MISSA DO SÉTIMO DIA – A VIDA VIVE EM MIM

A VIDA VIVE EM MIM

A vida que em mim vive
É choro e canto, é noite e dia.
Um fazer desfeito
Na relação que passa

A vida que em mim vive
Na lembrança que voa
É fumo de fogo presente
Nos silêncios que se descobrem
No bafo da morte

Tu minha vida és morte que fica
Na sombra  que passa
António da Cunha Duarte Justo
In Poesia António Justo http://comunidade.sol.pt/blogs/ajusto/default.aspx

MÉTODO DA CONTROVÉRSIA E A EXCELÊNCIA ESCOLAR JESUÍTA – REFLEXÃO

Do “Porquê” ao “Para quê” e do “Porquê” do “Porque” e do “Porquê”

António Justo
Conta-se que, certo dia, perguntaram a um sacerdote jesuíta: – Senhor padre. É verdade que um jesuíta responde sempre a uma pergunta com outra pergunta? – E porque não? – Responde o jesuita.

(Depois de 500 anos foi eleito um Pontífice vindo de uma ordem religiosa: o jesuíta Jorge Mario Bergoglio agora Papa Francisco. Como jesuíta não repousa nas respostas, responde a uma pergunta com outra pergunta: um papa, um jesuíta como sinal e programa para a construção da sociedade humana?

O porquê da anedota dirige-se ao intelecto não só com uma preocupação de procurar fundamento (porquê) para a questão, mas também de entender a sua finalidade (para quê) e o meio (com quê).

Uma questionação-resposta, do estilo porquê-porque, correria o perigo de limitar a visão ao intelecto ou a um contexto limitado e limitador. E um “porque” final fecharia a porta de uma realidade que é, por essência, sempre aberta por mais respostas que se encontrem para ela.

Quem se dá satisfeito com a simples resposta (isto é, com o porque) confirma um certo tradicionalismo, afirma apenas o status quo estranho à filosofia cristã… O método ignaciano de questionar a pergunta transcende a visão individualista/situacionista que procura a consolação imediata numa resposta que satisfaça (de um porque… e ponto final); a questionação da pergunta pode parecer controversa mas orienta o desejo para horizontes mais abertos sem calcar as potencialidades individuais e circunstanciais. A pergunta ajuda a ultrapassar o buraco de uma primeira ignorância que a resposta preencheria; ela possibilita a criação de um espaço de silêncio, uma abertura na inteligência (etapa reflexiva) de modo a o silêncio iluminar uma nova resposta depois de um olhar direccionado para outros sentidos ou perspectivas.

A questionação da pergunta possibilita sempre uma abertura ao reconhecimento dos múltiplos sinais da vida numa existência complexa, mais abrangente e que abre a perspectiva para algo que transcenda a situação concreta/circunstância (para o obrar de “Deus” no mistério da vida). A pergunta à pergunta implica também uma purificação do pensamento e tem como consequência a descentralização do ego, dirigindo a ideia também para o outro, para o essencial; o momento do vazio/reflectivo pode possibilitar o salto do ego e do mero circunstancial para o outro, onde, no profundo da ipseidade, a Realidade se reúne e acontece a ponto da pessoa consciente poder falar a partir do interior da Realidade, toda ela feita de complementaridades. Ou, traduzindo em discurso cristão: onde o próprio responde dizendo, já não com o ego de Saulus mas com o eu profundo de Paulo que exclamava: “já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim”; a este nível expressa-se a consciência do Cristo cósmico de que fala o jesuíta Teilhard de Chardin. Ao consciencializarmo-nos da realidade como a natureza humana de Cristo (resumo do Céu e da Terra) possibilita-se a cristificação individual e do universo num processo da incarnação e ressurreição como todo integrado já não numa dialética do eu-tu mas numa relação trinitária do nós.

Também o papa Francisco só pode ser entendido nesta perspectiva orto-práxica. Não há perguntas tolas, o que pode haver são respostas desvairadas. Bento XVI e Francisco I são dois momentos diferentes do mesmo discurso. Tudo é questionável, só Deus não se questiona porque a sua pergunta/resposta se encontra na natureza e na História e estas encontram-se resumidas no protótipo da realidade toda que é Jesus Cristo (matéria e espírito). Deus é mais que passado presente e futuro; por isso seria unilateral fixar-se só no pensar do passado ou no modo de pensar do presente, poderia dizer um jesuíta. Futuro implica questionar toda a resposta, consciente de que ela faz parte do corpo físico.

O Globalismo do Pensamento jesuíta expressa-se na Utopia do 5° Império – Pombal com a Maçonaria organiza uma Guerra de Morte contra os Jesuítas

A qualidade da pedagogia jesuítica foi marcante nos países da lusofonia. No livro “Gangorra ou História triste” pode constatar-se bem o método jesuítico de educação num episódio descrito por um jesuíta (1) num parágrafo que trata das relações entre espanhóis e índios: Um jesuíta que assistia a um índio maltratado mortalmente pelos espanhóis perguntou ao índio: -“Você prefere ser salvo e ir para o céu, ou recusa a salvação para ir ao inferno?” A essa questão de resposta aparentemente óbvia… o moribundo vermelho responde com outra pergunta: -“existem espanhóis no céu?”. –“Sim, certamente” – responde o jesuíta. –“Para o Inferno”, responde o Índio. O índio colocado numa perspectiva de céu e de inferno não encontrava razões para convicções e deste modo o jesuíta com o seu método coloquial aproveitava para condenar, indirectamente, a governação espanhola. A pergunta abre a possibilidade de alargar o leque de perspectivas e de entrar em relação alargada.

