A GUERRILHA ISLÂMICA DETERMINA A CISÃO DOS POVOS NO SÉCULO XXI

Ensaio sobre a situação da Síria e do Iraque como expressão da luta intercultural

Por António Justo
No mundo contemporâneo, a violência de motivação religiosa parte praticamente do Islão. Isto fomenta a incompreensão do islão e muitos muçulmanos moderados de boa-fé sentem-se colocados no pelourinho. As forças radicais e escuras estão interessadas em fomentar motivos de incompreensão porque só assim se encontram no seu Mileu e justificar o seu agir irracional.

Tornar o Islão compatível com outras culturas e religiões

Torna-se urgente uma reforma do islão a partir do seu interior que possibilite a passagem da sociedade patriarcal e medieval para a sociedade moderna onde o centro da realidade passa a acontecer na pessoa e a expressão política se realiza numa forma de democracia (comunidade) que possibilite a liberdade do indivíduo, de modo a que este faça o que quer, desde que não incomode ninguém.

A confusão, que se observa a nível de teoria e no âmbito da acção da sociedade islâmica, deve-se também à falta de separação nítida no Corão e nos Ditos do profeta entre religião e violência, entre regra e extremismo, o que impossibilita distinguir entre quem obedece à norma religiosa e quem não. Não se tratará de rejeitar o islão, como fazem alguns intelectuais muçulmanos, mas de o reformar com uma interpretação adaptada aos nossos tempos (reconhecendo muito embora a dificuldade dado não haver sincronização do tempo em relação às culturas). Tratar-se-ia de encontrar uma definição e uma prática islâmica aberta e compatível com outras religiões e culturas, com outros valores, outras constituições de estados e com a modernidade na aplicação dos direitos humanos. Só uma atitude tolerante e integrativa, respeitadora das religiões e do estado de direito, pode servir os muçulmanos democráticos e livres bem como as outras culturas. O islão tem de reconhecer a realidade natural da variedade e as leis da evolução, doutro modo, ao fechar-se numa visão patriarcal, apressa a sua derrocada embora englobe muita riqueza artística no mosaico das culturas.

O Terror jihadista islâmico é a Luta contra a própria Queda

Como se observa do mundo árabe ou do mundo subjugado ao islão, onde não há ditadura ou regime autoritário, abundam os movimentos extremistas que impedem a estabilidade interna. Por toda a parte, onde se encontre um vazio regulamentar político, logo a frustração é compensada religiosamente, através da violência e de mercenários cegos ao serviço duma cultura do medo.

Toda a ideologia política ou religiosa, que considere o seu ponto de vista como a única via correcta de vida, desconhece a relação entre percepção (conceito) e realidade, vendo-se condenada a viver da guerrilha e a fracassar, dado o desejo de liberdade inato ao Homem não poder ser ininterruptamente oprimido, por um regime ou uma cultura, e, além do mais, num mundo chamado a transformar-se numa aldeia de vizinhos. Também Maomé dizia: “o que não serve o homem vai abaixo como uma onda no oceano”. Os tempos mudaram e com eles muda o Homem e as circunstâncias, tudo é processo; quem não quer ficar sob as rodas da História, tem que verificar o que então “servia” o homem e o que hoje já não serve o Homem. Recorrer sistematicamente à violência para resolver problemas é desumano e destrutivo.

O busílis muçulmano está no facto de só admitir, na sua sociedade, a curto ou a longo prazo, o falar do Deus registado no Corão, ficado assim demasiado timbrado pelo patriarcalismo do Antigo Testamento e das tribos árabes sem perspectiva para uma sociedade aberta dado não ter integrado no islão as novas culturas e geografias onde se espalhou (isto vem do facto de considerar a revelação divina como enlivração empedernida – Deus tornado livro – não integrando nela a revelação divina que se dá através da História e da natureza, como fazem os cristãos). Consequentemente, têm de viver no gueto ou transformar o mundo no seu gueto; enquanto se encontram em minoria vivem no gueto apresentando-se ad extra como conciliadores; mas, uma vez alcançada maior presença no meio, as forças extremistas impõem-se aos “outros”, aos diferentes, (este processo também se observa na mudança de atitude de Maomé quando passou de Meca para Medina e se pode observar na mudança de opinião de Deus nas Suras – tolerantes do Corão escritas em Meca e nas escritas em Medina – Suras intolerantes) de maneira a torna-los numa monocultura por imposição. O exemplo de Maomé e a doutrina hegemónica que suporta o islão também não deixa viver em paz as confissões islâmicas sunitas (cerca de 80% dos muçulmanos no mundo) nem as xiitas (cerca de 20%) e do mesmo modo os correspondentes subgrupos alevitas (o mais liberal), o wahhabismo, o sufismo, os salafitas, etc, que disputam o poder entre si em nome de Alá.

A “Casa da Submissão” a Alá e a “Casa da Guerra”

A falta de honestidade ética, identifica o islão como religião da paz mas não esclarece que entende por paz a sua paz muçulmana (a paz da Umma) e mesmo assim guerreiam-se uns aos outros. O Evangelho já avisava: “Quem vive pela espada, pela espada morrerá” (Mt 26:52). Naturalmente a esmagadora parte dos muçulmanos é inocente e não conhece sequer a filosofia ambivalente do Corão ou dos que o aplicam ou utilizam.

Ao contrário do Ocidente que acentua o ideário da pluralidade de nações como factores de identificação e de identidade (sociedade aberta), a civilização árabe tende, duma maneira geral, a identificar nação (a nação árabe ou muçulmana) com a religião, o que cria problemas com as culturas que incorpora (como sociedade fechada). Na falta de uma consciência nacional tão diferenciada acentua a consciência da Umma (a comunidade dos crentes muçulmanos) que os distingue doutras pessoas: ‘a casa do islão’ = “Dar ul-Islam” em contraposição com a ‘casa da guerra’ = “Dar ul-Harb”). Divididos entre o desejo de autodeterminação (individualidade) e comunidade abdicam da individualidade que colocam incondicionalmente ao serviço de um grupo (ex. os mártires assassinos, semelhantes aos Kamikazes – “vento divino” japoneses), que tenta democratizar a violência. A Umma tem a vantagem de dar consciência a uma massa que, doutro modo, andaria à deriva e apresenta-se como contrapeso à (comunidade) sociedade ocidental que, talvez peque pelo outro extremo e se esvai no indivíduo. Líderes muçulmanos parecem apostar num deus guerreiro e na religião como tecto cultural, enquanto líderes ocidentais parecem apostar nas armas, na economia e na democracia como tecto cultural.

A fortaleza e a fraqueza do mundo islâmico parecem vir-lhe do aspecto confuso que não permite localizar concretamente os conflitos.

Também nos países de imigração de muçulmanos, estes sobressaem pela reivindicação dos próprios direitos em contraposição aos da sociedade acolhedora. Procuram organizar uma justiça paralela ou alcançar nos sistemas judiciais dos países de imigração, contrapartidas de cunho religioso conseguindo penas mais leves para delitos provindos de casamentos forçados ou de violência do homem para com a mulher (aqui o direito penal entra em conflito com a Constituição que defende a integridade corporal e a liberdade individual e a lei islâmica passa sobrepor-se à lei do Estado; tal comportamento dificulta a integração, encoraja o gueto e até a conversão para homens que queiram ter mais direitos em relação à mulher). Exigem tribunais próprios para arbitragem de litígios entre eles estabilizando assim a vida social paralela de gueto e uma justiça paralela. O problema não está nas exigências nem na diferenciação mas no facto de se criarem espaços vazios do direito em que se desfavorece o direito individual para se favorecer o direito cultural religioso.

Muitos organizam manifestações públicas contra Israel e contra a proibição do lenço mas não protestam publicamente contra os correligionários que usam a sua religião para fins terroristas (sentem-se depressa numa situação de vítimas e de coitadinhos, porque ‘de-finem’ a sua identidade pela religião e em contraposição aos que vive fora dos seus muros). Isto é compreensível a nível individual e psicologicamente mas a nível social torna-se conflituoso.

Na Alemanha, Wupertal, grupos Salafistas não se comportam em conformidade com a lei e já se manifestam como “Scharia Police” para controlarem lugares públicos frequentados por muçulmanos.

Os salafistas, um movimento extremista financiado especialmente pela Arábia Saudita, e espalhado por todo o mundo, tem uma mundivisão simples com um sistema de pensar só a preto e branco. Têm aceitação entre os povos carentes porque também prestam auxílio com projectos caritativos em nichos que os Estados não cobrem. Na Europa, segundo uma investigação, dirigem-se a grupos marginais e com pouca formação cultural, onde recrutam os seus seguidores que “com prazer são enviados para ataques suicidas, porque não são bons para mais nada”.

Torna-se anacrónico que, em países desenvolvidos, a polícia estatal, tenha medo de entrar em certos bairros. O vigilantismo familiar e grupal tem tradição na “vergonha da honra familiar” que se sente ultrajada por costumes diferentes dos seus. Na Alemanha ainda não houve ataques terroristas concretizados porque o país tem um sistema de organização muito efectivo que trabalha silenciosamente e de modo preventivo.

Por isso o Governo alemão determinou a 12.09.2014 que, a partir de agora, ficam proibidos os símbolos da milícia terrorista IS, como seja, a Bandeira, qualquer participação na IS, propaganda na Internet ou nas manifestações, recrutamento de combatentes, trazer símbolos ou recolher ofertas. Na Alemanha os salafistas são o grupo extremista talvez mais organizado, dedicando-se ao recrutamento e autoafirmação saindo do seu meio jihadistas que lutam especialmente no Médio Oriente.

Na Europa a economia e a política têm agido irresponsavelmente no que toca à defesa do povo e do cidadão pelo facto de não se preocupar com a comunidade; reduz o ser humano a uma força de trabalho em conivência com o sistema árabe que o reduz a força religiosa. Grande parte do povo, nas grandes cidades já tem medo de se movimentar em certos bairros. Com a cumplicidade política e dos governantes, que olham de longe o problema, sem se preocuparem com estratégias de reciprocidade, criam-se os pressupostos para a organização de bandos como acontece em favelas. A situação precária de tais grupos torna-se mais complicada ainda porque além dos muros da pobreza tem o muro da religião, o que dificulta uma solidariedade isenta.

O Caos da Situação e o Paradoxo da “Guerra santa” das Armas e do Sexo

No Iraque, tal como na Síria, há um enredo de interesses disputados por sunitas, xiitas, curdos, americanos, russos, turcos, Kuwait, Catar, irão e Arábia Saudita, que se podem resumir como guerra intercultural e económica. “O terror islâmico é executado na linha de distinção entre sunitas e xiitas”, constata Gilles Kepel; esta linha, à maneira das cidades muralhadas medievais, assenta na mundivisão de demarcação mural, entre o nós e os outros e na estratégia de autoafirmação pela contraposição em relação aos de fora.

O movimento terrorista IS (Estado Islâmico ou Califado), presente na Síria, é contra os xiitas iranianos que apoiam o presidente alevita Bashar al-Assad, (alevitas são 10% da população síria). A guerra civil já provocou 160.000 vítimas, encontrando-se 9 milhões de sírios em fuga.

A milícia IS intervém agora no Iraque com 17.000 combatentes e conta com o apoio activo das tribos sunitas. O movimento IS e os salafistas, em geral comportam-se como os seus antepassados da Idade Média. Pretendem instalar um reino de terror religioso (Estado Islâmico) numa zona de muito petróleo que lhes conferiria grande poder económico e estratégico em relação aos xiitas do Irão e a Israel. Querem voltar aos princípios do Islão não suportando a seu lado crentes doutra fé nem tão-pouco correligionários muçulmanos moderados. Movidos pela energia criminosa dos talibans do Afeganistão pretendem fazer do Iraque e da Síria um novo Afeganistão. No Iraque, antiga mesopotâmia, babilónia, repete-se o drama dos tempos bíblicos.

Quando o movimento IS actuava só na Síria o fogo cruzado dos meios de comunicação ocidental apelava ingenuamente à necessidade de apoio destes bárbaros assassinos que serviam os interesses da dupla moral ocidental. Agora, no Iraque junta-se a causa das refinarias e dos poços de petróleo!…

A solidariedade muçulmana internacional consegue mobilizar milícias desestabilizadoras de governos e regiões. Provêem especialmente da Arábia Saudita, da Tunísia e mantêm na Síria 4.000 prisioneiros entre os quais 20 americanos e europeus. Só da Alemanha já se encontram 400 combatentes islâmicos no tereno.

A utilização da religião e da mulher para fins patriarcalistas

Ultimamente, pregadores jihadistas (defensores da guerra santa) conseguiram mobilizar mulheres tunesinas em serviço da jihad sexual na Síria; isto é, estas jovens/mulheres a partir dos 13 anos disponibilizam o seu corpo aos guerrilheiros na Síria motivando os guerreiros de Alá e ganhando o paraíso com a sua contribuição. A Tunísia tornou público o Jihad sexual na Síria revelando que as voluntárias chegam a ter “relações sexuais com 20, 30… até 100 jihadistas”, como confirma o ministro do Interior da Tunísia, Lofti Ben Jedu, ao reconhecer o retorno de mulheres grávidas. Nas Palavras do Profeta, são prometidas, como prémio a cada mártir do islão, 72 virgens acompanhadas de 70 amas o que corresponde a 5.040 mulheres por mártir. Também por isso não faltam os jhiadistas prontos a sacrificar-se pela religião. Entretanto também há mulheres jhiadistas; qual será o prémio receberão delas?)

A “guerra santa do sexo” (jihad al nikah) é considerada legítima por líderes salafistas que pretendem voltar às origens; as interessadas contornam a prostituição na medida em que, ad hoc, se declaram casadas por um dia com quem partilham os serviços sexuais. Golda Meir queixava-se referindo-se ao terrorismo e aos pais que o fomentam: “Só haverá paz nesta região, quando os pais amarem mais os filhos do que odeiam os seus inimigos”.

Também os nazis para expansão da raça ariana criaram a instituição “fonte da vida” como programa destinado a promover a higiene da raça onde mulheres gestavam anonimamente um filho para Hitler; contribuíam, deste modo, para criar uma “raça líder racialmente pura”. Esta estratégia pretendia também criar mais combatentes e aproveitar também a mulher para o serviço à guerra e à ideologia.

A utilização da religião e da mulher para fins patriarcalistas e imperialistas é comum no fascismo e defendida até por políticos moderados como Recep Tayyip Erdogan, actual presidente da Turquia. Quando ainda primeiro-ministro apelou aos 3 milhões de turcos residentes na Alemanha, num discurso em Colónia (24.05.2014): “Vós não deveis assumir nenhum compromisso em questões do vosso idioma, da vossa religião e da vossa cultura”, recomendando também que reivindicassem postos na política e na administração. A 22 de setembro de 2004 o periódico “Die Welt” cita Erdogan que, quer que o seu país entre na EU e numa campanha eleitoral, a 6.10.1997 confessou: “A democracia é apenas o comboio, ao qual subimos até alcançarmos o objectivo. As mesquitas são os nossos quartéis, os minaretes as nossas baionetas, as cúpulas os capacetes e os crentes os nossos soldados”. Se parceiros modernizadores falam assim que se pode esperar dos tribunos do povo?

Religião ainda continua a ser para muitos uma palavra mágica que desobriga a razão e paralisa até o cérebro de juristas e de pessoas de boa vontade.

A Fronteira da Discórdia

Dá que pensar o facto de não ser a UNO nem a Liga Árabe a encarar o problema com responsabilidade; todos esperam pela intervenção dos USA e pelo apoio armado do ocidente. Não é lógico serem os USA a intervir no Iraque, quando a missão da paz deveria ser uma tarefa de todas as nações representadas na ONU. O problema é que os estados islâmicos são incapazes, por si sós de conter o terrorismo e o mundo ocidental livre também não resolve o problema lançando algumas bombas no Iraque ou na Síria.

Na guerra civil da Síria e nos campos de luta dos “guerreiros de Alá”, o argumento moral não tem aplicação, dado os grupos adversários usarem de força extrema e brutal, proveniente tanto dos fundamentalistas como do governo. A Síria era um país muito culto e multicultural e, como tal, um argueiro no olho dos fanáticos sunitas e xiitas.

Uma cultura que legitime a violência e a exploração sistemática só poderá manter a ordem social mediante governos autoritários ou ditadores. Uma estratégia de paz, a longo prazo, deveria passar pelo apoio aos muçulmanos moderados. Torna-se urgente criar uma geração nova que lide de maneira madura com a religião.

A fronteira da discórdia encontra-se entre os possuidores da verdade e os da liberdade, entre a energia religiosa e a energia económica, entre uma sociedade islâmica que se encontra na Idade Média e o modernismo ocidental. O mundo muçulmano encontra-se em luta contra duas frontes: o mundo moderno e a luta inter-religiosa entre sunitas e xiitas, como acontecia no século XVI entre protestantes e católicos, entre o norte e o sul. Têm como aliados o petróleo e a apatia cultural e religiosa do Ocidente que vive da ilusão de que o jihadismo se deixa abafar com o dinheiro. O preço que o Ocidente pagará pelo seu oportunismo do momento e pela consequente emigração, em consequência da guerra, será a instabilidade social, a longo prazo, na Europa.

O problema de muitos estados islâmicos, como no caso da Arábia Saudita, está no facto da sua estabilidade política (também contra as rivalidade correligionárias, entre sociedade árabe e persa) depender da aliança com o grande aliado USA e, por outro lado, não o suportar no âmbito cultural; concretamente por ser uma civilização dividida que não suporta um denominador comum.

A táctica da guerrilha tem sido uma constante islâmica no seu processo de expansão e de colonização interna (conflito internos) numa permanente estratégia de desestabilização. A sua fronte contra o Ocidente e as lutas entre xiitas-sunitas, árabes-Irão, Turquia-Curdos (Curdistão) enfraquece-os, mas, por outro lado, são encorajados pela tradição e tática do profeta Maomé que queria construir um Estado islâmico sobre as ruinas de outro (Meca) numa guerra eterna contra os infiéis (incrédulos).

Na colonização interna da Europa a luta dava-se entre adversários pequenos e grandes mais ou menos iguais que, mais tarde, teve como resultado a formação de países estáveis; hoje a colonização interna nos países muçulmanos torna-se impossível e deste modo também se impede a formação de sociedades equilibradas porque os mais fortes não conseguem apaziguar a rebeldia de descontentes, por não terem força interna suficiente e se encontrarem condicionados à acção das potências externas que ora apoiam uns ora apoiam outros. Assim na formação do Ocidente houve guerras que apesar de tudo conduziram à paz e na civilização árabe mantem-se a contínua guerrilha. (Também a existência de Israel é uma permanente afronta à hegemonia muçulmana e a colaboração de governos muçulmanos moderados com o Ocidente legitima a subversão que vive da ambivalência entre o objectivo hegemónico final e as circunstâncias políticas).

A guerrilha é financiada pela CIA, Arábia Saudita, Qatar, Kuwait, etc. Os cavaleiros suicidas de Maomé sentem-se obrigados à antropologia e sociologia árabe que se expressa no islão que define o ser humano unicamente pela pertença ao grupo religioso e não dá lugar à separação entre poder temporal e espiritual. Ao reconhecer apenas o grupo, exclui antropologicamente qualquer desenvolvimento emancipatório preocupado com o bem do indivíduo e exclui o desenvolvimento sociológico pelo facto de apenas aceitar uma sociologia de caracter islâmico que se impõe às outras.

Ataturk tentou modernizar o islão da Turquia mediante a construção de uma sociedade civil/secular defendida pelo poder militar; apesar da secularização da Turquia, na realidade, no século XX, os cristãos passaram de 25% para 0,2% da população turca, continuando ainda a ser discriminados. Se isto acontece hoje na moderna Turquia de Erdogan, que se pode esperar do islamismo doutras regiões muçulmanas que olham de olhos vesgos para a sociedade turca por a considerarem demasiado ocidental e como tal já não ortodoxa? Só o acordar para um movimento ecuménico das religiões em que se passe do combate dos direitos culturais para os direitos naturais no convívio de uma ecologia universal poderá evitar um confronto bárbaro das culturas.

O Islão vive dum paradoxo que lhe dá perenidade

A discussão em torno do islão continua a ser falsa e hipócrita da parte islâmica e da parte ocidental, não lhe dando assim a oportunidade de saírem da Idade Média. Como a consciência individual é absorvida pela de grupo, na sociedade islâmica não se processa a reforma e contra reforma, nem o iluminismo como aconteceu na sociedade cristã; dão-se insurreições religiosas sob a capa do conservadorismo mas apenas motivadas por hegemonia e rivalidades de poderes. A sociedade muçulmana prefere viver no e do paradoxo (afirmação-negação) sem integrar no seu pensamento o crivo da dúvida; a dúvida foi o motor de desenvolvimento da civilização judaico-cristã (afirmação-negação-dúvida), o que contrasta com outras culturas. O mundo árabe, ao reduzir o discurso à dinâmica verdade-falso, simplifica a vida, tornando-se atractiva para pessoas de pensamento indiferenciado, deixando-a nas mãos do mais forte, como acontece na relação homem-mulher. Como na História a razão fica do lado do mais forte, sentem-se sempre com razão ao empregar a força como meio de atingir objectivos. Este sistema favorece assim o género masculino e as elites que se afirmam através do poder, o que leva uns e outros a sentirem-se reconhecidos perante um islão legitimador da força e como tal com perspectivas de perenidade porque se revigora externamente através de caudilhos emergentes, de mentalidade adolescente. O Ocidente, também ele eivado de poder, mas um pouco inseguro devido à idade e à filosofia cristã, evita uma discussão séria com as sociedades islâmicas porque mais que no desenvolvimento do islão e da paz no mundo, está oportunisticamente interessado no seu petróleo e riquezas. Menospreza porém a presença muçulmana nas grandes empresas através de acções e da imigração de cultura árabe para as suas cidades. Como o interesse do ocidente é meramente económico deixa os imigrados em estado carente, o que os fortalece nas suas tendências de se fecharem em guetos. A falta da plataforma dos direitos humanos leva-o a desinteressar-se por uma relação social de reciprocidade e complementaridade: um exemplo da aceitação da afirmação paradoxal islâmica pelo ocidente revela-se no facto de aceitar o financiamento de mesquitas pela Arábia Saudita nos seus países quando nela não existe liberdade religiosa; o mesmo acontece em relação à Turquia que impede o exercício religioso não islâmico querendo até transformar o templo cristão Agia Sofia numa mesquita. A realidade parece acontecer por trás dos véus da teoria e da prática.

“O Islão, funciona como uma máquina do tempo reacionário”

A fundação de um califado, através da guerra santa, encontra justificação no Corão e dirige-se contra as aspirações seculares de fundação de Estados civis sem regulamentação religiosa à maneira dos estados ocidentais.
Toda a insurreição social, onde se encontra uma certa percentagem de prosélitos maometanos, é organizada em nome do islão (Corão, ditos do profeta e sharia). A emancipação organiza-se normalmente em termos políticos/religiosos e não em termos de indivíduos nem de direitos humanos. A Irmandade islâmica (organização para o „regresso ao islão”), Al Qaida (“a base”, organização terrorista mais conhecida), IS (ou ISIS é uma suborganizarão de Al Qaida no Iraque e na Síria), salafistas actuais (fundamentalismo interpretativo do Corão como o wahhabismo da Arábia Saudita também em marcha na Europa), Hamas (extremistas contra o poder secular, apoiados pelo Irão que é xiita, pretende a aniquilação de Israel), Hezbollah (“partido de Deus” movimento armado xiita no Líbano – é um estado no estado), e várias variantes com expressão própria em acção na África, na Rússia, na China e na Ásia em geral.

África refém de extremismos

A instabilidade política e social da África torna-se fácil presa para grupos islamitas como o Boko Haram na Nigéria. Contra a educação secular recorre ao genocídio destruindo um ecumenismo de coexistência pacífica que a partir da revolução islâmica iraniana começou a ser sistematicamente destruído através do terrorismo intercultural e sem fronteiras. A Nigéria, país rico em minerais, com 180 milhões de habitantes, com 250 grupos étnicos (com tendência a afirmação de direitos tribais ou religiosos), com quinhentas línguas e sem história comum é o exemplo acabado de uma África mosaico que, a partir da conferência de Berlim, foi obrigada a seguir padrões e fronteiras marcadas à régua e chamada a seguir os modelo hegemonias de história ocidental e muçulmana. Consequentemente por toda a parte se encontram ruinas sobre as quais, surgem racismos do desespero e de complexos.

O grupo jihadista sunita “Boko Haram” (=”livros são pecado”, “a educação ocidental proibida“, „educação moderna é um pecado”), empenha – se (=jihad) no sentido da tradição de Maomé e da Guerra santa com atentados à bomba e com a escravatura. O seu chefe Abubakar Shekau apela: “matai, matai; esta é uma guerra santa contra os cristãos”; entretanto já matou mais de 5.000 pessoas. Tendo em conta a sua visão de sociedade torna-se natural o rapto das 287 meninas diplomadas do ensino médio, para as vender. O movimento “Boko Haram” tem ligação com o Al Qaida e com a milícia Al-Schabaab da Somália.

O conteúdo dos conflitos actuais assenta no desfasamento histórico beneficiador do ocidente e na religião islâmica que, pela sua simplicidade, se torna atractiva para as massas e produz líderes que tiram do caos imensa vitalidade. Por outro lado a massa pobre não tem nada a perder e a luta torna-se numa oportunidade de que esperam tirar algum proveito.

Os grupos jihadistas são defensores da teocracia contra a democracia e contra tudo o que não seja islâmico. O ocidente tira conclusões enganosas, distraído por uma lógica democrática interesseira que desconhece a filosofia e a coerência profunda islâmica (terrorismo santo ancorado na fantasia do povo e na tradição) distraída pelos conflitos interinos dos diversos grupos e pela desculpa do islamismo político pretendendo ignorar que o Islão é sempre político e que os cavaleiros de Maomé se encontram já desde a sua fundação numa tradição de victória sobre impérios, Sassânidas, Império Bizantino, União soviética no Afeganistão, 11 de Setembro que levou Busch a favorecer os xiitas do Iraque para castigar a Arábia saudita de confissão sunita (fornecedora dos terroristas) e a intervir no Iraque para assegurar o seu petróleo ao ocidente. Nesta lógica os inimigos de hoje são os amigos de amanhã e vice-versa. Os USA terão de deixar de fomentar uma política de desestabilização das forças muçulmanas entre elas. Uma aliança contra o Califado só pode ter solução com o comprometimento do Irão que sairia, naturalmente, mais forte do conflito e com exigências para continuar o seu programa atómico, que a Turquia sunita e a Arábia Saudita não quererão. É natural que o Irão tenha medo do IS e que a solução para o Iraque só seja possível com o apoio do Irão e com a avizinhação do ocidente e do Irão. Talvez então se possibilitasse o caminho do Irão para a Pérsia no sentido desta se tornar uma potência regional reconhecida!… Para isso o ocidente terá de acabar com o embargo contra o Irão (Nos últimos dois anos o Irão viu reduzidas as suas exportações de óleo de 118 para 56 bilhões, devido ao embargo). Então seria de esperar que acontecesse com o Irão o que aconteceu com a China. O demasiado compromisso do Ocidente com o sunismo turco e da arábia Saudita tem impedido o desenvolvimento das forças naturais que regularão o Médio Oriente. Agora que o Irão também se vê ameaçado seria uma oportunidade.

A Turquia é país de passagem do terrorismo sunita… A emissora al Dschasira é apoiada pela Turquia e Katar. Interessante verificar-se que agora também a Arábia Saudita se sente obrigada a apoiar agora o governo egípcio com 13 bilhões de dólares, na esperança do poder militar meter a irmandade islâmica na ordem porque ameaça desestabilizar os poderes estabelecidos e toda a região. Os xiitas continuam a queixar-se da arábia saudita apoiar o IS que confessa o salafismo da arábia saudita. A avalanche da violência é de tal ordem que até os países apoiantes do terrorismo começam a recear tornar-se vítimas dos seus aliados. Isto pode ajudar à formação mais alargada de países contra o terrorismo.

Atendendo à filosofia seguida por muçulmanos e ocidentais a intervenção que se revela como necessária no Iraque, se não envolver as potências da região terá o mesmo resultado da do Iraque de Sadam Hussein e do Afeganistão; contribuirá talvez para a divisão do Iraque e será mais um passo na formação do Curdistão (aspiração também ela justa). Já Theodore N. Vail dizia: “Dificuldades reais podem ser resolvidas; apenas as imaginárias são insuperáveis.”

Que Deus é este que não deixa viver em paz quem não siga o Corão?

