Origem do Português e do Galego

A Língua portuguesa é a Irmã gémea do Galego

António Justo
A Academia Brasileira de Letras fez um levantamento sobre a língua portuguesa e verificou que esta tem atualmente cerca de 356 mil unidades lexicais.

A grande riqueza do português provém na sua maioria do latim e do grego e das línguas das tribos ibéricas: galaicos, lusitanos (marcas de origem indo-europeia e miscigenação com os celtas, anterior às invasões romanas), etc. e dos invasores germânicos do séc. V (cerca de 600 palavras de origem germânica) e dos ocupantes mouros (berberes e árabes do séc. VIII que enriqueceram o português com 600 até mil palavras); com os Descobrimentos o português continuou a enriquecer-se integrando palavras dos novos povos no seu léxico; actualmente a preponderância da cultura anglo-saxónica favorece a integração de palavras inglesas. De notar que o português não só recebeu palavras das culturas com que contactou mas também deixou crioulos e palavras noutras línguas (O japonês também tem cerca de 600 palavras de origem portuguesa).

O galaico-português era o idioma falado nas regiões de Portugal e da Galiza, no Reino de Leão, que devido à divisão política do mesmo espaço geográfico, posteriormente começou a diversificar-se nas línguas portuguesa e galega. A partir do séc. XII a literatura apoderou-se do galaico-português de modo, a o português se diferenciar no século XVI da língua galega, sua irmã gémea.

A língua portuguesa é a evolução do latim que, como língua veicular literária e cultural, se expressava de duas formas: a maneira de falar intelectual (erudita) e a popular; assim, na formação do Português, encontramos a forma clássica – a língua do Lácio falada até uma certa altura e depois mantida pelos eclesiásticos, poetas e prosadores, como veículo da cultura intelectual e por outro lado a forma do latim vulgar que era falada pelo povo e que abandonada a si mesma se ia modificando mais e mais, com um certo acompanhamento do linguajar erudito. O mesmo se dá hoje: distingue-se a maneira de expressar (especialmente na escrita) de uma pessoa sem grande formação e uma pessoa formada. Os próprios escritores latinos, que utilizavam a forma clássica, referem também o falar do latim vulgar do povo; os escritores romanos referem-se ao falar do povo com os termos “sermo vulgaris”, “cotidianus”, “plebeius”, “rusticus”, etc.

Estas divergências encontram-se ainda hoje nas formas populares e de escrita de qualquer língua a nível fonético, morfológico e por vezes até sintático. A população não consumidora de “alta cultura” usa menos palavras para se exprimir metendo por vezes numa só palavra outros sentidos ou conotações, enquanto a pessoa mais culta recorre, para tal efeito, a maior diferenciação e consequentemente a uma maior gama de palavras.
No território que hoje constitui Portugal e Espanha, já se falavam várias línguas, antes dos invasores latinos chegarem. Entre elas a mais falda era a céltica. O Vasco conseguiu resistir ao latim.

De resto, pelos fins do séc. IV a língua vulgar falada por toda a península era a forma vulgar do latim, o “romanço”. Com as invasões dos alanos, suevos e godos e depois dos árabes, o romanço foi enriquecido com palavras novas dos falares dos invasores. A língua, naqueles tempos abandonada a si mesma, sem disciplina gramatical que lhe desse formato evolutivo, decaiu modificando-se segundo as regiões, pois já não havia a administração romana para lhe dar sustentabilidade nem uma regulamentação da língua, a nível suprarregional. Entre os falares surgiu o galego-português que se modificou algo, devido à independência de Portugal alcançada por D. Afonso Henriques e à obrigação do uso do português então “arcaico” ordenado por D. Dinis para os documentos escritos em vez do latim. Assim, temos hoje o idioma português e o galego; a maior diferenciação do galego deu-se a partir do séc. XVI. Embora se possa provar a existência do galego-português no séc. VII (e o português proto-histórico – um latim bárbaro) só a partir do séc. XII surgem textos completos em português notando-se então a influência da literatura sobre ele.

