A GUERRA CULTURAL JÁ CHEGOU À PADARIA

Hoje li num jornal que uma cliente se queixou numa padaria em Kassel por ter na gama dos seus bolos o tradicional “bolo Nigéria”. A cliente considera isso um ataque racista a todas as pessoas de pele escura! Os donos da padaria, de tão inocentes que eram, logo mudaram o nome do bolo para „ bolo pudim da vovó”! Nova reacção não se fez esperar! O novo nome refletia um subtil desrespeito à idade para com a geração acima de 60 anos.

Nos nossos tempos temos sido assolados pela hipersensibilidade de um activismo moderno que alegadamente quer substituir a velha discriminação pela vigia.  A política dos woke (acordados) contra a discriminação tem criado verdadeiros guerreiros culturais que devido ao seu exagero se desqualificam.

É estranho que uma época de tanta grosseria e abuso por parte de governantes produza tanta sensibilidade para temas de justiça social específica. A uma atitude cada vez mais controladora da política junta-se um accionismo de puritanos do pensamento!

A vigília quer substituir a velha discriminação e o controlo vai substituindo a política!

Estamos em uma época muito contraditória e delicada!

António CD Justo

Pegadas do Tempo

1° DE MAIO – DIA DA SOLIDARIEDADE

O 1° de maio não se reduz a dia das caminhadas, ele continua a ser o dia do trabalhador e empregados em geral (1). Numa época em que máquinas e robots vão substituindo a “mão de obra” poderia surgir a dúvida da necessidade dos sindicatos. Questionar a necessidade dos sindicatos seria uma falácia dado o globalismo liberal ser de tal maneira centralizador, regulador e controlador que cada vez exigirá mais a organização das pessoas e regiões em grupos sociais e iniciativas de solidariedade, como reacção de autodefesa, dado o indivíduo passar a não ter qualquer relevância.

A greve (paralisação do trabalho) é o único instrumento que os mais fracos têm – na falta de diálogo e de responsabilidade – para fazer valer os seus interesses.

A inteligência artificial está a revolucionar o mundo do trabalho de uma forma inimaginável; a mudança estrutural em via terá, certamente, como primeira consequência a introdução da semana de quatro dias.

Perante a inflação provocada, as reivindicações dos sindicatos terão de ser fortes e pragmáticas. Salário não é tudo, precisa-se de mais flexibilidade e de mais tempo para a família.

As populações não podem viver em crise permanente. Na Alemanha, é de notar a rapidez com que os políticos arrecadaram 100 bilhões de euros em benefício de armamentos e por outro lado a sua rigidez e sobriedade no tratamento do pessoal hospitalar e dos serviços de assistência.

A oportunidade de se envolver em um futuro mais justo e solidário.

É um princípio dos sindicatos (e não só deles) que para se ter sucesso é necessário agrupar-se em torno de reivindicações e impulsioná-las em conjunto. Num momento em que as agendas globais nos orientam e determinam o nosso viver, é mais necessário do que nunca que as pessoas se unam em solidariedade e se organizem. No mundo do trabalho, seria desejável que empregados e patrões trabalhassem solidariamente, como é o caso de uma empresa de metalurgia do meu amigo Agostinho, no Norte.

O emprego sustentável só será possível com investimentos. Os políticos, porém, não podem descansar limitando-se a garantir salários baixos como meio de atrair investidores.

António CD Justo

Pegadas do Tempo

(1) https://www.gentedeopiniao.com.br/opiniao/1-de-maio-dia-do-trabalho-trabalhador

TRÁFICO DE INFLUÊNCIAS ENTRE LÓBIS E EXEURODEPUTADOS PROTEGIDO PELO PARLAMENTO DA UNIÃO EUROPEIA

Na União Europeia há em média 38 Lobistas registrados por cada Eurodeputado

A cumplicidade entre Economia e Política está a tornar-se de tal modo atrevida e incómoda para o cidadão que este nota já a olho nu que a política dos governos se deixa ditar pelos interesses da economia. Com este proceder cada vez mais acentuado devido à concentração e anonimização da economia em empresas globais fomenta-se também o sentimento da necessidade de se proceder à separação da Economia e do Estado tal como aconteceu com a separação Igreja e Estado.

O número de pessoas autorizadas a fazer lobby de acordo com o registro é de mais de 28.300 que com um orçamento anual de 1,5 bilhão de euros (1) influenciam as instituições da UE em Bruxelas. As instituições da EU estão em contacto constante com representantes de ONG, empresas, associações empresariais, sindicatos, organizações sociais e ambientais, fábricas de pensamento, grupos de cidadãos, etc.  Cerca de 13.600 organizações de lobby estavam a 6.12.2022 registradas (2); organizações nacionais e internacionais tentam fazer valer os seus interesses. Cerca de 70 por cento deles trabalham para empresas e associações comerciais. Os lobistas têm acesso aos comissários privilegiado. Quando a economia se mete na política, a democracia oscila.

