CASAMENTO CIVIL DE HOMOSSEXUAIS – PRÉMIO, INSTITUIÇÃO OU PRETEXTO?

A Manipulação da Cultura acompanha a Manipulação da Natureza

Por António Justo
Em questões de casamento de homossexuais o estado não deveria intervir no sentido da liberação da união matrimonial para comunhões de casais do mesmo sexo. No casamento ou parcerias amorosas, depara-se com duas questões que se deveriam encarar sem ressentimentos nem complexos.

A nível de princípios e de prática, deve o desigual ser tratado igual? Até que ponto deve o estado intrometer-se na vida privada? Deve a regra ser igualada à excepção? Não se conduz a democracia ad absurdum quando os seus delegados, pretendem mudar mentalidades através de legislações sobrepondo o direito da minoria ao direito da maioria (igualizar as parcerias homossexuais à instituição família heterossexual)?

Porque se tem de casar e não chegam parcerias registadas no registo civil? Naturalmente para aquisição de direitos inerentes ao casamento. Famílias monoparentais (uma mulher ou um homem com filhos – classe de Impostos I) ficam em situação pior tendo de pagar mais impostos do que homossexuais casados.

Segundo o consenso dos povos, as uniões homossexuais não são iguais ao matrimónio. Entre outras diferenças o casamento não é só comunidade de vida, ele foi criado no sentido da fundação de uma família e de filhos (CIC 1061,1) e corresponde a uma visão de Homem como homem e mulher.

Torna-se questionável a intervenção do Estado porque a união de duas pessoas é coisa privada, independentemente do amor que o Estado não tem direito de recompensar ou penalizar. O matrimónio, pelo contrário é o núcleo do Estado pelo que este tem o dever constitucional de defender e fomentar. Por isso os Estados colocam nas suas constituições a família e o matrimónio sob protecção especial. A lei fundamental alemã artigo 6 parágrafo 1, tal como as constituições da maior parte das nações, define casamento como “comunidade de vida de homem e mulher” e fala da função da família.

A nova ideologia pretende redefinir o casamento, abandonar o conceito de família trocando-o por “Comunidade de Vida”. O ponto maior da discórdia vem da exigência de igualar o casamento tradicional (família) às uniões homossexuais com o correspondente direito de adoptar filhos. A adopção de crianças por pares homossexuais favorece uma orientação unilateral a que falta o pai ou a mãe; impede-se uma educação com características (feminilidade e masculinidade) complementares próprias que seriam importantíssimas para o crescimento equilibrado da criança. Devido a esta constatação, na Alemanha já há a preocupação de, nos jardins infantis, a assistência às crianças seja feita por educadores do género feminino e masculino.

Toda a pessoa está chamada a amar mas nem toda a forma de amor ou caridade tem que chegar à instituição do matrimónio. Uma comunidade de amor está chamada à abertura e proliferação, à fertilidade como é tradição em todos os povos e como nos ensina a gramática da natureza. Na exigência de “casamento para todos”, como direito natural, não se consideram a fertilidade e correspondente capacidade de futuro da sociedade, além de confundir direito natural com direito cultural. Também dois familiares ou irmãos que se amam não têm direito a casar-se embora através do casamento pudessem assegurar vantagens amorosas e económicas.

Francisco I no avião em que ia para o Rio de Janeiro em Julho de 2013 disse a um jornalista: ”se um gay, procura o Senhor e tem boa vontade – quem sou eu para o condenar? Estas pessoas não devem ser empurradas para a borda, elas têm de ser integrados na sociedade.” Conservadores escandalizaram-se com esta afirmação porque pensam que com ela o Papa apoia o lóbi dos homossexuais. O papa age, como é natural de um pastor, no meio da sua comunidade no exercício das suas actividades pastorais em perspectivas complementares.

No catolicismo, o matrimónio é um sacramento que se realiza entre os nubentes (homem e mulher) e não só um prémio ou bênção. Deus criou o Homem à Sua semelhança como homem e mulher (1.Mo 1,27-28) dando-lhes a missão de crescerem e de se multiplicarem na tolerância e cordialidade e ao mesmo tempo crescerem espiritualmente.

Na discussão também é pertinente distinguir entre os actos do Estado e os actos da Igreja. Igreja e Estado dizem sim para o cuidado mútuo e a responsabilidade, cada um à sua maneira. Embora o Estado tenha de dar resposta a todas as necessidades dos cidadãos não deve perder de vista a lógica da sua essência democrática nem as diferentes prioridades a ter em consideração num corpo orgânico ao igualar uma estrutura básica da sociedade a uma necessidade individual que colide com a constituição orgânica de organismos desenvolvidos. (Para mim a nível individual seria igual o casamento de hétero- ou homossexuais; o mesmo já não acontece quando penso a nível social; por isso o Estado tem de distinguir entre direito individual e direito orgânico institucional!).

O cristianismo, com toda a compreensão e respeito pelas uniões homossexuais, não se deve ver forçado a renunciar aos próprios princípios e valores. A fonte de inspiração cristã é a Bíblia (e a natureza) e orienta-se também por uma estrutura básica do Homem (Mat. 19,5, constituído de masculinidade e feminilidade) não podendo ser interpretada arbitrariamente; muito embora a supremacia do amor seja a norma de orientação, esta não pode porém cancelar a ordem da criação (a nível estrutural/institucional) que cada ser humano não deve desprezar, embora respeitando diferentes orientações. Ver o amor como único fundamento da união homossexual, segundo o lema de Santo Agostinho “ama e faz o que quiseres” dá resposta a necessidades próprias mas que não precisa de neutralizar o matrimónio heterossexual. A diferença é a maior constante da natura e da cultura. Igualar a comunidade de vida de homossexuais à constituição de família através do casamento torna-se inconsequente dado fazer de coisas diferentes e com fins diferentes coisas iguais.

A pastoral permite a adaptação porque cada pessoa é de, maneira igual, imagem de Deus independentemente das suas inclinações. Também é verdade que “Deus é amor” (1. Jo, etc.) mas o facto não permite a afirmação recíproca “o amor é Deus” que seria teologicamente falsa. Em questões de família e de instituições os critérios orgânicos e de sustentabilidade, fiabilidade, confiança e compromisso assumem um caracter essencial. O amor não é razão suficiente para justificar a arbitrariedade institucional. O direito à orientação homossexual e ao próprio sentido não é lógico se exige que se aplique a ele o tipo de vinculação heterossexual da família. A instrumentalização da lei para mudar mentalidades torna-se num abuso institucional.

A Igreja, para manter a sua missão de serviço à humanidade e a credibilidade e continuidade, terá que suportar uma certa tensão entre doutrina e pastoral; mas por outro lado não pode seguir a bajulação da moda ou do tempo.

