DO USO DA SEXUALIDADE COMO MODO DE AFIRMAR PODERES E DE CRIAR UMA NOVA ORDEM MUNDIAL

Política-Economia-Ideologia apoderam-se do Tema Sexualidade para instalarem um novo paradigma social e subjugar os Biótopos culturais

Por António Justo

Ao longo da História, cada “economia” cria a sua ideologia e sub-ideologias circulantes em torno delas.

O desejo de poder expresso no pensamento apropriava-se, ontem, da sexualidade para a ordenar em favor da criação de biótopos culturais (família, tribo, Estado)  e hoje, que pretende instalar um sistema global latifundiário capitalista-socialista, apodera-se da sexualidade para implantar novas formas de poder (os novos poderes em formação querem o poder total através da manipulação da pessoa humana procurando reduzi-la a um mero produto cultural, e assim legitimar a intenção de a tornar mera cliente ou assalariada cultural; recorre para tal à desconstrução e desmitificação de supraestruturas de ordem natural e cultural que davam consistência a uma comunidade organizada em minifúndios e biótopos culturais.

A luta que antes se dava entre nações e vizinhos, devido à constituição orgânica das sociedades (o objectivo era uma tribo, uma nação afirmar-se em relação à  outra), na nova era do globalismo, o poder quer-se centralizado e monopolizado no sentido de se criar uma nova ordem mundial em que já não se tenha em conta as culturas nem os governos vizinhos mas apenas um governo mundial em que oligarcas do capital latifundiário e de uma ideologia materialista universal, ajudados por tecnologias virtuais monopolistas, imponham o seu poder às massas sistematicamente individualizadas e como tal desarmadas porque privadas do poder e das forças orgânicas a que antes pertenciam.

A sexualidade e a espiritualidade são duas forças irmãs que muitas vezes por equívoco se rivalizam.

A sexualidade é ao mesmo tempo colectiva e pessoal, mas como individualmente experimentada facilita o relativismo, pretendido pelos arquitectos da nova ordem mundial, porque determina, em grande parte, o modo de vivência da realidade enquanto procura de felicidade e de vínculos sociais. Consolador poderá ser a observação de a História se proceder num movimento pendular espiriforme em que um tempo julga o outro na tentativa de se definir para se afirmar.

Muitas das faculdades que possuímos têm a ver com a percepção da corporalidade e da sexualidade. O exercício da sexualidade é um bem social e individual, e deste modo conflituoso devido a interesses (entre indivíduo e sociedade), por vezes, contraditórios. Como no passado o controlo da sexualidade esteve ao serviço de instituições que a contextualizavam, hoje não escapa a novos interesses de poderes (entre eles “Lobby gay” e comunidade LGBT”) que se usam dela no sentido de a descontextualizar e instrumentalizar para paulatinamente instalarem um outro poder político-cultural. (Nesse sentido o seu apadrinhamento do islão revela-se como meio intermediário estratégico e ideal para atingir seus intentos de estabelecer uma nova ordem mundial, não só pela sua filosofia do poder, mas também como factor desestabilizador de biótopos culturais fortes; de facto encontramo-nos na era de prevalência da civilização ocidental que incomoda a instalação de uma nova ordem mundial, muito embora esta seja fruto dela).

A sexualidade, na perspectiva do casamento/matrimónio, fomenta a instituição família, portanto um conceito de organização social orgânica a partir de uma realidade natural básica e não só ideológica, que vai contra os interesses de progressistas que odeiam a trilogia ordeira Deus-Pátria-Família (Doloroso é que os abusos de uns justifiquem os abusos dos outros!).

A natura e a cultura vinculadas ao princípio da sustentabilidade e a um fim teleológico natural regulam a sexualidade não só no foro individual e da casuística, mas também no sentido comunitário através do direito habitudinário ou do grupo cultural (tensão entre procriação como garantia da sociedade e satisfação como atractivo da felicidade individual: a desvinculação sistemática dos dois princípios afigura-se como uma ameaça real à maternidade e à paternidade pois levaria muitos a ver igualados o acto de gerar ao acto de masturbar).

