A CONSCIÊNCIA INDIVIDUAL É O PRIMEIRO VIGÁRIO DE CRISTO – POLÉMICA DOS RECASADOS

Porque não falam os Pastores nas Igrejas sobre a Liberdade do Cristão?

António Justo

A polémica sobre a regulamentação da “Amoris laetitia” dá a impressão de dividir os católicos (bispos) em tradicionalistas e progressista, mas tem a vantagem de trazer reflexão à discussão e, deste modo, contribuir para o acordar da igreja clerical e leiga, por vezes acomodadas na rotina de um rebanho demasiado limitado à paróquia.

A Igreja deve responder à questão da esperança (mensagem evangélica) sem precisar de ser uma agência de moral. Há uma tensão entre reivindicação e realidade, entre crentes e teologia; uma coisa é a moral e outra o entusiasmo. A missão da Igreja é transmitir o entusiasmo e não a restrição.

Por vezes, na pastoral dá-se resposta a perguntas que ninguém coloca e as pessoas fazem perguntas a que não recebem resposta.

No conspecto dos bispos portugueses o senhor Cardeal, ao colocar o sexo no centro da decisão dá a impressão de querer alinhar-se na posição dos bispos mais conservadores, que, a nível mundial, oferecem resistência à aplicação da Amoris Laetitia; tendo alguns a ousadia de pretenderem querer analisar “filialmente” se a Amoris Laetitia não será herética! O senhor cardeal só tem jurisdição para Lisboa. A ala conservadora encosta-se ao papa João Paulo II e a progressista ao Papa Francisco. A questão de fundo é mais complicada, mas no fundo em cristianismo a última instância, em julgamento morais e éticos, é a consciência individual.

Ao contrário, há comunidades cristãs como as de Viseu, Évora e Braga que se encontram a refletir em conjunto (presbíteros e leigos) no espírito da Laetitia Amoris, no sentido de se fomentarem atitudes conscientes e não de ovelhas.

Que a Igreja institucional (clerical) apresente os ideais do evangelho para a Igreja integral é natural; mas como diz o Papa Francisco, os membros do clero não podem distanciar-se da Igreja completa e comportar-se como “Fiscais da Fé” criando, no interesse do poder, uma igreja com “Alfandegas”! Não podem transformar-se em inspectores do que os transcende e que catolicamente é a consciência individual humana e a liberdade do cristão. Na acção pastoral os pastores devem agir como mediadores que refletem com o cristão irmão a sua situação no sentido de ser mais esclarecido no processo das suas decisões.

Igreja sem Fé é vazia, Fé sem Igreja é cega

Uma discussão respeitosa pelas partes, sejam elas conservadoras ou progressistas, é salutar porque o falar e o argumentar fazem parte do serviço da palavra (igreja docente) que ajuda uns e outros no processo de discernimento e desenvolvimento que somos e nos encontramos imbuídos.  Ainda bem que há ideias diferentes porque assim podemos notar melhor a nossa!

No sentido do filósofo Emanuel Kant, também não devemos esquecer que “Igreja sem fé é vazia, fé sem igreja é cega”. De facto, o eu de cada um de nós é também formado do tu e do nós, resultando daí uma tensão entre o eu e o nós não podendo ser absolvido pela comunidade para que tende a mentalidade conservadora nem na atomização do eu com tendem os de ánimo progressista. Por isso estamos chamados a analisar os documentos no que revelam na sua profundidade e não nos limitando ao aspecto polémico de uma frase ou de um erro tático. Como não aceitamos a atitude de quem dita verdades também não queremos impor a nossa verdade, muito embora esta seja decisiva no foro individual. A controvérsia, aquela velha virtude da discussão teológica antiga, e hoje esquecida, poderá ajudar-nos a andar um passo sempre à frente da moda, porque incluímos nela os direitos inerentes ao “advogado do diabo”!

É necessário reconhecermos a realidade que somos e as forças que nos governam. Geralmente vem primeiro o comer e depois a moral; nesse sentido mesmo uma fé cristã não pode garantir uma atitude moral objectiva, isto também pelo facto de a consciência individual cristã ser soberana. A teologia cristã ensina-nos que a Consciência individual é o lugar da liberdade e da autonomia.

Segundo a Igreja, até a nível de direito canónico, a teologia cristã da soberania da consciência individual é salvaguardada. O Direito canónico regista que a pessoa individual pode servir-se da “Epiqueia” que é o direito do cristão a interpretar a intenção da lei segundo a própria consciência, no seguimento de um bem maior; as consequências de uma acção devem assumir uma dimensão de responsabilidade no momento do acto.

Naturalmente que não nos podemos deixar guiar apenas pelo sentimento nem pelo espírito do tempo porque, como nos adverte o bispo de Hipona: “À força de ver tudo, acaba-se por tudo suportar; à força de tudo suportar, acaba-se por tudo tolerar; à força de tudo tolerar, acaba-se por tudo aceitar; à força de tudo aceitar, acaba-se por tudo aprovar.” St. Agostinho (Aurelius Augustinus)

Restrição e Medo são Negócios do “Diabo”

Porque não falam os pastores nas igrejas sobre a liberdade do cristão? Será que devem apenas subsidiar o Estado no seu papel social, reduzindo a mensagem da libertação a uma mera pedagogia a nível de costumes? Se o cristão atingisse a liberdade de consciência, a que o evangelho o solicita, ninguém o emparava nem contia! O cristianismo é mais que uma religião! Infelizmente, muita gente abandona o cristianismo também por incúria de muitos sacerdotes e bispos, que não transmitem a vida, nem a filosofia nem a espiritualidade cristã, contentando-se, muitas vezes, com a administração dos actos litúrgicos e ensinamentos de cortesia para pessoas simpáticas.

A missão da Igreja é transmitir o entusiasmo e não a restrição. A restrição e o medo são negócios do “diabo” e mais próprios do Estado que não tem outros meios senão as vinculações exteriores. “A César o que é de César e a Deus o que é de Deus „ como avisa o Evangelho: Marcos 12:13-17; Mateus 22:15-22 e Lucas 20:20-26. O cristianismo é uma comunidade não só de irmãos, mas de pessoas soberanas que não se contentam com as máximas do dia-a-dia estando atento às forças da entropia no ego.

Resumindo

O imperativo categórico moral católico é o seguimento da própria consciência; esta expressa-se na intimidade individual onde a lei de Deus se encontra escrita; o Homem só pode ser julgado por ela (Gaudium et Spes N° 16 e Mc 7,18-23); no processo de discernimento opta-se pelo melhor, mas quem decide é o próprio.

No Catecismo da Igreja Católica, (Código de DC 748,2) pode verificar-se o reconhecimento milenário desse princípio: “A consciência é o primeiro de todos os vigários de Cristo” e só ela determina da moralidade da acção, o que pressupõe também uma pedagogia moral eclesial para a responsabilidade, para não se cair no mero subjetivismo moral, mas no respeito pela autodeterminação.

© António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo

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Publicado por

António da Cunha Duarte Justo

Actividades jornalísticas em foque: análise social, ética, política e religiosa

8 comentários em “A CONSCIÊNCIA INDIVIDUAL É O PRIMEIRO VIGÁRIO DE CRISTO – POLÉMICA DOS RECASADOS”

  1. O Cardeal Patriarca foi, também utilizado pela imprensa que se fixou apenas na alínea d) do n°5 do documento do cardeal e aproveitou para mover os ânimos contra o Cardeal . Embora considere o documento do arcebispo de Braga mais adequado ao espírito inovador da Amoris Laetitia, e o documento do cardeal se mostre mais conservador penso que só assim será possível um verdadeiro diálogo numa Igreja que é formada de conservadores e progressistas! Pena é, por vezes, constatar nos jornais posições autoritárias e exclusivistas, como se cada posição tivesse o rei na barriga, como se para justificar a própriaposição bastasse a simples negação de uma opinião ou colocar-se a questão em termos exclusivos do “ou…ou…” . Interessante seria a possibilidade de haver na opinião pública uma discussão à base de argumentos mas, isso não se deu também pelo facto de a matéria a expor ser demasiadamente complicada. De facto há na alta jerarquia da Igreja alguns bispos e cardeais que oferecem resistência ao Papa Francisco. Na igreja portuguesa embora haja posições mais ou menos no sentido da Dogmática ou mais ou menos no sentido da Pastoral, não se pode dizer que bispos portugueses sejam contra uma certa linha adversa a Francisco! O Papa, ao colocar um pé na Dogmática e outro na Pastoral veio confortar muitos cristãos que esperam uma maior aplicaç1bo prática do Concílio Vaticano II.

  2. Obrigado Justo .
    Como não li , ainda, a “ Amoris Laetitia “ sigo a “ Gaudium Et Spes” , seguindo os ditâmes da minha consciência…
    Não tenho desassossegos quanto à matéria “vexata”, nem cuido de saber onde radica a crise que se instalou entre os Bispos e Cardeais ! Mas há sinais perigosos no horizonte , quando uma parte da Igreja não tem em conta “ os sinais dos tempos” !!
    Um abraço
    Joaquim M.

  3. Caro Joaquim

    O amigo tocou aqui o fulcro da questão! Sim, a “Gaudiem et spes” do Vaticano II “é suficiente”. Mas como esta Constituição Pastoral sobre a Igreja no Mudo de Hoje sofreu obstáculos na sua concretização e aplicação, vem agora o Papa Francisco com a Exortação “Amoris Laetitia” procurar dar especial relevo a este documento conciliar, na perspectiva da orto-praxia da Teologia da Libertação que o Vaticano II já incluía. Este Papa, que vem de um outro continente, sem se desfazer da doutrina anterior procura, no sentido do Vaticano II, situar a Igreja no mundo de hoje; uma Igreja católica inclusiva de outras perspectivas teológicas, já não só de caracter ou perspectiva europeia.
    A discussão em via é já velha mas mais a nível de posições do discurso teológico (casuística e moral de situação). Agora que vem um Papa e apela à formação da consciência adulta para poder ser soberana, reavivam-se a velhas posições entre os rigoristas e os flexíveis. Uns e outros são muito importantes numa Igreja viva, no Povo de Deus que se entende como “Ecclesia sempre renovanda”. A discussão ao mesmo tempo fraterna e filial é luz que possibilita manter a relação entre Igreja e Mundo, entre Deus e Igreja e entre todo o humano, de maneira a ela não poder ser reduzida a um mero dado histórico nem a uma ideologia circunstanciada ou circunstanciável.
    Muito obrigado por me levar a pensar mais sobre o assunto. Penso logo que tenha tempo votar aqui ao tema para expressar melhor o que agora aqui disse.
    Muito obrigado caro amigo


  4. É evidente que a conversa que existe num grupo deste nível intelectual não é igual a que teria se estivesse no nosso meio gente sem fé ou mal intencionada como certa “Media”.
    Por esta razão estou a escrever porque me deliciei com o artigo do Justo.
    Nós temos que analisar as coisas no tempo e espaço que elas ocorrem: revolta-me, por exemplo o modo violento com que esta sociedade julga a inquisição e tive imensas discussões com os atacantes quer porque, muitas vezes, revelam ignorância quer porque a julgam com os nossos conceitos actuais, descarnada do seu tempo e sua cultura.
    A verdade é que hoje, nós católicos, nos envergonhamos da inquisição mas na altura os conservadores não só criaram os Tribunais como foram seus juízes: não os quero julgar e muito menos condenar mas preferia mil vezes que não tivéssemos de suportar o ferrete dessa mácula no seio da Igreja.
    Pois por isso eu pensei que calar é erro: hoje já é um escândalo social quando se diz que os recasados se devem abster de relações sexuais (neste caso não sei bem como se fazer filhos!), mas daqui a alguns anos esta ideia vai ser ridicularizada até pelos mais conservadores da Igreja…
    Mas o que mais me preocupa é a imagem negativa de uma igreja desumana e radical e o mal que isso traz à Igreja que temos de defender e eu não consigo defender algo que fere a minha inteligência porque a minha inteligência foi-me dada por Deus, tal como a minha consciência.
    Estou-me marimbando se o Cardeal só é bispo de Lisboa ou se falou só para Lisboa. O problema é que o Cardeal falou e a Comunicação Social, matreira, desonesta e de má fé, meteu essa “caca” no ventilador e o resultado é o que vemos: uma imagem de Igreja desumana e retrógrada com gente a dizer que se é assim já não acredito na religião.
    Falamos que isto é um problema de consciência individual e é. Mas convém não esquecer que a consciência também tem uma parte vinda da formação e o que se está a fazer é orientar o comportamento segundo normas vindas da Igreja, já que o Cardeal (atenção que eu gosto imenso do D. Manuel Clemente) não salvaguardou que, acima da norma que ele ditou, estava a consciência do Católico para definir se, perante Deus, se sentia culpado ou não ao praticar a relação sexual com sua mulher a quem ama.
    Mas em minha opinião, quando se dita uma norma, tal norma tem de ter uma causa: por exemplo, eu não posso dizer aos meus funcionários: “vocês não podem, nos intervalos, irem beber café para o interior do jardim” e se eles me perguntarem porquê eu não posso dizer porque não e ponto final. Eu tenho que dizer por exemplo porque vocês tiram o café e vão beber para os bancos do jardim e depois deitam as embalagens para o interior do jardim.
    É que aqui está o problema: os recasados não podem ter relações sexuais porque Deus não quer ou alguém se pôs no lugar de Deus a ditar normas de está dito e ponto final. É que as relações sexuais no recasados ou são pecado ou não o são. Se são pecado a quem é que elas prejudicam? A Deus? E a quem mais? A quem possam prejudicar não vejo e a Deus não prejudicam nem ofendem porque fariam dEle um ser Cruel porque cria uma necessidade, da-lhe condições para a satisfazer, mas proíbe-a: isto era crueldade e portanto isto é negar Deus.
    Gostaria de ir mais além um pouco mas neste momento não tenho mais tempo e para já serve de reflexão, pois posso estar profundamente enganado e ter consciência mal formada.
    Quem me ler tem o direito de pensar que eu tenho o problema que debato com veemência, mas eu não descasei nem recasei e falo conforme me dita a minha inteligência.
    Agostinho