Na disputa presente, que é mais séria que qualquer outra anterior, está em jogo a criação de uma moral totalmente nova sem compromisso (uma nova matriz social) tendente a fomentar a criação de um novo Homem e de uma cultura (nova maneira de estar social), de orientação matemática, criada artificialmente e implementada por cúpulas político-económicas cimeiras que, à imagem da manipulação da natureza, (experimentação biológica da manipulação da gene humana) quer impor a manipulação da cultura e daquilo que constitui os fundamentos da identidade das culturas. Os manipuladores da cultura já cantam vitória ao verificar que no povo, com o tempo, se pode observar uma certa inversão de mentalidades, como vai acontecendo na igualação de comunidades de vida homossexuais a heterossexuais e mais tarde na eutanásia e na eugenia.

A defesa da família é uma questão de natureza, de religião e de Estado independentemente da crença. Ao ligar-se a constituição de família à procriação também se deve ter em conta que quem se casa catolicamente também não tem obrigação de ter filhos e os que não podem ter filhos ou se casam em idade de os não ter, não perdem a legitimidade do casamento, chega-lhes a boa intenção. Como na natureza não há regra sem excepção. Um outro aspecto a ter também em consideração é que uma coisa é o casamento civil e outra é o casamento religioso. Posso imaginar, a nível cristão, a bênção de um par homossexual mas não o sacramento.

A Igreja tem o direito de se sentir ligada à tarefa bíblica e o Estado à vontade dos cidadãos. Um e outro não devem ignorar o quórum de que são feitos nem ideais que reconhecem a regra e a excepção. O direito de minorias ou da excepção não pode ignorar também os direitos das maiorias ou da regra. A vida e o progresso pressupõem um contínuo processo de colaboração e adaptação, só assim se pode garantir o princípio evolutivo da colaboração dos mais fracos para subsistirem contra a lei da força dos mais fortes que arrasariam o resto da natureza.

A igreja tem por seu caracter constitucional ficar-se pela simplicidade da verdade: o sacramento do matrimónio consta de uma união de uma mulher e de um homem para sempre. O sacramento tem vigor até à morte, por isso para o celebrar será precisa grande maturidade e a vontade da metanoia individual e comum. A doutrina da fé é orientação e não deve agir contra a praxis da fé; o casamento é ao mesmo tempo sacramento e comunidade de vida. A indissolubilidade do matrimónio não deve tornar-se numa teoria abstracta sem relação com a praxis (não é apenas um ideal humano). Optar pela vida é o característico da vida cristã que não vê na entropia uma via a seguir reconhecendo, pelo contrário, que a vida é uma subida que implica luta no reconhecimento da própria sombra e luz.

Não se deve demonizar nem glorificar a homossexualidade. Por vezes há muita agressão no discurso sobre o assunto porque por trás de um homossexual ou de uma lésbica se escondem muitos anos de sofrimento e de opressão indirecta, ou porque o tema da homossexualidade e do género é usado como estratégia para a mudança paradigmática da sociedade e valores e ainda porque os lóbis da EU e dos USA ditam através de leis a aplicar nos parlamentos, os novos comportamentos a criar numa sociedade do futuro.

A defesa da ideologia homossexual, que faz parte da ideologia do género, encontra-se em contradição com todas as culturas, religiões e com a natureza. A homossexualidade deve ser compreendida como excepção à rega sem ser marginalizada e sem o acompanhamento da paulada moralista que muitas vezes a discriminou e em muitos lugares continua a descriminar considerando homossexuais, como se se tratasse de leprosos. Cada época tem um ideário correspondente com abusos num ou noutro sentido mas que a sociedade vai corrigindo com o tempo.
António da Cunha Duarte Justo
Teólogo
www.antonio-justo.eu

MAOMÉ PROFETA EM MECA E GUERREIRO EM MEDINA

Uma Solução para o Futuro: Identificar os dois Rostos do Corão

Por António Justo
Para tentar resolver o conflito inerente ao Corão (1) e às Hadith (1) e possibilitar a sua interpretação pacífica no Islão, peritos da religião muçulmana defendem que será indispensável conhecer e reconhecer os dois rostos de Maomé: o do seu período de profeta e o do seu período de guerreiro (chefe de estado), ambos incluídos no Corão. Só assim se poderá ordenar e compreender as revelações ocasionadas pelo arcanjo Gabriel que Maomé teve durante 23 anos e que se dividem nas suras de Meca e nas suras de Medina. Em Meca, Maomé acreditava poder convencer as tribos árabes que praticavam o politeísmo em torno da Caaba e poder reuni-las sob a religião do seu livro em elaboração para o povo Árabe, um livro à semelhança da Bíblia do povo judeu e do povo cristão. Os mequenses não aceitaram a sua mensagem, obrigando-o a abandonar Meca com os seus sequazes. Depois da Hégira para Medina, (Hégira = fuga de Maomé de Meca para Medina, que marca o início (622) do calendário islâmico). Em Medina, Maomé organizou-se como homem de Estado conseguindo subjugar Meca e alargar o islão. Serve-se das revelações de Medina para vincular no Corão a união de Estado e Religião. Esta estratégia revelou-se muito profícua para a época, contribuindo para a expansão do Islão em períodos posteriores.

Os Conteúdos das Suras do Corão nas Épocas de Meca e de Medina

O Corão é formado por Suras/versos que se dividem em revelações do tempo de Meca e em revelações do tempo de Medina. As suras de Meca eram curtas e dirigidas principalmente aos mequenses; as suras de Medina eram longas e dirigidas principalmente aos habitantes de Medina. Há critérios que os imames usam para distinguir umas das outras. As de Meca ocupam-se com a reverência, o temor de Deus, o castigo de Deus para os pecadores, as provas da existência de Deus, a vida depois da morte, as histórias de Maomé e eventos de gerações passadas e as suras de Medina tratam das normas da sharia, direito civil e de culto, de assuntos de governo/estado, da adesão ao Corão e da luta por Alá (jihad) e da lida com a guerra e seus despojos.

Segundo a análise da maioria dos estudiosos muçulmanos as suras de Medina são as seguintes: 2, 3, 4, 5, 8, 9, 24, 33, 47, 48, 49, 57, 58, 59, 60, 62, 63, 65, 66, 110. As restantes 82 suras são as revelações de Meca com excepção de 9:42 revelada em Tabuk e de 43:42, revelada em Jerusalém. Quanto às suras 1, 13, 55, 61, 64, 83, 97, 98, 99, 112, 113, 114 os peritos do Islão não estão certos se são suras das revelações de Meca ou de Medina.

O conteúdo entre as suras (revelações) de uma época e da outra são tão contraditórias que literatos chegam a afirmar que Deus mudou de opinião.

O antigo imame e professor de história islâmica da Universidade do Cairo Al-Azhar, no seu livro “Islam and Terrorism” adverte, sob o pseudónimo Mark A. Gabriel, que os imames recebem instruções para, na apresentação do Corão, darem mais relevo às suras de Maomé como guerreiro (as suras de Medina).