Querer elaborar o indivíduo sem comunidade tal como querer desligar a comunidade do indivíduo seria alheio à realidade natural e social factual (Em sociedades tribais e hegemónicas afirma-se a comunidade sacrificando-se-lhe o indivíduo, o Direito cultural impõe-se ao direito pessoal); na pretensa nova ordem mundial segue-se o inverso: afirma-se o indivíduo à custa da comunidade, o que leva à depreciação do que é institucional e orgânico. (Toda a sociedade, à imagem de um corpo, tem o seu organigrama interior, dependendo a funcionalidade do corpo da funcionalidade dos diversos órgãos e dos elementos entre si em função do bem-estar do corpo; atualmente, no pós-guerra, com o capitalismo liberal procura-se fazer da sociedade um corpo empolgado sem órgãos, apenas animado pelo capital e lucro numa massa de elementos sem função própria, mantidos apenas pelo invólucro da ideologia). O conflito social da Europa atual é explicável pela afirmação de dois princípios contraditórios: o comunitário medieval  islâmico (afirmação do gueto como estratégia de domínio globalista, em vez da imperialista) e o individualista europeu (afirmação da abertura mediante a negação da própria cultura); o princípio individualista, especialmente fomentado pela esquerda de base marxista pretende o fim da História das instituições e deste modo  que o indivíduo desapareça como a gota de água no grande oceano da anonimidade económico-ideológica ; a atracção pelo Budismo que hoje se regista no Ocidente, não acontece por acaso; o mesmo se diga da filosofia relativista promovida a partir da “Escola de Frankfurt”!

Os protagonistas pela instalação de uma nova ordem global têm a estratégia global de se implementar o capital anónimo como supraestrutura mundial sobre as infraestruturas culturais e geográficas apostando na destruição destas para, em nome do indivíduo particularizado e anonimizado, (enfraquecedor de interesses organizados em grupos orgânicos) dar lugar ao exercício da hegemonia dessas forças anónimas mundiais sobre instituições que não a sirvam (subjugação mais ou menos forçada de Estados, religiões, família, empresas, etc.) mediante o fomento de um ideário relativista que assenta contraditoriamente na afirmação do interesse particular, mas que desligado só beneficia o latifundiário absoluto que é quem possui o grande capital ( China poderia ver-se como modelo da união perfeita de capitalismo e socialismo: uma realidade regional com uma filosofia tradicional adequada que serve de modelo para uma organização mundial pós ONU). A luta assanhada da ideologia anti-cultura ocidental expressa-se de maneira aguerrida contra o Catolicismo, que é realidade e símbolo da maior ordem universal conseguida até hoje, sendo por isso considerada como o maior obstáculo para a consecução da nova ordem mundial que prefere partir do caos (pessoa tornada mero cliente e cidadão mero proletário de ideologias).

O relativismo oportuno a essa ideologia e programa submete tudo à eficiência do capital anónimo e à opinião individual como substrato de uma ideologia social que se quer apoiante da hegemonia de um comércio do capital em que o desgaste da concorrência é premiado com a satisfação do lucro e do consumo que pretende dar vida à actividade individual e social (A satisfação da nova “espiritualidade” deve ser conseguida não já nas atividades litúrgicas, mais ou menos dominicais,  mas no shopping e na ocupação em torno das necessidades primárias.

Passa-se de uma sociedade até agora mantida pela relação interpessoal e uma relação chefe-empregado para uma sociedade sem relação nem alma em que a vida é suportada apenas por acções ou compromissos comerciais e por ordens superiores, até virtuais, que a todos instrumentaliza. Cria-se um mundo em que a energia é o trabalho e em que a satisfação é o lucro onde a relação se reduz a mera estratégia para se chegar a ele (pessoa/cidadão apenas meio para se atingir um fim).

No meu entender e no que respeita à homossexualidade, o que está em questão não é o julgamento positivo ou negativo de pessoas homossexuais ou heterossexuais; os homossexuais são instrumentalizados como barcos de papel entre forças de duas ondas em estado de erosão uma contra a outra;  o que está em jogo é a exigência de igualar a instituição casamento/matrimónio de homem e mulher à  vida comum de dois homens ou de duas mulheres (emparelhar no significado impróprio de acasalar!) e, deste modo, introduzir no pensamento humano o domínio da confusão para melhor se pescar nas águas turvas da sociedade (é a destruição da instituição família a pretexto de desejos individuais legítimos mas descontextualizados). Encontram-se em confronto dois rivais do mesmo poder: o dos que representam as instituições tradicionais e a natureza e o dos que querem chamar o poder a si em nome da cultura e contra a natura, puxando, uns e outros, na chicle da sexualidade.

