E POR QUE NÃO FAZERMOS PERGUNTAS À MANEIRA DE SÓCRATES?!

Erich Kästner dá um Exemplo

Tenho lido Erich Kästner (Escritor alemão) e gostado muito da sua linguagem! Apresento aqui um exemplo da sua maneira simples de chegar às pessoas!

Com o título “À maneira de Sócrates”, Erich Kästner quer-nos chamar a atenção para lermos o seu epigrama na atitude filosófica de Sócrates (processo maiêutico/Técnica de parteira) que, em diálogo, através de perguntas seguidas de perguntas – sem responder à pergunta – leva o interlocutor a descobrir a resposta que se encontra nele mesmo!

“À MANEIRA DE SÓCRATES

É mesmo assim: É das perguntas,

a partir das quais se levanta o que resta.

Pense na pergunta daquela criança:

“O que faz o vento quando não sopra?” Erich Kästner

Na pergunta da criança Kästner quer certamente questionar a nossa arrogância de se querer ter já na gaveta uma resposta ou solução para tudo.

Certamente haverá perguntas que ao darmos-lhes resposta só mostramos nelas as pegadas do nosso espírito!

Na realidade nas perguntas da criança questiona-se o saber aparente (ignorância) dos adultos que se dão por satisfeitos com uma resposta, ficando-se também aí pelo estado do não saber!

Sócrates com a exigência primeira do “conhece-te a ti mesmo” para poderes tentar conhecer o mundo acaba por responder ao oráculo que o considerava o maior sábio da Grécia dando-lhe a resposta: “só sei que nada sei”? A base da busca será saber que nada se sabe porque a certeza absoluta será questionável!

A saída do dilema do não saber será de encontrar não fora, mas na resposta pessoal ou personalizada por nós mesmos ao criamos a realidade. Poderá ser o vento explicado só com o movimento do ar?!!! De facto, para nos podermos acercar do assunto da resposta teríamos de ir fazendo perguntas e até chegarmos a ultrapassar a complexidade da meteorologia e sua dependência da astronomia!

MAIS UMA PERGUNTA DE KÄSTNER
“ Uma questão de coragem
Quem se atreve
Quem se atreve a enfrentar os comboios trovejantes?
As pequenas flores
entre as travessas de caminho-de-ferro!”
Erich Kästner
Uma possível interpretação da mensagem poderia ser: De facto, quem tem de assumir o risco dos poderosos que passam no seu caminho é sempre o mais simples (o povo) que por natureza da sua insignificância não estorva e como tal também não assume risco! Não há heróis! Os mais fortes combatem-se uns aos outros na esperança de terem o povo atrás deles!

 

António CD Justo

“Pegadas do Tempo”

A RESPEITO DA NOSSA CULTURA E DO NOSSO PENSAR POLITICAMENTE CORRECTO

PALAVRA DO DIA

Jeremias compara-nos a um cavalo que corre de ânimo leve para o abate e questiona-se se poderemos considerar isso a sabedoria com que geralmente nos enfeitamos!

Individual e socialmente andamos por caminhos tortuosos sem nos questionarmos do sentido que seguimos individual e culturalmente. A derrota do Ocidente no Afeganistão é um pequeno aviso ao sentido da nossa jornada.

Nos jogos olímpicos em Tóquio, um cavalo de desporto, apesar dos golpes que recebeu, recusou-se a seguir a vontade da sua cavaleira. Um bom exemplo para o mundo!

Nós somos golpeados e continuamos a correr para a batalha como se fôssemos para uma festa!

Bom Domingo

Passo ao Texto de Jeremias:

“Eu ouvi com atenção,
mas eles não dizem o que é certo.
Ninguém se arrepende de sua maldade
e diz: ‘O que é que eu fiz?’
Cada um se desvia
e segue seu próprio curso,
como um cavalo que se lança
com ímpeto na batalha.
Até a cegonha no céu
conhece as estações
que lhe estão determinadas,
e a pomba, a andorinha e o tordo
observam a época de sua migração.
Mas o meu povo não conhece
as exigências do Senhor.

 “Como vocês podem dizer:
‘Somos sábios,
pois temos a lei do Senhor’,
quando na verdade
a pena mentirosa dos escribas
a transformou em mentira?”

Jeremias 8:6-8

António CD Justo

Pegadas do Tempo

DIMINUIÇÃO DA POPULAÇÃO MUNDIAL A PARTIR DE 2060

Portugal verá a população reduzida a metade

Segundo um estudo do Institute for Health Metrics and Evaluation (IHME) da universidade de Washington, publicado no mês passado, prevê-se que o número de pessoas na Terra atingirá um pico de 9,7 mil milhões até 2064 (1).

