ACTIVIDADE POLÍTICA E CONSCIÊNCIA CRISTÃ

O Político – Entre condicionalismos profissionais e Consciência cristã

António Justo
Fé e liderança são temas diferentes mas integráveis. “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, é uma máxima cristã que determinou o agir político da civilização ocidental. Deste modo estimulou diferentes energias a actuar de maneira complementar.

Em política procede-se ao exercício do poder e este implica, em democracia, o compromisso, o que pode levar um político a entrar em conflito com as próprias convicções.

A civilização ocidental deve o seu desenvolvimento a dois princípios: a dignidade humana e a divisão de poderes. “A ideia de que há uma dignidade inata ao homem é religiosa, de origem judeo-cristã”, bem como a ideia da divisão de poderes (seculares e religioso), como constata o historiador Heinrich August Winkler. E reconhece também que “o direito internacional é uma conquista ocidental” que tem como “objectivo a transferência do domínio do direito para as relações internacionais”. A História do Ocidente é o testemunho da disputa dos direitos humanos, do domínio do direito, da divisão de poderes e da falha contra eles. (No Ocidente, toda a pessoa tem o direito de invocar os direitos humanos em sua defesa).

O projecto ocidental não se deixa reduzir à vontade das maiorias democráticas, sejam elas seculares ou religiosas, esquerdas ou direitas, como demonstrou o final da República de Veimar. Já John Stuart Mil dizia que a tirania tanto pode ser exercida por governantes absolutistas como por maiorias. Assim, as democracias ocidentais dispõem de meios que as protegem: a soberania do direito e a divisão de poderes. Estes dão continuidade à sociedade pluralista. (1)

A filosofia cristã alimenta-se da Verdade e da Dúvida

A sociedade do futuro precisa naturalmente do vitalismo religioso e da energia secular, mas não na contraposição de uns contra os outros; se não quisermos danificar o projecto de vida ocidental, será necessária uma interacção mútua e complementar de filosofia cristã e de poder secular, não podendo a ideologia secular açambarcar para si também o lugar de Deus. A sociedade ocidental manterá a sua sustentabilidade se continuar a superar o dogmatismo religioso e o dogmatismo científico na fidelidade à sua característica filosófica que engloba uma dinâmica dialogal entre verdade e dúvida (fé e razão) que lhe proporcionou especial desenvolvimento. (Também não será legítimo invocar os extremistas muçulmanos para, em princípio, se difamar toda a religião, como tão-pouco o estalinismo ou nazismo para se desacreditar a governação). Em cada época, tanto pessoas religiosas como políticas eram filhas do seu tempo e como tal portadoras dos vícios e virtudes da sua era.

A esquerda marxista e o capitalismo liberal pretendem dissociar o cristianismo da pessoa e da sociedade para mais facilmente colocarem o indivíduo sob a sua trela e melhor vaiarem o cidadão sem a concorrência de forças que não sejam económicas ou ideológicas. O cristianismo é a religião mais perseguida porque é a lóbi da dignidade da pessoa, dos pobres e dos discriminados (2). Os valores cristãos (vindos dos judeus, gregos, romanos e das várias etnias) são a alma da cultura. Já o filósofo Augusto Comte era do parecer que uma sociedade sem religião não teria continuidade e o Estado estaria condenado à desintegração. De facto sustentabilidade de um estado ainda se baseia na fertilidade maternal do seu povo e na religião como processo aberto.

O “establishment” político quer um mundo bipolar: quer de um lado o capitalismo liberal redutor do homem a um objecto de produção e de mercado e, do outro, o neomarxismo redutor do homem a proletário – indivíduo singular indefeso (indivíduo sim mas não pessoa!) – em função de uma forma de estado todo-poderoso. As elites neoliberais e neomarxistas unem-se na mesma tarefa de desfraldarem o Homem. Procuram até ideologizar o próprio património nacional.

O poder normativo do cristianismo na sociedade secular

Em termos cristãos, a dignidade humana implica o sentido da vida e a ressurreição confere-lhe optimismo.

O cristão é chamado a preocupar-se sobretudo com a parte da vida que passa na terra; se o faz com responsabilidade, o resto ser-lhe-á dado por acréscimo. Um provérbio português recorda: “religião quer-se como o sal na sopa”… sem ela a vida não teria sabor, mas em demasia, como se verifica da experiência muçulmana e da guerra dos 30 anos, torna a vida salgada.