Numa missão civilizadora, os trovadores que cultivavam a poesia e a música por gosto, contribuíram muito como estabilizadores e fomentadores da língua. Ao irem de castelo em castelo espalhavam também ideais e a dignidade da mulher. Os segréis faziam da arte de trovar uma profissão. Os jograis tocavam vários instrumentos e cantavam versos alheios (artistas da boémia). Muito do legado antigo encontra-se nos Cancioneiros Primitivos.
O lirismo galego-português é do mais genuíno e documenta-se como uma poesia de romaria a Santiago de Compostela e nas romarias aos santos. Segundo Celso Ferreira da Cunha deve “considerar-se como obra de síntese de diversas influências, sobretudo da poesia popular e da poesia latino-eclesiástica”. Tinha duas correntes poéticas: a cantiga de amor que denuncia influência estrangeira, e a cantiga de amigo de caracter popular tradicional. Esta é a primeira manifestação genuína do lirismo peninsular.

Um documento importante do português Arcaico é o Testamento de D. Afonso II (1214) que começa assim:” En nome de Deus. Eu rei Don Afonso, pela gracia de Deus, rei de Portugal, sendo sano e saluo, temete o dia da mia morte, a saúde de mia alma e a proe de mia molier, raina Dona Orraca, e de meus filios e de meus uasssalos…”

No português histórico temos a fase arcaica do séc. XII, XIII e XIV (as terminações arcaicas em “om” deram origem às terminações modernas em “ão” e “am”); segue-se a fase de transição do séc. XV e finalmente a fase moderna, com início no séc. XVI até hoje. No séc. XIV e XV introduziram-se na língua muitas palavras do latim erudito e do grego; o séc. XV foi muito profícuo em mestres da língua (Garcia de Resende, Fernão Lopes, Eanes de Zurara, Rui de Pina, Frei João Alves); a língua passa a ter o seu eixo já não em Santiago de Compostela mas em Lisboa; o séc. XVI produziu grandes mestres da língua como Gil Vicente, João de Barros, António Ferreira, mas o maior de todos eles, o grande mestre do português moderno foi Luís de Camões com “Os Lusíadas”. Camões é um grande entre os maiores da literatura mundial, como afirmava já o grande Friedrich von Schiller, grande poeta, filósofo e historiador alemão que trocaria a sua obra pela glória dos Lusíadas de Camões.

No séc. XVI dá-se a grande diferenciação do português em relação ao galego.

António da Cunha Duarte Justo
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Festival da Eurovisão Cavalo troiano ou Chance de Aproximação

Emissor turco boicota o Festival da Canção
Conchita Wurst  encarna a Luta cultural da Actualidade

António Justo
Conchita Wurst (Thomas Neuwirth), vencedor do Festival da Canção (Eurovision Song Contest) divide públicos e culturas em trincheiras intransponíveis. O emissor estatal turco não emitiu o festival por questões de moral e de decência e a Rússia constata a decadência ocidental.

Enquanto no Ocidente se vive num clima de guerra cultural de progressistas contra conservadores, nos campos de interculturas e civilizações vive-se na luta do modernismo ocidental contra a ética de rigor cristão e contra o tradicionalismo russo e islâmico. Esta guerra passa desapercebida a uma maioria perdida em lutas de perspectivas de moda (Zeitgeist). É uma realidade incontestável que os progressistas, como em Copenhaga, se encontram a favor do vento e ganham, uma a uma, as batalhas culturais na Europa. Isto exaspera as pessoas mais conservadoras.

A Rússia e a República de Bielorrússia, depois da vitória de Conchita “Salsicha”, pensam em organizar um Festival da Cancão próprio. O chefe do partido comunista russo disse que depois do resultado de Copenhaga “a paciência encontra-se esgotada”; o presidente de Bielorrússia diz que o resultado do Festival está simbolicamente para “ o colapso completo dos valores morais na EU”; a Turquia não transmite o festival mas já se tinha afastado em 2012. O amigo de Putin, Vladimir Jakunin, chefe das ferrovias russas, uma das personalidades mais influentes na Rússia, vê em Conchita a expressão da arrogância ocidental porque quem não aplaude “a mulher barbuda” é colocado no rol dos não-democratas e acrescenta “o etno-fascismo vulgar tornou-se novamente parte da nossa vida”. Defende a lei russa contra a homossexualidade afirmando que 4% das crianças russas com um gene defeituoso nascem homossexuais e que isto foi provado pela medicina. Só acredita na igualdade de casamento entre heterossexuais e homossexuais “quando vir um homem grávido”.