 Daí até ao final do século, a população diminuirá para 8,8 mil milhões.  Este processo será de observar em 183 dos 195 países existentes no mundo. Em 23 países a população reduzir-se-á para metade.

 Conforme o Estudo, Portugal, Espanha, Itália poderão ver a população reduzida a mais de metade, enquanto o Brasil verá a população primeiramente crescer para 235 milhões até 2064 e no fim do século diminuída para 135 milhões de habitantes (2) .

 A imigração será um meio para compensar a baixa de natalidade nos 183 países.  Enquanto na Europa se observa a diminuição da  fertilidade e a população está a envelhecer, na África a fertilidade aumenta a grandes passos.

 Segundo o exposto, em África a população duplicará até meados do século e  aumentar três vezes mais até finais do século. Os habitantes de África passarão de 1,03 mil milhões  de pessoas  actualmente para 3,07 mil milhões em 2100.

Na Nigéria 70% da população é jovem e metade dela sem emprego (População da Nigéria era de 206, 1 milhões em 2020 e em 2021 já é de 212,16 milhões).

Numa conferência da ONU em Nairobi, os participantes querem reforçar os direitos das mulheres, a fim de limitar o crescimento da população mundial.

O urbanismo é um dos factores de contribui para a redução da natalidade, como se observa na China.

Isto poderá pressupor um aumento de maior violência na África e também nos países de imigração.

O jihadismo hoje presente em África continuará a ser um factor relevante de aumento das tensões sociais devido ao expansionismo aguerrido da cultura árabe.

 O conceito de superpopulação é muitas vezes usado para abusos (biologismo)  e como desconsideração do humano e, por isso, é considerado por alguns como desumano. A Terra não se encontra esgotada; os problemas sociais, económicos e ecológicos devem-se a erros políticos e à má distribuição dos recursos do planeta.

António CD Justo

Pegadas do Tempo

 

EU SOU O QUE SOU MAIS AQUILO QUE FAZEM DE MIM

Da Relação e do Relacionamento à Fórmula trinitária como Modelo da Vida

Por António Justo

Hoje gostaria de reflectir convosco a um nível mais profundo de imagens para lá dos bastidores dos preconceitos que nos asseiam e rodeiam.

Paremos um pouco para mastigarmos as nossas palavras e ideias e assim nos deixarmos envolver num mundo de imagens, sensações e analogias que nos levem a intuir algo para lá do discurso do dia a dia e podermos, assim,  entrar numa dimensão, que não se limite à linearidade causal do discurso. Para isso não tropecemos em palavras e deixemo-nos guiar pelas imagens e sensações que em nós surjam (Donde vêm as imagens e os estímulos não será relevante, doutro modo tropeçaríamos no preconceito comum de as materializar e qualificar de diabólicas ou divinas, antes de elas assumirem a propriedade de “pré-conceitos”!) Não se trata aqui de alinhar num sentido ou noutro, mas apenas de sentir a satisfação da ressonância e do eco das palavras e ideias ao serem escritas ou lidas (1). Relevante será descobrir o eco individual e reconhecer, nele, a própria palavra criadora a repercutir-se em novos ecos!

Somos feitos de palavra/informação genética biológico-cultural em processo de contínuas formatações. “No princípio era a Palavra, a Informação” e a Palavra que é autêntica encarna, é fecundante, gera vida, como podemos ver no prólogo do evangelho de João. Através da Palavra, Deus iniciou a criação e através da palavra o humano recria-se a si mesmo e cria o mundo que o envolve, entrando em relação e diálogo com “o outro” na qualidade de pessoa ou de coisa.

Por isso amarro a corda de circo existencial, onde me balanceio, aos extremos do saber e da ignorância. Urge pensar de maneira pessoal e diferente o que a opinião publicada diz e o que a maioria da gente pensa. O pensar normal ou da normalidade serve propriamente os que habitam nos “andares” superiores e ajuda o resto a manter-se na menoridade. Para sairmos do marasmo histórico repetitivo de geração em geração, com as mesmas esperanças e os mesmos repetitivos desenganos, seria de nos pormos a caminho de Deus (um Deus fora do conceito e do preconceito, mas que possibilite o pré-conceito) porque ele é a matriz universal de toda a diferença (e seu sustento no Amor).

Neste contexto seria oportuno fazermos um exercício de limpezas em que nos lavássemos do pó da ignorância, do medo e da culpa. Neste sentido, Jesus diria: desculpo-te, não para olhares para mim, mas para poderes tornar-te realmente tu, para poderes ser livre, como pretende o mistério da salvação.

A palavra pode ser geradora, à imagem do Espírito Santo (manifestação da reciprocidade) que dá forma à relação verdadeira (do “Pai” e do “Filho”). Na palavra vital brilha a luz da existência que leva o humano a um contacto que se expressa em diálogo/encontro (este poderia ser resumido na imagem de uma só chama resultante do encontro de duas velas).  

Todos andamos à procura de sermos nós mesmos mas constatamos que a identidade perfeita não pode ser reduzida ao mero eu (ego) porque este não tem consistência em si mesmo, dado a sua essência ser de natureza comunitária (Eu ao dizer eu, trago a comunidade comigo (“Uno e trino”) e preciso de um tu, para me reconhecer como eu: não posso ser reduzido a uma identidade pensante, mesmo que de natureza espiritual como propunha o grande filósofo Descartes). A palavra (o pensamento) cria a realidade, mas o ser humano é mais do que a realidade que a consciência lhe propõe. Quando digo eu, estou apenas a distanciar-me de um tu ou de um aquilo/isso neutro, de que também necessito para poder subsistir ao tentar de-finir-me. De facto, sem um Tu não pode haver eu (sem Filho não há Pai nem vice-versa). O verdadeiro “lugar do encontro” é a graça, o amor. Na trindade, o nós  seria a divindade comum que se expressa no Paráclito (Amor). O amor é a interacção de corpo e alma e não algo de abstrato como queria Platão; amor encarnado realiza-se no protótipo Jesus Cristo que acaba com a dicotomia corpo e alma querida por Platão. Isso implica a iniciação de uma economia do amor que se torna e possibilita uma matriz amorosa de toda a diferença. Neste sentido será óbvio criar um pensar próprio e de maneira diferente ao que a grande maioria da gente pensa e ao que o sistema vigente recomenda.

A palavra do outro por muito deformada que seja (quando me reduz a coisa, a um isso ou a um aquilo) pode servir como activante, à maneira de fósforo que abre, no eu, um acesso ao fogo do mistério que repousa no mais íntimo do nosso ser. O Pai ao dizer tu, no Filho, não o possui, mas permanece numa relação tão profunda e tão livre que se expressa na terceira pessoa que é o Amor.   A relação de Jesus com o Pai (relação eu-tu) e a relação de Jesus-Cristo com a humanidade (relação eu-mundo) expressam a “existência” de tudo num mistério de relação (produtora de individuação pessoal).

Nas duas relações expressa-se o ser de toda a realidade espiritual e material. O ser e o estar da pessoa no mundo (como no mistério da Trindade, uma pessoa não existe sem a outra e, como tal, para ser verdadeira, terá de ser trinitária, isto é, para ser autêntica terá de acontecer em comunidade; a identidade do “Pai” é impossível sem o “Filho” e os dois subsistem na terceira Espírito Santo). O pai confirma o Filho na sua unicidade e nesta confirmação surge o lugar do encontro dos dois que é o Amor; a Realidade expressa-se como ser em relação (identidade em relação trinitária, revela-se como protótipo da nossa identidade de ser em comunidade). Em Jesus Cristo a realidade abre-se ao vivencial.

Neste contexto penso que o Livro do filósofo Martin Buber, “O Princípio de diálogo Eu e Tu” (Das Dialogische Prinzip Ich und Du) tem muito a ver com a fórmula trinitária (eu-tu-nós) de toda a Realidade, manifestada, de maneira teológica, no mistério da santíssima Trindade.

Quando li este livro, nos meus tempos de estudante, tive a impressão (no eco da minha imaginação) de estar a ler uma abordagem filosófica mas essencial sobre o mistério do Um em três e três em Um, aquele segredo místico que intuía no mistério da relação divina (a trindade que pensava como a fórmula viva de toda a vida e de todo o ser – resumida na relação a acontecer); ela ultrapassa também o dualismo na pessoa de Jesus Cristo, numa relação humano-divina (matéria e espírito) aberta e expandida até ao Cristo Cósmico (termo de Teilhard de Chardin)!

De facto, o que verdadeiramente existe é relação, relação pessoal ou personalizada, o resto é a crosta de que também precisamos para nos expressarmos no estar aqui e experimentarmos sentido na realização do ser. Somos feitos de céu e terra e negar um destes constituintes corresponderia a excluir o outro e na consequência significaria negar-nos a nós próprios (Dito doutra maneira: No texto, que seria do conteúdo sem os signos, as letras-texto? Por mais materiais e inertes que as letras sejam, elas não negam o espírito que encobrem; pelo contrário, possibilitam-no!). Fixar-se apenas numa visão factual seria deixar-se reduzir a texto sem ter consciência do conteúdo ou ideia que ele encobre ou pretende revelar! Aqui nem o preconceito espiritualista nem o preconceito materialista nos leva à frente porque um e outro, na sua unilateralidade, se deixam reduzir a texto (objecto sem conteúdo!)!