O cristão é um ser aberto em diálogo, que forma e se forma na interlocução com a natureza, com o outro e com ele próprio em Deus; por isso não se define através de uma cultura. É uma proveta reagente de terra e céu em contínuo processo de desenvolvimento. Os seus instrumentos de abordagem da realidade e de realização são os sentidos e em especial a razão e a fé; estes não precisam de contradizer-se, são ao mesmo tempo luz e energia no processo de desenvolvimento individual e social.

A fé cristã é global (daí o termo “católica”, “universal”) e, como tal, a igreja tem que estar disposta a fazer compromissos, porque é integral, não exclui ninguém na consciência de que todos somos filhos de um Deus sem crenças (a revelação divina também se verifica na natureza e na História). Sim porque Jesus Cristo, o ser humano é feito de céu e terra! Para o político cristão, toda a pessoa, todo o cidadão tem filiação divina e constitui o centro da política. Já São Paulo dizia que o ser humano está chamado à liberdade na solidariedade com o Homem na qualidade de companheiro; o Homem é portanto o lugar da liberdade.

O poder normativo judeo-cristão espalhou-se por toda a Europa e por todo o mundo. Na sua visão holística, embora com muitos momentos de história escura e triste, influenciou e influencia o agir mundial individual e socialmente: liberdade, democracia, Direitos humanos, Estado de Direito, a igualdade dos géneros, uma solidariedade social que ultrapassa a sebe do crente, desenvolvimento sustentável e boa governação. Um “Deus pai” implica a visão global do Homem como irmão e uma comunidade católica (cosmopolitismo, globalismo) baseada na ética do amor ao próximo (estranho) e a Deus. Os direitos individuais são sagrados. O cristianismo é uma religião do chamamento; missionar o mundo dá-se como oferta, sem coacção. O político cristão está consciente do cristianismo como seu tecto espiritual que dá consistência e identidade a um povo chamado a espalhar a Boa Nova.

No contexto das civilizações, a mensagem cristã subsistirá sempre como a religião do Homem e da humanidade, não podendo ser reduzível a uma cultura; neste sentido a teologia fala também dos cristãos anónimos; o protótipo do Homem é Jesus Cristo (que une em si Céu e Terra) e não uma cultura.

O político cristão está chamado a propagar a ética cristã como directriz da sua política. Cristo assume responsabilidade por si e pelos outros o que quer dizer que o cristão não pode ser indiferente ao que acontece politicamente “lá fora”. Para ele, fora e dentro são partes da mesma realidade. A consciência é a directriz da acção cristã e o bom agir a sua prova.

O papa Bento XVI resume a tradição humanista da igreja, já repetida originariamente na teologia e por outros papas da Idade Média, nas palavras seguintes: “Acima do Papa encontra-se a própria consciência, à qual é preciso obedecer em primeiro lugar; se fosse necessário, até contra o que disser a autoridade eclesiástica.” Isto mostra a dignidade da Igreja Católica no respeito pela pessoa humana; a instituição, a religião não se coloca sobre o Homem; a sua matriz é o Homem, por isso não se reduz a uma doutrina, como revela a pessoa do Mestre. “Cristo é tudo e em todos” (Col 3,11). A sua pessoa (independentemente do religioso) é programa para todo o Homem e para todas as instituições do mundo sejam elas políticas, religiosas ou ideológicas (Nele se processa a inclusão do humano e do divino). A interpretação disto depende como sempre do espaço individual e da consciência humana no “aqui e agora”.

Uma política do desenvolvimento só é possível mediante o compromisso necessário perante a diversidade de situações e de pessoas. Por isso o político age no sentido do melhor compromisso de responsabilidade moral e não apenas pragmático.

A realidade humana exige compromisso e responsabilidade não deixando ninguém inocente. Nas decisões parlamentares, determinam-se leis, como o exporte de armas, o aborto, em que o cristão se torna também culpado. É contra o aborto mas tem de respeitar as decisões maioritárias para a generalidade. Na qualidade de cristão deve trabalhar para que a sociedade adquira uma outra atitude e, para isso, o cristão só possui o instrumento da palavra e do exemplo.

O cristão é um ser inacabado, feito de sagrado e profano; aberto e em aberto, com uma referência: JC a síntese da matéria e do espírito.

