Manifestantes não aceitam o Encerramento do Vice-Consulado de Frankfurt

Uma Manifestação Diferente

Previstas novas formas de Luta

António Justo

A manifestação começou às 13h00 na praça da Ópera de Frankfurt e terminou às 15h30 na Zeppelinalle junto ao Vice-Consulado (VC). A Manifestação começou com cerca de 1000 manifestantes (segundo informação de participantes) estando no comício final junto ao consulado, segundo informação da polícia, cerca de 400 a 500.

Estiveram presentes a televisão alemã hr-Fernsehen und  Hessische Rundfunk e o Frankfurter Rundschau.

No local de ajuntamento inicial, Junto à Ópera, foi transmitida a música/poema “Longe Daqui „de Pedro Barroso. Durante o cortejo com muitos cartazes e acompanhado de tambores,  de palavras de ordem como “Ministro Portas não nos feche as portas” e de cânticos revolucionários, não faltou mesmo a primeira estrofe do Hino Nacional com a adaptação: “contra os barões lutar” em vez de “contra os canhões lutar”.

Ao chegarem ao VC os manifestantes lançaram ao ar 100 balões com as cores da bandeira portuguesa.

De seguida tomou a palavra o coordenador da demonstração António Justo, porta-voz do conselho consultivo junto do posto consular (cf. texto em nota) seguindo-se a voz de Helena Barreto, acompanhada à viola por José Luís Coelho que intercalaram os discursos com a “Cantilena” (Cortaram as asas ao rouxinol) letra de Sebastião da Gama, música de Francisco Fanhais,  com a ” Trova do vento que passa”  música de António Portugal e letra de Manuel Alegre; as duas violas e a bela voz de Helena reflectiram bem o estado de espírito dos manifestantes, também,  com “Ei-los que partem”.  Foram ainda declamados em Português e alemão os poemas de Fernando Pessoa: “Mar Português” e “Quinto Nevoeiro”. O conselheiro Alfredo P. Cardoso, do CCP, manifestou a sua solidariedade com o Conselho Consultivo e com os manifestantes apelando também ele ao governo para que não encerre as portas do VC. Vítor Estradas, Presidente da FAPA, transmitiu telefonicamente a sua solidariedade com o Conselho Consultivo do VC e com os manifestantes.

Toda a comunidade portuguesa, distribuída pelos três Estados alemães, contribuiu duma maneira ou doutra na campanha contra o fecho do VC, concorrendo também para o sucesso e bom decorrer da manifestação. Houve pessoas que trabalharam muito sem se encontrarem sob os holofotes do público, como foi o caso de Carlos e Dina André, Manuel Costa, Apolinário Madeira, Cristina Arad e muitos outros.  De não esquecer também o contributo da TFM, na feitura dos autocolantes contra o fecho do consulado, distribuídos aos manifestantes e público. Apenas um aspecto negativo: a comparticipação de ranchos fardados foi bloqueada por alguns. De mencionar também o facto de, na manifestação, também algumas pessoas com os trajos dos grupos folclóricos terem sido objecto das câmaras da TV alemã.

António Justo entregou algumas listas de abaixo-assinados à funcionária consular Irene Rodrigues, apenas como símbolo da iniciativa de assinaturas que serão entregues na presidência da república depois dos meados de Novembro.

Por solicitação de António Justo a funcionária Consular Irene Rodrigues saudou os portugueses e encerrou a demonstração.

Foi comovente o encontro dos manifestantes com o pessoal do consulado que durante a manifestação tinha permanecido nas instalações consulares.

Vários manifestantes sugeriram que, em Dezembro, se iniciem acções espectaculares junto ao Vice-consulado de maneira a chamar a atenção dos Media e dos políticos para o grave erro que constituiria o encerramento do Consulado.

Da observação dos manifestantes presentes na manifestação depreende-se uma forte solidariedade entre grupos e pessoas independentemente das opões políticas.

Versão portuguesa do discurso de António Justo

Caros Manifestantes/ Minhas senhoras e meus senhores.

Estamos todos de Parabéns. Esta é a hora portuguesa aqui em Frankfurt.

Somos Portugal e ao sermos Portugal trazemos no nosso coração o mundo inteiro. Temos sido um povo usado e abusado por elites que muitas vezes se têm revelado mercenários de Portugal.

Caros portugueses

Portugal atravessa uma hora dramática da sua história. Portugal precisa da ajuda dos portugueses, dos luso-descendentes e dos seus amigos alemães. Portugal precisa de poupar. Precisa de poupar mas com perícia, imparcialidade e justiça.