É pena, tanto para um lado como para o outro, até porque temos muito a aprender uns dos outros! Este foi um evento que seria inocente se não nos encontrássemos numa luta cultural entre uma visão mais secular progressista e uma visão mais conservadora da sociedade, numa luta franca pela apropriação da moral.

Quanto a mim, gostei da música e da encenação. O Ruído em torno da Couraça de Conchita Salsicha encobriu a Música do festival. Não gostei da utilização da ribalta pública para, com aparentes argumentos de tolerância, se encenar, à maneira do Corão, uma ideologia em que o próprio credo se apresenta como sendo obrigação e a solução universal. Triste é o facto de as duas partes (tradicionalistas e progressistas) falarem com o rei na barriga, na conquista de uma grande parte de público inocente que bebe a libertinagem intencional modernista tal como medievais bebiam a mortificação, como meio de alcançar a felicidade.

Na verdade, os contrastes que Conchita sintetiza com a sua apresentação – o encontro da feminidade e da masculinidade – seria realmente ideal, se por detrás disso estivesse a defesa da integração das potencialidades da feminilidade e da masculinidade, tanto no homem como na mulher e se o episódio não fosse movido por um movimento agressivo masculino, demasiado fixo no sexo, e na reivindicação do direito da modernidade a ter sempre razão contra a tradição.

Conchita Salsicha (uma alusão ao sexo da mulher e do homem) é um homem em corpo de mulher que, ao apresentar o seu rosto com barba, sobrevaloriza a masculinidade. Querem-no como protótipo do Homem: um Jesus de aspecto feminino mas de rosto barbudo.

Na sua pose messiânica depois de ter ganhado o festival, Conchita disse: “este é um sinal importante para o mundo…“ „Esta tarde é dedicada a todos os que acreditam no futuro de paz e liberdade. Nós somos uma unidade e não há quem nos pare”. Estas palavras constituiriam programa se não focalizassem a salvação no sexo, se fossem bem-intencionadas, para poderem ser tomadas a sério por tradicionalistas e progressistas e não como uma declaração de guerra. O resultado da eleição testemunha a tolerância dos eleitores que vêem no evento um apelo à tolerância e a uma liberdade de expressão que desafia representações ideais e morais.

Não é a primeira vez que um trasvesti ganha o 1° lugar do Festival da Cancão. O marketing ideológico em torno do sexo e o contexto político em torno da Ucrânia com os posicionamentos russo e da Nato deram mais relevo ao evento. O problema da Europa, não parece ser de desemprego ou de carência, mas de luta de ideias e de poder…

O festival da Eurovisão deixou de ser um evento cultural em que se apresentava a riqueza das diferenças culturais dos países participantes e que reunia em torno da TV toda a família, para se tornar num evento de caracter mais igualitário híbrido promotor de políticas e de tecnologias.
O vice-primeiro-ministro russo Dmitry Rogozin declarou que “a Eurovisão mostrou aos europeus a sua perspetiva da Europa – uma mulher de barba”. Sem querer questionar a propensão decadente da Europa, seria também de perguntar qual seria a caricatura que a arte oriental teria a apresentar em relação ao futuro da Rússia e da UE!

Reduzir a atitude russa a homofobia seria colocar-se no outro extremo; no da homofilia também ele sem lugar para a diferença e para a liberdade da direcção a tomar na autodeterminação. O autoritarismo russo com a correspondente propaganda é tão obtuso como o autoritarismo da opinião ocidental com a sua propaganda categórica do politicamente correcto. O facto de a Rússia ter proibido por lei, em Junho de 2013, a promoção de hábitos sexuais “não tradicionais” entre menores de 18 anos, não justifica a propaganda ocidental agressiva contra a Rússia; esta não proibiu a homossexualidade em geral. Se a Rússia e a sociedade islâmica abusam no seu purismo sexual, o Ocidente secular abusa com a sua libertinagem em certas medidas tomadas em relação à cultura, à educação sexual nas creches e nas escolas e, não menos, com a sua intenção de educar o povo numa direcção secularista. A sociedade parece só apostar num desenvolvimento de caracter polar. Quem pretender ser anti-nada fica mal na massa dos anti-outro. Urge que a Europa saia da luta cultural polarizadora para construir uma consciência integral.