Quando se pensa em religião pensa-se que não foram feitas para legitimar a guerra e como o Islão é uma religião deveria naturalmente tentar impedi-la. A vida dos fundadores tem imensa influência na vida dos crentes e da sociedade. O profeta Maomé caracteriza-se como guerreiro e fundador do estado árabe; teve o valor de dar união às tribos bárbaras e domar muitos dos costumes rudes da região. Com as implacáveis suras do Corão contra os “incrédulos” legitima a violência. Sura 9:5: “Matai os adoradores de ídolos, os Trinitários (os cristãos) onde quer que os encontrardes, apoderai-vos deles e espiai-os em cada emboscada “. Os muçulmanos extremistas servem-se da mesma fonte que os moderados para as suas acções na intenção de atingir o seu objectivo (Suras 8:38; 9:73; 5:33).

Os terroristas islâmicos atingem dois objectivos: a formação do Estado Islâmico radical (califado), e o fomento de comunidades muçulmanas no mundo através dos muçulmanos refugiados. É sintomático o facto de os refugiados da guerra do Iraque, da Síria e do Líbano se dirigirem para a Europa quando os Emirados ricos e a Arábia Saudita teriam maior obrigação de os receber. Naturalmente que a Europa, especialmente os países que enriquecem à custa das armas, que vendem naqueles países, têm também obrigação de os receber. O problema só surge com a formação de guetos em oposição à integração.

Islão é um “modo de vida” e significa “submissão (a Alá) “. Isto constitui o motivo dos terroristas para a fundação do Califado islâmico (IS). IS, movido por um deus guerreiro, luta por um império islâmico que vá do Irão ao Egipto. Muitos dos combatentes do IS são recrutados na Europa também entre convertidos, o que tornará a Europa cada vez mais frágil.

Frank A. Meyer in “religião totalitária” de Cicero N°.08 escreve: “A civilização moderna, denota, uma sociedade livre da cultura judaico-cristã. O Islão, funciona como uma máquina do tempo reacionária.” Já o imperador bizantino, Manuel II preocupado com a situação de então dizia: “Mostre-me o que Maomé trouxe de novo, e aí encontrará apenas coisas más e desumanas, tais como esta, em que prescreveu, espalhar a fé que pregava através da espada”. O islão, para poder receber o atributo de religião da paz tem de contradizer o que a História parece confirmar (religião da guerra). Os países islâmicos parecem tornar-se em alfobres de fanatismo, incapazes de passar da Idade Média, desde a humilhação da mulher até ao massacre de irmãos da fé e de outros crentes. Uma fé pacífica não poderia, nos tempos modernos, produzir tais botões, não podendo desculpar-se pelo facto de exercer o controlo total sobre a vida pessoal e civil. Os cristãos também tiveram guerras bárbaras entre si e contra outros mas com a pequena diferença que as não podiam fundamentar em nome da filosofia do Evangelho nem no exemplo de Jesus.

Toda a ideologia, religião ou instituição que se considere dona/senhora da verdade torna-se numa grande prisão da humanidade. Deus criou o homem para a liberdade e consequentemente para a autonomia, doutro modo tê-lo-ia criado perfeito. Um exemplo da submissão pode ver-se em estados autoritários, nos atentados suicidas, na burca ou chador. Quem se julgue na posse da verdade nega a liberdade e a realidade da natureza que se desenvolve pela diferenciação integral num processo de tentativa e experimentação. Uma religião que não permita o desenvolvimento secular torna-se num fascismo fomentador de déspotas religiosos sem respeito pelo outro. Os que se consideram senhores da verdade e “no reino da verdade” sentem-se na certeza negando a vida bem como a dúvida e a experiência que seriam os verdadeiros promotores do progresso; ignoram que a pessoa humana é viva e não reduzível a um conceito empedernido ou a uma definição.

Uma religião não pode colocar a violência a saldo; não pode reduzir a paz a um direito a ser determinado por alguns; não pode reconhecer nela o poder e a violência como meio de solucionar controvérsias. Os terroristas fundamentam o seu agir no Corão e os muçulmanos moderados aceitam-nos com o argumento de haver diferentes perspectivas e possíveis interpretações (paradoxo). Mesmo associações islâmicas moderadas quando se manifestam publicamente contra os assassínios do IS fazem-no misturando o protesto com algo contra o país onde se encontram, o que deixa espaço para a duplicidade. A ideologia islâmica encontra os seus multiplicadores em muitas mesquitas às sextas-feiras. Os intelectuais ocidentais que se ocupam da política também pecam por duplicidade e por empregar duas medidas: críticos contra o cristianismo e complacentes ou cúmplices quanto ao islão. Naturalmente, a esmagadora maioria dos muçulmanos é pacífica por natureza sem necessidade de fundamentos para a bondade nem para a maldade.

Geralmente situam-se entre o sentimento de humilhação e dominação mundial, uma característica comum aos fascismos que cultivam o ódio e o ressentimento. Precisam de vítimas e mártires na procura de inimigos internos (forças seculares ou outras religiões) e externos (o mundo da guerra). Deste modo só eles podem saber, quem são os assassinos certos e quem os falsos, dado o critério de valor e de juízo depender do lado do muro em que se aqueles se encontram. Os salafistas, que são contra a democracia e defendem a instalação de um estado de Alá (teocracia) e os acoites corporais e a sharia fazem livremente propaganda pelo seu plano, distribuindo o Corão gratuitamente nas ruas das cidades europeias. A tolerância dos fartos é cúmplice sendo também ela responsável pela intolerância que fomentam ao não dialogar a sério com os estrangeiros.

“O Corão é o livro mais forte que impede as pessoas de pensar… quem pensar de forma crítica sobre o Islão, põe a sua vida em perigo” demonstra o muçulmano Hamed Abbdel-Samad, em seus livros. O Corão só é tomado a sério para o que interessa, apesar de cada muçulmano trazer em cada ombro um anjo que anota tudo o que ele faz e um Deus que castiga sem ser questionado e não deixa viver em paz quem não segue o Corão. Que Deus é este que não deixa viver em paz quem não siga o Corão? Não foi o mesmo Deus que achou agrado em toda a criação? O problema não está em Deus mas sim numa doutrina que precisa de renovação e adaptação ao desenvolvimento da consciência individual esclarecida, reconhecendo que a natura consta dos mais variados biótopos e do mesmo modo a humanidade com os seus culturotopos. A vida do cidadão não pode ser condicionada ao horizonte da tenda nem da tribo, nem tão-pouco do império. O mundo árabe não pode viver a marcar passo, tendo também ele contribuído para o desenvolvimento da ciência; seria irracional continuar a viver num antigo testamento retrógrado aprisionador da pessoa humana, não reconhecendo os seus ideais nem uma consciência individual própria às pessoas. Dos 27 estados pertencentes à Conferência islâmica, nenhum está livre do islamismo. Onde se encontram os pacifistas muçulmanos a distanciar-se e a protestar nas ruas contra as barbaridades terroristas de seus correligionários que os põem em má luz? Será que a violência e o poder muçulmanos são sagrados e têm de se refugiar num jogo hipócrita das escondidas, com as contradições do Corão? Torna-se urgente o surgimento de um movimento protestante no seio do xiismo e do sunismo para se contrariar o estrebucho do dragão e se entrar nos novos tempos do ecumenismo das religiões.

