Já se passaram sessenta anos na promessa solar,
mas a fome permanece fiel, constante a bailar.
A liberdade, dama nobre de fraque elegante,
vende o seu por parcelas, em prestações picantes.
Surgem doutores do mundo com gráficos na mão,
com juros, receitas e sábia lição.
“Ajuste estrutural!” que palavra sonora,
corta raízes, a cultura já chora.
Espetáculo de cetim, algoritmos em dança,
povos viram figurantes numa falsa esperança.
A soberania, boneca delicada e frágil,
dança conforme a batuta, submissa e dócil.
“Para o vosso bem!” – assim soa, suave e claro,
“este neoliberalismo é vosso altar mais caro.”
Ah, mais pesado que o jugo colonial antigo,
pois lá restava um ser, aqui só inimigo.
Reina o capital, global e sublime senhor,
escavadora que enterra almas sem pudor.
Apaga identidade, esmaga todo canto,
em nome do “progresso” – vazio como pranto.
Não queremos crédito cego e tão pesado,
nem desenvolvimento em modelo copiado.
Queremos germinar da própria razão,
política que nasça da terra, sã tradição.
Como a Europa, outrora devastada e em guerra,
encontrou renovação em sua própria terra.
Mas África, dizem, não deve ousar tal coisa,
seu futuro é ser apêndice, eterna lousa.
Ó senhores do FMI, príncipes do banco,
vossa ajuda é corda embrulhada em papel branco.
Guardai planos, a magia fria e vazia,
deixai África criar seu próprio novo dia.
António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo, Arte crítica