NO FOCO DAS RELAÇÕES

Sou feito de mim mesmo e em tudo o que me forma,
sou rio que nasce da fonte e no leito que o acolhe.
Entre o que sou, a minha ipseidade, núcleo ardente,
e o que o mundo exige que eu seja, tecelão implacável,
ergue-se o espaço sagrado do possível:
ser o que posso ser, no ser que habito.

Não sou essência isolada,
pedra muda no deserto do ser,
nem fruto cego do acaso,
folha que o vento arrasta sem memória.

Sou o intervalo vivo, entre os contrários:
trovão, silêncio, toque, vento e queda,                                                                                                                                                                                                                                    que em dança torno em voo e em canto novo.

Sou o instante grávido de sentido
onde a liberdade toca o destino
e ambos se olham, no gesto que os reúne:

flor que desabrocha à luz da mesma terra,                                                                    flor que desabrocha à luz da mesma terra,                                                                      sabendo o céu que a fez e a sustém viva.

Assim caminho, no meio do que me é dado,
nem servo das estrelas, nem dono da manhã.
Sigo no fio tenso entre o que herdo
e o que em mim refaço, autor e argila,
poema inacabado que me escreve.

Porque ser é mover-se,
verbo em combustão,
resposta à voz do mundo que pergunta.
E nesse jogo antigo, entre o que é eu
e o que me é outro, origem e infinito,
nasce o milagre humano do equilíbrio:

a liberdade que dança entre as correntes,
e faz delas asas que levantam.
No ritmo trino do que é dom e entrega,
amor que se reparte e se refunde,
círculo aberto ao eterno, pura relação.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

 

Social:
Pin Share

Social:

Publicado por

António da Cunha Duarte Justo

Actividades jornalísticas em foque: análise social, ética, política e religiosa

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *