MEC brasileiro pretende acabar com a obrigatoriedade da Literatura portuguesa: de Cavalo para Burro?
Por António Justo
Quem tocar na língua deve fazê-lo com respeito e de forma moderada porque ela é a alma da cultura, a água límpida que dá forma mais ou menos física à cultura de um povo. O Português não é só forma e meio de expressão de um povo, de uma região, de um país ou de um continente, ele é a alma e a expressão sublime de muitos e nobres povos que formam uma civilização intercultural interoceânica e intercontinental – é um idioma onde os diferentes génios de povos se miscigenam no sentido da evolução cultural e civilizacional. Seria ofensor do Português querer vê-lo reduzido a um lago ou país, ou mesmo a um mar ou continente, quando integra nele a experiência de vida dos diferentes continentes, sendo ele um mar aberto de águas interoceânicas.
Constituiria um acto de infidelidade e falta de brio, uma falta de autoconsciência querer apoucar-se o Português a uma terra maninha ou baldio incultivo, querê-lo uma árvore sem raízes ou reduzi-lo a simples coutada de alguém. O Português, como a água tanto rega os baixios da favela como os lugares altos do país e da civilização. No seu todo é que a língua é grandiosa, na rica expressão multiforme e na sua capacidade de diferenciação. O português não é de Portugal nem do Brasil; ele é teu e meu, é de todos, como o céu é das aves onde todas voam e se encantam. O português quando ouvido lembra diferentes melodias de variadas intonações. Ele é como a terra mais virgem ou mais elaborada, uma intercultura a proteger-se tal como uma terra indígena a defender-se.
A notícia de que “A Literatura portuguesa deixa de ser obrigatória no Brasil” (1) deixou-me perplexo e desiludido tal como a mutilação da língua, no que toca ao acordo ortográfico.
Defraudadores da Língua roubam as penas aos pequeninos e ao pensamento
Na minha qualidade de docente, divertia-me quando ensinava o Português aos distraídos que o queriam simples e imediato mas entristecia-me de sobremaneira quando, ao ensiná-lo no secundário e na universidade (de Kassel), onde estudantes já com capacidade de diferenciação se viam confrontados com os nossos gramáticos simplicistas que o empobreciam, ao roubar-lhe a segunda pessoa do singular e do plural (o tu e o vós) como se fossemos crianças que só compreendessem o “eu” e o “você”. Esta falta originava uma certa confusão a estudantes habituados a línguas de alta diferenciação em que se usam normalmente todos os pronomes pessoais (Eu, Tu, Ele/Ela, você, a gente, Nós, Vós, Eles/Elas, vocês). Contra a corrente simplicista em voga, implementada por ideologias proletárias, optei por elaborar a minha sebenta onde colocava todos os pronomes de expressão diferenciada e distinta. Via-o também como uma ferramenta de trabalho – uma possibilitação de oportunidades – tanto para futuros pedreiros como para futuros advogados. Tratava-se de dar as mesmas armas a beneficiados e desfavorecidos da vida para, uns e outros poderem combater pela vida fora com as mesmas armas e não apenas com as que a sorte ou a oportunidade lhes deixou.
A vida é luta e é desigual e quem apregoa uma igualdade sem esforço e gratuita ou é mentiroso ou é oportunista. Quem pretende libertar as massas do destino terá de lhes proporcionar o instrumentário e a vontade de o fazer! Ou queremos manter uma sociedade em que ao ouvir as pessoas falar se fique logo com a ideia da sua proveniência como acontecia antigamente ao olhar-se-lhes para os dentes? Quem, politicamente, tem só facilidades ou facilitações para oferecer, sem apontar o preço que se tem que pagar por elas, não é sério porque aposta na lei da inércia e no oportunismo que ela proporciona às aves de rapina!
As questões da língua não podem ser deixadas nas mãos de políticos feitos mais para as coisas grossas do que para as finas. A ideologia de alguns, no zelo do seu preconceito, chega a tal disfarce de dizer que o emprego do „vós“ é próprio da igreja, (de quem aprendeu latim e grego) como se, só padres, advogados ou médicos tivessem uma tal capacidade de discernimento e distinção! Aqui faria um apelo aos irmãos seguidores do soberbo Marquês de Pombal e ao proletariado intelectual de esquerda: não se virem também contra a igreja católica que no seu processo de aculturação e inculturação aprendeu a honrar e a respeitar a cultura seja ela a dos cedros do Líbano ou a dos pinheiritos raquíticos fustigados pelo vento salgado. Faz-me tanta dor ver que tanta esquerda irmã a combater Cristo pelo facto de ele se colocar ao lado dos pequeninos mas não com os mesmos meios, os meios activistas de Judas. Demo-nos as mãos; juntos certamente conseguiríamos tirar os irmãos das favelas; separados continuaremos a servir a dois senhores!
