Da Relação e do Relacionamento à Fórmula trinitária como Modelo da Vida
Por António Justo
Hoje gostaria de reflectir convosco a um nível mais profundo de imagens para lá dos bastidores dos preconceitos que nos asseiam e rodeiam.
Paremos um pouco para mastigarmos as nossas palavras e ideias e assim nos deixarmos envolver num mundo de imagens, sensações e analogias que nos levem a intuir algo para lá do discurso do dia a dia e podermos, assim, entrar numa dimensão, que não se limite à linearidade causal do discurso. Para isso não tropecemos em palavras e deixemo-nos guiar pelas imagens e sensações que em nós surjam (Donde vêm as imagens e os estímulos não será relevante, doutro modo tropeçaríamos no preconceito comum de as materializar e qualificar de diabólicas ou divinas, antes de elas assumirem a propriedade de “pré-conceitos”!) Não se trata aqui de alinhar num sentido ou noutro, mas apenas de sentir a satisfação da ressonância e do eco das palavras e ideias ao serem escritas ou lidas (1). Relevante será descobrir o eco individual e reconhecer, nele, a própria palavra criadora a repercutir-se em novos ecos!
Somos feitos de palavra/informação genética biológico-cultural em processo de contínuas formatações. “No princípio era a Palavra, a Informação” e a Palavra que é autêntica encarna, é fecundante, gera vida, como podemos ver no prólogo do evangelho de João. Através da Palavra, Deus iniciou a criação e através da palavra o humano recria-se a si mesmo e cria o mundo que o envolve, entrando em relação e diálogo com “o outro” na qualidade de pessoa ou de coisa.
Por isso amarro a corda de circo existencial, onde me balanceio, aos extremos do saber e da ignorância. Urge pensar de maneira pessoal e diferente o que a opinião publicada diz e o que a maioria da gente pensa. O pensar normal ou da normalidade serve propriamente os que habitam nos “andares” superiores e ajuda o resto a manter-se na menoridade. Para sairmos do marasmo histórico repetitivo de geração em geração, com as mesmas esperanças e os mesmos repetitivos desenganos, seria de nos pormos a caminho de Deus (um Deus fora do conceito e do preconceito, mas que possibilite o pré-conceito) porque ele é a matriz universal de toda a diferença (e seu sustento no Amor).
Neste contexto seria oportuno fazermos um exercício de limpezas em que nos lavássemos do pó da ignorância, do medo e da culpa. Neste sentido, Jesus diria: desculpo-te, não para olhares para mim, mas para poderes tornar-te realmente tu, para poderes ser livre, como pretende o mistério da salvação.
A palavra pode ser geradora, à imagem do Espírito Santo (manifestação da reciprocidade) que dá forma à relação verdadeira (do “Pai” e do “Filho”). Na palavra vital brilha a luz da existência que leva o humano a um contacto que se expressa em diálogo/encontro (este poderia ser resumido na imagem de uma só chama resultante do encontro de duas velas).
Todos andamos à procura de sermos nós mesmos mas constatamos que a identidade perfeita não pode ser reduzida ao mero eu (ego) porque este não tem consistência em si mesmo, dado a sua essência ser de natureza comunitária (Eu ao dizer eu, trago a comunidade comigo (“Uno e trino”) e preciso de um tu, para me reconhecer como eu: não posso ser reduzido a uma identidade pensante, mesmo que de natureza espiritual como propunha o grande filósofo Descartes). A palavra (o pensamento) cria a realidade, mas o ser humano é mais do que a realidade que a consciência lhe propõe. Quando digo eu, estou apenas a distanciar-me de um tu ou de um aquilo/isso neutro, de que também necessito para poder subsistir ao tentar de-finir-me. De facto, sem um Tu não pode haver eu (sem Filho não há Pai nem vice-versa). O verdadeiro “lugar do encontro” é a graça, o amor. Na trindade, o nós seria a divindade comum que se expressa no Paráclito (Amor). O amor é a interacção de corpo e alma e não algo de abstrato como queria Platão; amor encarnado realiza-se no protótipo Jesus Cristo que acaba com a dicotomia corpo e alma querida por Platão. Isso implica a iniciação de uma economia do amor que se torna e possibilita uma matriz amorosa de toda a diferença. Neste sentido será óbvio criar um pensar próprio e de maneira diferente ao que a grande maioria da gente pensa e ao que o sistema vigente recomenda.