Os Jesuitas nos seus colégios da América do Sul e da Ásia seguiam no ensino superior o modelo de ensino da Universidade de Coimbra e de Évora preferindo o modus parisiensis ao modus italicus: o ensino era gratuito, no secundário estudava-se Gramática, Humanidades e retórica e no Ensino Superior: Artes, Ciências, Dialética, Filosofia e Teologia (2)

Os jesuítas despertavam a desconfiança dos governantes devido à influência política e educativa que tinham e, por, nas colónias, se colocarem ao lado dos indígenas (criticando os colonos). Com o seu relativismo na argumentação, questionador do argumento de autoridade, também frustravam o espírito absolutista dos poderosos da europa; por outro lado tinham demasiado poder causando sombra ao poder laico que se procurava afirmar e institucionalizar contra a influência do poder religioso.

O enciclopedismo e o iluminismo eram de tendências anticatólicas e anti-jesuítas atendendo também a que estes eram os críticos mais sistemáticos do protestantismo. A Reforma religiosa e as guerras de religião levam os Jesuítas a centrarem-se no essencial. Surgidos do espírito da Reforma da Igreja Católica, apostavam na educação para fomentar uma consciência humana não limitada ao religioso nem à ideologia, (Interessante que já o Padre Manuel da Nóbrega queria, no Brasil, incluir escolas para meninas no ensino, mas a Coroa não estava à altura de permitir tal exigência); entendiam-se como pioneiros da utopia na realização da civilização cristã. Tinham um ensino orientado para elites e para cargos do poder. Praticavam a inclusão de culturas, de camadas sociais e de disciplinas… como processo de aprendizagem competitiva tinham exames e debates públicos (3).

Pombal acusava a atuação dos jesuítas com os indígenas do Brasil; segundo ele, os homens brancos eram apresentados aos índios como maus, como mais interessados no ouro do que qualquer coisa e, mais grave, prontos para atrocidades” (4).

A maçonaria, na sua qualidade de iluminismo esotérico, e de organização secreta que considera o próprio preconceito acima de outros preconceitos institucionais, estrutura-se infiltrando-se nas estruturas do Estado e Universidades, procurando controlar as elites, para, deste modo, direccionar os destinos das nações. A maçonaria ganha expressão concreta no déspota iluminado, o Marquês de Pombal. Este aliado à sua família e correligionários difama os jesuítas, persegue-os, nacionaliza os seus bens e expulsa-os do império lusitano, declarando-os como “ímpios e sediciosos”; conseguiu que a inquisição os perseguisse e expulsou-os de Portugal; no ano da sua expulsão (1759) a ordem jesuíta tinha 1698 membros em Portugal. “Em meados do século XVIII os colégios da Companhia de Jesus tinham, no reino, cerca de vinte mil alunos, numa população estimada em três milhões de habitantes… No Brasil, a primeira universidade criada é o Colégio dos Jesuítas da Bahia em 1550. Esta formou o ilustre António Vieira (ideia do 5° império).

A luta maçónica contra a Companhia de Jesus é tão fundamentalista e cruel que só pode ser compreendida na rivalidade dos maçons que queriam conquistar as elites para si seguindo assim uma estratégia elitista de ocupação dos centros de elite a nível de instituições e de ocupação de lugares estratégicos da política. O que a maçonaria e o anticlericalismo pretendiam era aniquilar os jesuítas e o poder da Igreja Católica para os substituírem na influência; o que em parte conseguiram através de um republicanismo jacobino ainda hoje a actuar nas caves da República portuguesa e nos centros de deliberação da UE. A batalha decisiva de Pombal e correligionários era minar o mito de um Portugal ponta de lança da Europa cristã e instituir nas estruturas do estado e nas subestruturas dos partidos uma rede de irmãos da mesma ideologia que atravessa as instituições…

Também o ilustre jesuíta Teilhard de Chardin se refere ao conflito entre secularismo e religião, ente materialismo e espiritualismo: “Aparentemente, a Terra Moderna nasceu de um movimento anti-religioso. O Homem bastando-se a si mesmo. A Razão substituindo-se à Crença. Nossa geração e as duas precedentes quase só ouviram falar de conflito entre Fé e Ciência. A tal ponto que pôde parecer, a certa altura, que esta era decididamente chamada a tomar o lugar daquela. Ora, à medida que a tensão se prolonga, é visivelmente sob uma forma muito diferente de equilíbrio – não eliminação, nem dualidade, mas síntese – que parece haver de se resolver o conflito (5).”

Na pergunta à pergunta relativiza-se a primeira e com a sequência pretende chegar-se à percepção do mistério e ao ser do Homem como processo aberto e à procura numa tentativa de solucionar problemas mediante perguntas e respostas. A Ratio Studiorum dos Jesuitas (1599) incluía a Contenda (debate) que levava à concentração no essencial (6).

Longe dos centros europeus do poder, na américa do sul e no Oriente, a pedagogia e o sistema de argumentação Jesuíta revelaram-se muito profícuos.
No Sermão da Sexagésima, o jesuíta António Vieira expôs o método do discurso: 1. Definir a matéria. 2. Reparti-la. 3. Confirmá-la com a Escritura. 4. Confirmá-la com a razão. 5. Amplificá-la, dando exemplos e respondendo às objeções, aos “argumentos contrários”. 6. Tirar uma conclusão e persuadir, exortar.