Que o povo simples se expresse como sabe e como pode, não é mal, o que é de lamentar é que já na escola se lhe cortem as asas dando-lhe apenas asas de pardal quando precisariam das de águia para subir mais alto. Este é o grande engano e a mentira declarada de uma esquerda radical que só alimenta o proletariado com ideologia não lhe facultando boas asas para que o proletariado não só possa voar mas para que tenha também a possibilidade de voar alto e assim notar que só das alturas se consegue ter a perspectiva de reconhecer quem explora económica e ideologicamente. É natural que uma sociedade de modelo soviético só precisaria do proletariado almeida e de uma pequeno grupo de águias – troica- que os governe e que um capitalismo liberal precise só de braços ou de mentes bem podadas para melhor produzir porque a capacidade de pensar só estorva.
Defraudadores da Língua portuguesa, porque roubais as penas aos passarinhos e ao pensamento? Não notais que, as asas com que voais, as não dais à passarada que em baixo esvoaça em volta dos trigais para que não possa voar nem subir mais? (Se escreverem um texto como este último parágrafo – que de propósito escrevi na segunda pessoa do plural – num computador com programa corrector de ortografia, logo notarão que as segundas pessoas verbais aparecerão assinalados como erro e com a indicação de se corrigir para a terceira pessoa! A pobreza de espírito e a entropia já chegaram a tal ponto de fazer uso da tecnologia para nos passar a ferro e embrutecer).
Uma Ideia de emancipação masculinizada, ao seguir o fluxo de um populismo barato, exige que, em questões de língua e de educação, se ande de cavalo para burro. O maior passo nesse sentido deu-se já no processo da regressão com o “Acordo Ortográfico” de 1990 (2). Quer-se uma reforma para favorecer ideologias e uma economia ligada ao comércio da cultura e a monopolistas e a um MEC a querer ter melhores satisfatórios nos meios analfabetos… Cultura não se pode adquirir com tarifa zero nem com ideologias de trazer por casa que passam como as nuvens em tempos fortes de altas e baixas pressões.
Ai dos Vencidos!
Como pode um país jovem e promissor, como o Brasil, seguir servilmente ideologias niilistas e marcadamente de extrema-esquerda que são o produto importado de um estado ocidental decadente e senil? Não notam que em cada fase do desenvolvimento seja de uma pessoa ou da história de uma sociedade, a cada fase corresponde uma diferente acção, pedagogia e ética? Esta Europa que já foi jovem e adulta e agora vai passando a vidinha já não tanto com base no trabalho mas nos serviços e na ideologia não pode ser norma para países jovens que passam a ser mais prejudicados pelo jugo novo do que pelo antigo. Como não nota a classe média de um país jovem que muitos dos seus impulsionadores só seguem atrás de um progresso que os não serve, apenas os adia e leva a empatar o melhor do seu tempo em copiar sem adaptar, no seguimento dos arrotes de ideias e de ideologias que são característica do espreguiçar-se de civilizações na sua fase velha e não do seu início? Não notam que consomem não só os produtos ocidentais mas, o que é mais grave ainda, também consomem as suas ideias de plástico, sem serem vivificadas nem sequer aferidas? Não notam que colonizam em nome da contra-colonização? Não notam que onde chega uma mentalidade decadente, fruto do Ocidente, ao ser importada pelos países emergentes, estes se destroem a si mesmos com novas doenças não só físicas como também intelectuais, tornando-se cada vez mais dependentes? Não notam que as instituições que exigem saber, disciplina e rigor para os seus empregados apregoam o simplicismo e o à-vontade para um vulgo que querem inerte e disponível? Uma nação faz-se pelo trabalho, pela qualidade da formação e por uma vontade determinada de ser, como mostraram e demonstram os judeus, como mostraram os portugueses, como mostrou a civilização ocidental quando se orientava por ideais universais e não apenas por objectivos económicos, quando a classe média se sentia responsabilizada e não se deixava levar em conversa fiada como querem as novas burguesias intelectuais citadinas e os novos ricos.