Na sua obra (O Princípio dialógico Eu e Tu), donde vou dar relevância a alguns aspectos para entrar numa de meditação, Buber explica que existem basicamente 2 tipos de relações que o ser humano pode ter em si, com o outro e com o seu ambiente. São duas maneiras de ser ou de estar no mundo que podem ser resumidas e expressas pelas palavras básicas “Eu-Tu” (Ich-Du) e “Eu-Isso” (Ich-Es).

Nesse diálogo há a palavra base “Eu-Tu” que estabelece o mundo da relação-encontro e só pode ser usada em relação ao todo (eu e o outro, num certo sentido, um ser em osmose, uma relação apenas para os seres humanos): a verdadeira relação acontece na reciprocidade com o outro. Aí deixa de haver intermediários e interesses, como se depreende da sua afirmação: “Todo o meio é obstáculo. Somente onde todo o meio se desintegrou é que o encontro acontece. Toda a vida real (verdadeira) é encontro”. Sim, porque na realidade, como aprendíamos em teologia, o presente é o que está em acto (kairós): já não espera, só continua…

A outra palavra básica é o par “Eu- Isso” que cria o relacionamento com o mundo da experiência (Eu-Aquilo, quer dizer: Eu e o mundo da experiência; quando digo isso, aquilo, ele, ela, a gente, a relação é indirecta e como tal referida a objectos ou pessoas objectivadas numa “acumulação de informação”).  

De facto, por muito grande que a acumulação da informação possa ser, ela é apenas a parte petrificada (forma) do acontecer em relação (relação eu-coisa, eu-objecto). Todo o mundo experimentado ou explicado passa a acontecer numa relação pessoa-objecto e como tal a ser coisificado (por pensamentos, palavras e obras) e a ganhar sentido a partir do eu. Por outro lado, a verdadeira relação é pessoal e personalizadora, é o universo da relação em acto, em presença (Eu-Tu). Esta seria uma atitude de relação sujeito-sujeito, a outra seria uma relação sujeito objecto; o sujeito ao objectivar passa também a ser objecto, porque se encontra já fora de uma relação integral. Na tentativa de uma compreensão analógica poderíamos ver a relação verdadeira (divina) eu-tu, na concretização existencial humana da relação sexual entre homem e mulher que na sua extravasação amorosa se define a si próprio no reconhecer (encontrar-se como parte do outro num todo) o outro e se recriam de maneira individual pessoal no autodistanciamento que acontece na realização do filho gerado que concretiza a relação integral (eu-tu-nós).

O relacionamento a partir do eu é determinante na medida em que é real, mesmo que o Tu não tenha consciência disso. O meu eu não se deixa reduzir à ideia que um tu faça dele. Daí a intocabilidade da dignidade humana! (Naturalmente esse eu também poderia fatalmente ser constituído sobretudo de texto-pretexto-contexto!)

Deste modo também a palavra Eu passa a ser dupla porque a palavra básica Eu-Tu é diferente da palavra básica Eu-Isso (Aquilo).

A palavra básica Eu-Tu só pode ser falada de maneira integral, com todo o ser (numa relação comunitária) e, como tal, não só com o intelecto; ela é processo relacional (é kairós,  a presença, o momento da relação a acontecer) e como tal não pode ser falada como o é a palavra básica Eu-Isso (Aquilo, Ele, Ela) porque esta não é relacionada ou falada com todo o ser, nem a partir do dentro (ipseidade) do ser e como tal é de caracter narrativo, objectivante.

Na sociedade acontecem diferentes atitudes que se complementam sem se identificarem, e assim andam à volta da relação “eu-isso” (ich-Es) e da relação “eu-tu” (Ich-Du). Aqui vale a pena respirar fundo para intuir o que Buber explica na frase: “com toda serenidade da verdade, ouça: o homem não pode viver sem o Isso, mas aquele que vive somente com o Isso não é homem”.

Em política há uma relação de interdependência de interesses (um viver no isso/aquilo e com o isso/aquilo) que não expressam uma relação eu-tu (esta é deixada para as relações pessoais (Eu-Tu) e, mesmo aqui, toda a pessoas está condicionada a viver também numa relação “eu-isso”). Neste sentido, Buber fala também da relação da evidência linguística que diz respeito à vida com as pessoas onde se pode dar e receber o Tu.