A Controvérsia como Método de Descoberta da Verdade

A Controvérsia ou “disputatio”, usada nas universidades medievais, era um método didáctico de disputa ou debate para persuadir e encontrar a verdade (apresentada a tese segue-se a argumentação – a favor ou contra – seguindo-se depois a avaliação em que a divergência será resolvida); era uma aprendizagem baseada na análise das fundamentações e premissas (de caracter dedutivo); a aprendizagem dá-se através da contraposição de conteúdos e de posições opostas (defensores e oponentes); modernamente não se procura a verdade mas sim a firmeza/coerência de um sistema de argumentação em relação a uma determinada tese (método indutivo).

A disputa ou debate controverso era usada para esclarecer questões contenciosas… No cristianismo esta tradição já se encontra documentada no judaísmo na discussão entre Jesus e os Doutores da Lei (Lucas 2:42-51) e nos primórdios da cristandade (Atos 15:2); expressa-se também nas disputas inter-religiosas e entre as diferentes ordens religiosas e nas apologias contra os hereges (7).

Martinho Lutero também fez uso desse costume académico na discussão das teses teológicas e filosóficas, verdadeiros duelos dialéticos orais entre peritos de religiões ou posições diferentes …. Aquando da Dieta de Ratisbona (1541) na disputa entre teólogos católicos e protestantes acordou-se que o único juiz é Jesus Cristo, pelo que “não admitiriam nenhum outro juiz da controvérsia senão Jesus Cristo”. Os Jesuitas deram grande relevo à pedagogia da controvérsia nos tempos modernos.

Também o terceiro dos imperadores mogóis da Índia (1542-1605) iniciou na Índia uma série de debates entre muçulmanos, hindus, jainistas, zoroastristas e jesuítas para discutir a charia.

A controvérsia era uma forma escolástica dura, mas justa de discutir e descobrir verdades em teologia e ciências entre teólogos católicos, judeus e outros: vencia quem tinha os melhores argumentos. Lutero teve várias disputas públicas sobre diferentes dogmas e teses. Os jesuítas revelaram-se os seus mais consequentes adversários.

Controvérsia no diálogo inter-religioso era muito importante na disputa pela verdade; na Idade Média Hispânica, Ramon Llull (1232-1316) testemunha a importância da procura da verdade no texto apologético “Disputatio Raimundi Lulli et Homer Sarraceni”, onde vem narrada a experiência de
Llull num cárcere tunisino, onde este chega a dizer aos sábios muçulmanos que se eles tivessem argumentos suficientes ele se converteria ao Islão.

O discurso casuístico empregado pelos jesuítas nos tratados de moral é questionado por Blaise Pascal nas suas cartas Provinciais (1656-57). Na Carta V, Pascal testemunha a prática discursiva dos tratados morais dos jesuítas criticando-a porque dava espaço ao relativismo e a um certo sufismo que questiona o argumento de autoridade e dá relevo a opiniões prováveis ou opostas. Pascal em Pensées revela-se contra o minimalismo jesuíta que questiona a autoridade moral dos padres antigos que, na perspectiva de argumentação jesuítica, se encontravam mais próximos dos apóstolos mas, por outro lado, mais distanciados da realidade moderna. Pascal insiste acusando os jesuítas de terem propositadamente uma moral dúbia, ora rigorista, ora laxista, com o objectivo de agradarem a todos, e assim governarem todas as consciências. Refere ainda os abusos das doutrinas probabilistas que proporcionam a justificação de todas as infrações. A experiência só pode proporcionar contingências e probabilidades. Segundo os historiadores Giacomo Martina e Ricardo García Villoslada, as Provinciais além de denunciarem muita moral laxista e permissiva de então, iniciam o rótulo negro do jesuitismo e estão na base de grande parte do anticlericalismo dos sécs. XVIII e XIX.

De facto, os maçons, defensores do despotismo iluminado, entraram numa luta ideológica cerrada contra os Jesuítas. O terremoto de Lisboa é acompanhado por um outro grande terremoto, o sismo ideológico, de que o estado e sociedade portuguesa jamais se refizeram: assistimos a um tradicionalismo ancestral autoritário e um modernismo estrangeirado dogmático que se combatem em vez de se complementarem e integrarem; de um lado a ideologia iluminista que arrogantemente se apodera dos órgãos do poder e do outro uma tradição religiosa escura e vítima ou que se considera como tal.

Nietzsche expressa claramente o espírito crítico do tempo em relação à Igreja católica quando diz: “O que é que combatemos no cristianismo? Que ele queira quebrar os fortes, que queira desencorajá-los da sua coragem, explorando as suas más horas e cansaço, querendo transformar a sua orgulhosa segurança em desassossego e remorsos de consciência […] até que os fortes sucumbem sob os excessos de autodesprezo e do auto-mau trato…” (8).

O Advogado do Diabo

Na universidade de Coimbra e depois na de Évora seguia-se a pedagogia da controvérsia que se expressava na defesa pública da tese e noutros rituais académicos, nos tribunais de praxe e na figura do “advogado do Diabo”.