Ensino de literatura lusófona para todos os Países de língua lusófona
Entre os países lusófonos deveria haver um contracto interestadual em que cada Estado lusófono se comprometesse a incluir e implementar, nos seus programas e currículos escolares, literatura de todos os estados lusófonos. Urge fortalecer intelectualmente uma camada média consciente e capaz, com um ensino exigente, porque desta é que vem a massa crítica que corrige, desenvolve e equilibra os exageros dos extremos. Urge que, todas as organizações empenhadas na lusofonia façam valer as suas influências perante os países lusófonos no sentido de ser implementado o intercâmbio cultural e o ensino da literatura lusófona já a nível de escolas secundárias.
Como pode haver um estudo sério do português na escolarização sem o estudo de linguística e da história da literatura do português desde as suas origens? É mais que óbvio o estudo do seu desenvolvimento desde o latim vulgar e latim erudito ao português arcaico, galaico-português, Gil Vicente, ao português moderno de Luís Vaz de Camões, António Vieira, Fernando Pessoa e o seu desembocar nos diferentes sistemas literários de cada país lusófono, como, em relação ao Brasil, com um Machado de Assis, Drummond, Cecília Meireles, Jorge Amado, etc.
A política de língua seja ela no Brasil, Angola, Moçambique, etc. terá naturalmente que implementar o estudo das línguas indígenas, mantendo, no interesse da identidade nacional, uma incidência especial no português falado como o idioma nacional oficial.
Conclusão – Fernando Pessoa é o Protótipo do homo lusófono
Uma mentalidade bárbara procura, em nome de um capitalismo avassalador, de um socialismo aplanador e de uma emancipação masculinizante, acabar com as próprias raízes e origens no desprezo pela mãe latina, como se uma sociedade se pudesse manter viva contentando-se com o ir à prostituta, ou negar nela as virtudes e os defeitos que tornaram povos pequenos grandes. Quem faz das origens um borrão e acaba com as referências históricas, retrocede em vez de evoluir. Não é justo querer funcionalizar o povo indefeso e distraído no sentido de ser apenas braços, estômago e abdómen. Nesta fase social da História quem não defende uma classe média forte e consciente atraiçoa o povo. As nomenclaturas das ideologias e da economia trabalham a grande pedalada para que toda a sociedade se torne dependente de uma pequeníssima elite com o monopólio da influência cultural e económica. Por isso atacam tudo o que lhes oferece resistência seja o cristianismo, seja uma camada média resistente ou seja o sindicalismo. Querem transformar a democracia numa democratura. Na Alemanha os sindicatos e a Igreja já colaboram em acções comuns numa tentativa de impedirem a arrogância política e económica que se encontram cada vez mais de braço dado.
Verifica-se que, em todos os governos, onde a esquerda assume o governo logo procura, à maneira jacobina, influenciar determinantemente o sistema de educação e, quando em governos de coligação, segue a estratégia de assumir as pastas da cultura e do ensino, seus meios privilegiados para garantir a sustentabilidade da influência. A influência e o domínio social que o capitalismo adquire com a economia são adquiridos pelo socialismo através da cultura: Formam um par unido na exploração humana. Naturalmente esta estratégia não é de condenar. O que é de condenar é a atitude descomprometida de conservadores que por preguiça ou favorecimento da natureza se vejam apoiados sem necessidade de se empenharem.
Uma política redutora e nacionalista não pode ter a pretensão de querer inventar a roda de novo, nem tão-pouco, com a desculpa do colonialismo e da opressão externa, justificar uma colonialização ideológica interna que possa vir a alimentar o alarde de novas ideias de gene colonizadora. As grandes nações criam-se em torno do trabalho, do estudo e de uma vontade guiada por um sentido comum. Fernando Pessoa é o Protótipo do homo lusófono. Fernando Pessoa reúne e resume nele a grandeza de alma da pessoa lusófona.
A língua lusa é a pátria de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Macau, Moçambique, Portugal, Timor-Leste, de São Tomé e Príncipe e de tantas comunidades falantes do português, espalhadas por todo o mundo. A língua lusa é aquela alma que nos torna a todos irmãos. Fernando pessoa, aquele génio de personalidade lusa migrante, que reuniu numa só pessoa o contraditório e os opostos, é o melhor protótipo do lusófono; na diversidade e integração dos seus heterónomos viveu e reviveu a grandeza e multiplicidade dos povos da lusofonia que o fez exclamar, também da perspectiva geográfica horoscópica, com amor e devoção: “A minha pátria é a língua Portuguesa”!
António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo www.antonio-justo.eu