Há também uma via espiritual de relação que em Buber poderia ser descrita como uma vida com seres espirituais. Aqui “a relação/relacionamento está envolta em nuvens, mas revelando-se, sem palavras, mas gerando linguagem (fala)”. Não percebemos, mas “sentimo-nos chamados a responder, formando, pensando, agindo; falamos a palavra (sagrada) básica com o nosso ser sem poder dizer Tu com a nossa boca”. Com esta expressão poderíamos ser levados a intuir a relação trialógica (Trindade) que acima referi porque ao chegarmos a este nível de relação somos já envolvidos no fundo da própria ipseidade, diria, na tela espiritual base de toda a realidade onde tudo se cruza e encontra em reciprocidade (a culminar numa expressão pessoal em comunidade).

Esta é, certamente, a experiência da sarça ardente tida por Moisés no Sinai; Moisés que na incapacidade de transmitir ao povo, por palavras, a experiência (Eu-Tu) tida com Deus, pediu a Deus para gravar as palavras com fogo nas pedras do decálogo (Aqui dá-se a relação eu-isso que o povo poderia então entender). Aquele fogo da sarça ardente, agora a vibrar nas pedras dos mandamentos já não queimava o olhar do povo mas, por outro lado, levava-o a confundir a experiência interior do fogo com as letras da lei, deixando-lhe ao mesmo tempo a possibilidade de, no âmbito individual, poder fazer a sua a leitura própria, porque, de uma certa maneira, transmitida por Deus e não por uma simples interpretação de Moisés. Aqui, a linguagem procura moldar o pensamento de cada pessoa e a realidade do povo como escolhido. Através da palavra e do diálogo, as pessoas percebem o seu mundo de vida e as contradições a ele associadas.    Santos e os profetas procuram através da fala mudar a realidade do mundo, porque à ideia segue-se a acção.   Também a ciência moderna (pesquisadores do Instituto Max Planck) confirma que a língua e o entendimento estão especialmente interligados. A relação eu-tu, eu-isso são a porta de entrada na Realidade e no mundo que nos circunda.

Nesta ambivalência vai vivendo a fé viva e a fé acreditada. Somos chamados a viver a relação íntima eu-tu (Pai-Filho: Relação na reciprocidade) mas sem menosprezar a relação mais superficial eu-coisa (percepção coisificante e também racionalizante a nível de abstração nas ideias), tendo em conta que na nossa existência (nosso estar aqui) a relação eu-coisa são imprescindivelmente necessárias devido ao condicionamento da nossa natureza humana. A relação eu-tu, diria, eu-Deus, é a relação autêntica que nos possibilita um viver nas e para lá das coisas, um viver que parte do ser-se espiritual a passar-se pelos condicionalismos de sermos também matéria a caminho da sua sublimação/realização no âmbito espiritual, como demonstra o protótipo Jesus Cristo. Se não fosse este condicionamento de estarmos a caminho, teríamos ficado no estado primitivo da animalidade antes da metáfora de Adão e Eva, aquele estado em que vivem o chimpanzé e o golfinho!…

Numa relação eu-coisa (isso) pretende-se saber algo sobre o outro e ao saber estamos a coisificá-lo enquanto que numa relação eu-tu, já não há saber sobre algo ou alguém, é tudo a acontecer não sobre, mas com. A vida Real passa a ser encontro: “Entre Eu e Tu não existe conceitualidade, nem presciência, nem imaginação “, como diz Martin Buber.

Uma coisa é o amor e outra são os sentimentos. Diria que estes são como que a vestimenta daquele; são diferentes vestimentas de um só amor, tal como constatamos nas diferentes cores que revestem o arco-íris! O amor é o fogo ardente a acontecer na sarça. Neste processo o sentimento é como que o calor que se tem do fogo, mas o real é o fogo que existe no fundo da nossa ipseidade e é a sua parte essencial: um eterno amor a acontecer, à imagem de um Sol eterno que tudo ilumina e sustenta, também na nossa crusta a ser cultivada.

António CD Justo

Teólogo e Pedagogo

© Pegadas do Tempo,

  • (1)  O importante é o eco que produz o texto para gerar novos ecos já eles distanciados do texto, lembrando um rio que deixa propriamente de o ser ao transformar-se num delta feito de muitos rios individualizados (por diferentes leitores) que com o seu eco próprio provocam a mudança do leito e da geografia! Leia o texto todo sem se preocupar com alguma imperfeição ou incompreensão que encontre a caminho.