O Islão com a sua reivindicação de validade universal atrai intolerância fomentando a radicalidade dentro da comunidade islâmica em relação aos de fora do islão e, como reacção, a intolerância dos de fora em relação ao Islão. O perito em estudos islâmicos DR. Abdel-Hakim Ourghi apela aos muçulmanos para não esconderem os aspectos violentos de Maomé (Corão). Segundo refere ele, no Bonner General-Anzeiger, Maomé podia ser considerado profeta fundador de uma religião na sua fase de Meca, entre 610 e 622. “Após a sua emigração de Meca para Medina, temos a ver com um estadista que repetidamente tomou medidas violentas contra outras religiões, contra judeus e cristãos”.

De facto, o Corão e a Sharia precisam de ser submetidos a uma análise histórico-crítica para possibilitar nele um rosto mais pacífico, a valorização do indivíduo e o reconhecimento do próximo (não muçulmano) como ser com igual dignidade. Uma cultura que subjugue o indivíduo e não reconheça a igualdade da dignidade de homem e mulher, está condenada a ficar presa em estruturas sociológicas do passado, tendo de empregar a violência ad intra et ad extra para poder subsistir. Tudo o que não serve o Homem e a Humanidade tornar-se-á supérfluo. O desenvolvimento e a excelência de uma sociedade pode ser comprovado através da maneira como tratam a mulher e o indivíduo.

O mundo islâmico, principalmente através de emigração de seus fiéis em massa para a Europa, experimenta um choque de culturas, que vai, pouco a pouco, provocando, no seu meio, a autorreflexão do Islão e o surgir de pessoas como o DR. Ourghi que conseguem elevar a discussão do Corão e da Sharia a um nível filosófico, antropológico e sociológico abertos. Muitos estudiosos do Islão na Europa procuram ultrapassar uma interpretação, até agora limitada à jurisprudência e à história, para possibilitarem a criação de uma ciência teológica no sentido de iniciarem uma teologia muçulmana baseada numa abordagem científica histórico-crítica possibilitadora do seu desenvolvimento no sentido de um Islão com um novo rosto adaptado à realidade circundante e ao tempo e que possibilite uma imagem de Deus/Alá não só ligado a uma cultura mas aberto à globalidade e à multiplicidade das culturas. Para o cientista islâmico DR. Ourghi, uma renovação só poderá ser conseguida “quando o Islão não se compreender como comunidade militante que luta pelo domínio sobre todo o mundo” como apregoam as revelações e os ditos de Maomé de Medina.

O permanecer na insistência e alegação de o Islão ser o possuidor e senhor da verdade universal, (e até legitimar com ela a violência contra outras crenças) além de fomentar a intolerância, dá perenidade à perseguição e à guerrilha islâmica impedindo um diálogo aberto e não fingido com outras religiões. De facto, a grande maioria dos peritos e representantes do Islão entrincheiram-se em citações de lindas e poéticas revelações do Corão, calando a verdadeira realidade de uma estratégia baseada no Maomé de Medina. A secundar esta ideia está a prática islâmica de que uma mentira em benefício do Islão é considerada uma verdade ao serviço de Alá.

O muçulmano Ourghi critica também a hipocrisia reinante em sociedades islâmicas, atestando de moral dupla estados que têm o Islão como religião de estado, dizendo: “O ‘Islão cruel’ e a Sharia são válidos apenas para a população pobre, os dominantes não se comportam segundo o Islão.

No terceiro „Phil.Cologne“ da cidade de Bona na Alemanha, Ourghi também se expressou criticamente, sobre os organismos de tutela muçulmana na Alemanha. Segundo testemunhou as organizações coordenadoras dos diferentes grupos islâmicos, tal como a União Turco-Islâmica, são controladas por órgãos governamentais dos países de origem.

De facto, tabém isto constitui um grande problema porque impede a capacidade de integração de muçulmanos noutros países que se sentem obrigados a terem de se afirmar em contraposição às culturas de acolhimento. A abundância de dinheiro concedida por países islâmicos e magnates para a construção de mesquitas e instituições fomentadoras do islão no estrangeiro torna os países de acolhimento cegos na concessão de direitos para tais planos. Catar e a Arábia Saudita investem centenas de milhões na implantação do islão mais radical na Europa.

A ambivalência de Maomé de ser profeta para os de dentro e guerrilheiro para os de fora, possibilitou-lhe a conquista e consequente construção de um grande império muçulmano, vendo-se este hoje obrigado a procurar as melhores suras do Corão para demonstrar o seu espírito pacífico. Esta estratégia torna-se ineficiente num tempo em que cada pessoa passa a ter acesso à formação, à informação e à cultura. A evolução dos povos e das armas de combate na disputa entre religiões e culturas já não é a mesma que no passado, o que pressupõe uma mudança de estratégia. A expansão do Islão no mundo ocidental revelar-se-á como precário dado combater o saber global e, de momento, contar apenas com o apoio de forças políticas e económicas europeias que se vêem obrigadas a engolir cobras e lagartos para poderem captar o capital árabe, mas, numa outra conjuntura, facilmente mudarão de estratégia. As resoluções da Cimeira G7, na sua decisão de até ao fim do século reduzir as energias fósseis determinarão o total enfraquecimento económico dos países produtores de petróleo e de carvão.

Em tempos de globalização, manter-se preso no tempo e na cultura árabe impossibilita o desenvolvimento e a adaptação ao Homem e ao tempo; a cultura árabe, para poder acompanhar a mudança de paradigma da sociedade ocidental terá de submeter a sua religião a um aferimento científico que a torne capaz de dar resposta ao desenvolvimento do cidadão e poder viabilizar o seu contributo indispensável para a sociedade ocidental que precisa urgentemente de correcções que a civilização árabe poderia ajudar a efectivar.
António da Cunha Duarte Justo
Teólogo
In: www.antonio-justo.eu

(1) O livro sagrado do Islão. No Cristianismo temos a encarnação de Deus e no Islão a inlibração de Deus.

(2) Actos, afirmações, opiniões, aplicações do Corão e modos de vida de Maomé.

À PROCURA DE SEGURANÇA DE ACOLHIMENTO E DE CARINHO

Vida é Sol e Sombra – um dar à Luz expresso no Eco do Grito do Nascimento

António Justo
Somos eternos peregrinos sempre a caminho e a seguir o eco do grito primordial – aquela dor que nos separou do paraíso perdido, da harmonia vaginal, e que é a ressonância da consciência de se ser algo diferente daquele albergue a que se convencionou chamar terra. Desde que Adão comeu a maçã da sabedoria, desde que Jesus abandonou a gruta de Belém, desde o nosso grito ao sair do ventre da mae, andamos (como indivíduos e como sociedade) na procura de organizar a vida de modo a sentir-nos em casa, aquele recanto onde nos sentimos acolhidos e seguros embora conscientes de que a casa não é nossa. Da casa, do lar faz parte o aconchego familiar, a língua, a religião (cultura), o trabalho, o biótopo social, rituais, tu e eu, eu e o outro.