Se Portugal reduzisse aqui na Alemanha dois consulados para vice-consulados já pouparia dinheiro mais que suficiente para manter um vice-consulado. O vice-cônsul pode fazer o que um cônsul faz e muitíssimo mais barato. Levem-nos um cônsul e deixem-nos o vice-consulado. Um consulado honorário também não seria solução. Um consulado honorário para quem? Já nos chega o exemplo do consulado honorário de Munique!

-Torna-se difícil contra-argumentar, aqui,  convenientemente, dado não haver motivos para o encerramento e este ter sido perpetrado pela calda da noite, pelos senhores do Olimpo, pelos senhores diplomatas, sem que Frankfurt fosse sequer chamado a dizer uma palavra sobre o assunto. O único diálogo, a única comunicação que houve foi uma ordem: entreguem as chaves do posto consular ao senhorio até fins de Dezembro. O Senhor Ministro Dr. Paulo Portas está a ser enganado por quem o aconselhou. Se encerrar Frankfurt manifesta-se cativo dos senhores diplomatas de carreira e de interesses obscuros. Frankfurt está a ser sacrificado devido a um acto irracional em favor de diplomatas de carreira. Sacrificam-se os serviços ao povo encerrando o vice-consulado para poupar algum cargo a carreiristas.

– Na área consular de Frankfurt (Hesse, Renânia Palatinado e Sarre), somos 30.000 portugueses. Em toda a Alemanha 117.000.

– Frankfurt ocupa o terceiro lugar na Alemanha na efectivação de actos consulares, sendo o segundo a poupar mais.

– Frankfurt é o local onde se regista o maior número de votos para as eleições portuguesas.

– Frankfurt – é o grande centro financeiro centro da Europa, com o maior nó internacional de ligações estratégias, feiras internacionais do automóvel, dos têxteis, do livro, etc. A expansão da economia portuguesa teria de passar por aqui. As outras nações sabem disso; por isso Frankfurt é a cidade alemã com maior número de consulados: 104. É o lugar ideal para fomento de ligações económicas entre firmas portuguesas e alemãs.

-Frankfurt poderá apoiar os altos representantes governamentais ao fazerem escala no aeroporto internacional de Frankfurt.

– O encerramento obrigará pessoas a grandes deslocações e a correr o perigo de não serem atendidas no mesmo dia. Frankfurt é central e ao VC poderia ainda ser anexado parte do Estado Federado da Baviera, tal como acontecia noutros tempos.

-Reduzam-se as despesas, das Instalações do VC de, para metade (de 5.800 Euros mensais para metade, ou menos ainda, passando a ocupar um só andar. Estava concebido para doze funcionários, no tempo das vacas gordas. Até ao princípio deste ano tinha 6 funcionários.

– A longo prazo poderia tornar-se mais económica a compra dum edifício que reunisse VC, Turismo e TAP.

-Nos termos de rescisão legal de contratos, com indemnização, também se poderia proceder a uma redução de pessoal. O Vice-cônsul poderia delegar tarefas no n° 2 dos serviços para ter disponibilidade para a vertente económica.

-Não teria sentido extinguir-se um VC com uma área de 30 mil portugueses e manter- se um consulado com 11 mil e ainda o luxo dum cônsul.

– Em todas as representações diplomáticas da Alemanha poderá poupar-se muito dinheiro ao erário público. DIVIDA-SE O HAVER E O DEVER. HÁ MUITAS VIABILIDADES DE POUPAR. Faça-se o levantamento das despesas das diversas estruturas. O Consulado de Hamburgo nada em luxo estando ao serviço dum terço dos portugueses em comparação com Frankfurt

– Portugal daria um bom exemplo a nível internacional se todas as despesas/subsídios de representação e de subsídio de residência fossem reduzidas para metade.

– Num momento em que a economia portuguesa necessita de impulsos à exportação, e a Europa está atenta à política portuguesa, o encerramento seria um falso sinal sob o ponto de vista de estratégia económica.

Atendendo à realidade factual, o possível argumento de encerramento por medidas de austeridade é falacioso escondendo certamente algum negócio menos limpo.

Precisa-se dum novo formato de postos consulares e de uma nova geração de diplomatas – menos medievais e mais democratas. Para isso podiam ser recrutados jovens da segunda e terceira geração, verdadeiros embaixadores interculturais e da economia.