O PENSAMENTO POSITIVO ELEVA A SATISFAÇÃO E A QUALIDADE DE VIDA

Quem controla o Pensamento assume o Poder sobre a Vida

António Justo

Os nossos pensamentos são muito poderosos porque produzem a nossa realidade. Eles influenciam os nossos sentimentos que, por sua vez, influenciam as nossas percepções, o nosso comportamento e consequentemente a maneira como reagimos às coisas que nos rodeiam. Nesta perspectiva, nós próprios somos os criadores da nossa realidade através dos pensamentos que determinam as nossas acções (Não era sem motivo que aprendíamos na catequese a examinarmos a nossa consciência a nível de pensamentos, palavras e obras!). Nos anos 60 frequentei um curso de hipnotismo e desde então nunca me esqueci de uma ideia nele transmitida e que se resume mais ou menos nisto: cria uma ideia força numa pessoa e ela levará essa ideia à acção. Os pensamentos positivos e negativos da nossa mente tornam-se determinantes no desenvolvimento das nossas vidas. Daí a importância de um certo controlo sobre eles para podermos ter mão na nossa vida.

Também sabemos da física quântica que o pensamento e as palavras são portadoras de força viva (positiva e negativa) e criam realidades.

Se observarmos os nossos telejornais é fácil verificarmos – até pelo seu abuso em noticiar o negativo – que as pessoas reagem mais às coisas negativas. O desejo da ordem e de reconhecer os perigos fazem parte da tradição cultural e do nosso gene biológico e tem um certo fundo real a figurar no nosso inconsciente vindo da experiência de que, geralmente, o mal-organizado consegue submeter a bonomia do rebanho.

No outro extremo encontra-se uma imensa literatura sobre o pensar positivo que também se pode tornar tóxica (uma positividade venenosa que leve a um optimismo sem cautela).

Antes de passar aos grandes benefícios do cultivo do pensar positivo gostaria de dizer que devemos estar atentos aos extremos porque no centro de dois extremos costuma residir a virtude. Para que os pensamentos positivos tenham a sua acção benéfica, os problemas e os sentimentos dolorosos não devem ser reprimidos, porque tudo o que não foi resolvido regressa e, muitas vezes, de uma forma ainda mais forte. Um teste sobre a aplicação do pensamento positivo poderá constar da análise se ele ajudou a sair do impasse de situações problemáticas e se houve algo que mudou. Doutro modo poderia tornar-se numa estratégia de autoengano propagandeado. Aqui, o factor mais importante será verificar que através da atitude positiva se chegue ao encontro consigo próprio e a um encontro interpessoal, através de uma atitude autêntica e não apenas de ficção externa que poderia levar ao autoengano (projecções, etc.) e, mais tarde, até a ter consequências maléficas na própria vida! De facto, há que “confiar na Virgem”, mas sem se esquecer de correr (1)!

É de suma importância tomarmos consciência do poder verdadeiramente surpreendente do pensamento sobre o ser humano, para nos darmos conta do que acontece em política para controlar a sociedade e também refletir e tentar direcionar o poder do pensamento no sentido positivo da própria vida. O mundo exterior (tecnologia, desenvolvimento, etc.) é todo ele construído na base de ideias.

Naturalmente, um pensamento fica muito atrás de um céu estrelado, de um arco-íris, de um pôr do sol, de uma trovoada…. Relevante é a força de vontade e a liberdade de poder orientar a direcção dos próprios pensamentos, sentimentos e, com estes, as obras.

Em vez de nos abandonarmos à espontaneidade das ideias será de importância ter a consciência de as poder guiar e, para tal, usar da vontade para fomentar ideias positivas. Torna-se necessário dar-se conta do que se pensa e observar e analisar o próprio pensamento. Se for negativo será necessário centrar-se num pensamento positivo para o ter como alternativa e assim poder substituir o negativo pelo positivo.

O pensamento positivo é como o sol que dá energia e os pensamentos negativos puxam-nos para a sombra da vida roubando-nos a força. Certamente também um caracter pessimista tem os seus benefícios ao ajudar-nos a ser cautelosos, desde que não medrosos. Ele pode também criar uma margem para se reflectir (momento do controlo) e não se fazer, sem mais, algo temerário.

O positivo e o negativo podem ser comparados a altas e baixas pressões atmosféricas na pessoa. Como o pensamento dirige a vida social e lidera também a vida individual é importante investir-se no positivo, porque é isso que nos leva à frente, e o negativo puxa-nos para trás. Relevante é tirar o melhor de cada situação no sentido de resolver o problema e não de mantê-lo. De acordo com Rudolf Steiner, deve-se lutar para elevar o valor existencial da personalidade humana.

O olhar negativo é selectivo e tende a fixar o sentido na negatividade e como tal a acrescentá-la! Se a base da nossa experiência na infância e na adolescência foi amorosa, positiva, então será mais natural um caracter benévolo e inclinado aos pensamentos positivos.

