ao longo dos 20 anos?
    Segundo as informaçoes os EEUU gastaram 2,8 TRILHOES de dólares nesta guerra. O que foi que os EEUU ganharam com isso?
    O Afeganistao, apesar de ter recursos no subsolo superiores a 7 trilhoes de dólares, apenas produz papoila (ópio e heroína). Com ela se pagam as armas no mercado negro para se desestabilizar países: Síria, Moçambique, Nigéria…

  2. Uma das revolucionárias afegãs está na força aérea americana. As que estão no país e seguem a religião, que rezem a Alá por melhores dias.

  3. Mais uma razão da Vitória do Talibã: https://www.politico.com/…/afghanistan-war-malkasian… Razão da vitória talibã
    “Por que perdemos?”, como foi possível que “batalha após batalha, soldados e policias numericamente superiores e mais bem abastecidos” fossem sendo “derrotados pelo Talibã, com poucos recursos e liderados de forma não excepcional”? Mais: “os Talibãs lutavam por menos salários, com menos armas pesadas, cuidados médicos muito piores e líderes que por anos se esconderam no Paquistão enquanto seus soldados lutavam. Além disso, as forças especiais afegãs – que de longe têm líderes melhores do que os Talibãs e são primorosamente apoiadas – ainda tinham grande dificuldade em lutar sem apoio aéreo e conselheiros dos EUA.”
    A perplexidade é de Carter Malkasian, oficial a servir no Afeganistão em 2009 e, depois, em 2013 e 2014, autor de “The American War in Afghanistan: A History”, neste artigo no “Politico” (sugerido por Fareed Zakaria, na mais recente edição do GPS).
    Apesar de a resposta que encontrou não poder cingir-se a uma causa – queixas de moradores, levados a lutar por maus-tratos às mãos do governo ou de seus aliados senhores da guerra; questões de terra, policias opressores e exploração governamental do comércio de papoila; o apoio do Paquistão aos Talibã, país do que vieram imensos combatentes desta organização; lutas internas dentro do governo, suas forças militares e seus aliados tribais e senhores da guerra, que não conseguiram unir-se contra a ameaça comum dos Talibã; corrupção: “uma explicação mais forte era que a polícia e os soldados não queriam arriscar suas vidas por um governo corrupto e propenso a negligenciá-los” -, Malkasian entende que há que destacar um factor que releva sobre os demais:
    “Não encontrei uma resposta única para o motivo de termos perdido a guerra. Embora várias explicações abordem diferentes partes do quebra-cabeças, a que desejo destacar aqui pode ser vista com mais clareza nas conversas que tive com os próprios talibãs, muitas vezes em seu pashto nativo. “O Talibã luta pela fé, por janat (céu) e ghazi (matar infiéis). … O exército e a polícia lutam por dinheiro”, disse-me um erudito religioso talibã de Kandahar em 2019”. Os talibãs estão dispostos a perder a cabeça para lutar. … Como podem o exército e a polícia competir [com eles]?”
    “Os Talibã tinham a vantagem de inspirar os afegãos a lutar. Seu chamamento à luta contra os ocupantes estrangeiros, impregnado de referências aos ensinamentos islâmicos, ressoou na identidade afegã. Para os afegãos, a jihad – mais precisamente entendida como “resistência” ou “luta” do que o significado caricatural que adquiriu nos Estados Unidos – tem sido historicamente um meio de defesa contra a opressão de estranhos, parte de sua resistência contra invasor após invasor. Embora o Islão pregue unidade, justiça e paz, os Talibã conseguiram vincular-se à religião e à identidade afegã de uma forma que um governo aliado a ocupantes estrangeiros não muçulmanos não poderia igualar. (…) Incitou homens e mulheres a defender sua honra, sua religião e seu lar. Desafiou os jovens a lutar. Isso minou a vontade dos soldados e policiais afegãos (…). Com muita frequência, a polícia e os soldados desistiam da batalha. O soldado e policia comum simplesmente não queriam lutar tanto quanto seu homólogo do Talibã…”
    “Poucos meses depois de voltar para casa, participei de uma discussão no Departamento de Estado com Michael McKinley, o embaixador dos EUA no Afeganistão (…) ‘mas não acho que isso se trate de dinheiro ou empregos. Os Talibã estão a lutar por algo maior ”. McKinley captou o que eu estava a sentir, mas não articulei, e o que o estudioso dos Talibã reiteraria para mim cinco anos depois.”
    “Os Talibã exemplificaram algo que os inspirou, algo que os tornou poderosos na batalha, algo ligado ao que significava ser afegão. Eles se declararam representantes do Islão e pediram resistência à ocupação estrangeira. Juntas, essas duas ideias formaram uma poderosa mistura para afegãos comuns, que tendem a ser muçulmanos devotos, mas não extremistas. Alinhado com os ocupantes estrangeiros, o governo não reuniu inspiração semelhante. Não conseguia fazer com que seus apoiantes, mesmo que fossem em número maior do que os Talibã, fizessem o mesmo.”
    A explicação surgiu em uma variedade de conversas e correspondências que tive ao longo dos anos com afegãos, comandantes militares, líderes tribais e os próprios talibãs. O notório chefe de polícia de Kandahar, o falecido Abdul Razziq, era conhecido por cuidar dos seus oficiais e uma espécie de autoridade na luta contra os Talibãs. Ele disse-me: “O moral dos Talibã é melhor do que o moral do governo. O moral dos Talibã está muito alto. Olhe para seus homens-bomba suicidas. Os Talibãs motivam as pessoas a fazer coisas incríveis. ”
    Um líder religioso talibã de Paktia fez uma afirmação semelhante:
    ‘Eu ouço todos os dias sobre um incidente em que policias ou soldados do exército são mortos. … Não sei se eles estão comprometidos em lutar contra os Talibã ou não. Muitos dos policias e soldados estão lá apenas por dólares. Eles recebem bons salários, mas não têm motivação para defender o governo. … Os Talibã estão comprometidos com a causa da jihad. Esta é a maior vitória para eles.’ (…)
    “A literatura até hoje tem respeitosamente negligenciado essa explicação – em um país onde as pessoas tentaram avidamente converter-me ao Islão, onde a religião define a vida diária e onde os insultos ao Islão instigam distúrbios. A maior revolta popular que testemunhei em primeira mão no Afeganistão não foi devida aos maus tratos do governo ao povo ou à perfídia do Paquistão. Eram centenas de moradores furiosos marchando quilómetros até os bazares empoeirados de Garmser, protestando contra o boato de que um americano havia danificado um Alcorão.”
    Carter Malkasian é o autor de “The American War in Afghanistan: A History”. Ele serviu como conselheiro civil no Iraque e no Afeganistão e foi o conselheiro sênior do General Joseph Dunford, Presidente da Junta de Chefes de Estado-Maior, de 2015 a 2019.

  4. Esperemos que não haja uma guerra civil no Afeganistão, país já tão provado!
    Um terço da população afegã encontra-se sempre em fuga! Quando terminará isso?

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