  5. . Muito obrigado estares de acordo com o que escrevi. Penso porém que também um desacordo tácito ou argumentado é produtivo e até ajuda a mover as águas das nossas ideias que, pelo facto, se tornam mais oxigenadas.
    Caro Agostinho!
    Sinto nas tuas palavras aquela preocupação que se expressa como um sino que toca a rebate porque o fogo da descrença e do mundanismo se alarga cada vez mais e já não se apaga só com água benta nem chegam tão-pouco as Ave Marias.
    Não nos podemos deixar apagar na quietude satisfatória de “missão cumprida” nem só na mística de um apóstolo João. As comunidades têm que se consciencializar que se não fosse o apóstolo Paulo talvez hoje só houvesse alguns grupos restritos de cristãos. A igreja precisa dos místicos e conservadores e dos activistas e progressistas. Sem uns ou outros a Igreja seria comparável a um lago morto onde as árvores e a vegetação pululariam mas o paludismo tornaria impossível a vida humana.
    Também aqui se nota como é preciso as labaredas e a actividade de um apóstolo Paulo que, sem medo de dar erros, desce à cidade instigando os cidadãos a viverem a vida sem perder de vista a salvação, e, por outro lado é necessária também a lareira de um João onde a mística vibra no profundo do seu interior e lhe dá força para reconhecer a divindade dentro dele e fora dele vivenciada no JC que se encontra no povo e na natureza, no Jesus a caminho e se completa no Cristo. Todos nós temos os nossos momentos de Cristos abandonados e de Cristos ressuscitados, por isso sabemos que também o erro funciona como motor de vida, e que a Igreja não pode reservar-se para si o Cristo ressuscitado nem pode considerar o povo ou o indivíduo como Cristo abandonado. Cristo só é inteiro com Jesus. A grandeza da espiritualidade cristã está em reconhecer a união das duas partes!
    Acredito que não há motivos para medos. Somos as águas de um mesmo rio que para o ser precisam da margem dos conservadores e da margem dos progressistas. No seu meio flui a vida de uns e de outros movida pela energia da fé e da razão.

  6. Caríssimo Justo

    De vez em quando abordas este tema. Aqui tens a minha posição.
    Na minha opinião, quem prepara os noivos para o casamento na igreja, deve esclarecer se cada um deles
    está pronto a manter-se fiel até à morte, mesmo que o outro venha a ser infiel.
    Muitos casamentos talvez não se realizassem na igreja.

  7. Caríssima Maria Manuela!
    É verdade que na preparação e na idoneidade dos noivos está tudo! Se houvesse mais acompanhamento alguns casamentos não se realizariam certamente na Igreja; problema é que para se chegar, por vezes a um conhecimento recíproco são precisos anos.
    É muito difícil avaliar do estado das consciências e da habilitação psicológica para a realização consciente de tal acto. Eu mesmo presidi a muitos matrimónios. Em alguns deles tinha a impressão de que aquele casamento não iria durar muito por falta de maturidade ou de outras características que eu intuía. Apesar disso quem era eu para poder duvidar do que eles diziam querer! Exteriormente pode tudo parecer bem mas muitas vezes as circunstâncias têm muito peso nas decisões das pessoas. Com a nova abertura do Papa Francisco, só se dá oportunidade de reconhecer os casamentos nulos. A indissolubilidade do sacramento não está em questão, nem tão pouco uma pastoral do vínculo.
    Neste caso penso que é melhor que a pastoral erre por defeito do que por excesso. O cristianismo não é só para ser vivido a cem por cento nos conventos, ele pretende ser também cristandade! Isto exige muita paciência para aqueles que por muitas razões estão em situação de serem mais perfeitos que outros. A oração de uns e por outro lado a frequência dos sacramentos e a maior preparação que agora se exige aos nubentes proporcionarão maior desenvolvimento e maturação na concretização dos sacramentos!

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