EM LISBOA O PAPA ASSINA A CARTA AO CLERO DE ROMA

O Papa Francisco na sua função de bispo de Roma e no contexto da JMJ 2023 assinou, (07/08/2023) em Lisboa, uma carta ao clero da sua diocese alertando contra o “clericalismo” e a tentação de se sentir “superior” aos outros.

Francisco começa por agradecer aos 3.700 padres da diocese de Roma o empenho num serviço que nem sempre é “reconhecido”.

E continua: “Do fundo do coração, sinto vontade de dizer que me preocupa quando voltamos a cair nas formas do clericalismo; quando, talvez sem nos apercebermos, damos às pessoas a impressão de que somos superiores, privilegiados, colocados ‘no topo’ e, portanto, separados do resto do povo santo de Deus”.  O Pontífice fala do clericalismo como uma “doença” da Igreja, que pode afetar também “os leigos e os agentes pastorais”.

O espírito sacerdotal é “fazer de nós servos do povo de Deus e não senhores…” Com a busca do ganho pessoal, o cultivo da própria imagem e o aumento do próprio sucesso, perde-se o espírito sacerdotal, o zelo pelo serviço, a apetência de preocupação com o povo. “Quando é assim, deixamo-nos absorver pelo clima de crítica e raiva que reina à nossa volta, em vez de sermos aqueles que, com simplicidade e mansidão evangélica, com bondade e respeito, ajudam os nossos irmãos e irmãs a sair das areias movediças da intolerância”. O antídoto diário será “olhar para Jesus crucificado…”

O Papa deixa outro alerta, sobre a “mundanidade espiritual”, que pode levar os padres a seguir as “modas do mundo”. “Isso acontece quando nos deixamos fascinar pelas seduções do efémero, pela mediocridade e pela rotina, pelas tentações do poder e da influência social. E, ainda, da vanglória e do narcisismo, da intransigência doutrinal e do esteticismo litúrgico”.

Francisco termina a carta em espírito de oração dizendo “Obrigado pelo que fazem e pelo que são”.

A carta revela o teor do discurso do Papa Francisco ao seu clero de Roma de 02 de março de 2017 (1)

António CD Justo

Pegadas do Tempo

(1) https://www.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2017/march/documents/papa-francesco_20170302_parroci-roma.html

 

DE LISBOA O SORRISO DA JUVENTUDE BRILHOU PARA O MUNDO

Portugal está de parabéns e agradecido ao Papa e à juventude (JMJ) por evento tão significativo e marcante.

No domingo (06.08.2023) participaram na liturgia da despedida da JMJ 1,5 milhão de pessoas e concelebraram com o Pontífice 700 bispos e 10.000 sacerdotes.  Nunca houve em Portugal um evento com tanta gente (1).

Como mostrou a JMJ (Jornada Mundial da Juventude) a Igreja Católica entusiasma a juventude. E o Santo Padre apelou à juventude presente dizendo “não tenham medo”, porque os sonhos e desejos de um futuro melhor, elevam o mundo com sociedades cheias de problemas que precisam da ajuda da juventude.Quero dizer-vos: continuai assim, continuai a cavalgar as” ondas da caridade”, sede ‘surfistas do amor'”.

Portugal deve à JMJ a graça de tão grande evento testemunho de presença da fé que transporta montanhas, a presença invisível do espírito que move os corações na alegria de ser cristão. Um apelo a Portugal a tornar-se mais jovem (Portugal com 2,5 milhões de idosos, segundo a R. Renascença tem 184 pessoas com mais de 65 anos por cada 100 jovens). A juventude e o Santo Padre deixaram um sorriso alegre espalhado por todo o Portugal; apesar das vozes críticas, provocadoras e negativas, a fé entusiástica da população juvenil mundial e de todos mostrou que a positividade vence e que a juventude portuguesa se encontrava irmanada com a juventude do mundo.