A Provedora de Justiça Europeia, Emily O’Reilly, acaba de criticar o Parlamento europeu por, em matéria própria, estar a simplificar a possibilidade de corrupção para parlamentares no fim da sua carreira.

Depois do escândalo de suborno no Parlamento da EU pensava-se em proibir o trabalho lobistas para ex-eurodeputados mas isto deu em águas de bacalhau e logo foi elaborada uma proposta que previa que deputados não poderiam exercer atividades relacionadas com o parlamento como lobistas até pelo menos 2 anos após o fim do seu mandato mas a resistência dos eurodeputados às regras de transparência e relação com  lóbis foi tanta que mudaram a proposta original de 2 anos para 6 meses.

Assim a cumplicidade e corrupção entre democracia e grandes instituições torna-se mais fácil. Aqui estará uma explicação para o facto da EU não se interessar com a análise da corrupção alojada em várias instituições governamentais portuguesas e noutros países; não se fale já dos benefícios prestados a grandes empresas medicamentosas, como se viu escandalosamente durante a pandemia.

Em termos de orçamento o Qatar Airways e a University College London estavam entre os maiores lobistas da UE.

Em termos matemáticos, há 38 lobistas registrados oficialmente para cada eurodeputado. Há um lobby para quase todos os grupos de interesse. O mesmo é de observar nas lobys em torno dos vários governos.

Passo a referir os dados da Statista (3), 2023, das as Organizações com maior gasto anual em lobby na UE (em março de 2023: Confederação das Indústrias Químicas Europeias (CEFIC): 10 milhões de euros; Fleishman-Hillard: 7.627 milhões de euros; Burson Cohn & Wolfe: 6,81 milhões de euros; FTI Consulting Bélgica: 6,81 milhões de euros; Apple Inc.: 6,5 milhões de euros;  Meta Platforms Ireland Limited: 6 milhões de euros; Bayer AG: 6 milhões de euros; Seguro Europa: 6 milhões de euros; GoogleEuropeia: 6 milhões de euros; Federação das Indústrias e Associações Farmacêuticas: 5,5 milhões de euros;  EUTOP Europa: 5,47 milhões de euros; Rud Pedersen Assuntos Públicos: 5,25 milhões de euros; Microsoft. 5 milhões de euros; Kreab 4,95 milhões de euros; APCO Mundial: 4,93 milhões de euros; Associação da Indústria Química: 4,5 milhões de euros; Dentons Global Advisors Interel: 4,13 milhões de euros; Concha: 4 milhões de euros; Qualcomm: 4 milhões de euros; Barnekreftforeningen (Sociedade Norueguesa de Câncer Infantil): 4 milhões de euros.

A cumplicidade entre economia e política é, entretanto, um dado aceite, só escandalizando algum considerado idealista ou demasiadamente interessado em defender os interesses do povo e da democracia.

Como se pode ver, os lá de acima tratam-se de maneira diferente do que são tratados os cá de baixo (estes não têm lóbis)! Lógica: como individualmente não se tem influência urge organizar-se em grupos que possam subsistir nesta sociedade de concorrência.

Se o povo soubesse, o que se passa a altos níveis e como se influencia e se é influenciado, faria uma revolução. Mas como fazer revoluções é assunto para militares e poderosos, o povo sabe que é melhor contentar-se com o que se tem, doutro modo mais complicada se torna a vida que leva!!! Não quero ser desmancha-prazeres, apenas quero ser daqueles que contribuem um pouco para a sociedade não adormecer totalmente; de resto importa dizer às pessoas que vivam a sua vida e a compartilhem sobretudo entre familiares e amigos. Quem preferir mandar seria melhor ir para a política ou criar grande riqueza.

António CD Justo

Pegadas do Tempo

(1) https://www.lobbycontrol.de/lobbyismus-in-der-eu/

(2) https://rsw.beck.de/aktuell/daily/meldung/detail/58-prozent-der-eu-abgeordneten-melden-lobbytreffen

(3) Statista 2023: https://de.statista.com/statistics/data/studie/1280599/umfrage/lobbyismus-expenditures-of-organizations-in-the-eu/