Já não temos os mouros ao pé da porta que justifiquem cruzadas contra outras opiniões ou culturas. A discussão e variedade de opiniões são salutares; só na aceitação da diversidade se exercita a tolerância. “Não há judeu nem grego, escravo nem livre, homem nem mulher; pois todos são um em Cristo Jesus (Gálatas 3:27-28). A força emancipadora deve vir de dentro numa discussão respeitosa dos pontos de vista e da integridade humana. Fora de questão deve estar a defesa da dignidade humana e da integridade e liberdade da pessoa. É discutível se a participação austríaca ganhou devido à cancão ou se venceu Conchita pelo facto de “o diferente” ser politicamente correcto. “Quem com ferros mata com ferros morre”! A promiscuidade de política e religião não se revela salutar, mas não é melhor a promiscuidade de arte e política. Urge criar laços de responsabilidade entre as facções e recuperar a dignidade humana, sem ter de abandalhar a sociedade nem de reprimir a individualidade de cada um. A tolerância é uma estrada de dois sentidos tanto de direita como de esquerda. Nem é boa a festa desenfreada nem um tango demasiado travado!
António da Cunha Duarte Justo
www.antonio-justo.eu

ÀS MÃES NA MINHA MÃE

ÀS MÃES NA MINHA MÃE
Minha mãe, minha amiga!
No teu canto embalado
Sinto o berço da vida.

Minha mãe,  és a Rosa
Na roseira da vida
Mãe aurora, nos teus ramos
As cores brilham, já nos gomos

Minha mãe, minha amiga
Recatada e tranquila
És livro aberto, és jardim
Da beleza que jorra em mim

Mãe benigna e corajosa
Que aceitaste trazer-me à luz!
Os teus olhos, meus focos são
Na procura da luz do dia!
Deu-nos mãe, o criador
Para nela, deixar o filho.
Segue Deus que ama o mundo
E na mãe ama os filhos!
António da Cunha Duarte Justo

A ARTE DE SER FELIZ – BOA E MÁ DISPOSIÇÃO

O Vento na Natureza é como as Ideias na Alma e nas Vivências

António Justo
O estado de ânimo e o estado do tempo são duas manifestações de realidades compartilhadas: o sol na natureza e o Espírito na pessoa. Sol e Espírito estão em relação directa: chove em mim, chove na natureza! No bom tempo há sol, alegria e ideias positivas, no mau tempo há chuva, tristeza e ideias negativas. Fazemos parte duma realidade em reciprocidade mais ampla do que a do próprio biótopo de que julgamos ser senhores.

Certamente que já lhe aconteceu, depois de ter passado um dia calmo e sereno, com alguém da sua relação, de repente, ao dizer algo, desencadear-se uma tempestade de sentimentos e relâmpagos de ideias cada vez mais incendiárias. A atmosfera chega, por vezes, a carregar-se de tal modo que o fogo do instante faz desaparecer o sol que antes brilhava em nós.

Na procura de relações de amizade experimentamos demasiado os extremos da pressão e depressão climática e psicológica. Não fossemos nós também natureza! Na procura de carinho, aceitação, reconhecimento e estabilidade não contamos com as leis da nossa meteorologia interna a que está sujeita também a nossa natureza humana. Em momentos de crise social, grassa mais, o temporal na família e na sociedade política e civil. Nota-se a insegurança individual e social para onde quer que se olhe! Daí, cada qual sentir a necessidade de se refugiar numa trincheira comum com “amigos” que confirmem a própria opinião aplainada num biótopo próprio, contra uma paisagem variada e diversa de altos e baixos, contra o lá fora. Procura-se uma amizade de primavera que não suporta as outras estações, quer em si quer nos outros. Escolhe-se viver numa estufa de ideias e de sentimentos, fora da natureza, fora da realidade completa que somos. Esquece-se que as ideias e em parte os sentimentos são apenas fenómenos externos e, por vezes, se comportam como o tempo. Ignora-se que o biótopo privado dos amigos e companheiros é um biótopo entre muitos outros, numa natureza diversa e diferente que a todos mantém vivos no movimento.

As ideias tornam-se como fósforos a raspar na caixa do sentimento. As ideias como o vento arrastam atrás delas a chuva e o sentimento. Quanto mais fúria sopra do vento das ideias mais as ondas das emoções se levantam e encrespam. Lá fora como cá dentro, há tempos de altas e baixas pressões.