O Presidente Marcelo congratulou-se dizendo: um “grande sucesso para Portugal cá dentro e lá fora”

O cardeal-Patriarca de Lisboa agradeceu também a “generosidade” dos 25 mil voluntários (dois terços do sexo feminino e vindos de mais de 150 países) que fizeram com “que tudo acontecesse da melhor forma” e com os “melhores resultados”.

O Santo Padre despediu-se: “No meu regresso a Roma, no final da minha viagem apostólica, quero, uma vez mais, expressar a minha profunda gratidão a sua excelência [Presidente da República] e ao povo de Portugal, pela receção calorosa e hospitalidade que recebi durante a minha visita” e invocou cordialmente “sobre a nação as bênçãos de Deus, da fraternidade, da alegria e da paz”. “Peço que rezem por mim”.

O primeiro ministro, António Costa constatou: “Acho que temos boas razões para estarmos todos satisfeitos e orgulhosos porque, mais numa vez, o país mostrou que, polémicas à parte, somos capazes… as polémicas, mais uma vez, foram absurdas… Como foram absurdas há 25 anos as polémicas sobre a Expo, como foram absurdas as polémicas sobre o Euro2004… como se viu, o país tem capacidade para organizar e organizar bem, e colher os frutos daqui que semeia, e esses frutos muitas vezes não são frutos imediatos, são frutos que vêm mais tarde”.

É digno de registo que S. Tomé e Príncipe teve um grande número de participantes na JMJ. Na TV, uma Jovem disse que para nós a despesa foi enorme pois cerca de 2000 € para a viagem e estadia em Lisboa significa um grande esforço. Quando soube que ia ser em Portugal, animei-me e comecei a poupar dinheiro e os meus parentes e amigos! Assim juntei o necessário!

O Papa anunciou que a próxima JMJ 2027 será em Seul e o Jubileu dos Jovens 2025 em Roma. Na Coreia do Sul (onde apenas 10% são católicos) a despesa será muito maior. A esperança dá forças para começar já a poupar até lá! A Coreia é o 10° país donde vêm mais peregrinos a Fátima! A missionação desse país foi feita inicialmente pelos Portugueses.

EM 1995, a JMJ tinha-se realizado nas Filipinas (2).

Junto aqui o Discurso do Papa no Parque Eduardo VII:

“Queridos jovens, boa tarde! Sede bem-vindos e obrigado por estardes aqui. Fico feliz por vos ver e também por escutar o simpático barulho que fazeis, contagiando-me com a vossa alegria. É bom estarmos juntos em Lisboa: para aqui fostes chamados por mim, pelo Patriarca, a quem agradeço as suas palavras, pelos vossos Bispos, sacerdotes, catequistas e animadores. Agradeçamos-lhes por isso com uma grande salva de palmas!

Mas foi sobretudo Jesus quem vos chamou: agradeçamos-Lhe! Amigos, não estais aqui por acaso. O Senhor chamou-vos, não só nestes dias, mas desde o início dos vossos dias. Sim, Ele chamou-vos pelo nome. Chamados pelo nome: tentai imaginar estas três palavras escritas em letras grandes e, em seguida, pensai que estão escritas dentro de vós, nos vossos corações, como que formando o título da vossa vida, o sentido do que sois: tu és chamado pelo nome, tu és chamada pelo nome, eu sou chamado pelo nome.

Ao princípio da teia da vida, ainda antes dos talentos que possuímos, das sombras e feridas que carregamos dentro de nós, recebemos um chamamento. Chamados, porque amados.

Aos olhos de Deus somos filhos preciosos, que Ele cada dia chama para abraçar e encorajar; para fazer de cada um de nós uma obra-prima única e original, cuja beleza mal conseguimos vislumbrar. Nesta Jornada Mundial da Juventude, ajudemo-nos a reconhecer esta realidade essencial: sejam estes dias ecos vibrantes da chamada amorosa de Deus, porque somos preciosos a seus olhos, apesar do que às vezes os nossos olhos veem, enevoados pela negatividade e ofuscados por tantas distrações.