Devido a tudo isto, acompanha-nos um sentimento de soledade, vestígio de um sofrimento devido a circunstâncias adversas e a um amigo, a uma amiga que nos falta.

A pressão de trabalho e de pessoas exaustivas esvazia o nosso interior e em casos extremos chega a levar ao Burn-out. Por isso se torna importante a conversa pessoal com um amigo, a troca de carinho, tomar iniciativas, ouvir música, fazer até exercícios de inspiração imaginativa do Sol (Deus), da bondade reconfortante e exercícios de expirar e sacudir a noite e os pensamentos pessimistas. A arte consiste em sacudi-los nalguma fogueira onde produzam labaredas que aqueçam e iluminem a existência, longe do fumo que intoxica. Somos feitos de fumo e de luz, de frio e calor. Como na electricidade o negativo pode ajudar a levar o positivo a dar luz. Para isso se realizar torna-se necessário um impulso inicial, a iniciativa de alguém, num mundo de graça à espera da Graça de alguém que acenda a minha graça para eu poder acender a graça de alguém.

Já ao nascermos gritamos lançando para fora a dor do trauma da unidade rompida, no desconforto da saída do aconchego do ventre maternal. Nesta desolação torna-se difícil encontrar o sentido, torna-se difícil ouvir a voz de quem chama por mim, de quem sabe o meu nome.

No cá fora do ventre, permanece a nostalgia da procura de uma placenta maternal que transmita calor e o encontro de uns braços que dêem segurança.

Muitas vezes o fado da vida leva-nos à procura de uma relação, de um elo que possibilite reatar o sentimento amoroso do acolhimento original; frequentemente a resposta esvai-se num ecoar afastado que repete a sensação do primeiro grito num longe distante de outeiros petrificados que se sucedem uns aos outros.

Então, os braços e as pernas movimentam-se desordenada e instintivamente na procura de alguém, para alcançar o que tinha no ventre materno. Do amor e dedicação experimentada aprenderá a integrar em si a ordem ou a desordem transmitida. Cada um de nós traz consigo as circunstâncias (o “pecado” original do pó do caminho por onde passa.

Saímos do albergue/gruta na procura de outras grutas e ao sentirmos aí carinho criamos uma segurança interior, se a não recebemos na infância talvez passemos a ser peregrinos ou forasteiros contentes ou descontentes na procura vincada de acolhimento.

O buraco não enchido pelo carinho familiar cria a ânsia de ser amado e procura no outro além da relação o carinho que não recebeu. (Muitas vezes, o próprio danificado-depressivo, cria um ambiente enevoado à sua volta num determinismo que repete o ambiente da infância – uma sensação de relação baseada na negativa; estas pessoas foram castigadas na infância e continuam a castigar-se criando, por vezes, situações que repetem a disposição e desacolhimento da infância.

O Samaritano desce do Selim do seu Pensamento

Hoje a sociedade é muito stressante para os pais criando neles má-consciência pelo facto de não terem tempo suficiente para receber e dar carinho, especialmente aos filhos.… Muitos, desiludidos de objectivos não conseguidos, passam a vida a bater à porta, de parceiro em parceiro, de albergue em albergue, à procura do que não receberam e que por vezes não podem dar.

De facto somos como uma proveta de vasos comunicantes em que o equilíbrio se adquire na troca de dar e receber numa mistura de fluidos mais ou menos cristalinos. De facto eu sou eu e o que o parceiro me possibilite que seja e o parceiro é ele e o que eu lhe possibilito que seja. Cada um espera do outro, aquilo que não tem e, porque também o outro anda à procura do que lhe falta, então chega a criar-se caminhos paralelos, onde cada qual se encastela no selim do seu pensamento. O refúgio do sentimento no pensamento projectado pode favorecer uma vida dupla que prolonga a dor que o sentimento e a falta de acção não satisfizeram. Na falta de relação próxima, da troca de carinhos, talvez por um condicionamento psicológico (narcisismo), não se criam momentos nem rituais comuns possibilitadores de laços; acontecem então monólogos em torno do ego que em vez de reconhecer a riqueza mútua da complementação, passa a recorrer à auto-afirmação pela celebração da própria dança em torno de actividades e iniciativas que o distraem da própria vida. A vida em comum para ser bem-sucedida faria lembrar o agricultor que tem muitas espécies de frutas e procura, da mistura de algumas delas, fazer o melhor sumo. Se sou maçã e se convivo com uma laranja não haverá como deliciar-se com o sumo de laranja ou, no caso de se querer fazer o melhor, observar a melhor percentagem de maçã e de laranja para obter um sumo mistura que agrade aos dois. O demasiado açúcar pode tornar-se enjoativo e o demasiado aziúme pode estragar a digestão.

Uma atitude equilibrada exige de nós humildade e altruísmo, compaixão e sintonia. Todos somos feitos de barro mas, uns e outros, podemos tornar-nos jarros onde o outro possa beber. Importante é a boa vontade e a bonomia para com o mundo exterior a nós. O Bom Samaritano (em Lucas 10:30-37) consegue encontrar o judeu a um nível que supera a inimizade secular entre os judeus e os samaritanos.

O samaritano desceu do seu jumento, acolheu e tratou o judeu que jazia ferido no chão, tratou-lhe as feridas com óleo e com vinho, símbolo da consolação, colocou-o no seu jumento (de igual para igual), e levou-o para um albergue.

O albergue é o símbolo do mundo interior do judeu, da sua ipseidade de que ele é hospedeiro no acolhimento da consolação dada/recebida. O samaritano ajudou sem tornar o outro dependente; retirou-se no momento oportuno em que o hospedado se torna senhor da própria “casa”. O salvado traz em si a salvação que deverá procurar, dentro não fora.

Em cada um de nós há uma gruta onde se encontra o pai e a mãe (Deus) à espera. Muitas vezes passamos a vida a viver em casa dos outros, à procura de nós, passando sede e frio quando no nosso interior se encontra a gruta de Belém onde os anjos estão prontos para nos receberem e aclamarem também. Aí encontramos a confiança básica original semelhante à que tínhamos no ventre materno. Então a confiança nos leva a entrar na ressonância divina, e a fé dá repouso porque nos oferece a confiança no bom fim de tudo o que fazemos ou acontece. A vida tem sentido e direcção porque nos encontramos três em comunidade e a caminho: eu e tu a seguir a Verdade.…

Uma nova situação lembra o eco do grito primordial, aquele grito que nos lançou na aventura da liberdade, condicionada também pela experiência original. No grito anunciava-se o medo de um fim que afinal se tornou no início de um caminho para uma ordem maior, saímos de uma gruta pequena para entrarmos no regaço eterno do universo. Do presumível fim veio a vida; a infinidade que atemorizava tornou-se princípio de nova vida. No fim de cada trajecto, de cada decisão há sempre uns braços abertos a receber-nos mesmo quando os não vemos por puro medo ou pelo barulho do grito. A razão é fria e distante como o universo mas Deus deu-nos o coração que tudo une e abrange com seu calor e acolhimento que a tudo confere o brilho do carinho. Não há luz que mostre o amor mas não há amor que apague a luz! Só o coração consegue derreter o gelo e produzir o fluido que une e torna visíveis as galáxias.