Resumindo

Quer queiramos quer não, islão, guerra e terror parecem pertencer ao mesmo contexto (Há que ultrapassar este contexto!). Pelo que se observa a nível internacional nenhum país, onde se encontrem grupos de muçulmanos politicamente organizados, se encontra seguro quanto à paz social e até, quando se organizam em maiorias, quanto à integridade das suas fronteiras, dado, como diz o politólogo Hamed Abdel-Samad, “onde ele actue politicamente é fascista”… “Eles desumanizam os seus adversários, negam-lhe o direito de existir e tomam em conta a sua destruição total”… “no mundo desta gente não se luta pela vida, vive-se para lutar”… Na altura em que o caricaturista dinamarquês desenhou Maomé com uma bomba no turbante, o mundo islâmico levantou-se por toda a parte contra ele e contra o ocidente, chegando a haver mesmo mortes; agora que o IS assassina em nome do Islão, o mundo islâmico, pelo mundo fora, “não se sente denegrido nem ofendido”. “O que o autêntico islão é, vemo-lo precisamente no Iraque e na Síria” (in HNA 19.09.2014). “Todas as associações salafistas têm que ser proibidas, para lhes dificultar o acesso de jovens muçulmanos… pois vão para criminosos quando vão para eles”.

É uma utopia pretender disciplinar o Islão a partir de fora, dado possuir uma doutrina absolutista que, por um lado, exclui a diferenciação e, por outro, fortalece as forças caóticas da base. Ao não ser estruturado (sem organigrama institucional conciso), aposta nas forças caóticas e revolucionárias da circunstância que lhe dão a sustentabilidade histórica necessária para lá do país concreto; diria que, na sua forma original, se poderia talvez etiquetar de uma forma de fascismo socialista adequada à base tribal das suas origens árabes e, neste sentido, expressa-se de modo ad hoc, vivendo do paradoxo, a nível intelectual e filosófico ajudado por uma jurisprudência casuística. O ocidente, com uma outra doutrina e socialização, não entende o mundo muçulmano nem o mundo muçulmano entende o ocidente. O mesmo se dá, generalizando, entre a espiritualidade ocidental e a da Índia. O papel da dúvida metódica no pensamento ocidental como alavanca do progresso contrapõe-se ao papel do paradoxo da cultura árabe como pretexto do pensamento para ser mantido o status quo, o retrocesso na contradição. Interessante que no momento em que Maomé deixou Meca para se estabelecer em Medina, Deus mudou de ideia. As Suras suaves do Corão reveladas em Meca passam a ser contraditas pelas revelações de Medina: aqui se encontra a génese do paradoxo árabe. Este facto poderia ser aproveitado pelos eruditos islâmicos para possibilitarem uma teologia interpretativa adequada aos tempos, doutro modo manterão a espiritualidade sujeita à jurisprudência. Em vez de acentuarem as suras agressivas de Medina podiam desenvolver a espiritualidade no sentido das Suras mais pacíficas de Meca.

As aspirações hegemônicas árabes, iranianas, turcas são difíceis de concretizar numa doutrina comum, de si hegemónica, mas que deixa a organização e a estratégia de aplicação dos seus objectivos a movimentos e caudilhos locais, mantendo-se ancorada no sistema patriarcal.

Na primavera árabe do norte de África (2011), os grupos fanáticos juntam-se aos rebeldes sedentos de mudança (a geração Facebook) e acabam por vencê-los. Também em 1978, Aiatola Khomeini se uniu aos comunistas revoltosos contra o Shah Reza Pahlavi da então Pérsia (Irão) conseguindo, com o apoio deles, instalar a teocracia islâmica. A partir da revolução do Irão, o terrorismo internacional ganhou terreno, a passos largos.

A guerra do Iraque contra Irão era uma guerra entre sunitas (primeiramente apoiados pela USA) e xiitas – os USA intervieram contra Sadam Hussein e ao saírem instala-se um regime pior que o anterior; no Afeganistão sunita (equipado pela CIA e financiado pelas monarquias árabes sunitas) dá-se a guerra contra comunistas (União Soviética) que se retiraram em 1989. O radicalismo sunita é financiado por uns e o radicalismo xiita por outros. Os USA, a Rússia e outras potências servem-se das lutas internas entre os diferentes interesses muçulmanos para se assegurarem do petróleo e fomentarem a indústria bélica e depois do conflito ganharem com a reconstrução.

A opinião pública e publicada, subestima a realidade islâmica que pressupõe governos autoritários ou déspotas que possibilitem estabilidade que possibilite o desenvolvimento económico e cultural para poderem um dia viabilizar a formação de uma sociedade civil avançada. Os mesmos que jubilavam com a primavera arábica fomentavam ingenuamente a fragmentação da Síria com o apoio armado da ISIS contra o ditador Assad. O preço está a delinear-se na divisão do Iraque em territórios xiita, sunita e curdo com a perseguição e expulsão dos cristãos.

Vítima real e intelectual torna-se quem não possui capacidade de diferenciação e de integração. O passo para a fraternidade de povos e religiões pressuporia a renúncia à verdade empedernida, em benefício do compromisso construtor de colaboração e de paz. Tudo fala, tudo berra e ninguém se preocupa em descobrir quem produz a guerra, quem fabrica as armas e as redes que ganham com elas. Os cavaleiros de Maomé, fieis ao Corão sentem-se os senhores e guardiães de Deus e da Verdade e os defensores da democracia, sentem-se os senhores das riquezas do mundo. A verdade de uma religião ou de uma civilização não se reduz à teoria ou ao discurso, ela só se pode ver nas obras.

A vida humana e social é uma teia de conflitos, pelo que, o essencial não é ver quem tem razão, mas resolver conflitos. Querer possuir a verdade absoluta significa subestimar a vida e não se desenvolver. A Verdade é a-perspectiva e como tal é um processo numa relação trinitária pessoal e dinâmica na unidade do eu-tu-nós. A terra é grande, Deus é maior, nele há lugar para todos. “Bem-aventurado os pacificadores, pois serão chamados filhos de Deus.” (Mt 5:9)

Religiões são parábolas da realidade que expressam a antropologia e a sociologia de uma civilização. Religião verdadeira é a que faz do Homem irmão independentemente de raça, credo ou cor!
©António da Cunha Duarte Justo
Jornalista
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Tribunal Europeu dos Direitos Humanos contra o uso da Burca

Aprovada a proibição do véu de corpo inteiro na França

António Justo
A burca (e a Nicabe= véu que cobre o rosto da mulher e só revela os olhos: frequente nos países da Península Arábica,) foi proibida, na França, em 17 de julho de 2010, pela Lei nº 524. A lei proíbe o uso de “vestuário concebido para esconder o rosto”. Violações à lei são puníveis com uma multa de 150 €.

O tribunal Europeu em Strasbourg, num julgamento oficial vinculativo para toda a Europa, confirmou, a 1.07.2014, a proibição do uso do véu que cobre o rosto da mulher em público. Na justificação do julgamento, o tribunal argumentou que a proibição não é discriminadora, não é contrária à protecção da vida privada e nem tão-pouco contra a liberdade de opinião e de religião.

Contra a lei francesa tinha processado uma muçulmana alegando que a burca era expressão da sua convicção religiosa e ninguém a obrigava a usá-la. O governo francês avalia o número de muçulmanas, que são afetadas pela proibição, em 2000.

A burca cobre todo o corpo da mulher, até o rosto e os olhos, tendo uma rede para poder ver através dela; é usada por mulheres do Irão, Afeganistão e do Paquistão. Ela é um símbolo dos Talibans (movimento islâmico terrorista) que pretende impor a lei islâmica. Estas forças encontram-se muito activas entre emigrantes, na África e especialmente na Nigéria, Síria e Iraque.