Sejam dias em que o teu nome, através de irmãos e irmãs de muitas línguas e nações que o pronunciam com amizade, ressoe como uma notícia única na história, porque único é o pulsar do coração de Deus por ti. Sejam dias para fixar no coração que somos amados tal como somos. Este é o ponto de partida da JMJ, mas sobretudo da vida.

Chamados pelo nome: não é um simples modo de dizer, é Palavra de Deus (cf. Is 43, 1; 2 Tm 1, 9). Amigo, amiga, se Deus te chama pelo nome significa que, para Ele, não és um número, mas um rosto.

Quero fazer-te notar uma coisa: muitos, hoje, sabem o teu nome, mas não te chamam pelo nome. Com efeito, o teu nome é conhecido, aparece nas redes sociais, é processado por algoritmos que lhe associam gostos e preferências. Mas tudo isso não interpela a tua singularidade, mas a tua utilidade para pesquisas de mercado.

Quantos lobos se escondem por trás de sorrisos de falsa bondade, dizendo que conhecem quem és, mas sem te querer bem, insinuando que creem em ti e prometendo que serás alguém, para depois te deixarem sozinho, quando já não lhes fores útil. São as ilusões do mundo virtual e devemos estar atentos para não nos deixarmos enganar, porque muitas realidades que nos atraem e prometem felicidade mostram-se depois pelo que são: coisas vãs, supérfluas, substitutos que deixam o vazio interior.

Jesus, não! Ele tem confiança em ti, para Ele tu contas. E assim nós, sua Igreja, somos a comunidade dos chamados: não dos melhores – não, absolutamente não -, mas dos convocados, de quantos acolhem, juntamente com outros, o dom de ser chamados. Somos a comunidade dos irmãos e irmãs de Jesus, filhos e filhas do mesmo Pai.

Nas cartas que me enviastes (são SALA DE IMPRENSA DA SANTA SÉ 5/2 lindas, obrigado!), dissestes: «Assusta-me porque sei que há pessoas que não me aceitam e que acham que não há um lugar para mim (…), eu própria chego a questionar-me se há um lugar para mim ou não». E ainda: «sinto que na minha paróquia não há espaço para errar».

“ Só devemos olhar alguém de cima para baixo quando estivermos ajudar a levantar-se….”
Papa Francisco.

António CD Justo

Pegadas do Tempo

(1) O Evento realizou-se de 2 a 6 de agosto e na Vigília e Missa de Envio (dia 6) teve a presença de 1,5 milhão de üparticipantes, segundo as autoridades de Lisboa.

“Maria levantou-se e foi depressa” (Lc 1,39) é a citação bíblica escolhida pelo Papa Francisco como lema da Jornada Mundial da Juventude que será realizada pela primeira vez na capital, Lisboa, Portugal.

O logótipo da Jornada Mundial da Juventude Lisboa 2023, tem a Cruz como elemento central. Esta é atravessada por um caminho onde surge o Espírito Santo.

“A próxima JMJ terá lugar na Ásia em 2027, será na Coreia do Sul, em Seul.

A participação dos peregrinos na JMJ é gratuita, o que significa que cada pessoa pode participar livremente nos eventos centrais (Missa de Abertura, Acolhimento, Via Sacra, Vigília e Missa de Envio).

Programa: https://www.lisboa2023.org/pt/programa-oficial-da-visita-do-papa

(2) O recorde absoluto pertence à capital das Filipinas, Manila, onde, em 1995, cerca de cinco milhões de pessoas se juntaram, no Parque Luneta, para a missa de encerramento da JMJ desse mesmo ano, presidida pelo Papa João Paulo II.

JOVENS CRISTÃOS VINDOS DO MUNDO FESTEJAM A VIDA EM PORTUGAL

“QUE ROTA SEGUES, OCIDENTE, SE INVESTES EM ARMAS E NÃO NO FUTURO DOS FILHOS?”