Atendendo a isto a discussão pública não deveria pôr em questão o indivíduo heterossexual nem o homossexual, mas dar atenção ao ritual desejado público, que as lóbis Gay querem que seja o “Casamento/Matrimónio”.  Estas, porém tornam-se no braço comprido da ideologia interessada na desconstrução da sociedade e em impor o Mamon (símbolo do prazer e do lucro) como único senhor sobre o mundo e para tal tem de usar a estratégia contra toda a organização que por si mesma expresse uma força orgânica do tipo biótopo cultural (O Mamon como latifundiário único apodera-se dos minifúndios culturais usando, para isso, a estratégia do relativismo moral e cultural desautorizador de toda a instituição, estrategicamente apresentada como inimiga do indivíduo (o que vale é a ideologia indefinida e sem limites – para isso se espalha o terreno do caos – que prepare o caminho para uma nova ordem mundial de cunho materialista de indivíduos nascidos sem cordão umbilical).

A relação e a responsabilidade directa ao serem tiradas do biótopo cultural (minifúndio, no caso, a família), para ser transferida para o órgão dinossáurio anónimo, inverte a relação do indivíduo para a instituição orgânica mais baixa (directa) passando o indivíduo a depender de uma estrutura global tipo polvo contra a qual ele se torna totalmente impotente, dado ter deixado de ser orgânico para se transformar apenas num elemento a relacionar-se já não com um órgão imediato estruturado de que faria parte mas apenas como elemento num corpo anónimo, ficando-lhe como mero recurso próprio o controlo da própria necessidade sem possibilidade de solidariedades orgânicas no tal pretenso corpo, porque o tal corpo anónimo até as necessidade pilotaria.

Sem querer desvalorizar o valor da simbologia que se encontra por trás da mística do casamento já bem presente no Cântico dos Cânticos, na Igreja e na mística cristã penso que, eclesialmente, a homossexualidade se trate só, como constante variável, no ramo da pastoral.

Na polis é natural que grupos gays politizem o tema da homossexualidade que, para ganharem rosto social, se querem organizados porque só a organização possibilita uma afirmação eficiente de interesses na polis; os políticos, por sua vez, apropriam-se do tema da sexualidade para atingir fins ideológicos e a longo prazo conseguirem implementar uma nova consciência social: o uso do factor medo e sexo revelam-se sempre como grandes mananciais para quem pretende adquirir poder ou manter-se nele; estes factores revelam-se eficientes porque o povo não nota, dirigindo a atenção só para as necessidades primárias, aquelas que legitimam o poder de quem manda!

Turbo-capitalismo e agentes de anti cultura ocidental unem-se procurando enfileirar os seus multiplicadores e destinatários no relativismo comportamental e cultural como estratégia eficiente para desestabilizar a sociedade e sistemas de valores tradicionais (cria-se uma miscelânea de valores, contravalores e novos valores). O que está em causa é o alinhamento das massas e com elas a afirmação da vontade de poder de grupos interesseiros. De facto, quem não se organiza cede as rédeas da sociedade àqueles que depois critica ou condena. (Temos no islão um exemplo de organização de interesses descentralizada que é tolerada por se encontrar ao serviço da grande massa comunitária. Certamente também por isso, a esquerda tem muitos laços comuns com ele.)

Antes do heterossexual e do homossexual está a pessoa humana

Definimo-nos primeiramente como pessoas, pessoas também sexuadas portadoras de masculinidade e de feminilidade, que embora a natureza queira, não se deixam reduzir à sua função procriadora.  Segundo investigações sociológicas a orientação homossexual, encontra-se presente em, pelo menos, 5% da população. Como ensina a natureza não se resolvem os problemas sociais aniquilando a variedade e a diferença, mas aceitando-a. A excepção confirma a regra, não tendo necessariamente de ser uma contra a outra!

Quanto ao exercício da sexualidade individual entre iguais, este será de avaliar na qualidade de vida dos parceiros. Na Igreja católica da Alemanha, em muitas igrejas, há já o costume de, no dia dos namorados, serem abençoados nas igrejas todos os casais que aparecem; é abençoado quem vem à liturgia “independentemente de serem casados, divorciados ou do mesmo sexo”(1). Assim se respeita a diferença e em certo sentido a comunidade.

Muitos homossexuais sofrem não pelo que são, mas pelo que outros pensam que devam ser. Muitos sofrem uma vida inteira, por, nem sequer, poderem falar sobre uma inclinação que sentem em si, mas que não corresponde à normalidade do que a sociedade aceita. Tanto na vida familiar como na vida do seminário este é um tema de que não se fala. O que conduz alguns para a solidão e isolamento.

Tem que se ter a empatia de ver a tragédia da vida de uma criança que se sente diferente e não pode declará-lo sequer perante os pais e passa uma vida a tentar ser normal não o sendo na visão da normalidade. O que não se pode expressar dilacera uma pessoa e torna-se numa ferida incurável.