Encontramos espiritualidades, a caminho, que nos podem ajudar a chegar a casa e a sentirmo-nos bem nela. A segurança interior não comporta o medo que se quer agarrar a coisas fixas/seguras porque só se torna seguro quem aprende a andar por cima das águas. Nas janelas do teu interior até os véus dos teus dogmas e das certezas se esvaem. Surgimos do grito do medo mas no nosso interior e no mundo que ordenamos verificamos que há sempre uma oferta benévola, uma luz que espera por nós, que se encontra em nós. Uma vez no centro da nossa ipseidade, na nossa casa interior, descobrimos que o seu tecto é o universo e que no seu centro se encontra a divindade que nos move nele. Sinceridade e honestidade são meios que nos ajudam a chegar lá sem invalidar a tensão existente entre indivíduo e comunidade, entre a parte e o todo.
António da Cunha Duarte Justo
Pedagogo e Teólogo
www.antonio-justo.eu

PS. Texto a ser publicado em próximo livro

A EUROPA RICA RECRUTA IMIGRANTES QUALIFICADOS E EMPURRA REFUGIADOS DESQUALIFICADOS PARA OS PAÍSES POBRES DO SUL

 Quota para Refugiados revela Abuso cínico da Palavra Solidariedade

António Justo
A Comissão Europeia para a Migração pretende que se faça a redistribuição de 20.000 refugiados que se encontram na Europa, tencionando para Portugal uma chave de recolocação correspondente a 3,89% e para a Alemanha e França 10%. Uma tal medida aumentaria a quota de desemprego nos países do sul que se sentem já vítimas de uma economia da UE pró nórdica. Portugal seguirá, como de costume, uma atitude de “Maria-vai-com-as-outras”.

Portugal que exporta para a Alemanha, França, Inglaterra, Suíça, etc. os seus emigrantes qualificados que não encontram condições suficientes de vida em Portugal deve passar a receber dos países islâmicos imigrantes sem qualificação.
Muitos cidadãos europeus têm dificuldade em compreender que os seus países tenham de aceitar os refugiados de guerra interna islâmica entre xiitas e sunitas e que países islâmicos como a Arábia Saudita não aceitem refugiados vítimas da guerra religiosa ou da economia.

Na França, Alemanha, e noutros países europeus aumenta no povo a resistência à aceitação de refugiados. Muitos alegam que têm medo de receber os refugiados porque estes, na sua grande maioria são muçulmanos e uma vez hospedados num país organizam-se em guetos e não se integram; outro argumento que se ouve com frequência é a realidade de uma vez reconhecidos servirem de ponte para novos imigrantes e o facto de entre os refugiados se encontrarem terroristas do Estado Islâmico. Também se encontram políticos na Alemanha que dizem que a Alemanha “não é a repartição de segurança social da humanidade” e também pessoas pobres que reclama por cada vez verem mais reduzidos os apoios sociais sem entenderem que o Estado empregue milhões de euros no acolhimento de refugiados. Não notam a corresponsabilidade das potências no fenómeno nem a irresponsabilidade da classe política em relação à paz social na Europa.

Em 2014 a Suécia recebeu 8,4 refugiados por cada mil habitantes, a Áustria 3,3 por mil, a Suíça 2,9, a Alemanha 2,5, a Itália 1,1, a França 1, a Inglaterra 0,5, a Espanha 0,1.

A Inglaterra, a Polónia a Hungria, a Eslováquia e a Chéquia revelam-se contra o intuito da Comissão Europeia de introduzir quotas de refugiados a distribuir para todos os membros da UE. A Alemanha faz força para que todos os países sejam obrigados a receber refugiados. Os países economicamente fortes da europa não se querem ver sozinhos com os problemas da imigração por razões de estabilidade social e por razões económicas. A Alemanha, em 2014 recebeu 173.070 requerimentos de refugiados.

Por outro lado funcionários da economia alegam que a Alemanha para cobrir a quebra da natalidade da população precisaria de 400.000 imigrantes por ano. A Alemanha prefere recrutar imigrantes qualificados porque não provocam custos de integração e formação e além disso integram-se melhor e elevam o nível social popular.

Quota não é solução e seria injusta para com os países pequenos que não entram em guerra nem fazem parte dos países desestabilizadores que lucram com exportação de armas nem com a reconstrução dos países de intervenção. Os pontos quentes são a Síria, o Iraque, a África do Norte, o Afeganistão e a Líbia. A Líbia tornou-se num ponto de fuga dos refugiados para a Europa. Para acrescentar a insegurança surgem organizações extremistas muçulmanas na Europa que, ao afirmarem que com a emigração muçulmana e a sua fecundidade restabelecerão seus antigos domínios na Europa, fomentam mais o medo e o preconceito de muitos cidadãos europeus confrontados já com os problemas dos guetos.

A informação pública foca apenas o aspecto emocional dos refugiados não contribuindo para uma discussão séria e objectiva sobre o assunto.

A política da Comissão Europeia não está interessada no diagnóstico e no tratamento das causas que provocam a emigração em massa; parece apenas interessada em tratar as feridas mas não querer solucionar o que provoca o flagelo hodierno das lutas entre xiitas e sunitas e o fenómeno dos refugiados. A preocupação europeia deveria ser o fomento da estabilidade e do bem-comum da população nos países de proveniência dos refugiados (a preocupação pelo bem-comum universal). As medidas pretendidas de destruição dos barcos dos contrabandistas não resulta porque a pobreza e as rivalidades entre os grupos étnicos continuarão com o apoio directo ou indirecto do Ocidente. Urge uma política de ajuda para a auto-ajuda das pessoas nos seus países; para os que já se encontram no mundo livre devia dar-se-lhe uma formação qualificada para poderem, mais tarde, fomentar as economias dos países donde vêm.

Não é justo que as potências que participaram para a instabilidade do Afeganistão, do Iraque, da Líbia, da Síria não assumam a responsabilidade de terem provocado uma consequente perseguição aos cristãos e a outras minorias étnicas na região e que agora países terceiros tenham de acarretar com os problemas que imigração muçulmana acarreta consigo (Não se trata só de fugitivos mas de pessoas). As administrações dos USA têm actuado irresponsavelmente, conscientes de que quem mais sofre as consequências da sua política fracassada é a Europa e que a Europa fraca e decadente – irmã menor dos USA – se limita a uma política ritual irresponsável e carpideira sem encarar a peste que vitima fugitivos no mar Mediterrâneo e infesta o clima social europeu.
António da Cunha Duarte Justo
www.antonio-justo.eu

ACTIVIDADE POLÍTICA E CONSCIÊNCIA CRISTÃ

O Político – Entre condicionalismos profissionais e Consciência cristã

António Justo
Fé e liderança são temas diferentes mas integráveis. “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, é uma máxima cristã que determinou o agir político da civilização ocidental. Deste modo estimulou diferentes energias a actuar de maneira complementar.