 

A 37ª Jornada Mundial da Juventude (JMJ) começou na terça-feira (01/08/23) em Lisboa com mais de 250 mil peregrinos de todo o mundo na cessão de abertura pelo cardeal-patriarca. Esta festa da fé dura até sábado e conta-se que congregará 1,5 milhão de peregrinos jovens.

A celebração de abertura feita pelo cardeal-patriarca teve a presença de 7.120 padres, 500 bispos e 20 cardeais. Na celebração de abertura participaram também 200 artistas. Na distribuição da comunhão estiveram 1.800 pessoas e 7.000 voluntários apoiantes e havia 150 confessionários disponíveis.

A cidade tem mais de 100 espaços para 480 eventos de 55 países. Os jovens também têm oportunidade de se encontrarem com os seus bispos.  Há mais de 90 palcos com 600 eventos e 2.500 artistas. Há também 16.000 agentes e 2.500 bombeiros a garantir a segurança.

Como é natural num mundo dividido, as forças agressivas aproveitam-se de tais eventos para mostrarem a sua presença destrutiva que, doutro modo, estaria destinada a morrer na privacidade do seu dia-a-dia. Para muitos, numa Europa envelhecida e materializada constitui afronta o facto de uma Igreja que desejariam ultrapassada encontre tanta ressonância no mundo. Grupos interessados em explorar o homem pelo homem revelam-se contra a espiritualidade, porque esta é o âmbito privado que dá força aos muitos que são desprovidos dela. Havia iniciativas do estrangeiro em vir perturbar os eventos da JMJ com cenas de colagem de corpos e corpos nus em certos lugares onde o Pontífice passaria; serviços secretos internacionais colaboram com os serviços portugueses que pensam ter tudo sob controle.

O Papa ao chegar a Portugal (02.08.2023) pediu à Europa envelhecida que se mostre capaz de acabar com “o descarte dos idosos, os muros de arame farpado, as mortandades no mar e os berços vazios”.

Uma “boa política” deve “corrigir os desequilíbrios económicos dum mercado que produz riqueza, mas não a distribui empobrecendo os recursos e os ânimos”.

Lisboa que nas descobertas levou o cristianismo ao mundo, hoje bastante envelhecida e esquecida, recebe de volta o cristianismo de brilho nos olhos vindo de todo o mundo. Uma brisa de sonho e de eterna juventude. Citações do SUMO Pontífice no discurso ao corpo diplomático em nota (1).

António CD Justo

Nota em Pegadas do Tempo

(1) “Que rota segues, Ocidente, se investes em armas e não no futuro dos filhos?”

“Para onde navegam se não oferecem caminhos de Paz?”

Estou “feliz por estar em Lisboa, cidade do encontro que abraça vários povos e culturas e que, nestes dias, se mostra ainda mais universal; torna-se, de certo modo, a capital do mundo”, “condiz bem com o seu caráter multiétnico e multicultural (penso, por exemplo, no bairro da Mouraria, onde convivem pessoas provenientes de mais de sessenta países) e revela os traços cosmopolitas de Portugal, que afunda as suas raízes no desejo de se abrir ao mundo e explorá-lo, navegando rumo a novos e amplos horizontes”.

“Olhando com grande afeto para a Europa, no espírito de diálogo que a carateriza, apetece perguntar-lhe: Para onde navegas, se não ofereces percursos de paz, vias inovadoras para acabar com a guerra na Ucrânia e com tantos conflitos que ensanguentam o mundo?… Que rota segues, Ocidente? A tua tecnologia, que marcou o progresso e globalizou o mundo, sozinha não basta; e muito menos bastam as armas mais sofisticadas, que não representam investimentos para o futuro, mas empobrecimento do verdadeiro capital humano que é a educação, a saúde, o estado social. Fica-se preocupado ao ler que, em muitos lugares, se investem continuamente os recursos em armas e não no futuro dos filhos…. Para onde navegais, Europa e Ocidente, com o descarte dos idosos, os muros de arame farpado, as mortandades no mar e os berços vazios? Para onde ides se, perante o tormento de viver, vos limitais a oferecer remédios rápidos e errados como o fácil acesso à morte, solução cômoda que parece doce, mas na realidade é mais amarga que as águas do mar?”