A figura Advogado do Diabo (arte de convencer e persuadir através de argumentação controversa para ter em conta os argumentos contrários) implica uma didáctica académica e uma estratégia retórica numa disputa em que o advogado eclesiástico assumia a posição de oponente (uma posição que não precisa de crer), nomeadamente num processo de canonização defendida pelo advocatus Angeli); deste modo, com o advocatus diaboli, o processo de canonização ganhava maior objectividade factual e consistência. É um método sério para o encontro da verdade e que obstava a convicções preconcebidas (reunião de razão e fé na disputa pela verdade).

O método da controvérsia e do advogado do diabo fortalece a própria argumentação alargando as suas perspectivas, na mesma pessoa falam vários espíritos. Nele processa-se então uma análise crítica das próprias ideias e convicções. Ao preparar um discurso sob diferentes perspectivas este método alarga e aprofunda a própria consciência e reflexão além de formar competências nas formas de argumentar num discurso. A existência de uma teologia no cristianismo (coisa que não acontece no Islão por este se esgotar na jurisprudência) deve-se à preocupação cristã de unir a fé à razão.

PEDAGOGIA IGNACIANA

Como vimos, os jesuítas sempre tiveram grande influência na formação das elites…. O método pedagógico ignaciano implica uma pedagogia da excelência para a fé e para a justiça: serve-se da controvérsia como método de portas abertas para uma realidade a-perspectiva e com diferentes acessos a ela, segundo as “portas” que se utilizam para entrar nela. Os alicerces da sua pedagogia são a reflexão, a experiência e a acção.

A Pedagogia ignaciana centra-se na formação integral da pessoa, coração, inteligência e vontade; integra a reflexão (clarificar a motivação interna do que sou e do que me move e respectivas implicações), a acção (de carácter holístico como prática do amor) e a experiência (conhecer sentindo as coisas por dentro) e as três em contínua interacção. A componente reflexão torna-se essencial pois apela ao significado pessoal e humano da aprendizagem/experiência; implica uma atitude de ser “pessoa para os outros ” dando importância ao contexto e à participação no desenvolvimento colectivo (9).

Tal filosofia envolve uma formação integral orientada para os talentos pessoais com valores comportamentais positivos morais e intelectuais, pressupostos para o crescimento pessoal de maturação humana para melhor servir o outro.

A Ratio Studiorum da Companhia de Jesus fundamenta o conhecimento pessoal e espiritual da pessoa pretendendo uma excelência educativa que tem Jesus Cristo como fim e modelo de vida humana, uma vida partilhada e aberta à liberdade na diferença e diferenciação.

De facto, a essência da vida cristã é relação, como se pode depreender da fórmula ou princípio de toda a realidade resumida no mistério da Trindade. O gene divino em nós torna-nos inquietos na procura do reencontro, na antecipação do futuro. Só me compreendo e realizo na relação com outro, a minha definição e a minha identidade é incompleta sem ele. A própria célula que pareceria solitária não o é porque se encontra numa relação transcendente de tecidos e órgãos…. A verdade encarna, ganha forma dinâmica numa determinada realidade que se expressa como processo.

Também na Alemanha as universidades jesuítas eram centros dos Media destacando-se pela inclusão de várias formas de comunicação, logo desde o início e incluíam as procissões, teatro, canto, segundo o princípio docere et movere (10). Ainda hoje os jesuítas têm grande prestígio e encontram presença relevante nos meios científicos e políticos da Alemanha. O seu ensino é muito exigente: Trata-se de ensinar e mover! Na Alemanha no discurso cultural e público, apesar das lutas da reforma e contra-reforma, não se encontra hoje o espírito jacobino e radical que tem tolhido o génio português, desde que se encostou a um espírito demasiado dialético do iluminismo-liberalismo francês.

António da Cunha Duarte Justo
Teólogo e pedagogo
In Pegadas do Tempo www.antonio-justo.eu

(1) “Gangorra ou História triste” in https://books.google.de/books?id=UkiGv1KTH-sC&pg=PT127&lpg=PT127&dq=O+jesu%C3%ADta+responde+a+uma+pergunta+com+outra+pergunta.&source=bl&ots=1ozsLT6V8w&sig=a0-NVNUOLtzS09z6NqSb1wkzgds&hl=de&sa=X&ved=0CD4Q6AEwBGoVChMI26b_o6qzyAIVIYtyCh0CdAaP#v=onepage&q=O%20jesu%C3%ADta%20responde%20a%20uma%20pergunta%20com%20outra%20pergunta.&f=false
(2) http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/pdf8/ST6/012%20-%20Fernanda%20Santos.pdf
(3) Revista Brasileira de História das Religiões: http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/pub.html
(4) COSTA, Célio Juvenal. A racionalidade jesuítica em tempos de arredondamento do mundo: o Império Português (1540-1599): http://www.historia.uff.br/cantareira/novacantareira/index.php?option=com_content&v ew=article&id=129:osjesuitasnosetecentos-ed6&catid=61:artigos-ed6&Itemid=79
(5) Teilhard de Chardin, em “O Fenómeno Humano”. Segundo Chardin, que defendia o Panenteísmo cósmico, a Terra seria composta de várias camadas esféricas: Barisfera ou núcleo metálico terrestre; Litosfera ou camada de rochas; Hidrosfera ou camada de água; Atmosfera ou camada de ar; Biosfera ou esfera da vida; Noosfera ou esfera do pensamento ou espírito humano: Cristosfera ou âmbito de Cristo.
(6) www.cerescaico.ufrn.br/mneme/anais; http://www.cerescaico.ufrn.br/mneme/anais/st_trab_pdf/pdf_st1/antonietta_nunes_st1.pdf
(7) Catholic Encyclopedia (1913)/Religious Discussions.
(8) Friedrich Nietzsche in Nachlass. KSA 13, 11 [55], p.27 f.
(9) Cf. Arte discursiva: http://www.ruigracio.com/000pdf
(10) Cf. Delectare, movere et docere: http://www.musica.ufmg.br/permusi/port/numeros/17/num17_cap_07.pdf