A palavra do outro por muito deformada que seja (quando me reduz a coisa, a um isso ou a um aquilo) pode servir como activante, à maneira de fósforo que abre, no eu, um acesso ao fogo do mistério que repousa no mais íntimo do nosso ser. O Pai ao dizer tu, no Filho, não o possui, mas permanece numa relação tão profunda e tão livre que se expressa na terceira pessoa que é o Amor. A relação de Jesus com o Pai (relação eu-tu) e a relação de Jesus-Cristo com a humanidade (relação eu-mundo) expressam a “existência” de tudo num mistério de relação (produtora de individuação pessoal).
Nas duas relações expressa-se o ser de toda a realidade espiritual e material. O ser e o estar da pessoa no mundo (como no mistério da Trindade, uma pessoa não existe sem a outra e, como tal, para ser verdadeira, terá de ser trinitária, isto é, para ser autêntica terá de acontecer em comunidade; a identidade do “Pai” é impossível sem o “Filho” e os dois subsistem na terceira Espírito Santo). O pai confirma o Filho na sua unicidade e nesta confirmação surge o lugar do encontro dos dois que é o Amor; a Realidade expressa-se como ser em relação (identidade em relação trinitária, revela-se como protótipo da nossa identidade de ser em comunidade). Em Jesus Cristo a realidade abre-se ao vivencial.
Neste contexto penso que o Livro do filósofo Martin Buber, “O Princípio de diálogo Eu e Tu” (Das Dialogische Prinzip Ich und Du) tem muito a ver com a fórmula trinitária (eu-tu-nós) de toda a Realidade, manifestada, de maneira teológica, no mistério da santíssima Trindade.
Quando li este livro, nos meus tempos de estudante, tive a impressão (no eco da minha imaginação) de estar a ler uma abordagem filosófica mas essencial sobre o mistério do Um em três e três em Um, aquele segredo místico que intuía no mistério da relação divina (a trindade que pensava como a fórmula viva de toda a vida e de todo o ser – resumida na relação a acontecer); ela ultrapassa também o dualismo na pessoa de Jesus Cristo, numa relação humano-divina (matéria e espírito) aberta e expandida até ao Cristo Cósmico (termo de Teilhard de Chardin)!
De facto, o que verdadeiramente existe é relação, relação pessoal ou personalizada, o resto é a crosta de que também precisamos para nos expressarmos no estar aqui e experimentarmos sentido na realização do ser. Somos feitos de céu e terra e negar um destes constituintes corresponderia a excluir o outro e na consequência significaria negar-nos a nós próprios (Dito doutra maneira: No texto, que seria do conteúdo sem os signos, as letras-texto? Por mais materiais e inertes que as letras sejam, elas não negam o espírito que encobrem; pelo contrário, possibilitam-no!). Fixar-se apenas numa visão factual seria deixar-se reduzir a texto sem ter consciência do conteúdo ou ideia que ele encobre ou pretende revelar! Aqui nem o preconceito espiritualista nem o preconceito materialista nos leva à frente porque um e outro, na sua unilateralidade, se deixam reduzir a texto (objecto sem conteúdo!)!
Na sua obra (O Princípio dialógico Eu e Tu), donde vou dar relevância a alguns aspectos para entrar numa de meditação, Buber explica que existem basicamente 2 tipos de relações que o ser humano pode ter em si, com o outro e com o seu ambiente. São duas maneiras de ser ou de estar no mundo que podem ser resumidas e expressas pelas palavras básicas “Eu-Tu” (Ich-Du) e “Eu-Isso” (Ich-Es).
Nesse diálogo há a palavra base “Eu-Tu” que estabelece o mundo da relação-encontro e só pode ser usada em relação ao todo (eu e o outro, num certo sentido, um ser em osmose, uma relação apenas para os seres humanos): a verdadeira relação acontece na reciprocidade com o outro. Aí deixa de haver intermediários e interesses, como se depreende da sua afirmação: “Todo o meio é obstáculo. Somente onde todo o meio se desintegrou é que o encontro acontece. Toda a vida real (verdadeira) é encontro”. Sim, porque na realidade, como aprendíamos em teologia, o presente é o que está em acto (kairós): já não espera, só continua…
A outra palavra básica é o par “Eu- Isso” que cria o relacionamento com o mundo da experiência (Eu-Aquilo, quer dizer: Eu e o mundo da experiência; quando digo isso, aquilo, ele, ela, a gente, a relação é indirecta e como tal referida a objectos ou pessoas objectivadas numa “acumulação de informação”).
