De Roma, um apelo à razão e à consciência do mundo

Papa Leão XIV clama aos poderosos: troquem as armas pelo diálogo

Num tempo em que o mundo parece andar tolo e perder o rumo, o Papa Leão XIV levanta a voz com firmeza e esperança.

“Peçamos ao Senhor que toque os corações dos poderosos e inspire as suas mentes, para que substituam a violência das armas pela busca do diálogo.”

É um apelo direto. Um sopro de lucidez no meio da confusão.
Porque onde deveria haver liderança com alma, cresce o ruído das ambições.
Poder, dinheiro, influência e controlo — são estes os ídolos de muitos políticos que em vez de servirem o bem comum preferem determinar como o povo e as outras pessoas devem viver, agir, falar e pensar.

Antes das férias, o Papa deixa uma bênção simples, mas necessária:

“Desejo a todos um tempo de descanso para fortalecer o corpo e a mente.”

Mas vai além do descanso. Pede consciência.

Chama-nos à responsabilidade de erguermos a voz em favor do que realmente importa — aquilo que se está a afogar na loucura do nosso tempo.

E que loucura é essa?

É a de um mundo onde a paz já não é prioridade.
Onde os líderes trocam o diálogo pela imposição.
Onde a palavra cede lugar à força e a humanidade fica para trás.

Leão XIV fala para todos. Mas sobretudo para aqueles que detêm o poder de mudar o rumo das coisas.
Que saibam ouvir. Que escolham a paz. Que compreendam que o verdadeiro poder está no serviço, não na dominação.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

EUROPA SOLO E SEM HERDEIROS

Um Retrato da Solidão Demográfica

A Eurostat, essa discreta contabilista do Luxemburgo, anunciou recentemente que a Europa em 2024 albergava 202 milhões de famílias (agregados domésticos). Deste número, 75 milhões eram compostas por uma única alma, solitários sem filhos, a marchar triunfantes no pódio das estatísticas, com um crescimento de 16,9%. Em segundo lugar, os casais sem filhos (49,1 milhões) e outras configurações domésticas igualmente estéreis (30,5 milhões). E, lá no fim, quase como uma relíquia do passado, os casais com filhos (30,3 milhões), cuja quota encolheu 4,4% desde 2015.

Uma Europa que envelhece, que se fecha em apartamentos minúsculos, que celebra a liberdade individual, mas se assusta com engravidamentos. E, no entanto, essa mesma sociedade lamenta-se da imigração, como se os refugiados fossem um incómodo matemático: queremos menos gente, mas também queremos quem faça o trabalho que já não nos apetece. A economia, essa divindade caprichosa, prefere importar braços em vez de exportar oportunidades. E assim se constrói o paradoxo: condenamos os que fogem da miséria enquanto nos encolhemos no nosso bem-estar estéril.

No meio de tudo isto, a política alimenta fantasmas. Inventa inimigos, semeia divisões, transforma a convivência num campo de batalha. O belicismo, outrora disfarçado de último recurso, agora passeia-se de cabeça erguida, travestido de virtude cívica. E o cidadão, confuso entre slogans e estatísticas, descarrega a sua frustração no estrangeiro, esse bode expiatório sempre conveniente.

Os números, frios e implacáveis, desenham uma Europa em declínio. Seriam ainda mais sombrios se as estatísticas ignorassem os muçulmanos, esses fiéis à “lei natural” que, ao contrário dos nativos, ainda ousam multiplicar-se para poderem engrandecer a sua “Uma”! Ironia das ironias: enquanto uns promovem o aborto como bandeira progressista, outros cultivam guetos onde a natalidade é vista como um dever e indícios de progresso. Dois mundos que coexistem sem se entenderem, alimentando uma guerra cultural que ninguém assume, mas que todos combatem à socapa.

E no meio deste teatro, Bruxelas dança. Os donos do poder e disto tudo deliciam-se com os seus discursos, enquanto a população, nativa e migrante, é reduzida a mero figurante num drama que não escolheu. Vítimas de um sistema que as explora e depois as põe umas contra as outras.

A diminuição demográfica tal como a agressão aos estrangeiros são o sintoma, não a doença. A doença chama-se irresponsabilidade política, essa arte estéril de governar pelo conflito, de alimentar medos em vez de esperanças, de criar bodes expiatórios em vez de assumir falhas. Enquanto o povo e os migrantes se gladiam, os verdadeiros responsáveis observam, impunes, do alto dos seus cadeirões sem terem de ser judicialmente julgados pelos seus actos. São eles os arquitetos desta guerra entre pobres, e, no entanto, continuam a chamar-lhe ‘democracia’ dos seus valores que não dos da Europa.

Resta perguntar: quando a última família tradicional desaparecer, quem trará flores ao seu funeral?