Com o encerramento deste vice-consulado, o Estado português abandonaria um ponto estratégico do mais alto prestígio internacional e de vital importância económica, política e cultural. Uma representação antiga que remonta já a 1960.

Estamos aqui a marcar uma nova forma de protestar, uma inovação nas formas de manifestações. Com a nossa manifestação quisemos mostrar a vontade de defender o nosso VC e expressar a pluralidade e a capacidade de inovação dos valores da nossa cultura.

Estamos a construir Portugal não só com as nossas remessas mas com interesse que os luso-descendentes fundem firmas e negócios e que as instituições portuguesas no estrangeiro se tornem em verdadeiras promotoras de Portugal.

Viva os portugueses, viva os nossos amigos estrangeiros, viva os amigos alemães, viva Portugal.

António da Cunha Duarte Justo

Porta-voz do Conselho Consultivo

Tel.: 00049 561 407783,

E-mail: a.c.justo@unitybox.de

Manifestação, Frankfurt am Main, 5.11.2011

Ps. Possuo fotos da Manifestação que poderão ser enviadas, se solicitadas.


Uma forma diferente de manifestar: expressão genuína da maneira de ser português

Conselho Consultivo junto do Vice-Consulado de Portugal em Frankfurt

Zeppelinallee 15,  60325 Frankfurt am Main

C/o António da Cunha Duarte Justo

Porta-voz do Conselho Consultivo

Tel.: 00049 561 407783,

E-mail: a.c.justo@unitybox.de

Comunicado aos Órgãos de Informação

Portugueses e Ranchos a manifestar e a dançar Portugal pelas ruas de Frankfurt

Uma forma diferente de manifestar: expressão genuína da maneira de ser português

Não ao encerramento do Posto Consular de Frankfurt

No próximo Sábado, 5 de Novembro, dia da grande manifestação contra o encerramento do Consulado de Frankfurt, farão parte do cortejo grupos de folclore que actuarão também durante a marcha. No final da manifestação também serão declamadas poesias em Português e em Alemão. A Manifestação tem início às 13h00 na Praça da Ópera (Alter Oper) e termina às 15h00 em frente às instalações do Vice-Consulado, na Zeppelinallee N. 15. Contamos com a presença de 1.000 a 3.000 manifestantes.


Esta é uma manifestação inovadora. Procuramos trazer à rua não só a voz política mas também a voz cultural.

Não é contra alguém, é uma manifestação pela Razão!


Queremos voltar ao espírito global dos nossos antepassados unindo o civismo e a exigência à festa!


António da Cunha Duarte Justo

Porta-voz do Conselho Consultivo

Possíveis poesias e slogans para a manifestação de portugueses em Frankfurt a 5.11.2011, Praça da Ópera às 13h00

Se algum  rancho folclórico participasse na Manifestação o acontecimento podia ser enriquecido com alguma contribuição musical e duas declamações de poesia em português e alemão. Proponho os seguintes poemas de Fernando Pessoa:

QUINTO NEVOEIRO

Nem rei nem lei, nem paz nem guerra,           

Define com perfil e ser

Este fulgor baço de terra

Que é Portugal a entristecer-

Brilho sem luz e sem arder,

Como o que o fogo-fátuo encerra.


Ninguém sabe que coisas quer.

Ninguém conhece que alma tem,

Nem o que é mal nem o que é bem.

(Que ânsia distante perto chora?)

Tudo é incerto e derradeiro.

Tudo é disperso, nada é inteiro.

Ó Portugal, hoje és nevoeiro…

É a Hora!

Valete, Fratres. (Fernando Pessoa)


DIE FÜNFTE NEBEL

NICHT KÖNIG NOCH GESETZ; NICHT KRIEG NOCH FRIEDEN

VERLEIHEN EIGENES PROFIL UND SEIN

DEM MATTEN DÄMMERSCHEIN,

DER DEM VERZAGTEN PORTUGAL GEBLIEBEN-

GLANZ OHNE GLUT UND WENIG RÜHMLICH,

WIE ER DEM IRRLICHT EIGENTÜMLICH.


NIEMAND WEIß, WAS ER WIRKLICH WILL:

NIEMAND KENNT SEINEN EIGENEN MUT,

WEIß NICHT, WAS BÖSE IST, WAS GUT.

(WELCH FERNES SEHNEN WEINT GANZ NAH?)

ALLES IST UNGEWIß UND SPÄT DIE ZEIT.

NICHTS IST MEHR GANZ, UND ALLES IST ZERSTREUT.