A paisagem da nossa alma tem muito de comum com a paisagem da natureza lá “fora”. Como nela, no nosso coração há chuva, abertas e sol. Os princípios e as leis que as regulam são semelhantes e há algo de comum também. Quando há sol na natureza, no nosso coração tudo se torna, dentro e fora, mais leve e o horizonte revela-se mais largo. Se chove ou há nevoeiro na nossa alma, nem notamos a beleza da paisagem por onde passamos.

Forças, que, por vezes, se revelam más em tempos de tempestade, se bem vistas, podem tornar-se produtivas, como acontece no uso do vento para fins energéticos se forem orientadas. O mesmo se diga em relação às ideias. Em cada pessoa como na natureza há energias ciclónicas e anticiclónicas, marés-altas e baixas, euforias e depressões.

No mar da vida, para se levar uma vida equilibrada, há que aproveitar o vento propício para melhor se abordar à costa. Em tempo de nevoeiro torna-se perigoso arribar. É preciso esperar o bom tempo das ideias, das ideias benignas e da calmaria do coração para se abordar o outro e então resolver os problemas com horizontes largos e duradouros. Em mim como no outro, nas ideologias como nas sociedades, se notam os mesmos estados do tempo!

As rajadas do vento e das ideias, como a calmaria do estado do tempo lá fora e o estado da atitude de espírito em nós, são situações naturais a compreender para se aceitar a realidade própria e do outro. Depois da tempestade avizinha-se o nevoeiro e normalmente é precisa a predisposição para se olhar em redor na descoberta dum arco-íris anunciador de sol. Esta é uma oportunidade para se descobrir a si no outro. E “depois da tempestade vem sempre a bonança”, não fossemos nós natureza e não nos víssemos nós no espelho dela. Como na natureza também na panorâmica humana há diferentes biótopos de caracteres e mentalidades como se pode verificar da observação de discussões acirradas entre optimistas e pessimistas, entre o comunista e o capitalista, entre a reacção da pessoa em estado eufórico ou depressivo. O pessimista naturalmente que preferirá dizer “depois da bonança vem a tempestade”. É sempre uma questão de perspectiva. Se um olha na direcção do dia o outro olha na direcção da noite! A natureza e nós, somos dia e noite! No fim, a intenção é que vale e já antes os dois tinham razão, situando-se o problema apenas na perspectiva de cada um! O problema não está na natureza mas na rosa-dos-ventos!

Criar em nós uma instância do bom humor

Há pessoas muito sensíveis que reagem como micro climas. A boa ou má disposição influencia a percepção dos outros e do que dizem. Na verdade, até o tempo se torna cúmplice do nosso humor. Os mesmos temporais, as mesmas bonanças do tempo, lutas e discussões da pessoa e da instituição; o mesmo acontece em casa, na família como na polis e na disputa entre os partidos e na discussão de opiniões; tudo isto se encontra submetido às mesmas forças e leis a descobrir. Os problemas surgem principalmente do facto de cada indivíduo ou grupo ter uma visão perspectiva da realidade quando esta é a-perspectiva. Tudo apenas um problema do tempo lá “fora” e cá “dentro.“ Assim acontecem as ventanias e as tempestades destruidoras na natureza, e as rajadas que devastam a sociedade, a família, as amizades e as pessoas.

Como nas pessoas assim nas montanhas. Se na base há nevoeiro certamente que lá em cima brilha o sol. Se nos encontramos na depressão, no vale, na comba da tristeza, certamente que só veremos no outro o escuro do nevoeiro do sopé da montanha e a própria escuridão nos atemoriza porque vemos fora o que está dentro. Como me encontrava no sopé não podia ver a montanha toda no outro e em mim. Hermann Hesse resumia um saber da psicologia nestas palavras: “Se você odeia alguém, é porque odeia alguma coisa nele que faz parte de você. O que não faz parte de nós não nos perturba” Transmissão ou transferência é um fenómeno psicológico muito comum e a que se deve prestar atenção, especialmente quando alguém fala mal de outro!

Todos fazemos parte da mesma montanha. Se dum lado da encosta há chuva do outro haverá sol. A paisagem que hoje sorri ao sol amanhã chora à chuva. Tudo sofre e se alegra a seu tempo. À depressão (tristeza) do sentimento dum lado corresponde a pressão (alegria) do outro lado.