Dos Vendilhões do Templo de Jerusalém aos Vendilhões de Bruxelas

Entre Fariseus progressistas e Saduceus conservadores

Por António Justo

Situação na Polis outrora e hoje

Os Saduceus (conservadores, acreditam no livre-arbítrio, negavam a existência da alma, de espíritos e de anjos) pertenciam ao alto escalão social e económico da sociedade (aristocracia do Templo) e seguiam estritamente a Tora (Lei); os Fariseus (progressistas acreditavam na liberdade humana mas com influência do destino e na ressurreição dos mortos), fanáticos e “hipócritas” seguiam a Tora e a tradição oral, manipulando as leis no seu interesse e juntavam o poder religioso ao poder político (no Sumo Sacerdote).

Os saduceus eram colaboracionistas dos gregos e dos romanos pelo que eram odiados pelos partidos dos Zelotes. Comportavam-se em relação ao poder ocupante romano de maneira serviçal e oportunista, acatando no Sinédrio (senado) as decisões de Roma.

Muitas das características descritas em relação aos Saduceus e Fariseus encontram-se hoje na política e nos parlamentos nacionais também no que respeita ao poder da UE e ao Grande Sinédrio de Bruxelas.

O Modelo de Sustentabilidade que dá Perenidade ao Desenvolvimento

Parto do princípio, porém, que a sustentabilidade e sobrevivência do povo judeu, deve muito aos Fariseus. Interessante que tanto o Povo Judeu como a Bíblia (Antigo e Novos Testamentos) se tornam em protótipos do desenvolvimento histórico e humano. Em Jesus Cristo podemos reconhecer a integração e conciliação da materialidade/corporalidade e do espírito (divindade) numa só pessoa; por outro lado, o povo judeu mantem também ele na sua existência a tensão e inclusão dos extremos que lhe garante a continuidade através da História. Moral da história: só a integração, do aparentemente polar e contraditório, num processo de inclusão de complementaridades (numa realidade superior para lá das diversas perspectivas), conseguirá dar sustentabilidade à sociedade – missão essa, que o Cristianismo assume na vivência da experiência da Realidade Jesus Cristo na qualidade de comunidade e de pessoa; como realidade relacional e processual aberta, o Cristianismo contem no seu protótipo da Realidade, a fórmula que serve ao mesmo tempo de matriz de indivíduo e sociedade que comporta a antecipação do futuro garantidor de todo o Homem e de toda a comunidade humana na plataforma da divindade suporte de toda a realidade existente e não existente (fórmula trinitária) numa dinâmica do já e ainda não.

Da Ordem natural das Coisas – Polis entre Fariseus, Escrivas e Saduceus

Dado que sem preconceito não se passa ao conceito, há que constatar: no discurso político é muito frequente tropeçar-se com Escribas e Fariseus: uma direita com o rei na barriga e uma esquerda com a rainha; de resto, petulâncias ou rumores intestinais.

Fariseus e saduceus, ontem como hoje, manifestam duas tendências/princípios naturais que dão continuidade a um povo numa dinâmica de preconceitos interactivos das duas partes. O erro da hipocrisia fomentadora do preconceito parece ser o óleo dos veios de transmissão entre o motor (o agente) e o carro (povo) e, como tal, o erro torna-se, a nível factual, numa constante motriz do desenvolvimento histórico.

A ordem natural das coisas dá razão e favorece os detentores do poder ou os que se encontram na sua disputa. Quem não entende isto, em termos de política, está predestinado a ser terreno onde aqueles escavam seus regos para a água deles passar. Lógica da questão: quem não entra fica como o cão à porta e por mais que ladre nunca chega a ter razão (na lógica factual do poder)!

Do mercado da polis – Hipocrisia e Iniquidade

Portugal dá a impressão de andar sempre em campanha eleitoral, sem espaço para discutir nem elaborar programas de governação; parece ser um agregado sociológico de repúblicas (povos) – sem Povo – num arraial antigo, onde ecoam os pregões e os berros.

Quem não tem acções partidárias no mercado da polis resigna, faz da tristeza raiva ou procura consolação na exclamação: “Ai de vós, escribas e fariseus, hipócritas, porque sois semelhantes aos sepulcros caiados… também vós exteriormente pareceis justos aos homens, mas, por dentro, estais cheios de hipocrisia e de iniquidade.” (Mt 23. 27-28)

Tal como nos tempos bíblicos, temos conflitos programados e de que bem vivem os escribas/saduceus e fariseus.