De facto, por muito grande que a acumulação da informação possa ser, ela é apenas a parte petrificada (forma) do acontecer em relação (relação eu-coisa, eu-objecto). Todo o mundo experimentado ou explicado passa a acontecer numa relação pessoa-objecto e como tal a ser coisificado (por pensamentos, palavras e obras) e a ganhar sentido a partir do eu. Por outro lado, a verdadeira relação é pessoal e personalizadora, é o universo da relação em acto, em presença (Eu-Tu). Esta seria uma atitude de relação sujeito-sujeito, a outra seria uma relação sujeito objecto; o sujeito ao objectivar passa também a ser objecto, porque se encontra já fora de uma relação integral. Na tentativa de uma compreensão analógica poderíamos ver a relação verdadeira (divina) eu-tu, na concretização existencial humana da relação sexual entre homem e mulher que na sua extravasação amorosa se define a si próprio no reconhecer (encontrar-se como parte do outro num todo) o outro e se recriam de maneira individual pessoal no autodistanciamento que acontece na realização do filho gerado que concretiza a relação integral (eu-tu-nós).
O relacionamento a partir do eu é determinante na medida em que é real, mesmo que o Tu não tenha consciência disso. O meu eu não se deixa reduzir à ideia que um tu faça dele. Daí a intocabilidade da dignidade humana! (Naturalmente esse eu também poderia fatalmente ser constituído sobretudo de texto-pretexto-contexto!)
Deste modo também a palavra Eu passa a ser dupla porque a palavra básica Eu-Tu é diferente da palavra básica Eu-Isso (Aquilo).
A palavra básica Eu-Tu só pode ser falada de maneira integral, com todo o ser (numa relação comunitária) e, como tal, não só com o intelecto; ela é processo relacional (é kairós, a presença, o momento da relação a acontecer) e como tal não pode ser falada como o é a palavra básica Eu-Isso (Aquilo, Ele, Ela) porque esta não é relacionada ou falada com todo o ser, nem a partir do dentro (ipseidade) do ser e como tal é de caracter narrativo, objectivante.
Na sociedade acontecem diferentes atitudes que se complementam sem se identificarem, e assim andam à volta da relação “eu-isso” (ich-Es) e da relação “eu-tu” (Ich-Du). Aqui vale a pena respirar fundo para intuir o que Buber explica na frase: “com toda serenidade da verdade, ouça: o homem não pode viver sem o Isso, mas aquele que vive somente com o Isso não é homem”.
Em política há uma relação de interdependência de interesses (um viver no isso/aquilo e com o isso/aquilo) que não expressam uma relação eu-tu (esta é deixada para as relações pessoais (Eu-Tu) e, mesmo aqui, toda a pessoas está condicionada a viver também numa relação “eu-isso”). Neste sentido, Buber fala também da relação da evidência linguística que diz respeito à vida com as pessoas onde se pode dar e receber o Tu.
Há também uma via espiritual de relação que em Buber poderia ser descrita como uma vida com seres espirituais. Aqui “a relação/relacionamento está envolta em nuvens, mas revelando-se, sem palavras, mas gerando linguagem (fala)”. Não percebemos, mas “sentimo-nos chamados a responder, formando, pensando, agindo; falamos a palavra (sagrada) básica com o nosso ser sem poder dizer Tu com a nossa boca”. Com esta expressão poderíamos ser levados a intuir a relação trialógica (Trindade) que acima referi porque ao chegarmos a este nível de relação somos já envolvidos no fundo da própria ipseidade, diria, na tela espiritual base de toda a realidade onde tudo se cruza e encontra em reciprocidade (a culminar numa expressão pessoal em comunidade).
Esta é, certamente, a experiência da sarça ardente tida por Moisés no Sinai; Moisés que na incapacidade de transmitir ao povo, por palavras, a experiência (Eu-Tu) tida com Deus, pediu a Deus para gravar as palavras com fogo nas pedras do decálogo (Aqui dá-se a relação eu-isso que o povo poderia então entender). Aquele fogo da sarça ardente, agora a vibrar nas pedras dos mandamentos já não queimava o olhar do povo mas, por outro lado, levava-o a confundir a experiência interior do fogo com as letras da lei, deixando-lhe ao mesmo tempo a possibilidade de, no âmbito individual, poder fazer a sua a leitura própria, porque, de uma certa maneira, transmitida por Deus e não por uma simples interpretação de Moisés. Aqui, a linguagem procura moldar o pensamento de cada pessoa e a realidade do povo como escolhido. Através da palavra e do diálogo, as pessoas percebem o seu mundo de vida e as contradições a ele associadas. Santos e os profetas procuram através da fala mudar a realidade do mundo, porque à ideia segue-se a acção. Também a ciência moderna (pesquisadores do Instituto Max Planck) confirma que a língua e o entendimento estão especialmente interligados. A relação eu-tu, eu-isso são a porta de entrada na Realidade e no mundo que nos circunda.