Nas coisas do mundo, quanto menos sei, mais sei que sei! Mas se mais reflito, quanto mais sei, mais sei que não sei! Logo, quanto mais sei menos sei que sei… O físico e matemático Isaac Newton dizia: “O que sabemos é uma gota de água; o que não sabemos é o oceano”! De facto, só quem perde a inocência pode permanecer virgem!…

A doutrina do pecado original quer-nos dizer que a vida e o desenvolvimento provêm do jogo entre tentativa e erro, não deixando muito lugar para moralistas demasiado distantes da realidade. Adão na tentativa de comer a maçã da árvore da vida atingiu a faculdade da razão que o torna estranho à própria natureza e o leva a levantar a cabeça para a voz que o chama, “Adão onde estás?”. Ele que vivia num estado simbiótico com a natureza, não conhecendo lugar nem tempo, vê-se agora num novo estado, em diálogo, entre certeza e dúvida revelando-se como consciência aberta. O chamamento da fé e da razão leva-o a acordar para o mistério não podendo mais voltar ao paraíso perdido.

A certeza é a fronteira do desenvolvimento e do saber! Se não reconheces que a realidade acontece no ponto de intersecção dos diferentes interesses, passas a vida a fugir dela ou a combatê-la.

A vivência cristã não se esgota na certeza intelectual, ela intui-se também como desígnio de algo já experimentado (na compaixão). Isto confirma-o também a psicologia budista ao recomendar que para se resolver um problema ou sentimento negativo é preciso primeiro percebê-lo (senti-lo), depois visualizá-lo e finalmente explorá-lo em sintonia/simpatia consigo próprio; depois desta sequência o sentimento negativo pessoal dissolve-se.

Em muitos assuntos, o político cristão tem a vantagem de não se encontrar sozinho na sua opinião individual, ele tem atrás de si uma fábrica de pensamento que é a Igreja com suas encíclicas sociais e uma experiência e saber milenário que o podem ajudar na tomada de decisões. Dietrich Bonhofer dizia: “encontramo-nos aqui sendo só competentes nas penúltimas coisas”; as outras pertencem a Deus.

O imperfeito não pode gerar a perfeição. Por muito controverso que pareça, Deus também pode falar através dos contrários à minha opinião e até mesmo através do mal. A opinião é livre, se regada pelos sentimentos, mas só o sol do pensamento a fará crescer. Reconheço opiniões boas mas não faltam as melhores. Ao definir só alargo a cerca do meu jardim. Uma opinião profunda será aquela que surge da liberdade acreditada no comprometimento com o JC, a melhor Realidade e o melhor símbolo de liberdade e compromisso. Para isso será preciso aprender a andar não só em solo seguro mas também sobre as águas do Mar, como fez o mestre da Galileia. Quem tem a coragem de andar sobre a água não é nenhum fantasma mas portador de inovação e de futuro.

O problema da liberdade surge sempre que cada um eleve a sua opinião a sentença certa. Liberdade total é impossível porque contradir-se-ia, não permitindo orientação. A capacidade de escolha já seria uma limitação. A dúvida em geral e em especial a dúvida metódica, própria do pensar ocidental, possibilitam a crítica que leva ao desenvolvimento; a crítica confere à civilização ocidental um estado de contínuo processo (“ecclesia” semper renovanda) de modernização e, deste modo, possibilita a antecipação à revolução. Numa democracia o povo não forma uma unidade; o reconhecimento da soberania da consciência individual possibilita a crítica social e naturalmente a necessidade de se aprender a lidar com ela.

A liberdade para ser sentida e despreocupada coloca o peso da própria vida no cabide da confiança: uns confiam em Deus outros na ideologia ou no interesse imediato. No cristianismo resta, mesmo assim, uma conta a saldar que é como dizia o filósofo Kant “o dever para consigo mesmo”. Uma sociedade livre e aberta possibilita a vida também aos adversários. O princípio da tolerância não deve porém neutralizar o da própria crença.

O sentimento de pertença a uma casa ampla com um tecto metafísico transparente fomenta a auto-estima que protege do medo e permite o autodesenvolvimento e o evoluir da própria opinião; esta deve ser expressa de maneira determinada, doutro modo o adversário sente-se emocionalmente encorajado ao ataque. A crítica pessoal só complica, por isso a crítica construtiva é baseada no problema e na sua solução.

O Cristianismo é transcultural não se define por reinos nem repúblicas cristãs

No cristianismo não há reinos nem repúblicas cristãs, não há união de política e religião como nas bases da religião islâmica que identificam cultura com religião nem tão-pouco na união de Estado e ideologia. Naturalmente também os cristãos não estão imunes das tentações do poder embora a sua filosofia os não legitime ao abuso nem à promiscuidade de poderes. O político cristão compromete-se a fomentar o politicamente possível, numa atitude ética proveniente da fé. É consciente da complexidade social e seus condicionalismos na tentativa de fazer o melhor e o justificável para o bem-comum.

Não é possível definir-se uma política cristã; esta pressupõe, nos seus actores, uma atitude humana de base de dedicação especial pelos mais indefesos da sociedade. Não há uma política cristã nem um cristão pode reivindicar para si o direito de fazer política cristã.

A fé cristã tem motivações ideais que favorecem uma orientação e critérios de valor para a acção: o Sermão da Montanha. A convicção cristã pode, porém, conduzir a diferentes posições, atendendo ao caracter soberano da consciência individual. Por vezes, o cristão confronta-se a si mesmo, entrando em conflito com uma ética de convicção e uma ética de responsabilidade social; estas conduzem a decisões de compromisso, numa tentativa de ultrapassar fronteiras denominacionais, tendentes a respeitar a dignidade e a liberdade humana do próximo. Tudo se torna pressuposto preliminar à avaliação.

Uma atitude cristã política caracteriza-se pelo princípio da dignidade inviolável da pessoa (dignidade de imagem de Deus – independentemente de credo – e como tal sujeito e não objecto) que se expressa no “amor ao próximo”); primeiro está a pessoa, só depois a instituição; outro princípio é o da complementaridade baseada no protótipo JC que integra o divino e o humano; todos são chamados à liberdade e a realizar o “reino de Deus”. A “ecclesia” é formada por indivíduos em comunidade convergente, na realização mútua de indivíduo e comunidade.

A consciência de comunidade, de que o todo também é formado pelas margens, torna a igreja advogada dos mais fracos na prática do princípio da solidariedade. A Igreja é a voz dos sem lóbi, dos marginais. Quando se declara p. ex. contra o aborto, ela torna-se a lóbi destes seres sem voz. Mais que o credo importam as obras: “Pelos seus frutos os conhecereis!“ (1.Jo. 2,1-6).

O Mestre reivindica que amemos os nossos inimigos mas não exige que nos deixemos matar por eles nem que o amor aos inimigos aconteça à custa de amigos. No meio está a virtude (como nos ensina a filosofia aristotélica) e só o divino é o lugar da perfeição. O político cristão procura estabelecer harmonia entre os polos. Isto dá-lhe uma posição demarcada e competência de sustentabilidade histórica na tentativa de resolver os problemas sociais e na capacidade de intermediário nas posições antagónicas entre os partidos. O político terá de ver o que é justificável e depois decidir segundo a própria consciência no respeito pela dos outros. Ele, na qualidade de político, tem de se preocupar em estabelecer relações estáveis, também no interesse dos contribuintes não se podendo deixar levar por idealismos passageiros que poderiam prejudicar o povo no seu todo, a longo prazo. Política, religião, ciência e sociedade devem consciencializar-se da sua situação de interdependência e de processo.

Em tempos idos, tudo era mais fácil: bastava seguir um rei, um pastor; hoje, que somos chamados a tornarmo-nos individualmente mais responsáveis, somos puxados por forças anónimas em diversas direcções e sentidos, o que exige, de cada um, maior balance e equilíbrio, maior sentido de orientação e responsabilidade. Peter Sloterdijk diz: “A modernidade evidencia-se como a época dos projectos, e a época pós-moderna como a dos consertos”. Com o rápido desenvolvimento e mudanças da vida moderna, a realidade movimenta-se mais depressa do que a consciência comum, criando empasses e assimetrias inevitáveis.

Uma actualidade que não respeite a herança torna-se subversiva, criando um hiato entre o antes e o depois num agora caótico e desorientado. Jesus foi o grande radical da História quebrando com muitas tradições e com a moral tradicional, já ao nascer de uma virgem. Com ele todos são filhos de Deus, independentemente de estirpes ou famílias.

Na política e em lugares chave da sociedade, precisam-se, hoje mais que nunca, cristãos e pessoas de boa vontade com capacidade para se consciencializarem da chantagem a que a sociedade se encontra submetida.

O projecto ocidental dá resposta ao sentido da vida na universalidade da dignidade humana. As instituições e sociedades poderão morrer mas a ideia da dignidade humana não morrerá. O hindu Mahatma Gandhi, que conhecia bem o induísmo, o budismo e o cristianismo, constatava: “Cristo é a maior fonte de força espiritual que a humanidade conheceu.”

A mundivisão que tornou a Europa grande, no concerto das nações, deixou de estar presente na consciência pública actual devido ao jacobinismo ideológico.

Joachim Gauck, presidente de uma república descongestionada como é a alemã, não tem vergonha de testemunhar, na força do cargo que ocupa: “A política precisa de pessoas que acreditam em algo que é maior do que elas mesmas. Precisa de pessoas que têm uma atitude e a defendem com coragem. Precisa de personalidades convictas e, deste modo convincentes, como as que, para o nosso bem, vieram do ambiente cristão e do compromisso cristão”… „Sem cristãos este país seria diferente na política e na sociedade!… Acções e decisões políticas encontram, na Doutrina Social católica, padrões confiáveis da fé “. Um presidente da república portuguesa ou francesa nunca diria tal, por jacobinismo político ou, possivelmente, porque não teria razão para o dizer!

Cristo transcende todo o ser e permanece para sempre um desafio para toda a política e para todo o cidadão.
António da Cunha Duarte Justo
Teólogo
www.antonio-justo.eu

(1) A França é o exemplo de um estado laico puro enquanto a Alemanha, tendo também ela a divisão de poderes de estado e religião, age em parceria com a religião em sectores sociais, o que facilita uma vida social mais harmoniosa e o melhor aproveitamento de recursos humanos e económicos. Os estados da França e de Portugal são mais orientados pela ideologia republicana exacerbada, enquanto, na Alemanha, domina o compromisso social que deu origem à economia social de mercado e ao milagre económico alemão.
(2) O neo-marxismo e o neocapitalismo tornaram-se duas ideologias irmanadas, que seguem uma estratégia de ocupação da administração pública e dos lugares centrais do saber, da política, da economia, dos Media e da arte. Sob a aura da arte escondem-se interesses ideológicos vestidos com o talar da inocência e da individualidade. O marxismo (comunismo) surgiu das necessidades da época, revelando-se então oportuno no sentido de consciencializar e organizar o operariado que era vítima da revolução industrial nascente (1760 – 1820). Hoje expressa-se como corrector da ideologia económica vigente continuando a deixar-se reduzir a uma perspectiva das redes económico-sociais da polis. Em nome do progresso usam como subterfúgio o ataque ao conservadorismo; em nome dessa luta pretendem irradiar o catolicismo que defende valores e direitos humanos individuais inalienáveis A Europa no seu processo de secularização conseguiu secularizar muitos dos valores cristãos. “Liberdade, igualdade, fraternidade” colocados sob a autoridade suprema da razão e da lei do estado, são a consequência lógica da liberdade, irmandade e igualdade dos filhos de Deus, propagada pela religião a nível individual e da comunidade. A aculturação de valores sublimes processa-se ao longo dos séculos.

PS: Este texto encontrar-se-á num livro a publicar.

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RIR ESTIMULA AS HORMONAS DA FELICIDADE – DIA DO RISO

Um dia sem riso é um dia enevoado e sonolento

António Justo
À primeira vista, a celebração do dia do riso parece descabida; mas até não é, porque pode tornar-se em ocasião para pensarmos sobre os seus efeitos e deste modo tornarmo-nos mais saudáveis, alegres e sociais.

O riso activa as hormonas que actuam nas células. É comunicativo, espalha alegria e faz bem à saúde do corpo e do espírito. Estimula o sistema imunológico, desce a pressão arterial e activa as energias de auto-cura; fomenta o optimismo, a coragem, a serenidade e facilita o contacto e confere sucesso social.

A Gelotologia é a ciência que estuda os efeitos do riso (terapias do riso e do humor). Investigadores científicos descobriram que um minuto de riso pode ser tão refrescante como o exercício de 45 minutos de relaxamento. O riso é o melhor meio contra o estresse porque aumenta a endorfina, a hormona da felicidade. Massageia 70 músculos do rosto e movimenta outros 80. Irradia simpatia e benevolência.

Já os romanos sabiam que o bom humor (humor = seiva do corpo) estimulava corpo e alma. Na Idade Média havia os bobos da corte, especialistas em fazer rir em função terapêutica.

O riso muda ideias fixas e cismas e altera a maneira de ver as coisas. Pessoas com tendência a fixar-se em ideias podem recorrer ao exercício do riso porque este abre as portas do coração, fortalecendo a comunidade e a participação em grupo, além de libertar agressões estancadas. Corta todo o nó criado por pensamentos e hábitos ao criar a distância necessária para se poder reconhecer melhor as coisas. Rir liberta o cérebro irrigando-o com oxigénio; fomenta a criatividade e aumenta a actividade (Cheguei a fazer exercícios de risadas nas aulas, com espanto dos estudantes, mas com bons resultados, quando observava o seu cansaço). Quem ri cria conexões encontrando no riso o melhor remédio que nos torna soberanos em relação a tudo.

“Muito riso pouco juízo” dizem os desmancha-prazeres ou aqueles que observam alguém que ri por tudo e por nada. Aristóteles (na Poética) dava um lugar mais alto aos temas sérios/nobres (tragédia e épica heroica como género elevado) e um lugar baixo aos temas risíveis – sátira e comédia (imitação de condições inferiores). Talvez isto expresse um sentimento geral que a nossa cultura acentuou.

Tudo isto tem também a ver com os diferentes sentimentos que podem estar na origem do riso e com as intenções individuais e sociais a ele ligadas. O riso leva a transcender os sentimentos embora se descubram diferentes sentimentos em diferentes espécies de riso: riso amarelo, de escárnio (ofensivo), ridicularizador, inocente, disciplinado, descontraído, condescendente, aberto, irónico… O riso mais saudável será aquele onde se ri para alguém e não de alguém! Um bom exercício, ao levantar será rir ou fazer que ri, porque o simples gesto facial de rir engana o cérebro, activando nele os mecanismos correspondentes.

Rir chega até a ser factor democrático; nele nos abrimos descontraidamente e nos tornamos iguais no grupo e, por vezes, até contagiosos, num tipo de comédia inclusiva.

Rir às gargalhadas é vento quente que leva toda a nuvem colocando toda a gente sob o mesmo sol. Como a chuva do choro confere o verde à planta assim o sol do riso lhe dá o colorido das pétalas. Um dia sem rir é um dia sem sol, um dia enevoado e sonolento. O rir provoca o bom humor porque não se leva a sério.

Quando passar por alguém sorria; esta é a melhor maneira de saudar alguém que não conheça; além de se tornar em luz para alguém ilumina o seu próprio corpo.

O cúmulo da seriedade seria não rir para evitar rugas na cara!
António da Cunha Duarte Justo
www.antonio-justo.eu

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ÍNDICE DE FELICIDADE MUNDIAL EM 2015 E A DOR DO VIVER

Felicidade da mulher como índice do desenvolvimento de um país?

António Justo

Segundo o estudo da ONU sobre o Índice de Felicidade Mundial realizado pela universidade Colúmbia de Nova Iorque, a felicidade mundial aumentou ligeiramente em relação a anos passados. O norte é mais feliz que o sul, tem mais confiança. Nos países desenvolvidos, as mulheres são mais felizes do que os homens, enquanto nos países em desenvolvimento se passa o oposto.

A ordem de felicidade por países: 1° Suiça,2° Islândia,3° Dinamarca, 4° Noruega, 5° Canadá, 6° Finlândia, 7° Holanda, 8° Suécia, 9° Nova Zelândia, 10° Austrália, 15° Estados Unidos, 16° Brasil, 26° Alemanha, 88° Portugal.

Dos países qualificados, os dez países menos felizes seriam o Afeganistão e países africanos. Os indicadores de felicidade do questionário efectuado abrangiam sistemas sociais, mercados do trabalho bem como perguntas sobre a autopercepção das pessoas (bem-estar mental, liberdade na tomada de decisões, ter alguém em quem se confia, falta de corrupção, esperança de vida saudável, etc.).

A investigação sobre a Felicidade de um povo é uma boa iniciativa dado orientar a atenção do cidadão e dos políticos para um objectivo que deveria ser o mais importante da política. A satisfação da vida e o bem-estar social deveria estar na agenda de todo o deputado e do governo.

Naturalmente haverá povos de caracter mais alegre que outros, o que torna difícil a interpretação da qualificação da felicidade de uns países em relação a outros. A maneira de compreender a vida é muito diferente de cultura para cultura. Há povos por natureza mais satisfeitos que outros.

Talvez por falte de uma ciência da felicidade ainda não se saiba como fazer os cidadãos felizes.

O Botão foi o primeiro país que colocou como objectivo do governo a felicidade pública. Aí os indicadores de felicidade apresentados eram: bem-estar psicológico, equilíbrio entre vida pessoal e trabalho, vitalidade comunitária, educação, preservação cultural, proteção ambiental, boa gestão governamental e segurança financeira.

O grau de esperança é um elemento e um indicativo da felicidade de de uma pessoa. Ela empresta à realidade vestidos mais agradáveis e coloridos! Quem já tem tudo poderá ter o gozo do desejo saciado no tempo mas, apesar de tudo, não ser feliz! Pode-se ter gozo sem se ser feliz, porque o gozo é a felicidade da parte enquanto a felicidade é o gozo do todo. A felicidade é rara porque gozo é um estado, um momento e felicidade é ser, o ser que não é soma dos momentos. A felicidade está ligada à saudade que goza a dor do não viver!Também é verdade que, por vezes, se vive com felicidade mas sem gozo porque o gozo depende também do parceiro, tem a ver com o próximo!