Em política procede-se ao exercício do poder e este implica, em democracia, o compromisso, o que pode levar um político a entrar em conflito com as próprias convicções.

A civilização ocidental deve o seu desenvolvimento a dois princípios: a dignidade humana e a divisão de poderes. “A ideia de que há uma dignidade inata ao homem é religiosa, de origem judeo-cristã”, bem como a ideia da divisão de poderes (seculares e religioso), como constata o historiador Heinrich August Winkler. E reconhece também que “o direito internacional é uma conquista ocidental” que tem como “objectivo a transferência do domínio do direito para as relações internacionais”. A História do Ocidente é o testemunho da disputa dos direitos humanos, do domínio do direito, da divisão de poderes e da falha contra eles. (No Ocidente, toda a pessoa tem o direito de invocar os direitos humanos em sua defesa).

O projecto ocidental não se deixa reduzir à vontade das maiorias democráticas, sejam elas seculares ou religiosas, esquerdas ou direitas, como demonstrou o final da República de Veimar. Já John Stuart Mil dizia que a tirania tanto pode ser exercida por governantes absolutistas como por maiorias. Assim, as democracias ocidentais dispõem de meios que as protegem: a soberania do direito e a divisão de poderes. Estes dão continuidade à sociedade pluralista. (1)

A filosofia cristã alimenta-se da Verdade e da Dúvida

A sociedade do futuro precisa naturalmente do vitalismo religioso e da energia secular, mas não na contraposição de uns contra os outros; se não quisermos danificar o projecto de vida ocidental, será necessária uma interacção mútua e complementar de filosofia cristã e de poder secular, não podendo a ideologia secular açambarcar para si também o lugar de Deus. A sociedade ocidental manterá a sua sustentabilidade se continuar a superar o dogmatismo religioso e o dogmatismo científico na fidelidade à sua característica filosófica que engloba uma dinâmica dialogal entre verdade e dúvida (fé e razão) que lhe proporcionou especial desenvolvimento. (Também não será legítimo invocar os extremistas muçulmanos para, em princípio, se difamar toda a religião, como tão-pouco o estalinismo ou nazismo para se desacreditar a governação). Em cada época, tanto pessoas religiosas como políticas eram filhas do seu tempo e como tal portadoras dos vícios e virtudes da sua era.

A esquerda marxista e o capitalismo liberal pretendem dissociar o cristianismo da pessoa e da sociedade para mais facilmente colocarem o indivíduo sob a sua trela e melhor vaiarem o cidadão sem a concorrência de forças que não sejam económicas ou ideológicas. O cristianismo é a religião mais perseguida porque é a lóbi da dignidade da pessoa, dos pobres e dos discriminados (2). Os valores cristãos (vindos dos judeus, gregos, romanos e das várias etnias) são a alma da cultura. Já o filósofo Augusto Comte era do parecer que uma sociedade sem religião não teria continuidade e o Estado estaria condenado à desintegração. De facto sustentabilidade de um estado ainda se baseia na fertilidade maternal do seu povo e na religião como processo aberto.

O “establishment” político quer um mundo bipolar: quer de um lado o capitalismo liberal redutor do homem a um objecto de produção e de mercado e, do outro, o neomarxismo redutor do homem a proletário – indivíduo singular indefeso (indivíduo sim mas não pessoa!) – em função de uma forma de estado todo-poderoso. As elites neoliberais e neomarxistas unem-se na mesma tarefa de desfraldarem o Homem. Procuram até ideologizar o próprio património nacional.

O poder normativo do cristianismo na sociedade secular

Em termos cristãos, a dignidade humana implica o sentido da vida e a ressurreição confere-lhe optimismo.

O cristão é chamado a preocupar-se sobretudo com a parte da vida que passa na terra; se o faz com responsabilidade, o resto ser-lhe-á dado por acréscimo. Um provérbio português recorda: “religião quer-se como o sal na sopa”… sem ela a vida não teria sabor, mas em demasia, como se verifica da experiência muçulmana e da guerra dos 30 anos, torna a vida salgada.

O cristão é um ser aberto em diálogo, que forma e se forma na interlocução com a natureza, com o outro e com ele próprio em Deus; por isso não se define através de uma cultura. É uma proveta reagente de terra e céu em contínuo processo de desenvolvimento. Os seus instrumentos de abordagem da realidade e de realização são os sentidos e em especial a razão e a fé; estes não precisam de contradizer-se, são ao mesmo tempo luz e energia no processo de desenvolvimento individual e social.

A fé cristã é global (daí o termo “católica”, “universal”) e, como tal, a igreja tem que estar disposta a fazer compromissos, porque é integral, não exclui ninguém na consciência de que todos somos filhos de um Deus sem crenças (a revelação divina também se verifica na natureza e na História). Sim porque Jesus Cristo, o ser humano é feito de céu e terra! Para o político cristão, toda a pessoa, todo o cidadão tem filiação divina e constitui o centro da política. Já São Paulo dizia que o ser humano está chamado à liberdade na solidariedade com o Homem na qualidade de companheiro; o Homem é portanto o lugar da liberdade.

O poder normativo judeo-cristão espalhou-se por toda a Europa e por todo o mundo. Na sua visão holística, embora com muitos momentos de história escura e triste, influenciou e influencia o agir mundial individual e socialmente: liberdade, democracia, Direitos humanos, Estado de Direito, a igualdade dos géneros, uma solidariedade social que ultrapassa a sebe do crente, desenvolvimento sustentável e boa governação. Um “Deus pai” implica a visão global do Homem como irmão e uma comunidade católica (cosmopolitismo, globalismo) baseada na ética do amor ao próximo (estranho) e a Deus. Os direitos individuais são sagrados. O cristianismo é uma religião do chamamento; missionar o mundo dá-se como oferta, sem coacção. O político cristão está consciente do cristianismo como seu tecto espiritual que dá consistência e identidade a um povo chamado a espalhar a Boa Nova.

No contexto das civilizações, a mensagem cristã subsistirá sempre como a religião do Homem e da humanidade, não podendo ser reduzível a uma cultura; neste sentido a teologia fala também dos cristãos anónimos; o protótipo do Homem é Jesus Cristo (que une em si Céu e Terra) e não uma cultura.

