Uma pausa no dia-a-dia para se poder viver a vida
António Justo
A partir do outono, a natureza inicia o seu retiro para entrar em si mesma e amealhar forças, no recolhimento do inverno.
A Igreja colocou o Natal no Inverno, associando-lhe a natureza, como alegoria, da preparação para a vinda do Salvador e “Luz do mundo”. Sem luz nada pode crescer e nenhuma vida pode surgir. Com o Natal os dias começam a crescer. A natureza como “sombra de Deus”, também ela se encontra a caminho de Belém (o princípio e fim da História).
O Advento é o tempo da procura e da espera da luz no caminho individual e universal. Nele, tudo se junta num esforço comum para se alinhar na ordem criadora contra as trevas e contra o caos.
Quando chega a noite (o inverno) torna-se necessária a luz que nos alumie o caminho. Não é por acaso que, no Advento, as nossas cidades se encontram cheias de luzes criando uma atmosfera quase espiritual. Aquelas luzes são também elas metáforas da luz que é Jesus. E as velas também são metáforas do advento, na peregrinação da vida.
Na Alemanha (países nórdicos onde a natureza se torna mais presente) há o costume de se colocar na mesa das famílias (e até se dependurar nas igrejas e noutros locais menos sagrados) a grinalda do advento, uma coroa com quatro velas que se vão acendendo, uma a uma, consecutivamente, nas quatro semanas de advento (tempo antes do Natal) e que indica a preparação preliminar para a chegada da luz plena (o menino Jesus). Com o andar do Advento, tal como acontece na natureza também na vida interior e exterior, tudo se vai tornando mais claro. Todas estas luzes apontam para uma luz maior ainda escondida no presépio e também no interior de cada um. Daí o caminho a fazermos também em direcção a nós; o monge dominicano Mestre Eckhart alertava: “Deus está em casa em nós, mas nós estamos fora (vivemos no exterior).
A este respeito, acho muito oportuno o aforismo de Karl Valentin que diz: “Amanhã vou-me visitar … vamos ver se estou em casa!”
Hoje na agitação da vida quotidiana torna-se importante fazer-se uma visita a si mesmo se não nos queremos deixar programar por agendas estranhas e passar a repetir a dança de “maria vai com as outras”. Depois de andar tanto por fora, ou até na casa dos outros, é necessário entrar em minha casa e verificar o que, realmente, faz parte de mim. No presépio de mim mesmo poderei ver se sou verdadeiro amigo de mim (no centro de cada um jorra a luz divina, que constitui o fundamento da ipseidade) para poder ser amigo e tornar-me abrigo também para os outros. No advento posso ter um pouco de tempo para me alegrar e discutir um pouco mais comigo.
A natureza também fala e dá sinal; ela renuncia à folhagem de si para depois voltar a reconhecer-se na alegria da exuberância de se poder oferecer. O mesmo fez Jesus ao recolher-se no deserto durante quarenta dias porque a missão que tinha era muito exigente e requeria o encontro na ipseidade para poder atuar abrangendo a realidade por fora e por dentro.
Geralmente somos puxados pela agenda do dia-a-dia ou pela rotina que nos alheia; ela é que geralmente manda, não deixando tempo para esperarmos por algo maior que o dia. Sob a ordem dela não temos tempo para as coisas verdadeiramente nossas; vivemos, isto é, existimos sem espaços nem pausas para a vivência e ideias próprias surgirem e passarem na tela da visão de novas paisagens.
O ócio e as pausas são o melhor terreno onde a criatividade e o pensamento surgem, possibilitando o sentir a ressonância da vida, como que o respirar de Deus que nos e inebria, à margem do dever das nossas actividades.
O Advento é uma oferta, uma oportunidade inserida no calendário da vida para não deixar que o estresse, o sobre-emprego e a azáfama tomem conta de nós e nos enrolem de tal maneira que o dia-a-dia tome conta de nós. O advento é aquela pausa da velocidade no tempo que, por vezes, falta no meu calendário; este dá a oportunidade de pegar nele e nele colocar aquilo que seria esquecido ou negligenciado ou que também, por falta de vontade ou de iniciativa, não incluiria na lista dos “afazeres” do dia-a-dia.
Muitas doenças da era atual vêm do facto de querermos viver, mas não vivermos por sermos vividos. Ao conhecer as próprias falhas (demasiado activismo ou falta de iniciativa, de motivação, ou mesmo inibição para agir) posso procurar agarrar a vida nas mãos e evitar que o calendário deixe de ser uma colecção de folhas em branco ou de folhas todas cheias que não deixem espaço para me incluir no calendário. Nas pausas adventícias posso rever no calendário espaços para actividades conscientemente intencionais e prever coisas novas e espaços para coisas maiores do que o dia-a-dia, tempos para coisas de maior dimensão e que podemos equacionar na palavra Deus.
Quem não tem acesso à religião, sem precisar de ser devoto, pode aproveitar-se do Advento para colocar-se a pergunta: para que é que vivo; qual é o sentido do que faço agora; o que faz sentido? Deus podemos vê-lo ou experimentá-lo na Igreja, numa paisagem, num passeio, num ugar deserto ou encontra-lo nos outros.
Na Alemanha ainda há famílias que durante o Advento se reúnem à noite à volta da grinalda do advento para falarem do que geralmente não se fala, fazerem uma oração, contarem uma história ou lerem um texto; a esta é chamada “horinha do advento” (Adventsstundelein).
Recordo-me ainda muito bem da alegria que reinava no tempo antes do Natal (aquele Tempo fora do tempo em que realidade e fantasia não se contradizem porque congregadas numa só atitude de esperança naquilo que nos faz falta). A ida à missa do galo, o leite quente com cacau ao voltar dela, o cheiro a velas, a canela, as boas festas expressando alegria e gratidão era um verdadeiro carrossel da expressão do milagre vivo dentro e fora do coração. Nessa noite irmanavam-se a realidade litúrgica à social: a atmosfera do ambiente, a pobreza e a simplicidade. Nessa altura, tínhamos a impressão que Deus vinha à rua e se tornava visível em todo o mundo reunido em volta do menino no presépio.
Advento pode ser um tempo de aprendizagem para ver e observar onde se encontra Deus hoje na minha vida e nos outros; através dele posso aprender a ver o mundo com outros olhos e a encontrar-me nele doutra maneira. Para lá da esfera em que normalmente vivemos há outra realidade mais abrangente e mais profunda. A Deus, chegam todos os caminhos! O Advento pode ajudar-nos a ver e sentir esse milagre que brilha na criança de Belém.
Bom Advento e feliz Natal
© António da Cunha Duarte Justo
Teólogo e pedagogo
In Pegadas do Tempo
- Entre os links apresentados no texto pode ver textos meus sobre o Natal também em: https://antonio-justo.blogspot.com/2007/