Em cada coisa negativa haverá também algo positivo a descobrir porque a lei da polaridade vale em qualquer lugar. A lei da gravidade, também no aspecto do comportamento individual puxa para baixo, exigindo, tudo o que aponta para a excelência, um certo esforço. Quando andava no seminário em Arouca, todos os dias havia uma pequena palestra de cera de três minutos feita pelo director antes de irmos para a cama e essa conversa tinha sempre um caracter positivo e a última reacção dos ouvintes era a boa disposição e, muitas vezes, o riso. O nosso humor depende muito de onde concentramos a nossa atenção,a nossa  actividade mental e espiritual, que se pode tornar em fonte de energia numa perspectiva construtiva e criativa na medida em que o ambiente social o favoreça.

Quando vivia em Lisboa, por vezes ia ao Casal Ventoso assistir a doentes ou moribundos e quando chegava a casa cheguei a ouvir dizer a um colega que eu cheirava a morte. Exteriormente, os sentidos fixavam-se no que percecionavam. Mas interiormente sentia-me iluminado. O mesmo não se dava, por vezes, quando fazia assistência a uma prisão em Kassel! Aí, quando chegava a casa dizia-se que a minha aura era, por vezes, negativa. Naturalmente tudo exterioridades, mas um sinal que as ideias e as situações influenciam a nossa maneira de estar. Uma coisa que notei na minha vida foi que se realizou nela, em grande parte, o que antes pensei, naturalmente ajudado pela vontade.

 Marie von Ebner-Eschenbach disse uma vez: “Não é o que nós experimentamos, mas o que sentimos sobre o que experimentamos que faz o nosso destino”.

Além dos pensamentos positivos torna-se essencial tomar também iniciativas de caracter social porque também a actividade protege da negatividade principalmente quando é de origem depressiva (2), o hábito é realmente difícil de se ultrapassar!

Quando fazemos alguma coisa por amor estamos a sair de nós (ou a entrar no nosso âmago) e deste modo a aumentar o nosso eu espiritual e social; então, o outro passa a fazer também parte positiva da nossa vida.

O exercício do pensar positivo para ser verdadeiramente frutífero acontece numa relação eu-tu e não numa relação eu-objecto. Não se trata de exercitar o pensar positivo pelo simples pensar positivo, mas de ordenar a vida numa “plataforma” de boa vontade, numa atitude benevolente perante a vida e perante os outros.

Por vezes esta benevolência torna-se difícil devido a uma experiência negativa (sem conforto nem consolo) feita na infância e na adolescência. Uma experiência de ter sido escravo de alguém e sem a experiência de um amor experimentado no regaço materno complica a própria vida e a dos outros; pode mesmo levar  a pessoa a saltitar de pedra em pedra para fugir à lama do caminho (que lhe foi roubado) e desta forma o afectado deixa de ter a experiência do caminho e o sentido de fazer caminho por si mesmo (passando a vida a ocupar a mente e a reparar os caminhos que outros estragaram). Ao tornar-nos conscientes sobre o nosso currículo emocional e mental surgirão pensamentos que darão sentido à nossa vida (Aqui terão o caminho mais facilitado os tipos de caracter optimista e sanguíneo).

A sociedade não anda bem porque em vez de criarmos os próprios pensamentos seguimos e falamos do que a sociedade nos impinge em vez de trabalharmos em nós mesmos, corporal e espiritualmente.

Quando andava no colégio gostava de jogar futebol, mas havia um colega jogador e árbitro que fazia do jogo um combate com regras próprias. Então eu ia aos arames mas como me queria autodominr comecei a pegar numa pedrita que, durante o jogo,  apertava na mão ou, por vezes, numa medalha para me lembrar que deveria estar atento ao jogo e não ao que o colega queria fazer dele (Era uma maneira talvez inocente de tentar substituir os pensamentos negativos por pensamentos positivos!). Mais tarde, em situações críticas, bastava-me uma jaculatória para me desviar da negatividade. Com o tempo as coisas integram-se na vida e tornam mais fácil as atitudes do dia a dia. A ideia de fazer uma boa acção por dia ajuda também a nossa satisfação. (Às coisas que disse positivas sobre mim tenho muitas outras negativas que também poderia nomear, mas que não vêm a propósito para aqui: importante é vivermos de bem connosco mesmos reconhecendo o bem e o mal de que somos portadores mas cuidando em nós a vontade de um agir baseado, pelo menos, na boa intenção!).

Um caminho sem meta não honra a caminhada; quando muito é um caminhar à roda, um andar à volta de qualquer coisa como se fosse um planeta sem vida própria. Da visão de cada olhar dependerá a grandeza ou a pequenez da paisagem. A energia disponibilizada é proporcional à esperança nela investida.