O político cristão está chamado a propagar a ética cristã como directriz da sua política. Cristo assume responsabilidade por si e pelos outros o que quer dizer que o cristão não pode ser indiferente ao que acontece politicamente “lá fora”. Para ele, fora e dentro são partes da mesma realidade. A consciência é a directriz da acção cristã e o bom agir a sua prova.

O papa Bento XVI resume a tradição humanista da igreja, já repetida originariamente na teologia e por outros papas da Idade Média, nas palavras seguintes: “Acima do Papa encontra-se a própria consciência, à qual é preciso obedecer em primeiro lugar; se fosse necessário, até contra o que disser a autoridade eclesiástica.” Isto mostra a dignidade da Igreja Católica no respeito pela pessoa humana; a instituição, a religião não se coloca sobre o Homem; a sua matriz é o Homem, por isso não se reduz a uma doutrina, como revela a pessoa do Mestre. “Cristo é tudo e em todos” (Col 3,11). A sua pessoa (independentemente do religioso) é programa para todo o Homem e para todas as instituições do mundo sejam elas políticas, religiosas ou ideológicas (Nele se processa a inclusão do humano e do divino). A interpretação disto depende como sempre do espaço individual e da consciência humana no “aqui e agora”.

Uma política do desenvolvimento só é possível mediante o compromisso necessário perante a diversidade de situações e de pessoas. Por isso o político age no sentido do melhor compromisso de responsabilidade moral e não apenas pragmático.

A realidade humana exige compromisso e responsabilidade não deixando ninguém inocente. Nas decisões parlamentares, determinam-se leis, como o exporte de armas, o aborto, em que o cristão se torna também culpado. É contra o aborto mas tem de respeitar as decisões maioritárias para a generalidade. Na qualidade de cristão deve trabalhar para que a sociedade adquira uma outra atitude e, para isso, o cristão só possui o instrumento da palavra e do exemplo.

O cristão é um ser inacabado, feito de sagrado e profano; aberto e em aberto, com uma referência: JC a síntese da matéria e do espírito.

Nas coisas do mundo, quanto menos sei, mais sei que sei! Mas se mais reflito, quanto mais sei, mais sei que não sei! Logo, quanto mais sei menos sei que sei… O físico e matemático Isaac Newton dizia: “O que sabemos é uma gota de água; o que não sabemos é o oceano”! De facto, só quem perde a inocência pode permanecer virgem!…

A doutrina do pecado original quer-nos dizer que a vida e o desenvolvimento provêm do jogo entre tentativa e erro, não deixando muito lugar para moralistas demasiado distantes da realidade. Adão na tentativa de comer a maçã da árvore da vida atingiu a faculdade da razão que o torna estranho à própria natureza e o leva a levantar a cabeça para a voz que o chama, “Adão onde estás?”. Ele que vivia num estado simbiótico com a natureza, não conhecendo lugar nem tempo, vê-se agora num novo estado, em diálogo, entre certeza e dúvida revelando-se como consciência aberta. O chamamento da fé e da razão leva-o a acordar para o mistério não podendo mais voltar ao paraíso perdido.

A certeza é a fronteira do desenvolvimento e do saber! Se não reconheces que a realidade acontece no ponto de intersecção dos diferentes interesses, passas a vida a fugir dela ou a combatê-la.

A vivência cristã não se esgota na certeza intelectual, ela intui-se também como desígnio de algo já experimentado (na compaixão). Isto confirma-o também a psicologia budista ao recomendar que para se resolver um problema ou sentimento negativo é preciso primeiro percebê-lo (senti-lo), depois visualizá-lo e finalmente explorá-lo em sintonia/simpatia consigo próprio; depois desta sequência o sentimento negativo pessoal dissolve-se.

Em muitos assuntos, o político cristão tem a vantagem de não se encontrar sozinho na sua opinião individual, ele tem atrás de si uma fábrica de pensamento que é a Igreja com suas encíclicas sociais e uma experiência e saber milenário que o podem ajudar na tomada de decisões. Dietrich Bonhofer dizia: “encontramo-nos aqui sendo só competentes nas penúltimas coisas”; as outras pertencem a Deus.

O imperfeito não pode gerar a perfeição. Por muito controverso que pareça, Deus também pode falar através dos contrários à minha opinião e até mesmo através do mal. A opinião é livre, se regada pelos sentimentos, mas só o sol do pensamento a fará crescer. Reconheço opiniões boas mas não faltam as melhores. Ao definir só alargo a cerca do meu jardim. Uma opinião profunda será aquela que surge da liberdade acreditada no comprometimento com o JC, a melhor Realidade e o melhor símbolo de liberdade e compromisso. Para isso será preciso aprender a andar não só em solo seguro mas também sobre as águas do Mar, como fez o mestre da Galileia. Quem tem a coragem de andar sobre a água não é nenhum fantasma mas portador de inovação e de futuro.

O problema da liberdade surge sempre que cada um eleve a sua opinião a sentença certa. Liberdade total é impossível porque contradir-se-ia, não permitindo orientação. A capacidade de escolha já seria uma limitação. A dúvida em geral e em especial a dúvida metódica, própria do pensar ocidental, possibilitam a crítica que leva ao desenvolvimento; a crítica confere à civilização ocidental um estado de contínuo processo (“ecclesia” semper renovanda) de modernização e, deste modo, possibilita a antecipação à revolução. Numa democracia o povo não forma uma unidade; o reconhecimento da soberania da consciência individual possibilita a crítica social e naturalmente a necessidade de se aprender a lidar com ela.

A liberdade para ser sentida e despreocupada coloca o peso da própria vida no cabide da confiança: uns confiam em Deus outros na ideologia ou no interesse imediato. No cristianismo resta, mesmo assim, uma conta a saldar que é como dizia o filósofo Kant “o dever para consigo mesmo”. Uma sociedade livre e aberta possibilita a vida também aos adversários. O princípio da tolerância não deve porém neutralizar o da própria crença.

O sentimento de pertença a uma casa ampla com um tecto metafísico transparente fomenta a auto-estima que protege do medo e permite o autodesenvolvimento e o evoluir da própria opinião; esta deve ser expressa de maneira determinada, doutro modo o adversário sente-se emocionalmente encorajado ao ataque. A crítica pessoal só complica, por isso a crítica construtiva é baseada no problema e na sua solução.

O Cristianismo é transcultural não se define por reinos nem repúblicas cristãs

No cristianismo não há reinos nem repúblicas cristãs, não há união de política e religião como nas bases da religião islâmica que identificam cultura com religião nem tão-pouco na união de Estado e ideologia. Naturalmente também os cristãos não estão imunes das tentações do poder embora a sua filosofia os não legitime ao abuso nem à promiscuidade de poderes. O político cristão compromete-se a fomentar o politicamente possível, numa atitude ética proveniente da fé. É consciente da complexidade social e seus condicionalismos na tentativa de fazer o melhor e o justificável para o bem-comum.

