Na vida, há quem, em nome do amor, se perca,
E há quem ame apenas por um eco na cave da alma.
Um falso amor, que é só espelho e máscara,
E um amor-negação, que a própria essência cala.
O mandamento é claro: “Ama o próximo como a ti mesmo”.
Mas como amar o outro, se em nós a fonte secou?
A caridade que a si mesma se devora
É um martírio vão, um sol que não aquece.
O bom cristão, a pessoa de bem, lapida a própria pedra,
Sem carregar a culpa alheia, pesada herança.
Ser gentil com o mundo, sim, mas também consigo:
O próprio rosto é a primeira imagem de Deus a salvar.
Proteger-se não é egoísmo, é acto de criação.
O autocuidado é o altar onde o espírito arde.
Alimentar a alma, para além do ego faminto:
Ter limites é traçar a fronteira do sagrado.
A bondade genuína sabe a hora do “não”,
Do afastamento tático de toda a sombra daninha.
O amor é fundamental, mas o amor-próprio é a base:
Só não se perde no outro quem em si mesmo se encontra.
O amor sábio é fortaleza, é limite que protege,
Reconhece que o cuidar de si é o primeiro mandamento
Para, com mãos cheias e não vazias, cuidar do mundo.
Pois a sintonia sem discernimento é um rio sem leito,
Inunda tudo e nada rega, é tão estéril
Como a dureza sem empatia, gelo e pedra.
A sabedoria, essa rara arte, habita no equilíbrio:
No centro exacto entre a entrega e a preservação.
António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo