HUMANISMO INTEGRAL GEOPOLÍTICO

Complementaridade contra Imperialismos de Esquerda e Direita

A civilização ocidental assemelha-se hoje a um Filho Pródigo obstinado, que, seduzido por quimeras de liberdade, trocou a segurança do lar paterno pela errância dos caminhos perdendo-se a olhar para as estrelas (1). Como ele, vivemos uma crise de identidade coletiva, perdidos numa fuga sem rumo que nos esgota e nos impede de reconhecer não só o caminho de regresso, mas até a própria casa que abandonámos.

A questão mais gritante que se põe hoje a toda a humanidade reduz-se a como superar o conflito esquerda-direita (tradicionalistas-progressistas), ocidente-oriente e OCDE-BRICS de maneira a servir-se a humanidade e não agrupamentos de interesses. Povo, governantes e intelectuais têm de desenvolver um projecto comum de paz.

A crise ocidental, marcada pelo vazio espiritual do turbo-capitalismo e pelo radicalismo do socialismo ideológico, exige uma reintegração da tradição humanista cristã, mas sem nostalgia tradicionalista nem progressismos desintegrados.

As elites políticas, falhadas em conceitos e vontade, insistem em modelos anacrónicos, alimentados por uma cultura belicista que manifesta cada vez mais os desvios geopolíticos da Europa e do Ocidente (2). A democracia, sabotada por dentro, clama por uma reorientação urgente: um modelo sustentável, humanista e pacífico, que harmonize os valores cristãos ocidentais com eficiência económica adaptativa e uma diplomacia de poder suave, inspirada, mas não copiada, da estratégia chinesa, e enraizada na nossa tradição cultural (modelo católico aberto). A solução, ético-humanista, passaria por resgatar a Doutrina Social da Igreja (Leão XIII, Rerum Novarum; João Paulo II, Centesimus Annus), mas articulada com contribuições laicas como propõe Amartya Sen (Desenvolvimento como Liberdade, 1999): economia social de mercado com foco em capacitação humana e Roger Scruton (Como Ser um Conservador, 2014): conservadorismo não reacionário, baseado em instituições orgânicas. Para que isto se concretizasse, no que toca à EU, teria a Alemanha e Bruxelas de deixar de usar, para defesa do seu imperialismo,  a sua força económica como meio aguerrido e instrumento de boicote a países  que não se deixem subjugar aos interesses do seu bloco e sistema (ex. EU pune a China por esta não se alinhar na sua política contra a Rússia: quem suporta os custos do castigo são os povos europeus e chineses).

 

Para além dos Imperialismos: Um novo Paradigma de Poder suave

A alternativa aos imperialismos de direita (neoliberalismo globalizante) e de esquerda (hegemonia progressista transnacional) pressupõe  um Humanismo Integral Geopolítico não imperialista. Nesta fase da história tratar-se-ia de elaborar um projecto que implicasse:

– Recuperar a Ética Política: Reintegrar no debate público princípios como dignidade humana, subsidiariedade e bem comum, articulando-os com as exigências da pós-modernidade, sem dogmatismos. Um exemplo inspirador é o Projeto Ética Global de Hans Küng (3), que, adaptado à geopolítica, poderia fomentar um novo diálogo entre nações.

– Criar-se uma Economia Social de Mercado com alma; contra o turbo-capitalismo e o coletivismo autoritário, urge uma economia enraizada em valores transcendentais, próxima da Doutrina Social da Igreja, integradora de contribuições laicas.

– Poder complementar de Co-Criação pacífica: O Ocidente deve aprender com a China que exerce uma projeção cultural não impositiva (Confúcio, infraestruturas globais), mas substituir o pragmatismo chinês por um soft power de complementaridade e humanismo: universidades (Modelo Erasmus), ONG e media que promovam diálogo intercultural e não monocultura ideológica; a nível de Media seria de, para isso, substituir CNN por plataformas como Arte (canal franco-alemão de cultura profunda que mantem uma certa neutralidade).

Diplomacia das Ideias e Multilateralismo Civilizacional

Um multilateralismo Civilizacional nas pegadas da tática cultural de Carlos Magno, pressuporia uma reactivação das redes académicas com colaborações entre culturas e blocos geopolíticos e a nível regional colaboracoes de lusofonia (4), luso-hispânicas, anglo-americanas e europeias, destacando a herança greco-romana, judaico-cristã e moderna, sem eurocentrismos ou hegemonismos. A solução não está na competição de blocos, mas num multilateralismo civilizacional, onde EUA, Europa, Rússia e China actuem como polos cooperativos, não antagonistas.

