DO DISCURSO EMOCINAL CONTRA O DISCURSO RACIONAL

Na Controvérsia entre Acontecimentos e Factos alternativos esvai-se a Verdade

Os peritos da rectórica descobriram que, para se levar o cidadão a fazer o que se pretende dele, se torna mais eficiente o uso do discurso/notícia emocional do que o uso do discurso racional argumentativo. Um discurso mais objectivo deveria manter o equilíbrio entre os factores racionais e emocionais na abordagem de factos, mas, ao contrário disso, cria-se na opinião pública um desequilíbrio propositado ao dar-se a precedência à notícia/discurso emocional com a finalidade de criar proselitismo.

Como as expressões/notícias emocionais são contagiosas, a prática política discursiva cada vez faz mais uso delas por terem um efeito espiral nos públicos.

Outras análises científicas chegaram à conclusão que se torna até “racional usar as emoções como meios de comunicação política porque estas favorecem processos de deliberação” (1). Esta tática política é de observar nos métodos empregados nos discursos dos políticos e dos Media em relação à informação sobre a pandemia e a Ucrânia onde se procura motivar as populações a apoiarem todas as medidas políticas tomadas ou a tomar.

Um discurso “emocional” tenta, em geral, apresentar o facto ou descrever a situação de maneira a obter-se um juízo de valor que leve o grupo ou a colectividade a aceitar o transmitido como se fosse norma moral ou social.  Omite abordar o porquê dos factos para convencer com imagens ou informações no sentido pretendido; recorre-se além disso a uma informação selectiva apresentando, do adversário, só o que o prejudica. Abusa-se da carga emotiva de maneira a envolver a audiência para assim se obter um efeito persuasivo emotivo no sentido positivo ou negativo.

Ao contrário, o discurso racional assenta num diálogo argumentativo em que se discute a validade de afirmações e a legitimidade das normas discutidas. Na arena pública cada vez se observa mais como característica do discurso político já não o racional, mas o da emocionalização; a emocionalização e a desinibição do vocabulário são ainda mais notórias nas redes sociais.

Por toda a Europa se observa, na generalidade dos políticos e dos meios de comunicação do sistema, uma atitude que envergonharia qualquer exigência de seriedade intelectual. Chegou-se a uma prática discursiva desenvergonhada com base no maquiavelismo de que os fins justificam os meios e como tal utilitarista para uma das partes e ao mesmo tempo grosseira. Neste sentido é de observar uma lamentável aproximação dos discursos, do populismo dos de cima ao populismo dos de baixo! A política tem verificado que é mais simples e proveitoso mover a emoção do que a razão. Temos assim um discurso cada vez mais maniqueísta e assalariado sobre realidades reduzidas a preto e branco, o que é uma expressão sintomática da entropia em que estamos envolvidos e do autoritarismo para que caminhamos. Os discursos público e político estão virados para o uso e abuso cínico das emoções não tendo respeito pelos destinatários nem pelos conteúdos a transmitir.

O filósofo Roger Garaudy, no seu livro “Rumo a uma guerra Santa?” diz: “Sócrates já observava que entre os doces de um confeiteiro e os remédios de um médico, não há dúvida quanto à escolha das crianças. Mas os senhores do espectáculo não se contentam em considerar seus espectadores como crianças. Um mestre na manipulação das almas, Adolf Hitler, dizia: “diante de uma plateia, para conseguir adesão, viso o mais estúpido e, nele, o que existe de mais baixo: as glândulas lacrimais ou sexuais… E ganho sempre. À minoria crítica, cuido dela de outra maneira”.

A Europa encontra-se no mau caminho! O discurso político atual assumiu o papel de condutor cego alheado e alienante! E o mais trágico é constatar-se que as populações devido a um complexo de inferioridade não veem ou não se atrevem a dizer que os “reis” que nos governam vão nus!

Michel Foucault e Jean-Francois Lyotard (2) constatam que não existem factos incontroversos, empiricamente provados. Pelo contrário, os factos são apenas interpretações de certos acontecimentos ou casos que também podem ser interpretados de forma diferente, ou alternativamente.

O difícil da questão está em verificar se uma interpretação ou narrativa considerada verdadeira está inserida na grande narrativa ou acontecimento. Não se trata, portanto, de reduzir todas as interpretações a meras narrativas porque cairíamos num relativismo absoluto que se tornaria impeditivo de vida e de desenvolvimento, e contradiria toda a ordem natural da criação.

Os predadores da cultura europeia, consciente ou inconscientemente, querem destruir tudo o que possa levar à procura ou aceitação da verdade, isto é, têm relutância em aceitar algo que justifique um sentido ou ordenação da parte num todo; por isso combatem tudo o que seja símbolo ou expressão de uma ordem: Deus, a Verdade, família, cristianismo, instituição, pátria; transformam objeções à regra ou falhas institucionais em elementos fundamentais das mesmas para as poderem desautorizar e assim estabelecer o caos! Cada ordem implica um viver em relação e, consequentemente, ter a percepção da realidade não só na parte, mas também no seu todo.