Cita ainda Fernando Pessoa: «Navegar é preciso; viver não é preciso (…); o que é necessário é criar» (Navegar é preciso). Trabalhemos, pois, com criatividade para construirmos juntos!

Cfr:

https://www.vaticannews.va/pt/papa/news/2023-08/papa-francisco-portugal-jmj-encontro-autoridades-sociedade-civil.html

DIREITOS DE LIBERDADE RELIGIOSA E DIREITOS LGBT

Entre o Direito à Dignidade humana e o Direito de se organizar em Grupos

A questão será, como compatibilizar direitos individuais (LGBT) com direitos de grupos ou confissões numa sociedade que respeite ao mesmo tempo o indivíduo e a comunidade?  Neste contexto, como coordenar a política de inclusão, apesar de tanta propaganda Arco-Íris e de tanta confusão propagada?

O Direito individual à Dignidade humana é o fundamento de uma vida civilizada; no conflito entre identidades individuais e identidades comunitárias seria da essência da instituição servir o indivíduo, tal como a dos órgãos servirem o corpo. É próprio de uma certa dialética e irracionalidade humana considerarem-se antagónicas grandezas que na sua essência são complementares. No humano torna-se tudo mais complicado dado individuo e comunidade terem a sua individualidade interceptada mas que pretendem ver respeitada numa tendência natural de autodefinição (o problema é a finação de algo parte de um todo que não reconhece a condição de limitado!).

“LGBT” significa lésbicas, gays, bissexuais e transgéneros. A ideologia ou movimento LGBT tornar-se-ia supérflua se os direitos de toda a pessoa assentassem no reconhecimento da sua dignidade individual independentemente da sua ideologia ou inclinação e se as instituições ou comunidades reconhecem de forma transversal tal direito humano e se o indivíduo respeitasse a diversidade de instituições necessárias.

No exercício de papéis ou funções sociais haverá sempre contradições dado haver dois campos de intervenção (identidades), por vezes, concorrentes e intrínsecos à humanidade: o indivíduo e a organização ou comunidade.  Numa sociedade em que a personalidade individual se quer cada vez mais reduzida ao ego acentua-se o conflito que em termos epocais pode ser considerado fatal. O conflito manifesta-se quando os objetivos do Estado, por exemplo querer fomentar a procriação para manter a sua sustentabilidade (a comunidade) chocam com objectivos de caracter individual. (Os governantes não o fazem porque limitam o seu exercício ao poder e o cuido do poder só se torna visivelmente eficiente em termos do imediato e por isso se adapta às necessidades primárias da população, menosprezando os factores mais abrangentes fomentadores de comunidade). Neste caso um tratamento eventualmente desigual, não seria discriminatório dado beneficiar o todo e especialmente quem participe nessa missão comum. O que dificulta a questão é o facto de se viver numa sociedade mais feita de amontoados inconscientes no que toca à individualidade e à comunidade e, como tal actuar de maneira disfuncional ao não reconhecer as relações e condicionamentos intrínsecos comuns à definição de indivíduo e de comunidade (afirma-se a polaridade quando a vida acontece entre os polos!).