O PORTUGAL! HEUT’ NUR EIN NEBELREICH…

DIE STUNDE KAM!

VALETE, FRATRES! (Fernando Pessoa)


MAR PORTUGUÊS

Ó mar salgado, quanto do teu sal

São lágrimas de Portugal!

Por te cruzarmos, quantas mães choraram,

Quantos filhos em vão rezaram!

Quantas noivas ficaram por casar

Para que fosses nosso, ó mar!


Valeu a pena? Tudo vale a pena

Se a alma não é pequena.

Quem quer passar além do Bojador

Tem que passar além da dor.

Deus ao mar o perigo e o abismo deu,

Mas nele é que espelhou o céu. (Fernando Pessoa)


PORTUGIESISCHES MEER

O salzige Flut, wieviel von deinen Salz

sind Tränen Portugals!

Dich zu befahren, weinten Mütter,

klang Kinderbeten klagebitter;

wie viele Brautgemächer blieben leer,

auf daß du unser seist, o Meer!


Lohnt’ es die Müh’ ? Die Müh’ ist nie verloren,

wenn nur die Seele groß geboren.

Willst du Kap Bojador bezwingen,

mußt du den Schmerz erst niederringen.

Gott schloss das Meer mit Abgrundsiegeln

und ließ es doch den ganzen Himmel spiegeln. (Fernando Pessoa)



Slogans/frases para os cartazes

1.       É hora de tirar aos “obesos” e não aos que andam tesos

2.       NAO AO ENCERRAMRNTO DO CONSULADO DE FRANKFURT

3.       ” POUPAR SIM, DESTRUIR NÃO! NÃO EXCLUA FRANKFURT, QUEREMOS AJUDAR!”

4.       FECHAR O CONSULADO DE FRANKFURT  É FALTA DE VISAO

5.       Ministro Portas não nos feche as portas

6.       Na hora da economia coitado do que tem a barriga vazia

7.       Lohnt sich die Mühe? Die Mühe ist nie verloren, wenn nur die Seele groß geboren!) “Tudo vale a pena se a alma não é pequena”

8.       Quem seu amigo quiser conservar, com ele há-de negociar.

9.       Mais vale um Sim tardio do que um Não vazio.

10.   ECONOMIA & POLITICA fazem-nos GREGOS

11.   POUPAR, NAO É ENCERRAR O CONSULADO DE FRANKFURT

12.   Senhor Ministro diga não à economia pervertida!

13.   Senhor Ministro diga sim a uma economia invertida!

14.   O AMANHA COMECA HOJE

15.   É tarde para economia quando a bolsa está vazia.

16.   ” O diabo está nos detalhes e os detalhes têm que passar à prática

17.   Eu sou do tamanho daquilo que vejo e não do tamanho da minha altura.

18.   O Homem é do tamanho do seu sonho

19.   PORTUGAL ASSIM NAO ÉS PÁTRIA MAS PAÍS  QUE NOS IGNORA

20.   Depois de casa roubada, trancas à Porta(s).

21.   Economizar não significa tirar aos pequenos para dar aos grandes!

22.   Este mundo é uma bola. Quem nela anda é que se amola.

23.   É hora de tirar aos “obesos” para dar aos tesos

Amigos, podem fazer outras propostas

Abraço,

António da Cunha Duarte Justo

antoniocunhajusto@googelmail.com

www.antonio-justo.eu


Religião não é Renúncia mas Participação

Cristianismo é Teísmo e Panenteismo

António Justo

Os dogmas da religião e as teorias científicas seriam mal-entendidos se fossem reduzidos a absolutos lógicos ou a realidades factuais. Para nos relacionarmos e desenvolvermos precisamos da linguagem, de modelos.

Também a criança para poder dar as primeiras passadas precisa da perspectiva dumas mãos dispostas a ampará-la… Ver na criança a confiança como algo alienante seria reduzi-la à sua incapacidade de se transcender a si mesma. Muitos impacientes pretendem o Homem à sua imagem e semelhança, à medida da sua medida, à medida da sua consciência, como se esta fosse um dado estático adquirido e não um processo e como se cada pessoa, cada sociedade não estivessem sujeitas a um processo de crescimento precisando de parâmetros e duma pedagogia acompanhante. Uma religião autêntica não afirma só o ser, não divide o ser do fazer.