Na Alemanha, dado não se ver propriamente o uso da burka em público, não há lei contra o seu uso; alguns estados federados apenas se limitam a proibir o uso do véu (lenço) no serviço público.

A origem da burca

O traje islâmico tem a sua origem num culto à divindade Astarte (1), deusa do amor, da fertilidade e da sexualidade, na antiga Mesopotâmia (Fenícia).

Em homenagem à deusa do amor físico, todas as mulheres, sem exceção, tinham de se prostituir num determinado dia ano, nos bosques sagrados em redor do templo da deusa.
Para cumprirem o preceito divino sem serem reconhecidas, as mulheres de alta sociedade acostumaram-se, no dia da festa, a usar um longo véu em proteção da sua identidade.

Com base nessa origem histórica, Mustapha Kemal Atatürk, fundador da moderna Turquia (1923 – 1938), no quadro das profundas e revolucionárias reformas políticas, económica e culturais, que introduziu no país, desejoso de acabar de uma por todas com a burka, serviu-se de uma brilhante astúcia para calar a boca dos fundamentalistas da época.
Pôs definitivamente um fim à burka na Turquia com uma simples lei que determinava o seguinte: «Com efeito imediato, todas as mulheres turcas têm o direito de se vestirem como quiserem, no entanto todas as prostitutas devem usar a burka».

É interessante que a Bíblia também faz referência à imoralidade do rei Salomão que pecou contra o seu Deus ao prestar culto à deusa Astarte (1 Reis 11,5). Os egípcios, mais tarde, deram-lhe o nome de Isis, e os gregos de Afrodite e Hera.

A cobardia do homem encobre o rosto da mulher

Como se verifica do descrito, observa-se uma constante histórica: o homem consegue que a mulher sirva as suas necessidades e se mantenha submissa a ponto de renunciar a ter um rosto individual. Inteligentemente com esta regulamentação do vestuário, o homem não vê a sua presa exposta à concorrência doutros homens e consegue assim poupar a luta da concorrência com o próprio género com que se solidariza. Assim a mulher torna-se o objecto fraco do indivíduo e do grupo masculino e como tal legitimador da repressão do género feminino, considerado prevaricador e como tal com necessidade de ser protegido através do vestuário. A fraqueza do homem consegue assim inverter os termos e defender consequente e solidariamente os interesses do género masculino. Esta é a lógica do poder e, segundo ele, quem pode manda.
(1) Astarte (ʻštrt) era uma deusa amorosa, bela, fecunda e maternal. Nela se prestava culto à natureza, à vida e à fertilidade, bem como à exaltação do amor e dos prazeres carnais.
António da Cunha Duarte Justo
Teólogo e pedagogo
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PAPA EXCOMUNGA A MAFIA

António Justo
O Papa Francisco, não tem medo de missões desagradáveis. A sua viagem, à região de Calábria, bastião da criminalidade organizada da Itália, demonstra coragem. No sul da Itália encontram-se radicadas as grandes organizações da Mafia: Cosa Nostra, Camorra e Ndrangheta.

O papa visitou a prisão de Castrovillari onde se encontram os familiares de uma criança de três anos (Cocó), que nascida na prisão, tinha sido assassinada em Janeiro com o avô e sua parceira em acto de vingança entre grupos mafiosos. Em Março, o Papa já tinha recebido em audiência, 900 familiares de vítimas da Mafia.

Na boca do lobo, o pontífice Francisco confronta os grupos mafiosos e as estruturas sociais que os apoiam dizendo: „Aqueles que escolhem o falso caminho, como os mafiosos, não se encontram em comunhão com Deus. São excomungados.“ Como “seguidores do mal” não podem pertencer à Igreja Católica.

Na missa perante mais de 100.000 fiéis, o Papa referiu-se directamente à Ndrangheta, uma das organizações da mafia com 7.000 membros que inclui cerca de 90 clãs ou quadrilhas organizadas familiarmente.

O Santo Padre adverte: “Quando a admiração por Deus é substituída pela admiração do dinheiro, então abre-se a estrada do pecado, do próprio interesse e da repressão”. “A Ndrangheta é exactamente isso – a admiração do mal, o desprezo do bem-comum. Contra este mal tem de se combater.”

A Ndrangheta tem um volume de negócios anual avaliado em € 53 bilhões ou seja, 2,7 % do PIB italiano), proveniente, sobretudo, do negócio com drogas (80% da cocaína da Europa passa pelo porto calabrês de Gioia) e armas, descarte de resíduos ilegais, prostituição, tráfico de seres humanos, lavagem de dinheiros e extorsões. A organização mafiosa Ndrangheta está activa não só na Itália mas também no norte da Europa, na américa latina, nos USA, etc.
António da Cunha Duarte Justo
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CRISTÃOS CRUCIFICADOS POR MUÇULMANOS RADICAIS NA SÍRIA

Política económica de Cowboys multiplica as Vítimas

António Justo
Na semana passada a Fundação AIS noticiou que o Observatório Sírio dos Direitos Humanos tinha divulgado fotos de cristãos crucificados publicamente.

No início do ano, os cristãos de Raqqa, na Síria, foram informados pelos extremistas muçulmanos de que se não se convertessem ao islamismo teriam de pagar um “imposto de protecção”. Esta prática é tão antiga como o Islão. Tal como faziam no século VIII, quando invadiram a Hispânia e as terras que hoje formam Portugal, com o dinheiro que recebiam do “imposto por cabeça” dos não maometanos e do imposto de chefes pelo território, financiam a luta pela sua expansão. A Fundação AIS noticia ainda que “os cristãos passaram a estar proibidos de exibir símbolos religiosos fora das igrejas…”

O Papa Francisco, de mãos atadas, impressionado com as crucifixões de cristãos na Síria, desabafou neste fim-de-semana: “Chorei quando vi nos meios de comunicação social a notícia de que cristãos tinham sido crucificados em certo país não cristão”. E acrescentou: “Hoje também há gente assim, que, em nome de Deus, mata e persegue”, e lamentou que “Existem países em que se pode ser preso apenas por ter consigo o Evangelho”; é o caso também da Arábia Saudita!

O Cinismo moral

O pensar politicamente correcto não fica satisfeito quando se dão informações sobre as barbaridades do extremismo de grupos muçulmanos que actuam globalmente. Por isso, notícias destas, aparecem escondidas ou nas folhas menos lidas. Isto até tem a sua lógica porque assim mais que guerras há guerrilhas que justificam intervenções militares económicas.

As guerras do Iraque, da Síria e as rebeliões do norte de África, Sul do Sudão, etc., dão-se na defesa de interesses económicos do ocidente e da Rússia e servem de pretexto para a religião islâmica acentuar a sua expansão através da violência contra os cristãos.

As pessoas que abdicaram de si mesmas, apropriam-se do direito fundado no Corão e assumem-se em juízes na defesa da própria religião. Neste ambiente, de uma maneira geral, nunca se ouve líderes muçulmanos declararem-se em público contra tais barbaridades nem se mostrarem empenhados na defesa de uma política séria da convivência pacífica entre grupos étnicos e religiosos. Em nome da religião e do Corão conseguem canalizar a raiva e o ódio explosivo da fome, da frustração e da injustiça e ainda ganhar dividendos políticos, apesar do sofrimento da população.