No 53º Conselho de Direitos Humanos da ONU o lobby pró-LGBT quer a aplicação de padrões LGBT em contextos religiosos, o que legitimaria uma ingerência directa dos governos em questões de liberdade religiosa. O Estado não pode ser transformado em ministério da verdade e como pessoa jurídica deve ser isento relativamente a visões conservadoras ou progressistas. A tentativa de condicionar comunidades religiosas ao seguimento dos direitos LGBT é redutora porque aposta numa sociedade (pessoas separadas umas das outras) legalista de caracter meramente funcional estéril sem comunidades de vida (pessoas conectadas) com crenças religiosas e culturais, expressões ou estilos de vida natural vivida. Neste aspecto há ainda que ter em conta a diferença essencial que há entre sociedade e comunidade. Uma sociedade (organização legal) só garantirá sobrevivência se aceitar a tendência natural humana de aspirar à liberdade (individualidade) e se organizar em comunidades livres (semelhante tendência observa-se também na natureza a nível da diferença de tipos e de biótopos).

Daí a tarefa não fácil da aceitação e respeito de direitos individuais e por outro lado proteger os direitos de comunidades laicas e religiosas de modo a poderem afirmar as suas posições e convicções num enquadramento comunitário.

O direito legítimo e necessário de cada indivíduo se organizar em grupos ou comunidades implica uma tensão entre o princípio da individualidade e o princípio do grupo ou comunidade. Assim torna-se difícil encontrar um equilíbrio entre a política de inclusão e o direito de se organizar em grupo ou comunidades. O respeito à diversidade não pode passar por cima da identidade de diferentes grupos e menos ainda em termos de maiorias (há casos de necessidade de se favorecerem minorias). A diversidade só é valor na medida em que faz parte de um todo. Se se argumenta com o direito à igualdade tem que se ter em conta também o direito à não discriminação de grupos ou instituições com convicções próprias. Características como raça, etnia, género, religião, orientação sexual exigem diálogo compreensão e a tolerância entre elas, mas embora constituam riquezas permanecerá sempre um certo dualismo entre indivíduo e instituição. A própria definição (individualização) identidade pessoal e identidade institucional podem impossibilitar o indivíduo a ter acesso aos mesmos direitos e oportunidades.

Daí a política de inclusão ter um caracter mais preventivo de proteção do indivíduo e de proteção das instituições ou grupos sem confundir os pés com as mãos. Difícil é a tarefa da defesa do direito de expressão individual que, por vezes por razões de interesses pessoais ou grupais agride ou ataca outros grupos como se encontrassem em campos de batalha. Dado o indivíduo e a sociedade se encontrarem em constante processo dinâmico isso pressupõe um contínuo aferimento na coexistência pacífica de indivíduo e comunidade para o bem-estar de todos. A diversidade individual e grupal está em função da pessoa numa relação de complementaridade devido à interdependência natural: bem-estar individual e coletivo pressupõem compreensão e tolerância recíprocas. O facto de se querer dar universalidade aos valores, isso não deve passar por cima da realidade. O problema será conseguir encontrar nas circunstâncias que envolvem uma realidade a justeza do trato.  A política europeia de proteção de minorias preocupa-se com a inclusão devido à vulnerabilidade, mas não se justifica por si, porque inclusão implica para as partes a perca de algo, doutro modo a parte inclusa pode favorecer a explosão do corpo. Uma inclusão total pressupõe dar e receber e abertura das partes de modo a reconhecerem limites e obrigações. A política de inclusão europeia, no que respeita à religião muçulmana é ingénua e, a longo prazo, prejudicial para as partes, dado o islão ser uma política de poder sob a forma de religião e aqui mais que a inclusão de indivíduos se trata da inclusão de uma sociedade que se afirma como paralela. Incontestável é o direito de cada muçulmano ser respeitado também na sua crença).

Por sua vez, uma sociedade de crença no progresso como algo evidente em que se pretende fazer do contexto o factor determinante da doutrina/realidade revela-se contra a inclusão de visões ou crenças tradicionais ao querer impor a crença contemporânea cega estabelecendo o preconceito de avaliação de uma crença sobre a outra. Em nome do mero contexto cai-se num relativismo absoluto legitimador do que será só relativo, mas que não permite um escrutínio crítico e fundamentado em evidências. A política de inclusão na sociedade peca pelo facto de assumir uma atitude combativa já de si testemunho de anti inclusão quando uma verdadeira dinâmica da inclusão na sociedade envolveria uma reflexão sobre limites e obrigações (esta reflexão seria urgente nas duas partes).