Tecnologia com alma: A Quarta Via

Tanto a dependência do capitalismo de vigilância como o controlo estatal chinês exige uma Quarta Via Tecnológica: descentralizada, com ética e centrada no humano. Adoptar o pragmatismo chinês em IA e infraestruturas, mas vinculando-o a uma regulamentação que proteja a autonomia individual contra os Estados e algoritmos desalmados.

O Ocidente e a China como Espelhos

O Ocidente não precisa de se tornar China, mas a China pode lembrá-lo de suas raízes humanistas cristãs. Purificando os excessos materialistas (capitalistas e socialistas), ambas as civilizações podem construir um Poder suave de cooperação. O Humanismo Integral Geopolítico é o antídoto contra a fragmentação identitária e a guerra ideológica, propondo uma ordem baseada em valores perenes, adaptados ao século XXI.

Resumindo: humanismo integral geopolítico não significa um retorno ao passado (5), mas uma reconstrução seletiva contra o imperialismo liberal e o imperialismo progressista.

As diferentes economias e os valores de uma cultura não devem ser usados como escudos contra a outra, como, lamentavelmente, a NATO tem feito. Vai sendo tempo de regressar a casa!

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

(1) Referência à parábola bíblica do Filho Pródigo (Lc 15,11-32), metaforizando o afastamento do Ocidente das suas raízes.

(2) A degradação do capitalismo financeiro (Wolfgang Streeck, How Will Capitalism End?, 2016) e o colapso do socialismo real (Leszek Kołakowski, Main Currents of Marxism, 1976) deixaram um vazio preenchido pelo niilismo consumista e ideologias identitárias que mais não são que a a luta entre socialismo e cultura tradicional e a reaccao a um globalismo neoliberal desenfreado que ameaça levar de enxurrada tudo que era essencial à pessoa e à sociedade.

(3) Hans Küng, Projeto Ética Global (1990), proposta de ética universal baseada em valores partilhados por religiões e filosofias. No seu livro Global Ethics Project (1990), Hans Küng descreveu o propósito da ética global da seguinte forma: “Sem um consenso básico mínimo sobre certos valores, normas e atitudes, a coexistência humana não é possível nem numa comunidade pequena nem numa comunidade maior. “Hans Küng iniciou o projeto Ética Global (1990) e fundou a Fundação Ética Global em 1995. O objetivo é incentivar as pessoas de todo o mundo a refletirem sobre as suas tradições de responsabilidade mútua e pelo planeta Terra, de forma a garantir a sobrevivência da humanidade e a paz no século XXI. O requisito fundamental resumir-se-ia na Regra de Ouro comum: “Faz aos outros o que gostarias que te fizessem a ti”.

(4) Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Portugal, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. Fomentar-se o diálogo inter-civilizacional, inspirado em Samuel Huntington (O Choque de Civilizações, 1996), mas com enfoque na cooperação (ex.: alianças luso-afro-brasileiras).

(5) Os grandes males a superar são o imperialismo liberal e o imperialismo progressista. A nível de literatura contra o imperialismo neoliberal temos a Doutrina Social da Igreja e autores como Karl Polanyi (A Grande Transformação, 1944) onde alertou para a modificação da vida pelo mercado e como solução teríamosuma economia enraizada na ética (como propõe Luigino Bruni em Civilização do Mercado, 2019); contra o imperialismo progressista temos Doutrina Social da Igreja e autores como Christopher Lasch (A Revolta das Elites, 1994) que criticou a classe meritocrática globalista e como antídoto teríamos o comunitarismo (Amitai Etzioni) e distributismo (G.K. Chesterton). A superação dos imperialismos pressupõe uma tática de acção contra o imperialismo de direita (neoliberalismo globalista homogeneizante), defendendo pluralidade de modelos económicos dentro de uma ordem multilateral com o consequente fomento das relações comerciais entre países e blocos, ao contrário do que faz o ocidente através dos seus bloqueios e sanções comerciais e contra o imperialismo de esquerda (hegemonia progressista transnacional), resgatando as autênticas tradições locais (ex.: solidariedade comunitária cristã, guildas medievais) como antídoto ao centralismo burocrático.