Não é possível definir-se uma política cristã; esta pressupõe, nos seus actores, uma atitude humana de base de dedicação especial pelos mais indefesos da sociedade. Não há uma política cristã nem um cristão pode reivindicar para si o direito de fazer política cristã.

A fé cristã tem motivações ideais que favorecem uma orientação e critérios de valor para a acção: o Sermão da Montanha. A convicção cristã pode, porém, conduzir a diferentes posições, atendendo ao caracter soberano da consciência individual. Por vezes, o cristão confronta-se a si mesmo, entrando em conflito com uma ética de convicção e uma ética de responsabilidade social; estas conduzem a decisões de compromisso, numa tentativa de ultrapassar fronteiras denominacionais, tendentes a respeitar a dignidade e a liberdade humana do próximo. Tudo se torna pressuposto preliminar à avaliação.

Uma atitude cristã política caracteriza-se pelo princípio da dignidade inviolável da pessoa (dignidade de imagem de Deus – independentemente de credo – e como tal sujeito e não objecto) que se expressa no “amor ao próximo”); primeiro está a pessoa, só depois a instituição; outro princípio é o da complementaridade baseada no protótipo JC que integra o divino e o humano; todos são chamados à liberdade e a realizar o “reino de Deus”. A “ecclesia” é formada por indivíduos em comunidade convergente, na realização mútua de indivíduo e comunidade.

A consciência de comunidade, de que o todo também é formado pelas margens, torna a igreja advogada dos mais fracos na prática do princípio da solidariedade. A Igreja é a voz dos sem lóbi, dos marginais. Quando se declara p. ex. contra o aborto, ela torna-se a lóbi destes seres sem voz. Mais que o credo importam as obras: “Pelos seus frutos os conhecereis!“ (1.Jo. 2,1-6).

O Mestre reivindica que amemos os nossos inimigos mas não exige que nos deixemos matar por eles nem que o amor aos inimigos aconteça à custa de amigos. No meio está a virtude (como nos ensina a filosofia aristotélica) e só o divino é o lugar da perfeição. O político cristão procura estabelecer harmonia entre os polos. Isto dá-lhe uma posição demarcada e competência de sustentabilidade histórica na tentativa de resolver os problemas sociais e na capacidade de intermediário nas posições antagónicas entre os partidos. O político terá de ver o que é justificável e depois decidir segundo a própria consciência no respeito pela dos outros. Ele, na qualidade de político, tem de se preocupar em estabelecer relações estáveis, também no interesse dos contribuintes não se podendo deixar levar por idealismos passageiros que poderiam prejudicar o povo no seu todo, a longo prazo. Política, religião, ciência e sociedade devem consciencializar-se da sua situação de interdependência e de processo.

Em tempos idos, tudo era mais fácil: bastava seguir um rei, um pastor; hoje, que somos chamados a tornarmo-nos individualmente mais responsáveis, somos puxados por forças anónimas em diversas direcções e sentidos, o que exige, de cada um, maior balance e equilíbrio, maior sentido de orientação e responsabilidade. Peter Sloterdijk diz: “A modernidade evidencia-se como a época dos projectos, e a época pós-moderna como a dos consertos”. Com o rápido desenvolvimento e mudanças da vida moderna, a realidade movimenta-se mais depressa do que a consciência comum, criando empasses e assimetrias inevitáveis.

Uma actualidade que não respeite a herança torna-se subversiva, criando um hiato entre o antes e o depois num agora caótico e desorientado. Jesus foi o grande radical da História quebrando com muitas tradições e com a moral tradicional, já ao nascer de uma virgem. Com ele todos são filhos de Deus, independentemente de estirpes ou famílias.

Na política e em lugares chave da sociedade, precisam-se, hoje mais que nunca, cristãos e pessoas de boa vontade com capacidade para se consciencializarem da chantagem a que a sociedade se encontra submetida.

O projecto ocidental dá resposta ao sentido da vida na universalidade da dignidade humana. As instituições e sociedades poderão morrer mas a ideia da dignidade humana não morrerá. O hindu Mahatma Gandhi, que conhecia bem o induísmo, o budismo e o cristianismo, constatava: “Cristo é a maior fonte de força espiritual que a humanidade conheceu.”

A mundivisão que tornou a Europa grande, no concerto das nações, deixou de estar presente na consciência pública actual devido ao jacobinismo ideológico.

Joachim Gauck, presidente de uma república descongestionada como é a alemã, não tem vergonha de testemunhar, na força do cargo que ocupa: “A política precisa de pessoas que acreditam em algo que é maior do que elas mesmas. Precisa de pessoas que têm uma atitude e a defendem com coragem. Precisa de personalidades convictas e, deste modo convincentes, como as que, para o nosso bem, vieram do ambiente cristão e do compromisso cristão”… „Sem cristãos este país seria diferente na política e na sociedade!… Acções e decisões políticas encontram, na Doutrina Social católica, padrões confiáveis da fé “. Um presidente da república portuguesa ou francesa nunca diria tal, por jacobinismo político ou, possivelmente, porque não teria razão para o dizer!

Cristo transcende todo o ser e permanece para sempre um desafio para toda a política e para todo o cidadão.
António da Cunha Duarte Justo
Teólogo
www.antonio-justo.eu

(1) A França é o exemplo de um estado laico puro enquanto a Alemanha, tendo também ela a divisão de poderes de estado e religião, age em parceria com a religião em sectores sociais, o que facilita uma vida social mais harmoniosa e o melhor aproveitamento de recursos humanos e económicos. Os estados da França e de Portugal são mais orientados pela ideologia republicana exacerbada, enquanto, na Alemanha, domina o compromisso social que deu origem à economia social de mercado e ao milagre económico alemão.
(2) O neo-marxismo e o neocapitalismo tornaram-se duas ideologias irmanadas, que seguem uma estratégia de ocupação da administração pública e dos lugares centrais do saber, da política, da economia, dos Media e da arte. Sob a aura da arte escondem-se interesses ideológicos vestidos com o talar da inocência e da individualidade. O marxismo (comunismo) surgiu das necessidades da época, revelando-se então oportuno no sentido de consciencializar e organizar o operariado que era vítima da revolução industrial nascente (1760 – 1820). Hoje expressa-se como corrector da ideologia económica vigente continuando a deixar-se reduzir a uma perspectiva das redes económico-sociais da polis. Em nome do progresso usam como subterfúgio o ataque ao conservadorismo; em nome dessa luta pretendem irradiar o catolicismo que defende valores e direitos humanos individuais inalienáveis A Europa no seu processo de secularização conseguiu secularizar muitos dos valores cristãos. “Liberdade, igualdade, fraternidade” colocados sob a autoridade suprema da razão e da lei do estado, são a consequência lógica da liberdade, irmandade e igualdade dos filhos de Deus, propagada pela religião a nível individual e da comunidade. A aculturação de valores sublimes processa-se ao longo dos séculos.

PS: Este texto encontrar-se-á num livro a publicar.