Pretender criar uma sociedade inclusiva e justa pressupõe uma atividade inclusiva nos dois sentidos:  no sentido do indivíduo e no sentido da comunidade como elementos de um todo.  A política de inclusão não será séria se não respeitar o contencioso entre grupo e indivíduo e entre os diferentes grupos e assim poder melhor organizar as relações entre o direito de se organizar em grupo ou comunidade com convicções grupais próprias e o direito à convicção individual de maneira transversal a todos os grupos. A diversidade das pessoas e a diversidade das comunidades são patentes, mas a diversidade em si não pode negar o direito de uma nem da outra.

No cristianismo há a postura institucional em questão de doutrina e por outro lado é reconhecido o direito do crente a seguir a sua opinião sem necessidade de renegar a sua fé (aceitação da tensão entre crença e fé), dado os valores principais serem o respeito pela vida e o respeito pela dignidade humana de cada pessoa. (Existem pessoas LGBT+ que conciliam sua orientação sexual ou identidade de gênero com sua fé cristã). É tarefa difícil manter-seo convívio pacífico  entre ideologia de Estados, religiões, grupos e indivíduos. Daí ser contraproducente grupos LGBT e grupos religiosos quererem ter o direito de afirmarem os valores que defendem como atitude exclusiva: uma coisa é a confissão (vivência própria) e outra a afirmação.

Nesta lógica teríamos instituições contra instituições, grupos contra grupos e indivíduos contra instituições por não verem a sua crença ou o espírito do tempo afirmado por todo o indivíduo ou instituição. A diversidade pretendida pressupõe a diversidade de posições institucionais e individuais. Indivíduo e grupo/instituição encontram-se em processo contínuo; o facto de hoje acontecer tudo em grande velocidade complica mais o assunto porque há o perigo de se perder no accionismo imediato o que um pouco de reflexão resolveria. O desafio é permanente, mas não podemos fixar-nos só nele.

No cristianismo enfatiza-se o ministério de Jesus Cristo que prestou atenção especial aos marginalizados da sociedade e encorajou as pessoas a se amarem incondicionalmente (a mensagem cristã de amor, compaixão, tolerância e justiça implementa o respeito e a aceitação incondicional de todas as pessoas); aqui trata-se de uma atitude e não de uma ideologia.

O facto de haver pessoas cristãs que rejeitam as identidades transgénero é um direito de opinião como tantos outros e não justifica o fomento do preconceito contra pessoas conservadoras.

O facto de uma pessoa ou grupo afirmar as entidades transgénicas não implica que o que as rejeita e vice-versa   tenham de ser considerados à margem da lei. Os dois podem apesar de isso reconhecer a dignidade humana devida a cada pessoa.  A quem é justificado para afirmar uma convicção própria negar a outra e vice-versa? Muitas discussões desenvolvidas pretendem mais direcionar a sociedade do que aperfeiçoá-la.

A tarefa humana de manter a humanidade em paz é prioritária e nesse sentido devem colaborar todas as instituições e mundivisões. Os direitos individuais humanos não legitimam, porém que uma cultura suborne a outra através de uma política ou mundivisão que identifica o direito individual com o direito da comunidade (caso do islão).  Esta tática política embrulhada de religião, defende a própria comunidade, mas cria, com o passar de algumas gerações, problemas em culturas mais abertas (caso que deu origem ao Kosovo)!

Nas sociedades abertas ninguém deve sofrer penalidades ou restrições por defender os seus pontos de vista, crenças ou opiniões, mas também a defesa desses direitos não podem ser motivo para interferir noutras sociedades; tal argumento não legitima a defesa do ocidente no Afeganistão, Ucrânia, África, etc. (método usado hoje por grandes potências.  