 

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do tempo

NO PRINCÍPIO DOS PRINCÍPIOS

(Céu e Terra, masculino e feminino são parábolas e eu o enredo delas)

 

Sou a miniatura do universo criado,

um segredo que se dobra em si mesmo,

matéria e verbo entrelaçados,

terra que gera e relâmpago que queima,

silêncio húmido da terra virgem,

semente que espera o grito do rebento.

 

Sou Adão que traz na carne a memória do primeiro sopro,

nas veias, o rumor do rio antigo

que nunca cessa de procurar o mar,

no peito, o incêndio da fronteira,

o fogo que delimita, que fere, que protege,

mas também o ardor que deseja dissolver-se,

ser nuvem, ser fonte, ser mar.

 

Dentro de mim, o masculino e o feminino

não são rótulos, não são géneros, mas chaves,

idiomas secretos de um mesmo abismo,

o fogo que cerra e contém,

o rio que abre e acolhe.

Sou ambos, sou ponte,

sou aquilo que a Criação continua a revelar.

 

Minha carne é gramática do Mistério,

verbo que se faz limite e, inquieto,

Nome na procura do que o transcende.

Habito na fresta onde os opostos se beijam:

sou o barro que sonha ser estrela,

a palavra que, encarnada,

se descobre inacabada,

anseia ser mais que som,

mais que corpo,

ser o eco inteiro da Trindade,

onde o Um se desfaz no Três,

e o Três se resolve no Um.

 

E é no abraço, mais que de corpos, de contrários

que reencontro a pegada do Início,

a linguagem secreta da Origem,

onde ser limite é apenas o princípio

de aprender a ser infinito.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

O Eros e a Busca da Integridade: Entre o Mito e o Sagrado

Em Diálogo com Platão, Jung e a Trindade no Contexto do Sexo como Ritual sagrado

A humanidade é um rio que corre entre duas margens: a espiritualidade, que busca resposta para o sentido da existência, e o desejo sexual, que obedece ao impulso primordial da perpetuação. Mas será que essas duas correntes são verdadeiramente distintas? Ou serão antes expressões de uma mesma sede, a ânsia de perfeição, o retorno a um estado perdido de harmonia primordial (ou a necessidade de envolvimento no processo “mítico” de encarnação e ressurreição)?

Na origem de tudo, está o Eros, não como mero instinto, mas como energia cósmico-divina que move o homem e a mulher em direção à sua metade ausente. Platão, no Banquete, narra o mito do Andrógino, essa criatura esférica, duplamente sexuada, que outrora caminhava em plenitude até que a inveja dos deuses a dividiu em duas partes, condenando-nos à eterna busca um do outro (e ou do Outro). Desde então, o amor terreal não é senão a sombra desse paraíso perdido, um eco da unidade original. Cada abraço, cada entrega carnal, é uma tentativa desesperada de reencontrar a esfera perfeita, de fundir-se outra vez no Todo.

Mas o Eros é mais do que a simples junção de corpos. Ele é um ritual sagrado, uma liturgia em que homem e mulher, ao se unirem, repetem simbolicamente o gesto divino da Criação. Nele, o masculino, voltado para o exterior, para a ação, para o domínio, dissolve-se no feminino, que é receptividade, interioridade, mistério. E a mulher, por sua vez, encontra no homem o seu ânimus, a força que a projeta para além de si mesma. Ambos buscam, no outro, aquilo que lhes falta, não para aniquilar-se, mas para transcender-se, não extinguindo-se na dualidade, mas complementando-se de forma exuberante num processo de relação trinitária ou do eu-tu-nós.

No entanto, a sociedade, moldada por séculos de patriarcado, distorceu esse diálogo intersubjetivo criativo. (Não compreendeu o mistério da relação expresso na fórmula trinitária. Em vez de afirmar a relação vital complementar dividiu-a em relações funcionais de necessidade e de interesse, manietando homem e mulher a seres objectivados). Reduziu a mulher a objeto, enfeite do desejo masculino, e aprisionou o homem numa máscara de domínio, negando-lhe a própria feminilidade interior. O ato sexual, em vez de celebração, tornou-se funcionalidade; em vez de rito tornou-se folclore. A repressão do sagrado no Eros é sintoma de uma cultura que exalta a conquista, a violência, a cisão, esquece que a verdadeira vocação humana é a complementaridade.

Que aconteceria se, libertas dos tabus, as mulheres reivindicassem plenamente a sua dupla natureza, tanto a força do ânimus como a profundidade do feminino? E se os homens, por sua vez, não temessem acolher a ânima, essa interioridade tantas vezes negada? Talvez então vislumbrássemos uma cultura não da competição, mas uma cultura da paz, da comparticipação; não da guerra, mas do encontro.