Já no Sinai o Deus da Bíblia revela: “Eu sou o que sou”, “Eu sou o acontecer” (“ sou o tornar-se”). Isto é testemunhado mais tarde na espiritualidade da trindade onde Homem (natureza) e  divindade transcendem a visão polar da realidade, revelando a Realidade como relação. A visibilidade e a invisibilidade irmanam-se. O Homem, a natureza (= Jesus) não terminam em si, mas fazem parte duma realidade mais abrangente o Cristo, numa relação já não binária (bipolar)mas trinaria. A descoberta do eu no tu realiza-se no nós da divindade. Só podemos ser reconhecidos no trajecto, sendo muito embora mais que ele! A vida é mais que um produto da natureza, ou que um dado acabado da razão, a seguir o caminho efémero do destino. Por trás de tudo há um chamamento, um Sol que atrai e aquece. E na raiz já se encontra o ser e a experiência do Sol.

É verdade que a religião, por vezes, se circunscreve a uma ascética, a uma moral que exagera a renúncia ao mundo. Afirma em demasia a filosofia grega esquecendo a mística joanina. Desvirtua-se ao manter na sombra a realidade trinitária, da incarnação-ressuscitação, onde em vez da lei da contradição grega se realiza a lei da complementaridade. O Pai realiza-se no Filho e este assume a matéria, como parte dele mesmo, desencrostando-a para a divindade fluir nela. Aqui o monoteísmo mitiga-se. Reúne-se o teísmo (transcendência) com o panenteismo = tudo em Deus: Deus dá-se ao mundo na criação mas mantem-se ao mesmo tempo fora do mundo. O cristão vive no e com o mundo em Deus, vive a realidade Emanuel. Ele crê que não pode adiar para depois da morte o processo da morte e ressurreição em via em nós e já antecipada pelo Jesus no Cristo. Sabe que o processo vital não se deixa reduzir ao ser fenomenal nem a caminho, permanecendo através do tempo (diacronia). A Vida é relação não só no aqui e agora do espaço e do tempo, não só na crosta do ser, mas especialmente no ser a acontecer. “Eu sou o tornar-se”. As pessoas da divindade manifestam-se pela relação e nós participamos nela.

Deus está acima das culturas e da opinião como o Sol acima da terra e das pessoas, encontra-se fora e dentro delas. A sua essência é amor fogo em tudo presente. Reduzir o corpo a veículo de luz seria desconhecer o seu ser que é luz. A luz não só está em nós como também faz parte de nós. Seria um retrocesso separar em nós o Jesus do Cristo… Trata-se de descobrir o nosso ser de luz. No sangue, no esperma, na seiva e na semente encontra-se o amor que expressa a existência do mesmo Sol. Essa luz precisa duma crusta, dum ser, dum indivíduo, duma instituição para poder brilhar.

Individuação sem recorrer à negação do outro

Definir é trair, por isso somos todos traidores inconscientes duma realidade que queremos nossa.No nosso desenvolvimento de criança para adulto atravessamos várias fases com as correspondentes crises. Assim, na adolescência temos a necessidade de negar os pais para nos sentirmos nós. Muitos de nós ficamos empancados na fase adolescente do combate contra o outro. A fixação na própria individualização leva-nos muitas vezes a negar os outros como se para nos branquearmos precisássemos da negrura dos outros. É fatal construir a própria individualização, a própria opinião na negação do outro. De facto aquele que já se encontrou dá uma chance ao outro, também, por estar consciente de fazer parte dele. Se emperramos nele é sinal que não ultrapassamos a fase da puberdade.  Abdicamos de crescer.

Lá fora no mercado das opiniões fala-se muitas vezes, de cor, como se fosse possível espírito sem corpo, inteligência sem cérebro, cidadão sem estado, crente sem igreja, democracia sem partido, bem sem mal. Aleatoriamente afirma-se, muitas vezes, a própria coloração do espírito contra a instituição. Não há liberdade pura, nem indivíduo nu; todo ele é pessoa com os vestidos da cultura e a coloração das circunstâncias do biótopo de que faz parte. Um sistema precisa de suportes (regras mesmo transitórias) senão rui, desfaz-se no caos. A beleza da rosa só é possível devido à mãe roseira. Muitas vezes afirmamos a beleza do nosso brilho de rosa negando ao mesmo tempo o verde e os espinhos da roseira: uma contradição. Em nome do colorido da liberdade não se pode evitar o escuro nas cores.