Também colocar o direito de minorias em termos de igualdade das maiorias ignora o processo interino de lutas entre grupos e cria situações caricatas e atitudes hipócritas quando razões meramente económicas desvalorizam em seu serviço as razões culturais em jogo; isso leva à confusão e ao autoengano! Quando a atmosfera é guerreira não há deuses que defendam a paz! Também a ideia globalista em voga não se revela como séria quando o activismo geral em jogo se dá sobretudo na e contra a cultura ocidental. Incontestável deveria permanecer de maneira transversal a todas as culturas a preservação dos direitos humanos de cada indivíduo. Quanto à regulação dos grupos entre eles deveria haver o princípio do reconhecimento recíproco

O direito à dignidade humana é o fundamento de todos os direitos, que segundo a interpretação cristã assentam na filiação divina do humano. Porém, a dinâmica interpessoal não pode ser cem por cento aplicada na relação entre grupos.

António CD Justo

Pegadas do Tempo

MORREU O MAGO DA LINGUAGEM MARTIN WALSER

Martin Walser não andou comigo na doutrina nem foi comigo à comunhão, mas, quando leio obras dele, sempre me impressiona pela riqueza da sua linguagem e pelo facto de não se alinhar no oportuno pensar politicamente correcto e de ser uma personalidade rara numa sociedade demasiadamente igual a si mesma!

Estudou literatura e filosofia e em acto não conforme com os EUA nem com a opinião generalizada (mainstream) tomou partido contra a Guerra do Vietnam (sendo por isso apelidado de “comunista”);  também ergueu bem cedo a voz contra a divisão da Alemanha (o que lhe valeu o atributo de “nacionalista” a nível do pensar politicamente correcto); fez também campanha por Willy Brandt na sua candidatura para chanceler e manifestou-se contra a entrega de armas pesadas à Ucrânia.

Manteve a sua personalidade por vezes polémica ou polemizada como foi o caso da crítica aos Media que todos os dias lematizavam o Holocausto: “Nenhuma pessoa séria nega Auschwitz; ninguém que ainda esteja são trai o horror de Auschwitz; mas quando esse passado me é mostrado todos os dias nos Media… Auschwitz não serve para se tornar uma ameaça rotineira, um meio de intimidação que pode ser usado a qualquer momento, ou um porrete moral”. Walter abordou este assunto no romance “Morte de um Crítico”.

Foi crítico de uma cena cultural muitas vezes desonesta, mas a sua grandeza é demonstrada nos lugares altos da literatura e não nos lugares baixos da política. Dele satisfaz-me a frase: „Escreve-se para tornar a vida suportável”! E o escrever é “uma declaração de amor à vida”. Importante é atuar-se a partir de um lugar seguro.

Com 96 anos morreu (28. 07.2023) uma importante estrela da geração alemã pós-guerra. Desde 1955 publicou cerca de 70 contos e romances. Com seus livros e ensaios, Walser abriu os olhos de muita gente. Ergueu a sua voz contra condições sociais criadas que impedem o desenvolvimento humano e o arruína. Os seus heróis e anti-heróis refletem as lutas competitivas da vida cotidiana.

Como poeta, sensibilizou-me ficando na memória a sua frase: „Sou as cinzas de uma glória que nunca existiu”.

Para ele “a mais clara superação da morte e do morrer é a escrita “! “A morte não existe para nós. O que nos espera é o morrer”. O último livro que escreveu foi “Trovador” em 2023.

Para terminar cito uma frase de ouro do mágico da linguagem no livro “O que falta quando falta Deus” da Editora Herder: “Ocorre-me o que me falta: essa é a base da escrita. Essa é também a base da religião, essa é a base da nossa língua: porque não temos algo, temos a linguagem. Se tivéssemos Deus, não teríamos uma palavra para ele. É apenas por falta que precisamos das palavras”(1).

António CD Justo

Pegadas do Tempo

(1) Martin Walser  in https://download.e-bookshelf.de/download/0007/8185/06/L-G-0007818506-0041009913.pdf