Nesta ambivalência vai vivendo a fé viva e a fé acreditada. Somos chamados a viver a relação íntima eu-tu (Pai-Filho: Relação na reciprocidade) mas sem menosprezar a relação mais superficial eu-coisa (percepção coisificante e também racionalizante a nível de abstração nas ideias), tendo em conta que na nossa existência (nosso estar aqui) a relação eu-coisa são imprescindivelmente necessárias devido ao condicionamento da nossa natureza humana. A relação eu-tu, diria, eu-Deus, é a relação autêntica que nos possibilita um viver nas e para lá das coisas, um viver que parte do ser-se espiritual a passar-se pelos condicionalismos de sermos também matéria a caminho da sua sublimação/realização no âmbito espiritual, como demonstra o protótipo Jesus Cristo. Se não fosse este condicionamento de estarmos a caminho, teríamos ficado no estado primitivo da animalidade antes da metáfora de Adão e Eva, aquele estado em que vivem o chimpanzé e o golfinho!…
Numa relação eu-coisa (isso) pretende-se saber algo sobre o outro e ao saber estamos a coisificá-lo enquanto que numa relação eu-tu, já não há saber sobre algo ou alguém, é tudo a acontecer não sobre, mas com. A vida Real passa a ser encontro: “Entre Eu e Tu não existe conceitualidade, nem presciência, nem imaginação “, como diz Martin Buber.
Uma coisa é o amor e outra são os sentimentos. Diria que estes são como que a vestimenta daquele; são diferentes vestimentas de um só amor, tal como constatamos nas diferentes cores que revestem o arco-íris! O amor é o fogo ardente a acontecer na sarça. Neste processo o sentimento é como que o calor que se tem do fogo, mas o real é o fogo que existe no fundo da nossa ipseidade e é a sua parte essencial: um eterno amor a acontecer, à imagem de um Sol eterno que tudo ilumina e sustenta, também na nossa crusta a ser cultivada.
António CD Justo
Teólogo e Pedagogo
© Pegadas do Tempo,
- (1) O importante é o eco que produz o texto para gerar novos ecos já eles distanciados do texto, lembrando um rio que deixa propriamente de o ser ao transformar-se num delta feito de muitos rios individualizados (por diferentes leitores) que com o seu eco próprio provocam a mudança do leito e da geografia! Leia o texto todo sem se preocupar com alguma imperfeição ou incompreensão que encontre a caminho.
Interessante, não conhecia Buber, mas noto nele aquilo que Santo Agostinho denominou razão inferior e razão superior, sendo que a primeira trata do eu e isso e a segunda trata do eu e tu. Ou seja, pela primeira tratamos e lidamos daquilo que nos é mais cognoscível, o que mais se aproxima de nossa própria natureza, ao passo que pela segunda tratamos daquilo que nos transcende, mas que podemos na mesma lidar. Como disse, não conheço o trabalho e por isso me referi a outro autor, que me pareceu bem dentro da linha de pensar, mas que pode ocorrer o caso de os conceitos terem sido ou possam ter sido pensados de forma diferente, mas que a meu ver têm ou são bem próximos.
Muito obrigado Amigo Dr António Justo.
Extraordinário.
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Um abraço,
Meu caro Justo:
Já te disse anteriormente que muito aprecio o que escreves neste forum.
Leio e releio, e a minha vontade é sempre de te dar os parabéns e de te pedir que mantenhas a tua vontade de aqui postar páginas que me (nos) fazem pensar; seria quase enjoativo estar a repetir-te sempre a mesma coisa.
Mas, o facto de te não responder não é sinal de que não aprecie, e muito, o que vais escrevendo, além de, de quando em vez, me atrever a deambular pelas tuas “Pegadas do Tempo”. Atrevo-me a supor que o mesmo acontece com mais Amigos.
Ainda continuo a digerir (estou cada vez mais lento de cabeça) a tua penúltima comunicação (Eu sou mais aquilo….Caminhar entre protecção…) que considero excelente, e não me atrevo a deixar aqui a minha análise/entendimento/interpretação sobre o que ali escreveste – seria uma tautologia, como tal, desnecessária. Os teus textos têm, em mim, um efeito com que eu já aprendi a lidar: na primeira leitura, mesmo com esforço, apanho apenas o que eu considero o essencial; mas, lendo outra e outra vez, não necessariamente seguidas, surge sempre muita coisa nova, ou algo importante, ou pormenores que são pormaiores.