Tal como grupos gays se desqualificam na sua luta politizada também seria associal diabolizar ou catalogar alguém pela expressão da sua inclinação ou também pela sua opinião! Há grupos gays que, mais que interessados na defesa e aceitação dos homossexuais na sociedade, pretendem lutar contra o matrimónio, instituição que une homem e mulher e assim negar-lhe o seu caracter natural e cultural.

A vontade de ver reconhecida a homossexualidade em actos culturais públicos e simbólicos, como se reconhece ao Homem e mulher com o casamento, pode, com o tempo, vir a criar expressões sociais cívicas e até religiosas análogas para as uniões homo. A fixação de homossexuais na reivindicação da instituição do casamento assume um caracter ideológico e pretende usufruir do prestígio e das vantagens que o Estado concede ao matrimónio com a intenção de garantir a sustentabilidade de um povo e a solidariedade económica e de serviços, entre as gerações.

Também na Igreja católica seria de desejar evitar a atitude contraditória em relação à homossexualidade embora nessa contradição aquela atribua um lugar soberano à atitude/consciência individual. Atendendo aos preconceitos sociais ainda hoje constitui um acto de coragem declarar-se homossexual, o que não aconteceria se cada qual respeitasse a dignidade do outro (Neste contexto, também é de não esquecer que poderes meramente materiais económicos e de ideologia procuram desestabilizar a sociedade querendo até destruir as raízes dela e o seu humus religioso).

No clero, tal como no corpo diplomático, não seria tão notória a presença homossexual, o que poderia predispor tendências para tais carreiras. Na enfermagem também há bastantes pessoas homossexuais. Há atmosferas especiais que podem favorecer tais tendências…, também se conhecem casos em que pessoas procuram uma solução através do casamento fictício como alternativa.

Os bispos de Paderborn e de Munster, na Alemanha, declararam que não veem numa disposição homossexual um obstáculo à ordenação sacerdotal, tal como o não veem para os heterossexuais na disposição para o sexo oposto. O problema surge no momento do não cumprimento do celibato.  Na igreja é tolerado o padre com tendências homossexuais desde que as não viva concretamente, como pressupõe das condições de vida de um padre. Facto é que tanto heterossexuais como homossexuais, nas diferentes profissões são correctas nas relações com outras pessoas (homens ou mulheres).

Hoje muitas pessoas já não casam primeiramente para terem filhos e não existe a consciência de Abraão em que numerosos filhos era sinal da bênção de Deus e o sentido das crianças já não é só assegurar a existência da tribo. Agora que a terra se encontra toda povoada surgem movimentos contra a procriação.

Cada um é como é, e do conhecimento que tive com pares homossexuais, verifiquei que, por vezes, têm talentos e aptidões próprias muito positivos e especiais no trato, talentos esses que poderiam ser de proveito no serviço social e pastoral da comunidade.

À hora de tomar medidas, a igreja não deve ter medo da arrogância de pessoas que, na câmara escura da sua opinião, julgam as outras pessoas pela rasoura do que é costume sem entender que a natureza é mais completa por integrar nela não só a regra, mas também a excepção (naturalmente sem que esta se torne regra como quer, por vezes, a ideologia Gender e Gay).

Há que distinguir entre a luta de instituições e ONGs pelo poder e o destino das pessoas que são sacrificadas em nome do poder ou da ideologia. O Papa Francisco não julga a pessoa homossexual, mas confessa: “O problema não é ter essa orientação. Devemos ser irmãos. O problema é o lobby por esta orientação, ou lobbies de pessoas gananciosas, lobbies políticos, lobbies maçónicos, tantos lobbies. Este é o pior dos prolemas”.

Também a igreja tem sombras (muitos esquecem que como toda a instituição é formada de homens e mulheres que são como são e não como se desejaria que fossem, e assim projectam a sua luz e sombra por onde passam) mas quem experimentou a luz de dentro não perde a luz que através dela recebeu, a mensagem cristã  e a experiência de Cristo, que passa também na vivência de tanta gente que se contactou na igreja e fora dela, apesar da visão desagradável da sexualidade na hierarquia da igreja.

A renovação da igreja nem sempre segue as pegadas do Espírito Santo; por natureza manca bastante atrás dele. Na igreja encontro o que não encontro em nenhuma outra instituição, por muito respeito que tenha por todas as outras, mas não impede de ver também as sombras que ela deixa. A teologia pastoral da igreja precisa de adaptar certas declarações doutrinárias aos novos dados da ciência, tendo em conta as pessoas concretas sem se cair na crendice científica.

Também a vocação das mulheres nos serviços da igreja, começando com o diaconado, deve acontecer, não por falta de sacerdotes, mas por apreciação do seu valor consignado pelo evangelho da igualdade de homem e mulher (sacerdócio comum) num diálogo mais ou menos equilibrado entre feminilidades e masculinidade.