António da Cunha Duarte Justo

Jornalista

www.antonio-justo.eu

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CALÇAS DE GANGA E OS CUSTOS DA LIBERDADE

Um exemplo de efeitos da globalização

António Justo
As calças de ganga tornaram-se em símbolo de liberdade.
0,8% da produção mundial de algodão para calças de ganga provém de agricultura biológica.

Uma costureira de calças de ganga ganha em Bangladesch 65 euros por mês (antes da catástrofe em 2014 ganhava 37 euros por mês).

75% do preço de umas calças de ganga são para os revendedores (retalhista dois terços) e para a empresa de marca (um terço).

24% são para material e transporte

1% são custos do trabalho. Por umas calças que custam 49 euros a trabalhadeira recebe 0,49 €

Para a produção de umas calças de ganga (plantação de algodão e acabamento com produtos químicos) são precisos 8.000 litros de água. Só para o branqueamento de umas calças de ganga com cloro são utilizados 60 litros de água (para comparação, um alemão utiliza 128 litros de água por dia). No tratamento de umas calças de ganga são usados até 700 produtos químicos.

Umas calças precisam de percorrer 19.000 km até chegarem ao vendedor na Alemanha. O algodão é cultivado na Índia ou Cazaquistão, fiado em fios na Turquia, colorido em Taiwan, tecido em pano na Polónia e com ele são feitas as calças de ganga na China.

Em 2013 a Alemanha importou 114.000.000 calças de Ganga. Por isso a média do custo de umas calças de ganga na Alemanha são 8,77€. Na França e na Itália o preço médio de umas calças de ganga são 15€. A diferenca dos preços vem do facto de a Itália e a França importarem apenas um terço da quantidade que importa a Alemanha. Para esta informação servi-me dos dados para a Alemanha referidos no HNA de 25.04.2015.

O preço da moda obriga! A indústria têxtil é mundialmente a maior poluidora. A globalização, no que se refere à ganância de lucro tem consequências horrendas: destrói o saber ancestral e hábitos culturais, coloca os trabalhadores num combate de concorrência internacional desesperada e não respeita o ambiente.

Se na Europa os consumidores por razões éticas deixassem de importar os produtos Fast Fashion quem sofreria as consequências seriam as trabalhadeiras dos países da produção. Moralmente repreensível são as empresas que adquirem lucros à custa da humanidade. A sociedade precisa de uma mudança de pensamento, de uma nova mentalidade.
António da Cunha Duarte Justo
www.antonio-justo.eu

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O 25 DE ABRIL DE BAIXO CONTINUA POR FAZER

Uma Revolução do Conjuntivo num Portugal sem Amigos

António Justo
Era uma vez a revolução do 25 de Abril. Aquele dia em que a História, começa a dizer-nos adeus e a acenar-nos de volta.

Sob tanta música e tanto aroma do passado, quem tem o poder da interpretação da Históra? Quem tem algo para dizer? A consciência da justiça perdeu-se. A renovação precisa de nova orientação.

Portugal partido deixou de ser inteiro

Portugal, sem querer, foi reduzido ao 25 de Abril. A nuvem da ideologia e a tradição jacobina não deixam raiar nele o sol de todos: o Sol é só delas, não o deixam ser bem-comum.

Revoluções e 25 de Abril há muitos! Para cada qual o seu Abril! Só Portugal não tem nenhum! Portugal partido deixou de ser inteiro porque o partido se esqueceu que é apenas uma parte do todo. Num país desagregado em que a Pólis não flui porque se confunde fluência com instabilidade, a vida política consta de portugueses de extremos: de opressores ou de vítimas com os correspondentes correligionários.

O 25 de Abril é dos portugueses ou de algum partido?

Sim, até porque, por vezes, na opinião pública se chega a ter a impressão que o 25 de Abril é pertença da esquerda e não do povo português. Elites portuguesas precisaram de uma “revolução” para alcançar uma democracia e uma prosperidade que outros povos conseguiram sem ter de dever nada a ninguém.

O público distraído vivia no arraial da festa e o cidadão pé-descalço, não sentia dores nos pés, devido ao encanto da música. Entretanto a música passou, o ritmo desacelerou e só a marcha continua numa cadência surda, a viver de ecos longínquos de solmizações desafinadas e reduzidas a “esquerda”-“direita”. Tudo, o vento levou. O que nos mantem unidos é a palavra democracia, embora já bastante rompida.