Também é verdade que muitas vezes me pões a cabeça a doer, sobretudo quando me apercebo que não consigo chegar ao fundo dos assuntos que tratas…. É a altura certa para me lembrar duma virtude que se chama humildade.
Vês! Nada disse e já me alonguei demasiado; demasiado, precisamente, por nada dizer.
Forte abraço
Caro amigo Evaristo
Muito obrigado pela tua ressonância ao que escrevi. É para mim confortável verificar que há quem partilha de viveres semelhantes; assim não me sinto só. Também eu, quando escrevo, é como uma meditação que faço para mim e que me ajuda a sair dos ambientes rotineiros que, por vezes, puxam para baixo.
No texto “Sou o que sou mais aquilo que fazem de mim” sinto-me inteiramente dentro dele, e também como que embrulhado num manto macio que me dá calor e alento. A relação trinitária sempre foi algo que me arrebatou e faz vibrar o meu interior. Fiquei muito contente ao saber que o texto te impressionou; seria bom que deixasses o teu coração à larga e dissesses o que pensas/sentes. Seria certamente um enriquecimento para todos nós. Também compreendo bem as incongruências que a leitura do texto pode dar porque, como certamente já notaste, sou um despenteado mental e, como tal, muitas vezes prefiro escrever com o coração, embora não pareça; certo é que o coração dá voltas que a razão não conhece (Isto parafraseando Pascal); o meu interesse é dar oportunidade à criatividade do leitor, que muitas vezes, deixando-se levar em ondas de associações e imagens parabólicas pode criar visões e conceitos muito mais ricos do que o próprio texto dá.
O problema não está em ti, de não chegares por vezes ao fundo dos assuntos que trato; o problema está em mim que me não preocupo muito com o texto e confio na capacidade intuitiva do leitor que que criará pontes onde elas faltam e ultrapassará assim a pobreza vestindo-a com a riqueza própria.
Sabes, tudo não passa além de imagens enevoadas das realidades espelhadas nas sombras da caverna e que Platão engendrava fora da caverna (essas imagens querem ultrapassar o meramente cognitivo). Tudo não passa de perspectivas de uma realidade a-perspectiva mas que se pode tornar integral quando se dá a nível de vivência ou se personaliza no nosso “protótipo” Jesus Cristo!
Muito obrigado pelo que disseste.
Sim, também expressaste a grande palavra humildade, uma virtude que faz parte da nossa atitude salesiana; a humildade é a luz que nos abre os olhos para a realidade! Ela é a seiva amorosa que nos faz passar sob a pele de toda a realidade e como tal também nos tira o medo de cairmos porque nos encontramos já no chão! Por vezes vivemos na ilusão das nossas grandezas que nos afastam da capacidade de percepcionarmos a realidade. Na pequenez do presépio se encontra o universo; ele é tão pequeno que se encontra em tudo e como tal só pode ser algo religioso. Humildade é processo algo a atingir, doutro modo também se poderia tropeçar nela; para o evitarmos resta-nos um pouco de vaidade que nos motiva também a escrever!
Desculpa-me ter sonhado um pouco contigo! O brigado também pela ocasião que deste para te responder!
Grande abraço
É interessante que o título do seu texto é idêntico a uma frase proferida pelo Arcebispo da cidade do Cabo, Desmond Tuto, como sabe, prémio Nobel da paz em 1984, acérrimo lutador contra o apartheid :
“Sou o que sou em virtude do que todos somos ”
O seu texto é profundo, denso, por demais rico em informação.
Dele se podem fazer muitas leituras.
Se é pela palavra que o Ser Humano se desenvolve, então estamos a decaír, pois cada vez menos a palavra é usada com propriedade, como provam estudos que há dias se viu.
Seremos, pois, coisas no parecer de muitos, a não ser que uma benévola visão não apenas filosófica recupere a importância do Ser.
Exacto, essa visão benévola filosófico-teológica poderia apontar para o ser profundo do ser humano, para a sua essência espiritual onde se encontra a gene divina!
Não conhecia a frase que citou. A que escrevi saiu-me do coração e tem uma outra perspectiva de análise. Considero a frase “Sou o que sou em virtude do que todos somos” como mais abrangente e de caracter talvez mais sociológico; a minha frase EU SOU O QUE SOU MAIS AQUILO QUE FAZEM DE MIM, acentua em primeiro lugar a própria ipseidade como fundamental sendo esta abordada pelo que os outros apreendem de nós. Trata-se aqui de uma constelação vista sob a perspectiva de uma relação dialógica, mais subjectiva por um lado e de uma relação objectivante pelo outro.
Muito obrigado pela sua abordagem.