MÚSICA NOS ESPAÇOS PÚBLICOS: O SOM QUE ACOLHE OU AFASTA

Da calma ao caos: como o rasto sonoro invisível dos nossos dias influencia o nosso humor, o nosso consumo e o nosso bem-estar

Vivemos numa era de pouco silêncio. O ruído de fundo tornou-se uma constante, da azáfama do trânsito aos ecrãs que falam, dos cafés às praças públicas. Neste panorama, a música surge como uma dupla face: pode ser uma companhia que acalma ou uma invasão que agride. A fronteira é ténue. Quando o volume sobe demasiado ou os graves fazem tremer as paredes, o prazer transforma-se em incómodo. O som, afinal, tem o poder de moldar comportamentos, estados de espírito e até decisões de consumo (1). A questão que se coloca é: como podemos usar a música para criar espaços mais acolhedores e harmoniosos?

O Ritmo Certo para Cada Lugar

A chave está na adequação. A mesma música que anima uma festa pode ser tormento num hospital. O sucesso da experiência sonora depende de entender o espaço e o seu público.

Nos Centros Comerciais, o objetivo é incentivar a permanência. Estudos indicam que música clássica suave ou instrumental relaxante cria uma atmosfera de calma, convidando os clientes a circular sem pressa (2). Pelo contrário, batidas agressivas de techno ou pop alto geram cansaço e ansiedade, antecipando a hora de sair.

Em Restaurantes e Cafés, o sabor também é sonoro. Estilos como jazz suave, bossa nova ou música acústica facilitam a conversa e permitem saborear a refeição (3). Já a música alta e ritmada força os clientes a elevarem a voz, criando um ambiente de fadiga que prejudica a experiência.

Nos Hospitais e Unidades de Saúde, o som deve ser um aliado da cura. Música clássica, sons meditativos ou da natureza demonstraram acalmar pacientes, reduzindo a ansiedade (4). Qualquer som alto ou com graves marcados deve ser evitado. Curiosamente, até a pecuária beneficia: vacas produzem mais leite com música clássica (5). Se o efeito é tão poderoso nos animais, no ser humano é ainda mais evidente.

Nos Espaços Públicos, como praças ou jardins, a música deve ser um pano de fundo discreto e inclusivo. Música neutra, tradicional instrumental ou ambiental são boas escolhas. O problema reside nos sons graves agressivos e no volume excessivo, que se transformam numa imposição para todos, inclusive para os vizinhos.

Em Casamentos e Festas, o equilíbrio é crucial. Música clássica ou coral marcam momentos solenes com dignidade, enquanto pop, tradicional ou rock leve podem animar a pista de dança, se o volume for moderado. O excesso de colunas e graves desconfortáveis pode transformar uma celebração num incómodo. Muitas vezes, são animadores sem formação adequada que, tal como o cozinheiro, se tornam os “senhores da festa”, ditando um ritmo que nem todos conseguem acompanhar.

O Verdadeiro Vilão é o Volume e os Graves

Mais do que o estilo musical em si, são o volume elevado e os graves profundos os principais causadores de conflito. Estas frequências têm um poder invasivo único: atravessam paredes, vibram no corpo e impõem-se a quem não as escolheu. Os mais afetados são frequentemente os mais vulneráveis: pessoas sensíveis, idosos, crianças ou doentes que, no seu direito ao descanso, se veem a braços com uma invasão sonora com impactos comprovados na saúde (6).

Música como Ferramenta de União e não de Divisão

A música é uma das forças mais poderosas de união humana. Quando usada com critério, pode e deve ser uma ferramenta de bem-estar e inclusão. Numa sociedade já marcada pelo stresse e pela aceleração, não precisamos de estímulos sonoros agressivos, mas de sons que promovam a harmonia, o encontro e a permanência.

A boa música de ambiente é aquela que não se impõe, mas que transforma positivamente a experiência de quem a ouve. É tempo de elevar o padrão e exigir profissionalismo e respeito pelo bem-estar coletivo. Afinal, como defende o autor, merecemos mais do que a lógica do “para quem é bacalhau basta”.

António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo

Notas de Referência:

(1) North, A.C., & Hargreaves, D.J. (1998). The Social and Applied Psychology of Music. Oxford University Press.

(2) Milliman, R.E. (1982). Using Background Music to Affect the Behavior of Supermarket Shoppers. Journal of Marketing.

(3) Caldwell, C., & Hibbert, S.A. (2002). The Influence of Music Tempo and Musical Preference on Restaurant Patrons’ Behavior. Psychology & Marketing.

(4) Chanda, M.L., & Levitin, D.J. (2013). The Neurochemistry of Music. Trends in Cognitive Sciences.

(5) Alworth, L.C., & Buerkle, S.C. (2013). The Effects of Music on Animal Physiology, Behavior and Welfare. Lab Animal.

(6) WHO (2018). Environmental Noise Guidelines for the European Region. World Health Organization.

 

Estilo / Som Efeito no Sistema Nervoso Impactos Positivos Impactos Negativos (excesso/volume alto) Contextos Ideais
Clássica (ex. Mozart, Bach) Ativa sistema parassimpático → relaxamento Acalma, melhora concentração, pode favorecer produção de leite e vínculos afetivos Pouco impacto negativo salvo desagrado pessoal Estudo, leitura, hospitais, centros comerciais
Meditativa / New Age Reduz cortisol, regula respiração, induz estados alfa Relaxamento profundo, melhora sono, útil em ansiedade Pode induzir sonolência em excesso Yoga, meditação, salas de espera, retalho
Pop / Música ligeira Estimula ligeiramente sistema simpático Humor positivo, familiaridade, sociabilidade Pode distrair em excesso ou ser repetitiva Centros comerciais, rádios, eventos sociais
Rock / Metal Forte ativação simpática, descargas de adrenalina Catarse emocional, energia, identidade de grupo Stress, irritabilidade, fadiga auditiva Concertos, ginásios, não recomendado em repouso
Tecno / Eletrónica (baixos fortes) Estímulo motor intenso, ritmo rápido → excitação Energia, incentivo a dançar, sensação de fluxo corporal Stress, insónia, pressão arterial elevada, ansiedade Festas, clubes, ginásios
Ruído urbano (trânsito, obras) Ativação simpática involuntária (stress) Nenhum (exceto habituação em alguns casos) Stress crónico, distúrbios de sono, irritabilidade – (melhor evitar)

 

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Publicado por

António da Cunha Duarte Justo

Actividades jornalísticas em foque: análise social, ética, política e religiosa

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