25 DE ABRIL NO CHEIRO DA COR DO CRAVO

NO CHEIRO DA COR DO CRAVO
A história do meu povo
Ainda está por contar
Ela corre no Douro e Tejo
Em busca do Sol no mar.
.
No rasto da ditadura
Da ditadura se vão
Os abutres de Abril
À conquista da nação
.
Cívicos de profissão
Os pupilos da revolta
No cheiro se vão
Do cio do cravo
.
Em togas de doutores
Todos andam enfeitados
Com os cravos roubados
Nas promessas do Abril
.
Abril beijo de liberdade
De lábios em movimento
Num Estado embrulhado
De falas sem pensamento.
.
Falta dele o despontar
De um sonho por abrir
De uma carta por sonhar
Abril anda triste sem florir
.
Do povo fica a marcha
Da nação a desobriga
Da liberdade a cantiga
Dos heóis de Abril a lábia
.
Na cidade passa agora
Um cheirinho a demónio
Anjos de ontem na onda
Dos tempos do António
.
A história do meu povo
Ainda está por contar
Ela corre no Douro e Tejo
Em busca do Sol no mar!
António CD Justo
In “Pegadas da Poesia”, Oxalá Editora, 2018

“APROPRIAÇÃO CULTURAL” ENTRE APRECIAÇÃO-DEPRECIAÇÃO-HIPOCRISIA-MANIPULAÇÃO

Por que só se fala de “Apropriação Cultural” e não de Apropriação Económica?

Matéria: Instituições e organizações europeias proíbem apresentações ou disfarces com trajes de índios americanos ou de gueixas, etc.; uma europeia não pode entrançar o cabelo emaranhado (dreadlocks) como africanas, crianças nos jardins infantis são proibidas de maquilharem o rosto à africano; um não mexicano não deve usar sombrero; etc., etc.  

Objectivos desta e doutras campanhas em voga: Romper com os padrões de pensamento e desmontagem e culpabilização da cultura ocidental através da transversalização de temas em torno do género, da sexualidade,  da linguagem,  e do colonialismo nos diferentes órgãos do Estado, media, organizações sociais, etc.; em conformidade com a política do género pretende-se que a Europa das culturas e dos pensadores se transforme num território decadente de não-pensadores e de seguidores de uma geocultura e pensamento a preto e branco. Pretende-se que a sociedade europeia seja ocupada com contínuas iniciativas para se criar nas populações insegurança e medo de não seguirem opiniões predeterminadas. Por outro lado, estas iniciativas que têm como alvo criar confusão e defraudar a cultura ocidental, correm também o risco de hipocritamente lavarem o rosto ocidental quando o problema dos problemas é a Apropriação Económica em vigor (especialmente em zonas carentes sem que se faça reverter a riqueza nessas zonas). O infantilismo e o oportunismo tornaram-se de tal maneira dominante que já brada aos céus!

“Apropriação cultural”, como muitos outros temas forjados nos bastidores e a actuar no palco social, não é propriamente assunto de debate público sério nem tão-pouco encomendado pela sociedade. São temas impostos por forças anónimas obscuras que se aproveitam de alguns defeitos ou deficiências civilizacionais para uma crítica radical negativa apenas com a finalidade do bota abaixo, sendo irreflectidamente seguidas pela política com medidas proibitivas inadequadas! Dado as elites da nossa sociedade, muitas vezes, manifestarem falta de bom senso e de critério, seria chegada a hora de o povo (pessoas atentas) as levarem ao rego e não se deixarem levar por uma oligarquia sociopata supranacional que cada vez tem mais influência nos media, na politica e nas sociedades; se se observarem os vários movimentos activistas (ONGs) e os seus campos de combate, torna-se cada vez mais visível (até pelos efeitos observáveis e que facturam para si na sociedade) que pretendem desestabilizar as sociedades para poderem desmontar as democracias e as constituições nacionais; a sociedade tem-se transformado em laboratório dos mais diversos movimentos ideológicos todos eles com um denominador comum observável: implementar social e institucionalmente o materialismo mecanicista com o objectivo de se chegar a instalar uma troica global (1) e para isso criar-se nas populações uma mentalidade-cultural marxista! A Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) têm implementado a própria ideologia no sentido de se tornarem nos controladores da medicina e do ensino e em influenciadores directos da sexualização prematura e viciada das crianças nas escolas.

Por definição da Wikipédia, apropriação cultural ocorre quando uma cultura adopta elementos específicos de outra. Estes elementos podem ser ideias, símbolos, artefactos, imagens, sons, objetos, formas ou aspectos comportamentais que, uma vez removidos dos seus contextos culturais originais, podem assumir significados muito divergentes.

O problema não está na definição, mas no abuso intencional que se faz da apropriação cultural em si e também a maneira desonesta e ilícita como como o tema é instrumentalizado para fins de abuso de poder.

O facto de haver muitos grupos marginalizados tratados injustamente por causa da sua “aparência ou costumes culturais” torna-se preocupante devendo fazer-se todos os esforços para se pôr cobro a tal situação, mas não de maneira destrutiva, doutro modo seguir-se-ia (nos métodos e intenções manipuladoras) a mesma lógica das causas que criaram a situação a dever ser reparada.