NAS SOMBRAS DO CARMELO DE COIMBRA

(A sorver a mística do génio cristão)

 

Miniatura sou do Universo criado,

espelho quebrado onde Deus se contempla,

gota que transporta o mar sem o conter,

pó da terra a arder com sede do Infinito.

 

Na carne frágil que me delimita,

arde-me o eco do Verbo Encarnado,

e o limite que me cerra é o mesmo

que me abre ao abismo do Seu Mistério.

Pois sei, na vivência sentida,

que o corpo é cárcere e sacrário,

e que a Palavra, feita carne em mim,

não repousa até ser chama consumida,

até ser rio dissolvido no regaço de Deus.

 

 

O masculino e o feminino,

não são vestes da terra, mas sopros do Céu,

duas faces do Mesmo que não tem rosto,

duas labaredas que se buscam

na noite escura dos sentidos,

no silêncio onde o Espírito fala.

O fogo que delimita, que penetra, que protege,

é o selo do Cristo sobre o meu ser.

O rio que acolhe, que dissolve, que nutre,

é o seio materno do Mistério,

onde me perco e me encontro,

onde me anulo e renasço.

 

E eu, pequeno, finito na sombra,

sou parte dessa dança,

sou barro que geme sob o peso da Luz,

sou sede insaciável do que me ultrapassa,

sou carne em combate com a promessa,

sou verbo em gestação,

sou lágrima e riso no parto da Eternidade.

 

 

Ah, se o mundo atendesse

E os ventos gritassem

que no seio ferido da mulher esquecida,

Deus planta a sua tenda,

e que o feminino não é sombra, mas sagrado,

não o calariam, nem o negariam,

antes cairiam de joelhos,

porque onde o ventre acolhe,

o Espírito sopra,

e onde a carne se curva,

o Verbo habita.

 

 

Que se calem os juízos do mundo,

eu encontrei o meu Cristo:

Ele faz-Se limite para habitar-me,

eu faço-me nada para O possuir.

E no abraço que excede o corpo e o tempo,

sou ferido pela lança do Fogo,

sou diluído no rio da Misericórdia,

sou, na minha territude,

a miniatura do Universo reconciliado,

a centelha perdida que o Amor recolhe,

a carne que já não teme ser barro,

pois é no limite que Deus Se revela,

é no limite que Deus me consome.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

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REGIMES DE VERDADE

Das Verdades que nos governam à Verdade em que vivemos: Entre Sombras e Luz

Vivemos rodeados de verdades. Umas são-nos impostas, outras somos nós que escolhemos acreditar nelas, e outras aceitamo-las sem as questionar. Mas o que é, afinal, a verdade? Será um facto imutável, uma construção social ou algo mais profundo?

As Verdades que nos governam

O filósofo Michel Foucault introduziu o conceito de ‘regimes de verdade’ para descrever os sistemas de normas, regras e práticas que determinam o que uma sociedade aceita como verdadeiro ou falso. Estas “verdades” não são eternas, mas sim construções sociais e discursivas que mudam com o tempo, com o poder, com as maiorias.

Foucault demonstra como os discursos, além de descreverem a realidade, a moldam, formatando activamente as opiniões individuais e sociais. As populações, expostas a esses constructos, passam a confundir a narrativa imposta com a realidade objetiva, tornando-se meros produtos históricos da sua época, isto é, a instrumentos passivos de uma máquina de poder. Infelizmente ameaça tudo ir  na enxurrada, mesmo os multiplicadores e guias sociais.

Um exemplo flagrante desse mecanismo é o modus operandi de instituições como Bruxelas, a NATO ou a ONU (sob influência dos EUA), que aplicam sistematicamente o princípio de vigilância e controlo para formatar as mentalidades e, consequentemente, dominar os corpos (os cidadãos). Vivemos numa ditadura suave, quase imperceptível, onde o Panóptico de Bentham, analisado por Foucault, se tornou o modelo de disciplina por excelência e, mais grave ainda, o estilo de governação dominante.