O Ocidente, só interessado no negócio ou em impor a sua ideologia a estes povos, não acha digna de nota a perseguição aos cristãos. Estes são, muitas vezes, os reféns de uma agressão antiamericana, dado a América ser tida como cristã. Por outro lado, as pessoas só interessadas no negócio vêem mais vantagem no Islão.

Os Estados ocidentais não estão interessados numa política social justa, de acordos bilaterais entre eles e os países árabes, acordos que iriam normalizar as relações entre os povos, ideologias e religiões e assim impedir uma política económica de cowboys nestas zonas. Para continuarem, com boa consciência a nível social interno, ainda vendem a desestabilização de povos fomentada no apoio a grupos radicais, como serviço à democracia e ao direito de autodeterminação.

A desestabilização da Síria deve-se aos interesses económicos e estratégicos dos USA/EU e Rússia e aos interesses religiosos e estratégicos de sunitas, xiitas e turcos.

Na batota da moral, o Ocidente sacrifica os seus princípios humanitários aos seus interesses económicos. A ideologia económica é tão cínica que prefere masturbar-se e tornar-se ela na fonte da moral. Vai sendo tempo de se deixar de temer Deus para se temer o Homem e, talvez de volta, se encontrar o Homem-Deus!

António da Cunha Duarte Justo
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REZAR É MAIS QUE PENSAR (QUARESMA)

A Oração do Coração – A Oração também cura

António Justo

Sob as palavras da oração reside a força de uma dimensão específica da pessoa e da comunidade que também se expressa na cultura e nos templos de todas as cidades.

Independentemente das formas dos muros, sob as sombras das igrejas, repousam forças, saberes e vivências reunidos em gestos e ritos que abrem horizontes para novas vivências e novas dimensões da realidade. Como em tudo, precisa-se de uma porta de entrada, um motivo, um centro, onde congregar as energias na procura de novas perspectivas.

O mesmo se dá nas fórmulas das orações; o espírito para se congregar precisa de palavras, gestos e textos, como porta de entrada, para a dimensão mística das vivências. Precisa-se do interruptor da sintonia para estabelecer a ressonância com a onda divina. Na oração juntam-se sentimentos e experiências numa força abrangente que muda e expande o espaço interior e abraça todas as coisas.

Atravessadas as palavras e chegados à oração do coração, todas as coisas se tornam líquidas e nós com elas também. Pela oração das palavras se chega à oração do sentir, à vivência na ressonância do ser. As ideias reduzem-se ao filamento da vela a irradiar a luz na repercussão do sentimento.

A oração abre-nos para campos energéticos do espírito (hologramas do Espírito Santo). Uma vez, despida a roupa e mergulhados nesse mar profundo, somos transportados ao mais íntimo do ser (à ipseidade na relação divina). Este mar, que à superfície é só onda, esconde nele uma infinidade de vida desconhecida. Levados através do sentimento abarcamos o mundo de fora e de dentro para com ele e nele vibrar e arder.

O mar tão profundo e que tanta vida esconde apodreceria se não fosse o movimento; o mesmo se diga da nossa vida que, sem a vivência do profundo, seria estéril. Para mudarmos, temos de entrar no nosso interior, na gruta do encontro com a vida e daí surgirá a energia do mar profundo que se observa nas ondas (obras). Na vida como no mar encontramos duas constantes: a quietude do profundo e a mudança da superfície. Do fundo surge a força do encontro que possibilita a mudança; quem não muda é como a pedra onde passa a vaga que desaparece no mar.

Na onda da oração emocional tudo é líquido, tudo flui, na vivência de um interior de realidade solidária. Também as palavras sólidas se podem tornar líquidas, gasosas e ultrapassar o valor da forma e entrar na consciência da graça. No invólucro das palavras encontra-se a minha rigidez a limitar o interior onde corre a graça. As palavras, na introdução à oração do coração, são apenas o átrio de entrada para a oração do coração; aí sacudimos os sapatos das ideias, dos juízos e dos sentimentos negativos; no armário depomos o manto da moral: o bem e o mal, os medos e as agressões, as insónias e as tristezas do dia. Ainda antes de entrar aspergimos o armário e a sala com o hissope da bênção que tudo purifica. No aspergir da bênção flui o perdão das próprias dores e das pessoas a quem ferimos.

Uma vez purificado inspiro e expiro o bem e noto que uma porta se abre onde a luz brilha e me abraça. Aí, na oração do coração, o sentimento vai com a graça e penetra em tudo e põe tudo a brilhar.

Ao entrarmos em nós, no nosso mar interior, através da oração encontramos a vida que nos une com todo o ser. Ao descer ao mar, à energia do sentir mergulhamos na energia da onda santa que tudo toca, mexe e cura. A insegurança do meu ser ganha então consistência, de modo a me poder mover sobre as águas como Jesus no mar da Galileia. Uma vez deixadas as bengalas do medo, as canas do credo, entramos na experiência da fé, aquela vivência da “sincronidade” para lá do espaço e do tempo onde o inspirar e o expirar transpassa a pele do corpo para se tornar numa vivência universal, um estado em que a frase de Jesus “Pedi, e ser-vos-á dado; procurai, e encontrareis; batei, e hão-de abrir-vos” (Mat. 7, 7) se torna realidade. Aí não há espera, não há tempo. Realiza-se o encontro da união espiritual e passa a acontecer a vivência da morada, o que Jesus transmitia: “Se alguém me ama, obedecerá à minha palavra. Meu Pai o amará, nós viremos a ele e faremos morada nele.”

Os monges do deserto, fugidos à seca da vida no silêncio, olhavam para as nuvens celestes na esperança que a chuva da graça descesse neles e nos povos. Em oração erguiam os braços, inalavam o universo e a morada do divino tornava-se na própria morada. Se me recolho, posso dar oportunidade à vida profunda, à experiência da graça que nos torna fortes.

Ao tornar-me a morada divina desço ao fundo do mar do amor e nele me torno, água na nuvem, água na chuva, água no gelo. A graça flui em toda a “água” independentemente do seu estado sólido, líquido ou gasoso. A vida não se limita ao estado; o sólido encerra em si o fofo do líquido. A mesma água que bate contra os icebergs é movida pela mesma força que os sustem. Na oração desfazem-se os nós, as laçadas de afetos e formas e eu no movimento torno-me graça que chove, onda que bate. No sentimento passa a luz e a sombra numa espuma de formas a desfazerem-se no plano do horizonte. Passa a paz, passa a guerra, e a graça chove fora e dentro, chovem em mim e eu chovo na natureza. Nas ondas do sentimento da gratidão surge a bênção e a cura. A gratidão é uma vivência de sol líquido que invade o corpo soando e brilhando nele o universo até à pele numa energia que cura. A substância da vida, a graça divina flui em tudo e dá lugar à transformação que inclui um efeito espírito santo que tudo une e nivela porque tanto flui na pedra como na água. As hormonas do Paráclito impregnam todas as hormonas do meu ser numa transformação de todo o corpo, todos os corpos e do universo. Então a paz é sentida e não procurada. Já a Bíblia dizia se numa cidade houver alguns justos a sua aura salvará a cidade da desgraça.

Vale a pena meditar e rezar; através da oração se encontra a resistência de um trampolim que nos ajuda a dar o salto no profundo de um mar de águas santas. Lá bem no seio do ser, da sensação profunda, sob o manto do orar, surge aquela energia forte que tudo move e transforma.

António da Cunha Duarte Justo

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