Urge aceitar os sentimentos como se aceita o tempo para se evitar o curto-circuito de ideias e a consequente trovoada dos sentimentos. Se me encontro no fundo do vale, do lado da encosta sombria das ideias é melhor esperar por uma aberta ou tentar subir a encosta até encontrarmos o sol e assim nos podermos orientar melhor numa perspectiva para além do nevoeiro. No nevoeiro e na tristeza certamente que pintaremos a vida e o outro com cores escuras, não podendo deslumbrar nelas a beleza da realidade das cores do arco-íris. Os problemas ocasionais passam com uma simples mudança de perspectiva; os grandes permanecem tanto no sopé como na encosta da montanha. Estes porém só devem ser resolvidos com eficiência na fase soalheira da vida. Doutro modo formam-se opiniões e tomam-se decisões que criam maiores problemas ainda, por falta de horizontes mais largos.

A questão será encontrar a balança numa vida consciente da tempestade e da bonança. As diferentes estações manifestam diferentes riquezas em interdependência em nós e nos outros, entre o cá dentro e o lá fora, que são parte da mesma realidade.

A disposição, o bom ou o mau humor, determina a nossa vivência. Somos mais que o mimetismo das nossas ideias e sentimentos. Para mudar a vivência não chega mudar as circunstâncias exteriores porque também as nossas ideias e sentimentos provocam, muitas vezes, a cor do ambiente, a cor das circunstâncias exteriores.

À distância vê-se mais. A causa da nossa má relação está, muitas vezes, em pensar nela. Não chega esperar pelo tempo que cura todas as feridas. Importante é pôr-se o problema e esperar-se pela solução mais tarde. Para os problemas ocasionais do dia-a-dia, muitas vezes, basta tirar o cobertor escuro das ideias com que envolvemos o parceiro e nos envolvemos a nós. Na cama dos sentimentos é preciso arredar os pijamas das nossas ideias e procurar tocar com a própria mão no corpo nu do outro. Então, na nudez do outro descobrirei a própria nudez, e sentirei nele o calor primaveril que me incendiará também a mim.

Se a ocasião não proporcionar tanta proximidade, basta um sorriso, um louvor verdadeiro. O sorriso, o louvor é como o sol que derrete as roupagens das neves mais resistentes.

Agradecer e louvar é um acto nobre que reconhece a realidade do dia e da noite, do bom e do mau humor no todo e em cada um.

Se queres ser feliz, entra na tua vida, descalça as botas. Sentirás a felicidade de um estar com todos sem te perderes em ninguém, dá-se a fusão dos polos. Então sentirás a harmonia do agora a fluir; na felicidade o tempo passa e o caminho une-se à meta. Felicidade é sentir a paz do mar profundo nas suas ondas altas!

António da Cunha Duarte Justo
Pedagogo e Teólogo
www.antonio-justo.eu

 

REPENSAR A REVOLUÇÃO – RECRIAR PORTUGAL

Quadragésimo Aniversário da Revolução dos Capitães de Abril

António Justo
Comemoramos o quadragésimo aniversário da revolução dos capitães. No imaginário popular permanece a imagem de armas a dar à luz cravos. Quem foram os vencedores e os perdedores da nação? Numa data de ênfase de mitos e feitos da revolução, a sociedade precisaria de cabeça fresca para a avaliar e melhor entender a realidade em que se encontra e, a partir daí, melhor poder construir um Portugal moderno e mais justo para todos. Os revolucionários de Abril eram, de uma maneira geral, pessoas idealistas a quem faltava o sentido da complexidade da realidade nacional e internacional bem como a competência para avaliarem da dificuldade do empreendimento da descolonização e da democracia. Embora os actores do 25 de Abril lutassem contra a ditadura e a repressão, em defesa da igualdade e da sua liberdade, não conseguiram, no geral, criar uma sociedade mais justa, porque imbuídos do espírito soviético, sob o ardil dos “Ideais de Abril”. Assim, embora, a nova ordem trouxesse melhorias exteriores, a violência, a corrupção e o poder instalaram-se em nome de uma nova ideologia pretensiosamente popular. Vindos de um Portugal enevoado, vislumbraram a beleza do arco-íris num horizonte risonho que logo quiseram reduzir à faixa vermelha dos descampados alentejanos. Sob o lamiré dos “ideais de Abril” conseguiu-se confundir de tal modo o povo que, este, até hoje, ainda não se deu conta do que estava realmente por trás dos “ideais de Abril” e se resumiam originalmente na instituição de uma ditadura popular, à maneira soviética, chinesa ou cubana. Os ideais da revolução resumidos no programa do MFA parecem não ser entendidos para poderem continuar a ser sublimados.

Antes tínhamos os liames da nobreza e da burguesia, hoje temos a confissão partidária e dos irmãos.

De uma burguesia que vivia dos caseiros passou-se a uma burguesia partidária que vive das benesses e privilégios de um Estado irresponsável, sem espírito laboral mas explorador dos contribuintes. O que o Estado recebe dos empresários sérios e do povo trabalhador desperdiça-o nas mordomias e na economia, incrementando pessoas sem personalidade ética nem competência empresarial.

A economia, a cultura e os Média precisariam de enquadramentos que lhes possibilitassem a formação de força própria para, deste modo, adquirirem uma certa independência da política. Só assim, se poderia criar, na nação, um equilíbrio de forças competitivas entre eles, que os tornaria em correctivos uns dos outros e possibilitaria a recriação de um estado que não fosse incubador do parasitismo. Urge superar a República burguesa-partidária e antipatriota.

Cultura promíscua da Mediania e do Desenrasca

O problema de Portugal é a sua pequenez; nas suas elites acontece como nas irmandades maçónicas: toda a boa gente se conhece e se encontra sempre na disposição de fazer bem ao amigo; isto num país de filhos e enteados! Temos uma elite portuguesa promíscua mas fechada, vinda de vários sectores (economia, justiça, política) formada por relativamente pouca gente e onde todos se conhecem e se apoiam reciprocamente; este factor proporciona o suborno e a corrupção institucional; possibilita uma espécie de mafia de luvas brancas, uma elite democrática de tesoura na cabeça, também envolvida nos Media. A miscelânea e demasiada confiança entre eles fomentam um povo desprevenido! Neste ambiente é natural que toda a gente aspire a ter um “amigo” de cima, uma cunha grande. Assim se fomenta uma mentalidade do viver encostado; assim se constrói uma cultura do desenrasca.

O Estado português tem servido de encosto e de plinto de lançamento das pessoas a ele encostadas; estas geralmente vindas dos partidos, sem experiência laboral nem tradição laboral familiar, são lançadas também nas finanças e nas grandes empresas onde o Estado/Partidos asseguram lugares para os seus. Uma tal situação conduz a uma economia sabotada, dependente dos parasitas do sistema, só podendo produzir pobreza ou gente remediada.

A formação histórica da burguesia económico-cultural-política tem-se dado sob o signo da mediania. O poder económico e político encontra-se, tal como antes do 25 de Abril, nas mãos de poucos que exercem a hegemonia sobre Portugal, nos diversos âmbitos sociais. Os líderes económicos e políticos sofrem todos do mesmo mal; um problema de mentalidade, que atravessa todas as camadas da sociedade portuguesa, e vai do partido comunista, ao Bloco de Esquerda, ao PSD, ao PS, etc. Daí a falta de solução. Não há grupos propriamente concorrentes; a concorrência dá-se apenas a nível de rua, na demagogia partidária, num discurso manipulador e apelativo para um povo que não existe, porque também distraído por noticiadores mais preparados para anunciar a banha da cobra do que para descrever a situação real do país. Na Idade Média as grandes famílias nobres estavam familiarmente interligadas, hoje são substituídas pelos grandes grupos financeiros e pelas irmandades ideológicas e partidárias a nível europeu. Cada qual, na sua “família„ defende o seu feudo. A economia portuguesa não pode ser produtiva porque além de ter de manter a burguesia partidária com os seus tentáculos polvo, tem de reservar lugares de direcção para os amigos dos partidos ou das irmandades. Temos uma economia com empresas na dependência do Estado que tem de dar lugares de emprego a gente da política sem vocação nem formação empresarial. Juntamos os defeitos da sociedade socialista aos da capitalista. A classe política serve-se desavergonhadamente do Estado e da sociedade porque tem a sua rede de amiguinhos em todo o lugar. Neste ambiente não são precisas grandes discussões públicas temáticas de fundo, basta vitamina c, lançar areia para o ar, ou culpar o estrangeiro, defeito que parece termos herdado da cultura mourisca.

Consequentemente, as novas gerações (pós 25 de Abril) receberam uma herança de graça que agora desemboca na crise. Acordamos num jardim zoológico muralhado quando sonhávamos a liberdade de passarinhos sem gaiola nem fronteiras. Equivocámo-nos ao pensar que o sonho era realidade e que a realidade era sonho. Julgávamos que era possível uma sociedade só de académicos e de dançarinos do poder, numa colectividade de cigarras sem formigas, à maneira do conto de fadas da “Mulher, a Galinha e os Ovos”; entregues à dança e ao simplismo, os valores morais tornaram-se aleatórios e demos cabo das boas escolas comerciais e industriais de então. A revolução, nascida mais da ideologia do que da realidade, desprezava o trabalho manual. A discriminação do trabalho manual em relação ao intelectual e a aposta na construção do estado sem ter em conta a nação levou-nos ao estado em que nos encontramos.

O 25 de Abril envelheceu deixando, os mais velhos, desiludidos dos marxistas, maoistas, comunistas, anarquistas que queriam uma mudança radical. Constatou-se que o sonho era só para alguns, como podemos verificar nas suas posições, remunerações e pensões.
Somos todos corresponsáveis. Quando o indicador da nossa mão aponta para a responsabilidade dos outros há pelo menos outros três a apontar para nós.

O que resta é acordar da utopia para a realidade: de boas intenções está o Inferno cheio. Ao irrealismo que domina a nossa matriz mental, o 25 de Abril veio acrescentar-lhe a utopia que aposta na sorte e na carta de crédito sem cobertura. Assim a terceira república tornou-se no maná dos oportunistas e num peso para o povo. Como povo com bolsa de pobres e boca de ricos continuamos a ser o melhor solo para os afortunados da vida e para uma corja de boys que proletarizam o povo e a ética cultural que o sustenta. Estes conduziram o país à depressão desacreditando os valores do sonho de outrora.

Precisam-se novos paradigmas que protejam as famílias, o interior e a diversidade; ontem foi preciso dizer não à ditadura na defesa da vontade popular, hoje é preciso dizer não à má governação, à corrupção, à exclusão social. Vê-se que os valores de Abril só poderão ter sustentabilidade com um plano de fundo cristão. Sem a volta do povo e dos governantes ao espírito cristão que constituía a identidade da nação, o futuro de Portugal ainda se tornará mais incerto e corrupto: se os que orientam os destinos da nação são corruptos que resta ao povo senão imitá-los!

O 25 de abril criou os seus pobres como o Estado Novo tinha criado os seus! Não se encontra nenhuma forma de governo que prescinda dos pobres. Cada regime, com os seus representantes, serve-se dos pobres (povo) para se afirmar e para legitimar a continuidade da história, tal como cada um de nós se serve da sua lógica para levar a sua “razão” avante! A História encontra a sua continuidade nos diferentes regimes que se servem do gramado, da plataforma dos pobres! O povo continua o eterno refém dos regimes.
A Republica, e com ela, os sindicatos e os partidos, encontram-se imbuídos do espírito antipatriótico, sem consciência de povo nem de nação. A república, surgida do jacobinismo francês e de irmandades internacionalistas desalmadas, foi dominada pelo pensamento de interesses de grupos e de individualismos inferiores e recalcados à procura do sol burguês. De nacional só têm um certo espírito mafioso de encontrar por lugares esconsos, secretos e sombrios! O sol compensador da sua inferioridade, procuram-no no brilho que vem de fora; um fulgor corrupto de um meio, que eleva os chulos, de alardes consulares, aos camarins dos seus bordéis, onde o povo e a cultura são violados.
Os problemas não são de governos mas do desgoverno da governação e da oposição. Precisar-se-ia de uma mudança orgânica dos partidos; como a mudança só pode vir de dentro, a sociedade civil que se sente mais consciente e responsável, teria entrar nos partidos para possibilitar a sua mudança.
O problema da nação não está na sua corrupção e no Estado falido. O problema do país está no facto de não ter alternativa para as elites corruptas. Há 780 portugueses multimilionários com fortunas superiores a 25 milhões de euros. Isto seria legítimo se o povo andasse bem e enriquecesse nas mesmas proporções que eles enriquecem; o mesmo se diga dos altos funcionários e beneficiários dos partidos.
António da Cunha Duarte Justo
www.antonio-justo.eu
Formado em Ciências da Educação para Português e História