A palavra Fariseus ganhou a conotação de hipócrita e de confessos aparentes. Fariseus e Saduceus/Escribas fazem parte da dialética social e são adversários entre si mas quando se trata de defender os próprios interesses sublevam e dividem o povo para poderem legitimar e manter as estruturas do poder que lhes oferece palco seguro para se afirmarem (manipuladores do povo matam Jesus para depois lavarem as mãos na “inocência do povo” que os legitimou). Inteligentes como serpentes, encontraram e encontram uma estratégia comum que lhes dá segurança na ocupação dos cargos de prestígio da nação e a maioria dos postos no Sinédrio. A inveja e a ganância atiçam-nos uns contra os outros, a ver quem mais come enquanto o povo olha e ladra para enganar a fome.

A ganância humana torna-se apetite desenfreado. Se não fosse o apetite que seria do saborear!… Mas o povo cada vez mais habituado ao fastio vai perdendo o apetite e o caracter, fomentando ainda mais os apetites dos poucos.

O apetite partidário é tanto que chega a não distinguir o que já lhe estreborda do prato. Victor Hugo dizia “em tempo de revolução, cuidado com a primeira cabeça que rola. Ela abre o apetite ao povo”. Por essa razão andará tanta gente à volta de algumas cabeças; o problema delas será nunca se saciarem; por isso se tornam cães de guarda ou feras.

Todos mereceram a crítica do Mestre da Judeia porque adorando ídolos e não Deus mostravam-se como os mais dignos de respeito entre o povo. Uma reflexão pessoal e nacional, para ser salutar a nível de comunidade, deveria passar a considerar a dialética polarizante como mal menor a ser ultrapassado processualmente no serviço de um bem maior que é o todo de tudo em todos. Premissa da relação: o outro que permite identificar-me é o tu que dá consistência à minha ipseidade (eu-tu-nós) que se expressa na relação do eu-tu inclusivo a realizar Jesus Cristo.
António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo www.antonio-justo.eu

A INCLUSÃO CONTINUA A SER UM ESTRANGEIRISMO NO DISCURSO POLÍTICO PORTUGUÊS

Lógica da Gadanha e da Batata levam à incapacidade do compromisso para o Bem-comum

Por António Justo
“Seria uma obscenidade política o próximo governo ser liderado por quem perdeu as eleições” disse um Pires de Lima que, em vez de limar as arestas dos partidos no sentido de um compromisso de coligação útil para Portugal, aposta na conversa barata apoiante do tipo de discurso com que se tem estabilizado a corrupção, o compadrio e o sistema partidarista português.

Segundo as eleições não houve propriamente nenhum partido vencedor por muito que o gostássemos da cor do sangue ou da cor do bronzeado das praias. O compromisso de PS e PSD com a Zona Euro impede-os de serem de esquerda ou de direita em matéria de confissão nacional. Muito do povo contundente ainda não percebeu isso limitando-se a desviar a água de Portugal para o seu moinho e a urinar só para o rio. Nesta situação quereríamos continuar a ser um “jardim à beira-mar plantado” a trabalhar só para o bronze (de alguns)!

Pelos resultados das eleições o povo queria a formação de um governo de grande coligação com os partidos mais votados porque sabia que o PS defende a política de Bruxelas (da Zona Euro). O que interessa ao povo são soluções para Portugal. O sistema partidário português prefere conversa fiada a tomadas de medidas realistas de compromisso que beneficiariam o povo de Portugal.

De um lado, uns com o rei na barriga e do outro, outros com a rainha na barriga. Assim se mantem um Portugal sempre pobre, por tanto amor dos partidários da cor da camisola! Como cada partido e cada adepto só conta com a sua barriga e tê-la cheia de razão (dogmática) com curvaturas de tipo leguminista ou carnista, não se vê hipótese para soluções equilibradas e úteis; cada qual só avista o Portugal das suas cearas ou das suas manadas pretendendo encurralar um Portugal plural e rico não numa só gamela. A história é às vezes mestra da vida mas o país recusa-se a evoluir porque rejeita reconhecer a variedade e a beleza dos seus diferentes biótopos.

Da Verdade das Cores do Arco-íris

A realidade, tal como a lógica, tem muitas perspectivas. De um lado, os do carpe diem com a ideia do não é para se fazer mas para se ir fazendo e do outro, os que gozam o dia porque sabem que o povo não exige o tal querer para poder e assim vão podendo e querendo à medida que o pasto rico vai chegando para a sua manjedoura. Portugal precisaria certamente de mudar mas, como vai tendo para ir sobrevivendo, evita a dor do pensar e o consequente incómodo de mudar. Por isso basta-lhe o equilíbrio das suas energias entre o seu génio temperado e a sua expressão de revoltado.

Ainda não descobrimos que o problema não está nos outros mas em nós (indivíduo, partido ou país), nem que a razão de ser portuguesa está na diferença geografia diferenciada, na diferença de ideias e temperamentos que precisariam, para se tornarem efectivos, do espírito de iniciativa inovadora, da tolerância e do compromisso. A verdade é como o arco-íris, que reúne todas as cores, mas que ninguém pode agarrar só para si nem tão-pouco fazer dele uma só cor. Este é o dilema da situação de Portugal político onde as elites garantem ao povo que o arco-íris é seu; na realidade, nem o ser da própria cor conhecem. O grande problema não vem tanto de todos termos razão ou do espírito de cumplicidade mas da incapacidade de sermos pessoas de compromisso e nos deixarmos embalar pela sereia do amanhã com os seus acordes de fatalidade do destino.