Se ao longo da história não tivesse havido apropriação transcultural numa dinâmica de aculturação e inculturação que permitem uma “fertilização cruzada”, ainda hoje nos encontraríamos na Idade da Pedra. Que seria das nossas capacidades intelectuais e sociais sem metáforas, analogias, representações e signos? Que seria da literatura, música, teatro, filosofia sem apropriação cultural?

O problema é a falta de contexto e a perspectiva de interpretação. Colocar a questão só no relacionamento entre pretos e brancos, entre uma “cultura dominante” e uma “cultura minoritária “é instrumentalizar uma realidade complexa para fins imperscrutáveis que dão origem a cepticismos, pela arbitrariedade e desestabilização que muitas vezes pretendem e pelo atentado que são à liberdade de expressão. Neste assunto está a dar-se um processo de apropriação das maiorias pelas minorias ideológicas (a metodologia da luta e do poder que uma parte critica na outra igualam-se e deste modo justifica-se a situação injusta criada pelo mais forte: a questão só poderia ser viabilizada se baseada numa nova matriz cultural, doutro modo teremos de viver numa cultura feita sobretudo de remendos). É importante o estabelecimento da justiça, mas não seguindo a mesma matriz patriarcal que nos guia e cuja estratégia e metodologia está na fonte dos problemas que é preciso remediar.

O argumento de as medidas de proibição se destinarem a proteger a propriedade intelectual coletiva de povos indígenas e de se a lutar contra as relações de poder desiguais, não legitima um combate generalizado como se observa na Alemanha.

Considerar o estatuto de diferentes culturas como argumento contra a apropriação cultural por culturas dominantes também é problemático porque nem a cultura se deixa reduzir a uma só característica (trajo, etc.) nem a natureza da pessoa humana se deixa reduzir à própria cultura.

De facto, como descreve Ursula Renz (2), “a cultura é sempre uma transferência cultural”. Na consequência, o próprio conceito apropriação cultural induz em erro.

A “apropriação cultural” também pode significar solidariedade e sinal de culturas que apesar de terem uma certa identificação cultural estão abertas a outras e deste modo a um desenvolvimento em simbiose dinâmica.  O assumir uma característica de uma comunidade identitária não implica a sua destruição; pelo contrário, o seu alongamento.

Parece estranho que quem reclama não são os grupos retratados! Quem se queixa são mais os grupos americanos e europeus como se fossem advogados comissionados para falarem em nome dos referidos grupos. Esta posição é indício grave de uma afirmação de superioridade em relação às referidas culturas, quando estas até poderão ter interesse em tais representações. O exagero de forças empenhadas na luta contra a “apropriação cultural” esconde o objectivo de se abolir a propriedade privada que então só será permitida para os grandes “latifundiários” de interesse relevante para o sistema.

Quer-se preparar uma sociedade de pensar a preto e branco – sem cores, o que corresponde a uma regressão antidesenvolvimento. Como se observa, inteligência e estupidez são constantes da humanidade.

Em breve ninguém ousará opor-se a uma determinada opinião por causa da conformidade de género e da pressão cultural do espírito do tempo.

Por que se fala tanto de Apropriação Cultural e não se fala de Apropriação Económica através da importação (apropriação) de especialistas, mão de obra, de culturas diferentes e de monopólios de exploração mineral, matérias primas, agrícola, etc.? Assim se engana e manipula o povo e os povos com temas que distraem do problema padrão que é a economia exploradora do homem e da natureza e que, ontem como hoje, provoca o luxo de uns através da apropriação dos bens dos outros! Hipocrisia das hipocrisias, tudo é hipocrisia!

O grande escândalo é a profanação do humano e a “sacralização” das economias fortes em relação às pequenas.

As elites encontram-se em processo de banalização e perdem o critério ao levarem a sociedade a viver em estado de luta e a ocupar-se com extremismos que não deixam espaço para uma consciência privada; deste modo o povo vagueia, desespera e perde a inocência!   A vida acontece entre os polos e não nos extremos polares; os extremismos só fomentam a luta e apagam as perspectivas de esperança num dia de amanhã!

António CD Justo

Pegadas do Tempo: https://antonio-justo.eu/?p=8475

 

(1) O marxismo baseia-se em um entendimento materialista do desenvolvimento da sociedade, tendo como ponto de partida as atividades económicas necessárias para satisfazer as necessidades materiais da sociedade humana. No setor da política, o objetivo principal das teorias marxistas é promover a queda total do capitalismo por meio de um Estado socialista forte e opressor contra a burguesia.

(2) Ursula Renz: „Was denn bitte ist kulturelle Identität? Eine Orientierung in Zeiten des Populismus“, Schwabe Verlag Basel, 2019