Marte e Mercúrio (deuses da Guerra/Comunicação) estão satisfeitos
A 59ª Conferência de Segurança de Munique de 17 a 19.02.2023 girou toda ela em torno da guerra entre a OTAN e a Rússia. Mais parece uma liturgia em torno de Marte, o deus da guerra e de Mercúrio/Hermes (1) o deus da comunicação, que se dão por vencedores por verificarem que seus servidores estão pela guerra total, sem limites; a iniciativa de paz manifestada pela China perturbou a OTAN que não quer ver a China a intrometer-se nem a favor da Rússia nem contra a intenção da OTAN de intensificar a guerra. Os EUA enviaram 1000 participantes e para estarem mais à vontade na sua propaganda desconvidaram Putin e para o pódio convidaram russos oponentes de Putin para deste modo poderem ver todos afinados em coro no mesmo tom propagandístico; doutro modo, a apresentação de outras posições poderia perturbar o efeito que se pretende provocar no povo no sentido de este continuar a aplaudir os falcões militares e em mero fiéis de Marte e de Hermes.
E para que toda a conferência entoasse no mesmo diapasão o presidente francês Mácron solfejou logo no princípio “agora não é tempo de diálogo”, sim, porque esta é a oportunidade dos militares irem ocupando o povo e a Europa para que se não deem conta do que está realmente em jogo e não pensem em começar a exigir que se alistem responsabilidades. Ainda se nota um certo desacordo entre os parceiros sobre até onde deve ir o apoio logístico de armas à Ucrânia (isto não é tratado nos media para que o povo pense que tudo concorda com a ênfase da guerra). Enquanto o Chanceler alemão Scholz, para não se encontrar sozinho na fronte de batalha, admoestava os participantes ao “cuidado antes do tiro precipitado, coesão antes de uma performance solo”, Stoltenberg (porta-voz da OTAN) contraria-o dizendo: “Alguns temem que o nosso apoio à Ucrânia represente riscos de escalada”. Como se vê o representante da OTAN quer guerra custe o que custar enquanto Scholz apesar de seu seguidor quer ver todos os países unidos no mesmo intento para no fim da parti militar serem todos responsabilizados a pagar a reconstrução da Ucrânia. Neste sentido os alemães pretendem a formação de uma “aliança de tanques de batalha Leo” contínua, o que se torna difícil, mas por fim, a força é que vence. A busca por tanques Leopard 2 disponíveis dos aliados permaneceu sem resultados contáveis (Portugal, que também se gosta de meter nas andanças dos grandes ainda é dos mais prestáveis a ceder Leopardos 2.
Como resultado da conferência ficou claro que apenas se quer um debate para se ir manipulando o povo e não um diálogo que leve a compromissos.
A Ucrânia manifestou na conferência o desejo adquirir armas incendiárias de fósforo e munições cluster, embora 100 estados as proíbam.
O único que conta com a cartada da diplomacia foi o representante chinês Wang Yi. Ele quer fazer uma proposta de negociação para a paz, como já foi sugerido pelo presidente brasileiro aos delegados chineses no Brasil. Só que nestas coisas os países não englobados em interesses geoestratégicos não têm palavra a dizer no assunto. Isso é assunto dos Estados Unidos, Rússia e China, os outros abaixam a bola! Por isso o representante chinês disse: “Vamos apresentar algo. É a posição chinesa sobre a resolução da crise na Ucrânia”; espera-se que até ao dia 24 de Fevereiro a proposta saia a lume. Ele referiu-se à Carta da ONU. O Ocidente ainda não está interessado em um plano de paz. Por outro lado, a China pode usar o plano de paz para fortalecer a sua reivindicação à república insular de Taiwan. Como as frentes da guerra só querem a vitória, a China seria a única potência que conseguiria influenciar Putin e Biden (nos bastidores). O problema é o preço.
Há pressa em ganhar a guerra porque se os combates se prolongarem para lá do verão Biden ver-se-á obrigado a debater os gastos da guerra com a população americana no limiar das presidenciais norte-americanas. Daí haver uma certa concorrência de Silensky e Biden para resolverem o problema e na consequência Silensky terá de ceder sentar-se na mesa das conversações no fim do verão para tentar salvar o partido de Biden nas eleições americanas.
Numa sociedade ideologicamente militarizada, opiniões divergentes são identificadas com armas e com isto contam os governantes transformados em falcões militares! Na conferência tratou-se de um evento anti diálogo, produtor de slogans de afirmação mútua com a preocupação de alinhar o regimento dos participantes e de se criarem notícias que levem a fortalecer nas populações o apoio à irracional a vontade de vencer em vez de se activar a diplomacia, independentemente da triste realidade que acontece, e para isso só importa produzir notícias fortalecedoras do preconceito que deve socialmente ser assumido como realidade factual. Nesta guerra só haverá perdedores, como já se começaram a sentir em questões de energia e quando vão ao mercado, os que não têm nada a ver com ela.
Tal como afirmavam em relação ao Afeganistão muda-se o refrão: “Defender a Ucrânia também é defender a paz na Europa”.
Depois do evento só Marte, deus da guerra tem razões para ficar contente: A Alemanha continua a tradição belicista aproveitando para enfatizar o aumento dos gastos com a defesa para dois por cento.
Em torno da Conferência houve numerosas manifestações pacíficas. Escoltaram as manifestações aproximadamente 4.800 agentes da polícia que acompanharam cerca de 25.000 participantes nas manifestações, sendo parte delas contra a guerra e outra parte defendendo a entrega de armas à Ucrânia (2)!
António CD Justo
Pegadas do Tempo
(1) Hermes da Mitologia grega é o deus grego da guerra, do comércio, da comunicação, dos viajantes e dos ladrões, é o filho de Zeus e Maia que anda associado ao deus romano Mercúrio.