Do Povo de Mouras encantadas a adiar a Vida e a Verdade

Na realidade se prestarmos atenção ao testemunho dos nossos grandes escritores de todos os tempos constatamos que o retrato do povo e suas elites, feito por eles, se repete. É um problema crónico de cumplicidade entre governantes e governados. E o fado entoa em nós sempre a mesma entoação: o acorde da queixa. Num meio assim não há culpados nem desculpados, somos como somos e por isso o génio da cultura teima em desculpar a falta do agir com a ideia de “a culpa morreu solteira” ou ainda “casa em que não há pão todos ralham e ninguém tem razão” e para completar a ladainha dos nossos actos de fé desculpamo-nos com o argumento que impede a mudança da situação, pois, de facto se constata que “ladrão que rouba a ladrão tem cem anos de perdão”. O cinismo do problema vem do facto de todos nós sermos povo e ninguém conseguir ultrapassar o tempo da responsabilidade que começaria a partir dos cem anos.

Da Lógica da Gadanha e da Batata

A lógica da gadanha é presunçosa, confunde a norma com a própria opinião; fala de cima para baixo; prejudica pessoas inocentes ou indefesas usando para a sua argumentação generalizações, ataques baixos, mal-interpretação dos factos ou usa ainda citações fora do contexto. Usa uma lógica perversa justificando as barbaridades do presente com as barbaridades já passadas. Engana-se a si mesmo julgando-se num reino isento, no reino de uma verdade mesquinha que só encontra relva para a sua gadanha.

Em Tempos de Mentiras e Meias-verdades
Num passeio que hoje fiz com Nietsche discutimos muito sobre o “Homem-Superior” e a “vontade de poder”, sobre a verdade e a mentira; a conversa não foi fácil mas, finalmente, chegou-se a acordo quando Nietsche disse: “A principal mentira é a que contamos a nós mesmos.”
António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo www.antonio-justo.eu

OS RISCOS DO CRENTE AD HOC COM UMA IDENTIDADE INTERNET

A Caminho de um Estado Polícia e de uma Sociedade de Monopólios?

Por António Justo

Portugal pioneiro na Aplicação digital

Os dados biométricos dos bilhetes de identidade, encontram-se especialmente desprotegidos em Portugal por reunirem no Cartão do Cidadão o número de identificação civil, os dados de acesso à conta de saúde e os dados da Repartição de Finanças. Estes dados podem ainda ser complementados pela ligação da conta bancária às finanças, reunindo assim os pressupostos para a realização de um Estado Polícia.

O indivíduo ao ver o Bilhete de Identidade substituído pelo Cartão do Cidadão, com a possibilidade de interconexão dos dados, passa a ter uma outra plataforma de identidade de caracter meramente funcional. Portugal encontra-se a nível técnico na vanguarda da Europa dando a impressão de ser a cobaia para posteriores aplicações nos outros países da União Europeia que recolhem dados mas de maneira mais discreta devido à discussão crítica e pública do cidadão.

A Microfísica do Poder

O tecto metafísico que tem regulado as normas de comportamento da sociedade ocidental revela-se demasiado exigente para uma sociedade de vida ad hoc. À regulamentação religiosa segue-se a regulamentação política que tenta, em nome de valores convencionados, criar um tecto legislativo e uma rede digital que proteja a sociedade dos abusos da liberdade individual. À medida que o autocontrolo ético e moral de caracter espiritual se esvai, aumenta o controlo externo do foro penal estatal. A desresponsabilização e a despersonalização em via levam o indivíduo a prescindir de elementos de identificação baseados em deidades e em espiritualidades para centrar a sua acção numa ética da concorrência de luta livre pela vida. Passa-se do homo faber que vivia do trabalho com o suor do seu rosto para o homo economicus liberto da culpa mas subjugado à dívida. Nesta sociedade de transição, o homo economicus prescindirá, ocasionalmente, de muitos dos elementos de identidade porque o âmago da sua alma se encontra identificado no Chip (microplaqueta) do Cartão Multibanco.

No Cartão do cidadão e na conta Google encontra-se já simbolizada a “microfísica do poder”.

A Multipersonalidade de Pessoa e as Identidades digitais

Quem viajava nos mundos de Fernando Pessoa encontrava-se já no âmago da era da transição hoje em via. O magnífico poeta futurista Fernando Pessoa procede ao desdobramento do “eu” fazendo-o corresponder a diferentes identidades. Ele confirma: “Multipliquei-me para me sentir, Para me sentir, precisei sentir tudo,… E há em cada canto da minha alma um altar a um deus diferente…”

Fernando Pessoa, um vate para iniciados, é a expressão da fé moderna que exercita cedo o alargamento da sua Identidade nos Heterónimos e que hoje se constata no originar-se de identidades digitais. A internet torna-se como na continuação da sua literatura.

A transmissão e circulação de dados possibilitam também, a nível individual (User) a criação de “identidades digitais”. O User (utilizador) na qualidade de receptor e emissor, tal como acontece em literatura, pode proceder ao alargamento da sua imagem. O mesmo indivíduo cria diferentes papéis e personagens à imagem de Fernando Pessoa com os seus heterónimos (Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos) que apontam para a pós-modernidade. A Rede (Net) pressupõe a possibilidade de criar novos perfis ou de modificar uma sua imagem já existente.