Isto pressupõe a consciência do alinhamento dos elementos e suas relações entre si no sentido de criar identidades individuais e comunitárias (orgânicas) de modo a gerar unidade e consistência entre elas tal como acontece na ordem gramatical em que se passa da morfologia às sintaxes.

Na filosofia para se criar ordens de ideias parte-se do alinhamento de princípios e na ordem social pública necessitam-se regras/leis e normas. Os padrões habituais simplificam a vida ordeira, mas as excepções a eles promovem novos filões de pensamento.

Costuma dizer-se que a verdade é o julgamento em que o objecto corresponde à ideia dele ou quando as teses ou crenças dentro de um sistema se apoiam umas às outras de maneira coerente.

Não chegam as próprias narrativas da realidade é preciso reconhecê-las integradas num texto ou contexto. O contexto aproxima-nos mais da realidade/verdade. Doutro modo poderemos ter muito conhecimento sobre o artigo ou sobre o substantivo sem chegar a descobrir que o mais importante é o verbo em torno do qual podemos ordenar o resto. Na nossa época devido à exuberância do eu, à acentuação do ego, somos tentados a tornarmo-nos só verbo e como tal sem frase, sem comunidade que nos dê prospecção e sentido. De facto, fazemos parte de um todo tendo, por natureza, de nos integrar numa comunidade ou instituição (habitat)  reconhecendo o princípio da complementaridade que nos une e leva a aceitar o condicionalismo de pertencermos a uma comunidade real não ideal que, embora limitada, nos proporciona poder viver à nossa maneira. Para tal pressupõe-se uma atitude de humildade que nos leva a aceitar não se ser o umbigo da criação nem julgar a instituição ou a comunidade como mera projeção dos próprios ideais. Na relação dos membros no seu habitat, religioso, político, familiar ou económico (independentemente de suas carências) há que aceitar viver e integrar-se para, a partir de dentro, o poder desenvolver! Então sentimo-nos parte da frase ou do texto na consciência de que este é constituído por elementos diferentes que lhe possibilitam sentido.  O artigo, o substantivo, a preposição, a conjunção, o verbo, considerados isolados em si mesmos, perdem o seu sentido que é ser elemento vivo da frase ou do texto, seja ele gramatical, social, político ou religioso.

Nesta atitude não sermos levados e perder-nos seja na via do discurso esquerdista ou na via do discurso conservador identitário e se nos descobrirmos num deles reconhecemos que são vias completárias. Nem os ricos nem os pobres, nem os governantes nem os súbditos, nem os religiosos nem os ateus, nem os do Norte nem os do sul global se encontram do lado errado. Errado é o caminho que não nos leva a unir-nos nem a sermos fraternais e solidários! Há portante que reconhecer que somos todos desiguais e que todos os factos podem ter alternativa!

Temos que nos arredar da política da inconformidade e da inimizade para aprender a partilhar o mundo entre todos.

No meio de toda a discussão haverá que compreender por que é que os sentimentos nos motivam a agir, mas para tal também compreender o que está por trás dos sentimentos e qual a razão que nos leva a reagir como reagimos ou a sentirmos como sentimos. Só então estaríamos preparados para elaborar decisões com um fundo racional (mental que ilumina) e um fundo emocional que motiva a agir de modo adequado e equilibrado.

Doutro modo, na controvérsia de acontecimentos e factos alternativos esvai-se a Verdade para ficar a dúvida ao serviço do engano.

António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo

Pegadas do Tempo

(1) Sabine Döring (2009), Philosophie der Gefühle

(2) https://www.deutschlandfunk.de/eine-kulturgeschichte-alternativer-fakten-wahrheit-oder-100.html

A ARTE DA SUBORDINAÇÃO

O filósofo Roger Garaudy, no seu livro “Rumo a uma guerra Santa?” diz: “Sócrates já observava que entre os doces de um confeiteiro e os remédios de um médico, não há dúvida quanto à escolha das crianças. Mas os senhores do espectáculo não se contentam em considerar seus espectadores como crianças. Um mestre na manipulação das almas, Adolf Hitler, dizia: “diante de uma plateia, para conseguir adesão, viso o mais estúpido e, nele, o que existe de mais baixo: as glândulas lacrimais ou sexuais… E ganho sempre. À minoria crítica, cuido dela de outra maneira”.

Quando era ainda pequenito e fazia alguma pergunta mais esquisita ou intrincada a minha mãe, por vezes, ela respondia-me: “a curiosidade é filha da ignorância”!  Não contente com a resposta, dirigia-me depois a meu pai na certeza de que ele me confirmaria que a curiosidade é mãe da sabedoria!

Compreendo hoje que o senso crítico era assim já cuidado na medida em que não é suficiente contentar-se com uma só resposta. O importante é perguntar e para não ser embaraçado e para aprofundar o diálogo não será pior responder a uma pergunta com nova pergunta como fazem, muitas vezes, os jesuítas!