Habitamos num mundo onde a verdade parece negociável, moldada por consensos, maiorias, interesses ou conveniências. Será saudável aceitar passivamente o que nos é imposto? Já notaram a forma como as notícias nos são dadas pelos media, como se viessem das alturas, sem uma análise, sem um juízo de valor, sem uma tomada de posição, como se não fossem leituras ou interpretações de factos? Perguntemo-nos sobre o que acontece nos debates públicos: quem decide o que é válido? Quem tem voz e conduz os debates públicos?(1) Será que a verdade de hoje será a mesma daqui a dez anos? As leis mudam, as ciências avançam, os costumes transformam-se. E, no meio deste turbilhão, muitos de nós cansamo-nos de pensar e simplesmente seguimos o que nos dizem sem questionar os regimes dominantes.

Uma autoconsciência crítica implica esforço e é cansativa, e muitos preferem a comodidade de seguir verdades pré-fabricadas. Seguir a opinião pública ou o Zeitgeist é abdicar da nossa capacidade de discernimento, é alienar-nos de nós mesmos, da nossa ipseidade (a essência do “quem sou”).

As diversas faces da verdade

Na lógica do real intuído, deparamo-nos com múltiplas dimensões da verdade: a verdade empírica, mensurável configurada ao objeto, submetida ao crivo da ciência e da observação; a verdade transcendente, arraigada na revelação ou na fé, que transcende os limites da razão instrumental; a verdade estético-afetiva, opinião, expressa no juízo singular do gosto; esse território onde ‘bom’ e ‘mau’ são moldados pela subjetividade; e, por fim, a verdade pragmática, contingente e utilitária, que se justifica a si mesma pela sua eficácia circunstancial, ainda que efémera.

Mas será que alguma delas nos guia de forma plena? Ou andamos perdidos, trocando uma certeza por outra, sem nunca encontrarmos um alicerce sólido?

A Necessidade da Verdade que oriente

Seja sob uma perspetiva relativista ou absolutista, o ser humano anseia por uma verdade que vá além do superficial, que não seja apenas útil, mas que ofereça orientação e dê sentido à vida. No Novo Testamento, a verdade não é uma mera abstração, mas fidelidade: a promessa cumprida em Cristo. Jesus não apresenta a verdade como teoria ou um conceito, mas como pessoa: “Eu sou o caminho, a verdade e a vida” (João 14:6), unindo discurso e accão.

A verdade que nos falta não é uma teoria, mas uma presença. Não é algo que se debate, mas que se vive; é um modo de vida, não havendo separação entre o que é dito e o que é vivido. “Pelos seus frutos os conhecereis” (Mateus 7:16), ou seja, a verdade é uma realidade transformadora que se revela na ação, no amor, na coerência.

Enquanto os regimes de verdade do mundo são instáveis e transitórios, a verdade cristã propõe-se como fundamento estável: uma verdade que não se limita a dizer “acredita nisto”, mas que diz “segue-me e verás”.

Que Verdade queremos seguir?

No labirinto das verdades humanas, todos escolhemos a nossa bússola. Podemos seguir as verdades passageiras do mundo: as que mudam conforme a opinião pública, o poder ou a moda, ou podemos buscar uma verdade mais profunda, que não nos controla, mas nos liberta.

Por vezes sentimo-nos como barco à deriva, empurrado por correntes contraditórias. Como no mar ao longo da costa assim ao longo da vida há sempre um farol fixo que indica o porto seguro. A consciência disto cria-nos mecanismos de defesa próprios que nos imunizam das contraditórias verdades sociais de modo a não sermos arrastados no seu redemoinho nem a desviar-nos da nossa ipseidade.

Se a verdade que seguimos hoje desaparecesse amanhã, o que restaria para nos guiar? O mais seguro é seguir a verdade que caminha!

A Modos de conclusão

Imaginemos um viajante perdido numa floresta escura. À sua volta, vozes sugerem direções contraditórias: algumas baseadas em mapas antigos, outras em rumores, outras ainda em interesses ocultos. Cansado, ele senta-se e reza. Então, vê uma luz à distância, não um fogo efémero, mas uma lanterna firme, segurada por alguém que conhece o caminho. “Eu sou a verdade”, diz a voz. “Segue-me.”

O viajante hesita: “E se eu preferir o meu atalho?” A resposta é simples: “Podes escolher, mas só a minha luz atravessa a escuridão.”