Os instrumentos digitais facilitam a melhor acomodação ao ambiente e possibilitam uma formação mais abrangente com aprendizagens mais rápidas e a formação de um pensar mais diversificado. Tudo isto tem as suas consequências na formação de uma nova identidade. Esta mover-se-á mais entre virtualidade e realidade entre aldeia e mundo, criando a ilusão da identificação de indivíduo-casa-aldeia-mundo com um outro estilo de vida e uma nova convivência. Da aldeia o usuário, através da janela do seu computador, tem a sensação não só de ter o mundo em casa como também a intuição de ser mundo. A sua individualidade acompanha as linhas do seu horizonte que se desloca no sentido global.

A autopromoção digital através da rede acontece num surfar (“Surfing”) que faz lembrar um discurso literário com diferentes metáforas e jogos que dão asas à fantasia e criam a ilusão de descorporização e da ampliação dos próprios contornos na construção de uma nova identidade que se encontra em processo entre o virtual e o real. À deslocação do foco do Horizonte segue-se a deslocação (“glocalização”) das próprias periferias, criando-se novos espaços virtuais, numa imitação da realidade a que se segue a criação de uma nova realidade.

Investigações no campo dos jogos virtuais e de outras potencialidades da Internet chegam à conclusão que o utilizador (User) cria em si uma certa anonimidade através da ausência do corpo, de apelidos (Nicknames), de confraternizações no jogo, da possibilidade de mudar de género e da comunicação com todo o mundo. Isto cria nele uma vivência especial e a formação de um novo desenho da própria ipseidade. A nova personalidade torna-se dependente do real e do virtual e a percepção do real e do virtual passa a resultar da dependência da interação da noção de virtualidade e de realidade.

A obcecação pela tecnologia e pela digitalização

A obsessão pela tecnologia e pela digitalização de tudo torna fatal o optimismo do progresso pelo facto de querer realizar tudo o que seja possível, como se vê na doutrina do centro do poder do séc. XXI em acção a partir do Silicon Valley. A experiência milenária mostra que à concentração do poder se segue o abuso de poder. O objectivo de se querer um mundo melhor não justifica o uso de todos os meios e, para mais, quando os seus líderes não aceitam correctivos e não se importam com as infraestruturas da sociedade e da pessoa. Precisa-se da fomentação de um sistema em que as pessoas participem, de maneira a resolverem os verdadeiros problemas da natureza (ecologia) e da humanidade (paz, amor e justiça).

De facto o que se encontra no centro dos interesses é o dinheiro e o poder; a mudança da sociedade e do mundo acontece como aspecto colateral ou por acréscimo. Assim, o progresso não pode tornar-se num regresso à imaturidade. Aqui põe-se a questão de quem fomenta e quem controla.

Vivemos num período de transição em que também a controvérsia se torna produtiva. Dave Eggers resume no seu livro “The Circle” os aspectos negativos da sociedade virtual preocupada em se encaixar no sistema e para melhor realizar o seu papel perde de vista o que realmente está a acontecer em todos os sectores da sociedade. As fábricas do pensamento criam realidades de facto como as do Vale do Silício (Google,etc.) e só passados tempos se reflecte sobre a situação criada e eventuais problemas a ela ligados. Como comentadores encontramo-nos numa luta perene atrás da desgraça e do medo mas com a satisfação de o fazer para que não haja tantas vítimas do silêncio. Conscientes de que o centro dos interesses é o dinheiro e o poder, importa com o nosso contributo não contribuir para o ruído seja ele em termos de crítica ou de aplauso, de que tão bem tem vivido o mundo do poder e do dinheiro rindo-se da caravana barulhenta que passa enquanto eles ficam.

O romance “The Circle” de Dave Eggers, adverte para a visão de uma sociedade-Internet; nela a virtualização global e a transparência exigidas por organizações globais contradiz a liberdade e a dignidade do cidadão. A IT (Vale do Silício), segundo a visão pessimista do romance, quer dotar cada um e toda a população com uma única identidade: a identidade de transparência Internet que facilita o controlo global. O “Círculo” é uma superpotência Internet, maior e mais radical que todas as empresas até agora existentes. O círculo, como coleccionador de dados pessoais, servindo-se da transparência e da rede sabe mais sobre um indivíduo que ele mesmo.

O busílis da questão, na procura de uma solução que dê continuidade ao progresso e ao mesmo tempo se preserve a dignidade da pessoa, situa-se no facto da cedência dos próprios dados proporcionar benefícios aos que os cedem mesmo com o risco de se abusar deles. O marketing digital usa e abusa das técnicas psicológicas de Pavlov que constam de incentivos e recompensas: se quero ter acesso a uma página de internet, o irmãozão Google só me permite tal gosto se deixar lá os meus dados pessoais. Prémio e castigo constituem os fatores do triunfo do marketing digital.

É porém consolador saber que o futuro continua a depender de cada pessoa e que esta não pode ser reduzida à consciência que tem do tempo.

O preço que todos estamos a pagar por tantas facilidades é a liberdade do indivíduo, o direito à comunidade e a opção de não ter de fazer o que outros querem. A alta tecnologia do Vale do Silício determina o futuro sem que a política se pronuncie sobre ela e o cidadão pensa que pensa ao falar dos defeitos e das virtudes dela, quando com isso, se não interfere, segue é os interesses dela.

Consequentemente haverá que dar mais valor ao entendimento de que a privacidade é um direito humano inalienável.
Sigo a reflexão no próximo artigo “NA FÁBRICA DAS DÍVIDAS E DA CULTURA CORPORATIVA”
António da Cunha Duarte Justo
Teólogo e pedagogo
In Pegadas do Tempo www.antonio-justo.eu