Não chega a satisfação do espírito subordinado a uma resposta é importante manter o cérebro vivo da criança curiosa e atenta!

O importante não era a resposta que procurava de minha mãe ou de meu pai mas a caminhada que me levava a eles!

Como pensar mete medo a quem manda torna-se importante aprender a pensar para que seja o pensamento humano a mandar! O pensamento tornar-se-ia no melhor meio de chegarmos todos à compreensão porque o saber não tem limites e muitas coisas permanecem ocultas ao nosso saber!

Se não fosse a alma não haveria perguntas, bastaria o pasto; mas na crítica como na pergunta interessante é procurar descobrir-me a mim mesmo!

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

NOSSO TEMPO RETRATADO

De facto, como bem descreve Vila Verde, parece vivermos na armadilha de uma complicação armada:

“Vivemos numa época complicada. Querem que os padres se casem e que os casais se divorciem. Querem que os héteros se juntem sem casar e os homossexuais se casem. Querem que as mulheres se vistam como homens e os homens como as mulheres. Não há vagas para os doentes nos hospitais, mas há incentivos e patrocínio para quem quer fazer mudança de sexo. Ser a favor da religião é ditadura, mas urinar em cima de crucifixos é liberdade de expressão. Se isso não for o Fim dos Tempos, deve ser um ensaio.” Gabriel Vila Verde

Em tempos de crise, é utilizada a complicação que justifica a proliferação de armadilhas e armaduras. Tudo anda distraído, apressado; tudo se perde em si mesmo, tudo vai vivendo dos sons que vêm do andar da mente, sem descobrir a ressonância da caridade para aqueles que vivem mais perto da vida!

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

DOIS MUNDOS APROXIMAM-SE NA DIVISÃO!

Biden está de visita a Israel e à Arábia Saudita: naturalmente, entre a missão de paz e a traição dos direitos humanos.

O novo pragmatismo substitui objetores de consciência que passaram a ser de ontem!

Na próxima terça-feira (19.07), Putin encontrar-se-á com o presidente iraniano Ibrahim Raissi e com o presidente turco Recep Tayyip Erdogan em Teerão  para conversações sobre a guerra na Síria. Um outro negócio!…

Os Estados Unidos já informaram que o Irão queria entregar centenas de drones à Rússia. Alguns dos drones também com capacidade para armas….

Desta forma, o regime dos mullahs tornar-se-ia o aliado mais leal de Moscovo.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

ABORTO UM DIREITO FUNDAMENAL NUM DIREITO TORTO

O Parlamento europeu aprovou uma resolução que pretende ver  o “direito ao aborto” incluído na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. O resultado da votação de 7.07.2022 foi 324 votos a favor e 155 contra.

Embora um direito não implique obrigação, nem   dever, o direito ao aborto elevado a direito fundamental, em termos  de Estado, implica o enfraquecimento de outros direitos fundamentais e é uma posição contra a vida que, no meu entender, deveria ser considerada o direito dos direitos!

Que uma pessoa grávida, no seu foro individual, tenha o direito de decisão em consciência é um assunto,  mas que para a sociedade o direito à vida da criança por nascer seja indiferente e o aborto consagrado como direito fundamental, torna-se desumano e antissocial ; que se proteja a saúde e os direitos das mulheres é importantíssimo mas ao questionar-se o direito da criança à vida concede-se aos Estados direitos que não lhes pertencem; já tivemos o exemplo disso nas leis e práticas nazis.

É um sinal de decadência quando parlamentos se tornam palcos de guerra de trincheiras ideológicas e pior ainda quando isso surge como reacção à legislação antiaborto dos EUA. O importante não é querer criminalizar o aborto, mas a defesa do direito fundamental da vida (da criança)!

É verdade que a resolução parlamentar não se torna facilmente vinculativa a nível jurídico, porque para isso os Estados-Membros da UE teriam de ser unânimes em aceitar tal lei. Além do mais, um tal direito fundamental põe em risco a reforma dos tratados da EU. Por estas e por outras, os países mais fortes da EU querem revogar na carta da União Europeia o direito de veto a países pequenos. Como se assiste na discussão política de países fortes como a Alemanha e a França, o direito dos mais fortes encontra-se em vias de validação na UE.

A Conferência episcopal alemã declarou que o direito ao aborto “desconsidera completamente a proteção da vida do nascituro e de forma alguma faz justiça à complexidade da situação”(1).

Sobre o assunto ainda: “Dignidade humana e direito à vida” em https://bomdia.eu/dignidade-humana-e-direito-a-vida/  e “Na Época das Contradições o Contrário torna-se habitual”: https://antonio-justo.eu/?p=7021

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

(1) https://www.kirche-und-leben.de/artikel/abtreibung-als-grundrecht-kirche-ruegt-resolution-des-eu-parlaments