O bem não é abstrato só existe ao ser feito. Não vale a pena procurar ser melhor do que os outros, basta procurar ser-se apenas um pouco melhor do que se é. À medida que mais se compreende mais se perdoa a si e aos outros! Para julgar uma coisa ou uma pessoa é preciso compreendê-la e para a compreender é preciso tornar-se parte dela! Somos parte de uma comunidade e só subsistiremos em comunidade. Daí a importância de promover o nível da própria consciência para que também a consciência colectiva evolua no sentido de respeito mútuo, integridade e responsabilidade. O desenvolvimento individual e social está dependente da mudança da mente individual e da mentalidade social numa de empenho de pensamento e sentimento no sentido positivo. O pensamento positivo leva ao agir positivo. De facto, quem controla o pensamento assume o poder sobre a vida (3).

O neurologista Antonio Damásio, na sua teoria do pensamento e do sentimento, chegou à conclusão que os sentimentos e os pensamentos estão indissociavelmente interligados.

Damásio tem o grande mérito ao pôr na ordem do dia não só a racionalidade, mas também a emocionalidade. Esperemos que Damásio seja o iniciador de uma nova era mais equilibrada.

De facto, o racionalismo e a escola iluminista serviram-se da filosofia de Descartes e do seu “Penso, logo existo” para se afirmarem e legitimarem a sua mundivisão exageradamente racional e de que, no meu entender, hoje estamos ainda a sofrer socialmente as consequências. A Ciência ao desleixar as emoções como fundamento do ser da pessoa deixou-se levar pelo Zeitgeist então propagado. Damásio tem o grande mérito ao pôr na ordem do dia não só a racionalidade, mas também a emocionalidade. Esperemos que Dámasio seja o iniciador de uma nova era mais equilibrada.

Como consequência também a neurociência moderna terá de deixar de exagerar nos aspectos cognitivos da terapia e dar mais relevo à interligação racionalidade e emocionalidade.

A Psicologia Cognitiva Comportamental tem como ideia central da terapia a frase “sente-se como se pensa”. O seu principal objectivo é mudar a forma de pensar e sentir: “substituir crenças negativas por crenças positivas”. Uma pessoa é influenciada também pelo que se passa à sua volta e o ambiente afecta a forma como se pensa, age e sente.

Os pensamentos influenciam os sentimentos, mas, inversamente, os sentimentos também influenciam os pensamentos.  Um deprimido pensa de forma mais pessimista e comportar-se de forma negativa porque treina o cérebro para ser infeliz (Por vezes, em estados depressivos é necessária a intervenção medicamentosa)!

Resumindo: o poder do pensamento para a nossa qualidade de vida observa-se no facto de o pensamento negativo gerar sentimentos negativos e na consequência atitudes negativas e do pensamento positivo gerar sentimentos positivos.

A melhor arte para se ser infeliz é treinar o cérebro com pensamentos negativos ou em caso de depressão deixar que os sentimentos tomem conta dos pensamentos!Então seremos infelizes e semearemos infelicidade!

O que nos distingue dos animais é a capacidade de pensar independentemente embora estejamos conscientes das diferentes interferências a nível de pensamentos e de sentimentos.

 

António CD Justo

Teólogo e Pedagogo

©Pegadas do Tempo

  •  (1) “PENSAR POSITIVO” UMA ONDA AGRADÁVEL QUE SE PODE TORNAR PERIGOSA https://antonio-justo.eu/?p=5051
  •  (2)  O pessimismo pode levar a ver-se e sentir tudo ligado à própria pessoa, por medo ou falta de confiança. Daí a necessidade de procurar ter interesse (participar) no mundo e em coisas que geralmente não nos interessariam, doutro modo corremos o perigo de, em situações de crise, nos encerrarmos no “nosso mundo”, rondando em torno de nós mesmos e criarmos um exército de servidores da própria situação (leitura de livros sobre os mesmos assuntos, escolha de amigos que nos prendem a nós mesmos porque por medo ou por cortesia nos confirmam nas próprias ideias ou sentimentos negativos sem que se possibilite um espaço próprio de reflexão / autorreflexão). Porque não começar a escrever um diário das próprias, ideias, sentimentos, acções e do que se desejaria ver mudado em si e no outro? Também o cantar em conjunto (coro) faz-nos entrar na ressonância universal e tira-nos da própria teia que amplia todos os nossos problemas e perigos. Encontrar-se com amigos onde reine o bom humor faz de ventil e desencadeia-nos das miudezas do dia a dia. Cada risada que se tenha é um banho de sol que faz sempre bem e especialmente depois de algum mergulho em água fria.

(3)  Palestra que fiz a um grupo de pais e encarregados de Educação em 2009