Essa luz interior encontra-se no âmago de cada um de nós e é aquela que nos torna ancorados na transcendência, para lá do que outros pensam, consistentes connosco mesmos a viver em harmonia, autoconfiança e compreensão do mundo. Sim, porque somos astros criados com luz própria e não meros satélites de algo ou de alguém.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

(1)

Um exemplo flagrante desse mecanismo é o modus operandi de instituições como Bruxelas, a NATO ou a ONU (sob influência dos EUA), que aplicam sistematicamente o princípio de vigilância e controlo para formatar as mentalidades e, consequentemente, dominar os corpos (os cidadãos). Vivemos numa ditadura suave, quase imperceptível, onde o Panóptico de Bentham, analisado por Foucault, se tornou o modelo de disciplina por excelência e, mais grave ainda, o estilo de governação dominante.

A Onda Guerreira Ameaça Dominar os Diferentes Setores da Sociedade: Um Apelo à Consciência

Kassel: Do Passado Destruído ao Presente Belicista

Durante a Segunda Guerra Mundial, dois terços da cidade de Kassel, na Alemanha, foram reduzidos a escombros devido à sua importância estratégica na indústria de armamentos. Ironia da história, hoje, Kassel volta a ser um dos maiores centros da produção bélica germânica. O ciclo parece repetir-se, mas desta vez com um agravante: a normalização da guerra como política de Estado.

O Requerimento que Simboliza uma Tendência Perigosa

Recentemente, em Niestetal-Kassel, o partido CDU apresentou no parlamento um pedido para a construção de uma pista de testes de tanques, com uma extensão de 100 hectares, o equivalente a 140 campos de futebol. Este projeto não é um caso isolado. Em toda a Alemanha, os partidos do arco do poder têm abraçado um discurso belicista, pressionando por mudanças legais que facilitem o armamento e a militarização. Manifestação em Niestetal em frente ao conselho distrital

Contra essa corrente, manifestantes tomaram posição (4/6/2025) em frente ao conselho distrital com palavras de ordem que ecoam como um grito de alerta: “Carteiras escolares em vez de carreiras de tiro”, “Capacidade de paz em vez de capacidade de guerra”, “Mais ativistas da paz e menos belicistas”. No entanto, a resposta da imprensa mainstream tem sido uma “artilharia pesada” contra os pacifistas, enquanto o governo alemão justifica o investimento militar como motor de recuperação económica.

A Militarização da Educação e a Lavagem Cerebral das Novas Gerações

O cenário torna-se ainda mais sombrio quando empresas de armamento buscam infiltrar-se nas escolas, participando em feiras de orientação profissional para recrutar jovens. Com financiamento estatal, ambicionam também influenciar a investigação universitária, direcionando-a para o desenvolvimento de tecnologias bélicas.

Onde estão os espaços que promovam a cultura da paz? As escolas preparam os alunos para a competição, mas não para a cooperação. Quem defende a presença da Bundeswehr (Forças Armadas alemãs) nas salas de aula não fala do futuro — fala da guerra. E, pior ainda, está a servir um “modelo de negócio de morte”.

A Hipocrisia dos Partidos “Cristãos” e a Manipulação da Opinião Pública

Os partidos com a letra “C” (de cristão) no nome abandonaram qualquer princípio pacifista, alinhando-se com a indústria da guerra. Sob o pretexto de “todos queremos a paz”, promovem as “oficinas da guerra” com um fervor inédito. Enquanto isso, a opinião pública é manipulada por uma narrativa que esconde os verdadeiros problemas sociais, transformando a população em marionetas de um jogo geopolítico perigoso.

O Papa Leão XIV já alertou: “A aprendizagem do respeito e da amizade é condição prévia para a paz.” Mas a Alemanha, aspirante a líder da União Europeia, parece empenhada em transformar o continente no “segundo grande polo armamentista”, logo atrás dos EUA.

A Esperança Resiste: Os Jovens e a Resistência Pacifista

Apesar da propaganda, um estudo recente, “Jovem Europa 2025”, revela que 55% dos alemães entre 16 e 26 anos rejeitam o serviço militar obrigatório. Apenas 38% apoiam a medida. Os Verdes, por sua vez, tentam trazer transparência, prometendo tirar a Bundeswehr e as empresas de armamento “da sombra”.

A Cultura como Último Bastião da Paz

É urgente que a arte — o teatro, a música, a literatura, assuma o seu papel como “mensageira da paz”, recusando-se a ser instrumentalizada como “música de fundo” da política belicista. A sociedade não pode permitir que a guerra seja normalizada.