Não há raciocínio isento, só procura. O pensamento procura a luz tal como o embrião procura o sol: um e outro a caminho da verdade. A realidade existe no pensamento. Para o animal a realidade não existe porque ele faz parte dela. Para o homem ela existe no distanciar-se dela. A religião quer religar a realidade criada à Realidade perene. A liberdade em si não existe, ela é vida em processo de libertação em execução, um estar a caminho no caminho que se não fica pelo caminho; é como o sol, o amor que se encontra a caminho no botão à procura do Sol. Esse mesmo sol que era embrião se tornou em botão. O mesmo calor que se manifesta nas cores da flor expressa-se na devoção do crente e no entusiasmo do investigador científico ou do filósofo. Tudo pétalas da mesma flor.

Sonho e realidade são partes duma Realidade maior. O reino de Deus não é exclusivo nem exclui. Ele comporta também o espaço e o tempo, é ser aqui e agora numa perspectiva abrangente, do Alfa para o Omega, a caminho com o universo. O Sol chama/atrai toda a natureza e, mantendo-a embora inquieta, não se fixa na distinção entre os seres que desenvolve no seu chamamento. Também nós irradiamos o nosso sol e a nossa escuridão que se projecta no outro, e se manifesta em aceitá-lo ou em rejeitá-lo. Quanto maior é a escuridão dentro de nós mais escuro vemos à nossa volta, fora de nós; piores nos parecem os outros, deixando de ser próximos para os vermos como adversários. Esquecemos que a própria raiva escura não passa duma queixa ou duma vingança por um raio de luz não recebido.

Muitos estão dispostos a reconhecer Jesus com o coração mas rejeitam com o intelecto uma mãe que o dê à luz. Negam assim a realidade de que sem mãe não seria possível o filho. Sem a recordação, sem a memória também não haveria futuro, por muito que a lembrança, à primeira vista, pareça perda de tempo numa época que quer tudo já. No reconhecimento da mãe chegamos a ser mãe duma realidade que não temos em mão. Não há que desesperar: por trás duma jovem prostituta esconde-se uma boa mãe.

Somos todo povo a caminho em tensão entre o passado e o futuro na vivência do kairos. Memória, imaginação, corpo e espírito condicionam-se não se excluem. O ser também não se reduz à consciência dele. A religião quer abrir o caminho para novas dimensões, outras esferas. Também ela se encontra a caminho; teremos que a purificar purificando-nos. Sempre que atiramos pedras  aos outros paramos no caminho da vida, petrificamos o nosso ser.

Fala-se da fuga ao erro como se sem ele houvesse liberdade. Fala-se de realização pessoal como se ela fosse possível sem realização social. O erro é uma parte integrante de nós mesmos.

A sociedade corre o risco de se tornar infantil e irresponsável refugiando-se do stresse em “verdades ad hoc” próprias, em autonomias distantes, dum querer ser só pai sem mãe nem filho, numa dinâmica meteórica sem pertença nem sistema. Vivemos numa sociedade muito acelerada multiplicando, por isso, os resíduos que alguns chamam de impurezas, os naturais vícios da aceleração. As verdades fixas são produtos da mente, a Verdade é a realidade toda dinâmica a acontecer em nós, é processo e não conceito.

O preconceito dominante não deixa ver para além das embalagens das opiniões, fica-se pelo aspecto folclórico dos média, da ciência e da religião. O conteúdo seria incómodo para os donos da economia e dos pelouros públicos e para os formadores de opinião. Pensar é uma arte e reflectir faz doer.

António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo



COM O PECADO NASCEU A CULTURA

A ruptura é o princípio do progresso

António Justo

O cinismo hodierno quer-se branquear apresentando o pecado como algo fora de moda e que o reconhecê-lo constituiria um acto opressor. Pensa que ao destruir a consciência da culpa se livra dela. Vê no Deus criador um velho desmancha-prazeres. Por isso faz guerra a Deus no equívoco de que acabando com Ele acabam com a culpa, com o mal. Ainda acredita, com Rousseau, que o Homem no seu estado natural é bom e que só a cultura o estragou e corrompeu. “O homem é bom por natureza. É a sociedade que o corrompe” , dizia ele. Esta visão corresponde à atitude regressiva de Adão que, depois de seguir o acto racional da companheira Eva, teve remorsos e para evitar o incómodo do medo quis desculpar-se para voltar à “visão beatífica” animal de que gozava antes de seguir a racionalidade de Eva. Revela-se imaturo para assumir a coragem da culpa, aquela que o tornou Homem.