(Quando chegará o momento em que a política reconhecerá que masculinidade e feminilidade são princípios vitais e complementares em cada ser humano  e deixará de impor a todos a mesma matriz arcaica (esmagando todos no mesmo molde masculino), reduzindo até as mulheres a meras peças funcionais de uma máquina social desumanizada, ao serviço de uma norma masculina exacerbada? Até quando se continuará deste modo a destruir a alma da sociedade  e a reduzir o feminino a engrenagem de um sistema sem rosto? (1)

O sexo é, na sua essência, um limiar. Realiza-se no adro do templo, na fronteira entre o humano e o divino. Nele, homem e mulher não são apenas amantes, mas celebrantes de um mistério maior: a reconciliação das metades, o reencontro com o círculo perfeito e a unidade do três no um, como bem manifesta a dinâmica relacional do mistério da Trindade. E assim, no êxtase que os une, eles tocam, ainda que por um instante, o Paraíso.

 

António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo

Pegadas do Tempo

(1) Encontramo-nos num processo de homogeneização moderna que leva à perda do dualismo vital!

Ataque a Igreja na Síria deixa 22 Mortos e mostra a Crise de Cristãos no Mundo islâmico

Um ataque suicida na Igreja do Profeta Elias (Mar Elias), em Duwaila, Damasco, deixou pelo menos 22 mortos e 63 feridos em 22 de junho de 2025. O atacante, identificado como membro do Estado Islâmico (EI), invadiu o local durante o culto litúrgico, disparando contra fiéis antes de rebentar explosivos amarrados ao seu corpo.O atacante, identificado como membro do Estado Islâmico (EI), invadiu o local durante o culto litúrgico, disparando contra fiéis antes de rebentar explosivos amarrados ao seu corpo.

Lawrence Maamari, presente no momento do atentado, contou que “um homem entrou armado e começou a atirar indiscriminadamente. Quando tentaram impedi-lo, explodiu a bomba”. O EI, que já controlou vastas regiões da Síria e do Iraque entre 2014 e 2019, continua ativo em áreas desérticas do país, mesmo depois da sua derrota militar.

O ataque ocorre em meio a tensões geopolíticas na região. Recentemente, o governo sírio — reconhecido pelos EUA após reunião com a Arábia Saudita permitiu que Israel utilizasse o seu espaço aéreo e terrestre para ataques ao Irão, inimigo comum devido ao apoio iraniano ao Hezbollah e ao Hamas. Por seu lado, a comunidade internacional mantém-se silenciosa sobre a perseguição a cristãos em países como Síria, Moçambique, Nigéria e Sudão.

A doutrina islâmica, frequentemente associada à paz por líderes ocidentais, é marcada por contradições e objectivos políticos inalienáveis. Grupos como o EI invocam citações do Corão para justificar violência contra “infiéis”, ou seja, todos os que não são muçulmanos. Trechos como “Morte ao descrente” (contextualizados em suras do Corão) são utilizados para promover a sharia e a supressão de outras religiões.

A União Europeia, cujas raízes cristãs são historicamente fundamentais, merece críticas por negligenciar a proteção de minorias religiosas em países islâmicos. Enquanto a política globalista prioriza acordos económicos, comunidades cristãs no Oriente Médio e África sofrem com a omissão de governos ocidentais que deste modo fomentam o islamismo.

A EU aproveita-se da situação seguindo uma política pós fática e hipócrita orientando-se apelas pelos ventos fortes que sopram sobretudo dos EUA..

De fato, o governo de Bashar al-Assad, apesar de suas controvérsias, mantinha uma política de proteção às minorias religiosas, incluindo os cristãos, que viviam em relativa segurança antes da guerra. A Síria era um dos poucos países do Oriente Médio onde cristãos, muçulmanos e outras comunidades coexistiam sob um Estado secular.

A partir de 2011, potências ocidentais (como os EUA e aliados regionais, incluindo Israel, Arábia Saudita e Turquia) financiaram e armaram grupos rebeldes, muitos deles extremistas, com o objetivo declarado de derrubar Assad. Os bombardeios constantes, as sanções económicas e o apoio a facções jihadistas (como a Frente al-Nusra, ligada à Al-Qaeda) contribuíram para a destruição do país.

Hoje, as áreas controladas por grupos como o Hayat Tahrir al-Sham (HTS) e outros militantes islâmicos tornaram-se zonas de perseguição aberta contra cristãos e outras minorias. Enquanto isso, o governo sírio, mesmo com suas falhas, continua sendo a única força que garante alguma proteção a essas comunidades.

A hipocrisia do Ocidente fica evidente quando vemos que, enquanto acusavam Assad de “opressor”, foram justamente as intervenções estrangeiras que criaram o caos no qual os cristãos sírios hoje são massacrados. A Síria é mais um exemplo de como as guerras por procuração, promovidas por EUA e aliados, resultam em destruição e extremismo, nunca em democracia ou liberdade.

A interesseira falta de acção contrasta com a coesão do mundo muçulmano, onde religião e política são indissociáveis. Se a Europa não reafirmar seus valores identitários, incluindo a liberdade religiosa e a valorização do cristianismo, arrisca-se a ser culturalmente subjugada por um islamismo que, na sua versão original, não tolera dissidências.

António da Cunha Duarte Justo

 

Pegadas do Tempo