Feitores e herdeiros do palco “25 de Abril” continuam a fazer acrobacias para adeptos e espectadores enquanto xamãs republicanos, por trás dos bastidores, garantem o descontentamento como continuidade nacional. Aqueles não têm perspectiva nem planos a longo prazo e estes não lhes deixam criar condições gerais.

A democracia recebeu um caracter regional: na monarquia rivalizavam-se as famílias nobres, na república rivalizam-se os partidos. As famílias nobres tinham a terra que os unia, os partidos une-os a ideologia. A sociedade portuguesa não tem uma filosofia conservadora coerente, nem uma filosofia de esquerda séria; na praça pública sobressai um discurso e uma praxis diletante de esquerda e de direita!

Portugal não tem amigos, e por isso não conhece alternativas; na gerência do Estado, a carência de programas (e de conceitos) é substituída pelo rotativismo partidário. Se antes vigorava o direito dos mais valentes depois passou a vigorar o direito dos mais fortes.

Inês de Castro imagem de um povo sem família que a acolha

Os políticos da nossa democracia são surdos à voz do povo. No escuro dos ministérios e nas lojas dos irmãos cruzam-se entumecidos os assassinos de Inês (de Castro) – a nação humilhada porque esquecida! Na voz da gente ecoam as súplicas de Inês num chorar meigo de mágoas temperadas num amor não correspondido; Inês sofre na aura do meu povo onde brilha o pôr-do-sol de uma era sem sol nascente. Inês é Portugal ao relento que continua a bater à porta do Estado, do rei Afonso que a assassina por “razões de estado” mas será reabilitada (só depois da morte) por razões do coração de um Pedro difamado… A Tragédia Castro é uma boa imagem da nação, do 25 de Abril e do povo que continua com destino trágico!

A democracia é povo e por isso se manteve longe do Estado; alguns queriam democratizar o sistema mas o sistema acabou por domesticá-los; ao integrarem-se no sistema, este sugou-lhes a personalidade tornando-os objectos do regime político e dos correspondentes grupos de interesse, sem ideais nem ligação ao povo: onde não há ideais não há povo. Por isso a nossa república não consegue produzir personalidades de perfil estatal (talvez se note alguma na sua sombra: Manuel de Arriaga, Ramalho Eanes, Salazar e algum que o leitor se lembre). A república tem sido boa e profícua em produzir opositores ao governo mas tem sido má em produzir governantes e personalidades íntegras.

O descontentamento é geral; por todo o lado surgem candidatos a presidente numa intenção de encurralarem o “estabelecimento” e a classe política corrupta. Quer-se uma unidade para lá do espectro esquerda-direita no sentido de uma unidade popular contra a corrupção, contra a elite. A revolta está bem patente mas como é de baixo não tem patentes que a façam valer. A história de Portugal tal como o regime de Abril, resume-se no dilema entre razão e coração, entre D. Afonso e D. Pedro (o Justiceiro) e que se resolve na Tragédia de Inês, na tragédia do povo, que se revela como a sustentabilidade de Portugal.

Há 41 anos festejava o povo, hoje festejam os funcionários dele. Neste contexto, as comemorações de Abril dão mais a ideia de serem um acto de auto-elogio ou de lavagem da própria consciência (ideologia) em louvores mesquinhos ou num bota-abaixo de um passado enevoado para louvar um futuro ensombrado.

O 25 de Abril de baixo continua por fazer e o 25 de Abril de cima encontra-se nas mãos de “mercenários”.

HOJE PORTUGAL CHEIRA A CRAVOS CHEIRA A 25 DE ABRIL
Portugal cheira a 25 de abril e o 25 de abril cheira a Portugal. Só uma atitude responsável pode afirmar a liberdade e para podermos afirmar a liberdade não poderemos eliminar a culpa dos outros nem a nossa: nem a culpa do Estado Novo nem a culpa do 25 de Abril.
O desejo do melhor permanece uma utopia, dado, como é próprio da natureza, em todos os regimes e épocas existirem o bem e o mal de mistura. Quem quer irradiar o mal da natureza e da sociedade procura a culpa mas não deverá esquecer que esta assenta em valores e estes é que conferem individualidade às pessoas; estas, ao absolutizarem um ou outro valor, dão origem à diferença que produz a luta. Baseado em valores diferentes, cada um começa a salgar a vida do outro… A natureza e a sociedade não podem viver sem a diferença porque da diferenciação surge o desenvolvimento. Assim, as diferenças teóricas permanecerão mas a prática pode unir o que a teoria não pode!
Vamos cantar de novo “somos livres”!
António Justo

António da Cunha Duarte Justo
www.antonio-justo.eu

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