Sem culpa/dívida não temos homem nem cultura. A culpa torna-se numa dívida à vida transmitida e quem acordou o Homem para a cultura foi Eva, através dum acto proibido. Por isso o parceiro ainda sonâmbulo terá que a seguir sempre, na esperança duma natureza desperta. O Homem no estado natural não passaria do tempo em que era hominídeo, sem cortar o cordão umbilical com a natureza. Ignora o salto do animal irracional para o animal racional, na alegoria de Eva, que ao distanciar-se da natureza se descobriu como ser diferente do ambiente que a circundava. Ao descobrir-se diferente reconheceu o criador que a projecta para lá do horizonte da mãe terra e a ajuda a evoluir e a distanciar-se da irmandade hominídea para a reconhecer e seguir o próprio caminho. Já não lhe chega o tecto das estrelas sobre a cabeça; à imagem do criador que criou a terra, o Homem cria a cultura e com ela um tecto metafísico que o distingue dos irmãos animais e o ajuda a orientar-se nela. A natureza precisa duma atmosfera que a protege e o Homem precisa duma metafísica que lhe dá perspectiva. Como o Sol no céu da natura assim Deus no céu da cultura. O Verbo criou o mundo e o Homem criou a palavra, seu horizonte. Todos falam mas no falar é que se distinguem. No que entendemos sobre a natureza e as coisas é que está a diferença. Esta identifica-nos mas não é suficiente para nos definir; implica a outra parte de nós que é a diferença que nos torna diferentes. Fatal é o facto da teoria da evolução se ficar pela diferenciação. Aqui parece que Rousseau não compreendeu que a maldade/culpa humana é natural, que não é mais que a dívida da razão à natureza irracional. A tarefa está em reconhecer natura e cultura como metáfora, como a chance de, com elas, nos tornarmos nós com o todo.


Hoje reconhecemos a dependência mútua do bem e do mal que fazemos. O cristianismo aponta para  o aparente hiato entre natura e cultura que se realiza na irmanação de espírito e matéria na encarnação. Tem sempre presente a relação eu-tu-nós, não se limitando ao eu e ao outro. No cristianismo, pecado é a perturbação da relação com Deus, isto é a perturbação da relação comunitária do eu-tu-nós. A crença em Deus é uma procura dele, o direccionar-se do embrião humano para o ser em botão. A verdade acontece na procura e não no saber. Este serve só a individuação, como se viu em Eva. O problema da árvore do conhecimento do bem e do mal, penso que estará no facto de só se terem ficado pela dicotomia do saber. Ao comer da maça (da razão) descobrem-se nus, abrem os olhos. A proibição acentua a liberdade de poder transgredir. A História da cultura humana passa a ser um processo contínuo de tentativa e erro numa dinâmica de procura-tentativa-erro-decisão e assim por diante. Deus criou o mundo e o homem e com este criou a cultura e com ela a sua perspectiva. Em Adão e Eva encontra-se a “pré-história” e a “história” na passagem do inconsciente para o consciente. A criança é desculpada (vive de graça, não peca, não tem culpa) enquanto não comer do fruto proibido, enquanto não alcançar o” uso da razão”. Em Eva a humanidade alcança a consciência de indivíduo. Esta experiência é dura como podemos ler nos Géneses, porque a individualidade da pessoa se reconhece na desobediência a Deus, na dívida do indivíduo ao todo. A consciência do “pecado original” pressupõe a visão realista do ser humano e da natureza, uma natureza na tensão de saber-se separada para se poder unir.


Com Caim a humanidade alcança um outro grau de consciência, a consciência do poder. Também este estado de consciência é doloroso e associado à culpa porque se adquire à custa do assassínio de seu irmão Abel.  Se um progresso humano acontece no distanciamento de Deus o progresso social dá-se na culpa de se afirmar à custa do irmão. Caim (agricultor) desenvolve a consciência de ser político reconhecendo os conflitos de interesses entre os seus interesses de agricultor e os interesses de Abel  (pastor) e o mundo da mãe. Para se afirmar na sociedade rural e pastorícia, age egoisticamente matando o irmão Abel.


O pecado original (rebelião contra Deus – consciência da individuação) de Adão e Eva associa-se, depois, ao desenvolvimento da consciência de sociedade, o pecado social (político) de Caim e Abel (rebelião contra o Irmão, contra o grupo social). O Homem sente-se de princípio condicionado ao mal ao pecado/culpa. Para ser ele corta a relação com Deus e depois dessolidariza-se socialmente matando o irmão e consequentemente abandonando a mãe. O progresso pressupõe o abandono do seio materno e da tradição que o protegia; deixa de ser uma comunidade solidária. Daí o seu sentimento de culpa. Perde a inocência de pertencer a um todo harmonioso e indivisível. A inveja leva-o a assumir o poder. Culpa é uma dívida à vida transmitida. A razão procura dar um sentido ao caos. Para isso divide e separa para distinguir e afirmar-se.