Chegamos a um ponto de viragem. Ou escolhemos o caminho da diplomacia e do humanismo, ou seremos arrastados por uma onda de militarismo que só trará mais destruição. A pergunta que fica é: Onde é que chegámos? E, mais importante ainda: Para onde queremos ir?

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do tempo

O Eros e a Busca da Integridade: Entre o Mito e o Sagrado

Em Diálogo com Platão, Jung e a Trindade no Contexto do Sexo como Ritual sagrado

A humanidade é um rio que corre entre duas margens: a espiritualidade, que busca resposta para o sentido da existência, e o desejo sexual, que obedece ao impulso primordial da perpetuação. Mas será que essas duas correntes são verdadeiramente distintas? Ou serão antes expressões de uma mesma sede, a ânsia de perfeição, o retorno a um estado perdido de harmonia primordial (ou a necessidade de envolvimento no processo “mítico” de encarnação e ressurreição)?

Na origem de tudo, está o Eros, não como mero instinto, mas como energia cósmico-divina que move o homem e a mulher em direção à sua metade ausente. Platão, no Banquete, narra o mito do Andrógino, essa criatura esférica, duplamente sexuada, que outrora caminhava em plenitude até que a inveja dos deuses a dividiu em duas partes, condenando-nos à eterna busca um do outro (e ou do Outro). Desde então, o amor terreal não é senão a sombra desse paraíso perdido, um eco da unidade original. Cada abraço, cada entrega carnal, é uma tentativa desesperada de reencontrar a esfera perfeita, de fundir-se outra vez no Todo.

Mas o Eros é mais do que a simples junção de corpos. Ele é um ritual sagrado, uma liturgia em que homem e mulher, ao se unirem, repetem simbolicamente o gesto divino da Criação. Nele, o masculino, voltado para o exterior, para a ação, para o domínio, dissolve-se no feminino, que é receptividade, interioridade, mistério. E a mulher, por sua vez, encontra no homem o seu ânimus, a força que a projeta para além de si mesma. Ambos buscam, no outro, aquilo que lhes falta, não para aniquilar-se, mas para transcender-se, não extinguindo-se na dualidade, mas complementando-se de forma exuberante num processo de relação trinitária ou do eu-tu-nós.

No entanto, a sociedade, moldada por séculos de patriarcado, distorceu esse diálogo intersubjetivo criativo. (Não compreendeu o mistério da relação expresso na fórmula trinitária. Em vez de afirmar a relação vital complementar dividiu-a em relações funcionais de necessidade e de interesse, manietando homem e mulher a seres objectivados). Reduziu a mulher a objeto, enfeite do desejo masculino, e aprisionou o homem numa máscara de domínio, negando-lhe a própria feminilidade interior. O ato sexual, em vez de celebração, tornou-se funcionalidade; em vez de rito tornou-se folclore. A repressão do sagrado no Eros é sintoma de uma cultura que exalta a conquista, a violência, a cisão, esquece que a verdadeira vocação humana é a complementaridade.

Que aconteceria se, libertas dos tabus, as mulheres reivindicassem plenamente a sua dupla natureza, tanto a força do ânimus como a profundidade do feminino? E se os homens, por sua vez, não temessem acolher a ânima, essa interioridade tantas vezes negada? Talvez então vislumbrássemos uma cultura não da competição, mas uma cultura da paz, da comparticipação; não da guerra, mas do encontro.

(Quando chegará o momento em que a política reconhecerá que masculinidade e feminilidade são princípios vitais e complementares em cada ser humano  e deixará de impor a todos a mesma matriz arcaica (esmagando todos no mesmo molde masculino), reduzindo até as mulheres a meras peças funcionais de uma máquina social desumanizada, ao serviço de uma norma masculina exacerbada? Até quando se continuará deste modo a destruir a alma da sociedade  e a reduzir o feminino a engrenagem de um sistema sem rosto? (1)

O sexo é, na sua essência, um limiar. Realiza-se no adro do templo, na fronteira entre o humano e o divino. Nele, homem e mulher não são apenas amantes, mas celebrantes de um mistério maior: a reconciliação das metades, o reencontro com o círculo perfeito e a unidade do três no um, como bem manifesta a dinâmica relacional do mistério da Trindade. E assim, no êxtase que os une, eles tocam, ainda que por um instante, o Paraíso.

 

António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo

Pegadas do Tempo

(1) Encontramo-nos num processo de homogeneização moderna que leva à perda do dualismo vital!