O pecado é uma estrada para a verdade


A religião honesta não ameaça porque sabe que o que se encontra dentro também se encontra fora. Reconhece na pessoa que o último juiz está nela, para os cristãos na sua natura de Cristo. O afirmar da luz não justifica a negação da sombra nem vice-versa. O Sol no seu trajecto (movimento que ele provoca fora dele – na sua periferia) implica a noite. Do Sol surgiu a noite dos seres, a sua sombra; esta é mais que a sua (dele) expressão, mais que o brilho que dele reflecte.


As estações do ano constituem uma parábola da vida revelada no livro (tempo) da vida. Sem as purgações (a tempestade e a escuridão) do Outono e do Inverno, sem o descanso que a noite dá ao dia, a vida desapareceria tal como as cores no branco. Somos mais que força direccionada. Toda a comunidade, toda a instituição tem um conteúdo (valores, experiência) a transmitir através duma pedagogia, duma didáctica. Identificar o conteúdo com a pedagogia seria equívoco ou maldade.


Já o apóstolo Paulo dizia “Oh feliz culpa” alertando assim as pessoas para os bons frutos a colher do erro. O erro é a estrada para a verdade. A religião estimula a consciência a procurar e quer questionar para na espiritualidade experimentar o inefável.


O espírito crítico é muito importante para todo o desenvolvimento desde que se aplique para nós o mesmo critério que se aplica para os outros, desde que integrado num processo de responsabilidade. O adolescente tem a impressão que os pais (a religião) proíbem tudo. Este sentimento está ao serviço da sua individuação e sem ele não se tornaria adulto. Uma imperfeição não justifica a outra, mas, no mundo feito de imperfeições, é legítima a aspiração a uma imperfeição mais adequada. Problemático seria se o adolescente, para se afirmar, tivesse de rejeitar os pais. Na arena pública digladiam-se embriagados da própria razão. Tudo na fuga à culpa que liberta. Tudo peca contra o outro. Ninguém se confessa.


Verdade e falsidade são dois polos do mesmo problema que passam pela opinião, pela percepção intelectual. Os livros sagrados procuram expressar experiências de vida e do sagrado em letras, num código de regras, como se vê nos dez mandamentos. Revelam também o perigo que as normas também têm, o perigo de esconderem horizontes novos. “O Homem não foi feito para o Sábado, mas o Sábado para o Homem”, advertia o Mestre de Nazaré.


Há que ter em conta a realidade do pecado e da culpa não se fixando nele. O facto da jerarquia eclesiástica ser constituída por pessoas (limitadas) não nos isenta das próprias limitações na crítica ou louvor que façamos. (Abstenho-me de referir aqui os pecados da instituição Igreja porque esta já é o bombo da festa dos de má consciência e de grupos intolerantes organizados que dominam a praça pública). O óptimo é inimigo do bom; ele tornaria a vida insuportável e negá-la-ia. Verdade é que sem partidos não há democracia por muito imperfeitos e repartidos que estes se encontrem e por muito inteiros que a perfeição os queira.

As instituições, como o indivíduo, correm o risco de, ao fugirem do perigo, caírem na armadilha do medo ou de abusarem da sua situação. O medo não está na religião mas no sistema sensorial do cérebro, no sistema mais arcaico do cérebro. Ao contrário, a oração e a meditação mobilizam reservas cerebrais libertadoras dos medos artificiais. O erro, o mal são elementos essenciais à evolução e ao desenvolvimento. (A tarefa do consciente será descobrir jogos que o contorne sem o provocar). O Criador embutiu alguns erros na natureza para podermos fazer o mal quando fazemos o certo…

Só vemos o que os nossos olhos permitem ver; o que é grave é identificarmos o que se vê com a realidade como se esta não fosse mais ampla. Deus definiu-se como o “tornar-se” e nós, “feitos à sua imagem” se nos definimos só como “o ser” (a crosta) limitamo-nos a ser a tinta da palavra escrita mas não a Palavra/acontecer.

António da Cunha Duarte Justo

Teólogo,  Pedagogo e Jornalista

antoniocunhajusto@googlemail.com