Certos problemas com a homossexualidade resultam do princípio que o lugar para se viver a sexualidade é o matrimónio de forma aberta à procriação de crianças. No cristianismo a revelação de Deus expressa-se na comunhão de que a união de cristo-Igreja, homem-mulher, encarnação-ressurreição, espírito e matéria se expressam de forma ideal a realidade material e espiritual de forma prototípica em Jesus-Cristo, vida e vivência em processo contínuo de caracter trinitário. O eu mais o tu são mais que o nós!

Jesus Cristo chamou-nos a andar sobre as águas (Mat.14:22-36) e para ter confiança nEle apresentando como pressuposto o abandono do medo e de “fantasmas” de muitas ideias e que nos levam a ser “Homens de pouca fé”.

Deus, como o céu encontra-se em toda a parte, independentemente do aqui e acolá. Precisamos de uma linguagem não exclusiva, mas que coloque tudo em diálogo e em relação, segundo a matriz da fórmula trinitária que é expressão da verdadeira vida vivida. A luta secular da afirmação da negação do outro como contrário deve ser estranha a uma espiritualidade cristã que une os aparentemente contrários. O aproveitamento e a instrumentalização da sexualidade especialmente pela esquerda não facilitam a abertura das mentes conservadoras para todos trabalharmos no sentido da inclusão (2).

Não fosse a luta de interesses pelo poder, porque gastar tantas energias em assuntos secundários na Igreja e na sociedade em geral?

As Dores da Mudança

Desde o concílio Vaticano II e com a geração 68 encontramo-nos num tempo de mudanças paradigmáticas em toda a sociedade, sendo de reconhecer muito embora que algumas delas são fruto do espírito do tempo, da moda passageira e de interesses surgentes.

A mudança é necessariamente sentida como crise, porque as pessoas são educadas para seguirem actos rotineiros e outros não percebem sequer o sentido que a mudança leva.  A moral e o direito que antes eram confecionados em torno (dos interesses institucionais) do Estado e da família passaram a fundar-se nos direitos humanos individuais (1948), nos interesses da cidadania. Impercetivelmente, isto implica uma mudança radical na perspectiva da elaboração do Direito e do delineamento da moral. Há que estarmos atentos ao que será lícito e ao que ocorre ilegitimamente.

Numa época da individualização de direitos garantidos que antes se adquiriam por pertença a uma instituição observa-se uma desestabilização das instituições e a afirmação de individualismos desenraizados, organizados agora em torno de poderes individualistas e anónimos (capital + ideologias). Organizações e instituições, sem a consciência de órgãos de um mesmo organismo, lutam umas contra as outras em vez de tentarem evoluir no serviço do todo social. Sofrem os Estados tendo de abdicar de certas soberanias, sofre a Igreja ao ver a humanidade degradar-se e a família desmantelar-se, sofre o sistema político ao verificar que o sistema corporativista do Estado se encontra desestabilizado devido à falta de confiança de um eleitorado já não fiel à instituição, corporação ou partido. O caracter político estatal e eclesial ainda não encontraram um novo modus faciendi correspondente ao novo perfil de cidadão em formação com um ideário próprio e uma moral cada vez mais de tipo à la carte.

De uma sociedade antes predominantemente organizada num sistema de corporativas solidárias e em sistemas morais coesos está-se a viver a fase de uma sociedade já não tanto fundamentada em organizações como a família, mas nos direitos humanos individuais. Naturalmente numa altura em que se expressa mais o indivíduo contra a instituição (família, religião, pátria) torna-se tudo mais doloroso e surgem grupos que se aproveitam do empasse para destruir revelando-se exclusivamente a favor de um polo da realidade e radicalmente contra o outro. (Passou-se de um extremo do poderio das instituições sobre as pessoas para o poderio do indivíduo contra as instituições culturais; isto, em parte, seguindo aspirações legítimas, mas de facto em favor da hegemonia do poder anónimo do capital e de ideologias suportes).

O facto de grande parte da sociedade não poder preocupar-se com as razões profundas do sentido da vida e da vida social não pode justificar que as instituições políticas e religiosas fomentem e explorem essa situação, deixando de corresponder ao apelo do bem comum e do evangelho, de não se deixar prender por hábitos meramente circunstanciais que amarram o Homem a modas ou a certas tradições e hábitos. Elucidação, esclarecimento do povo de maneira integral seria a palavra de ordem para se chegar a uma cidadania/democracia de qualidade.

Teologia, filosofia, política, ciência, artistas, crentes e não crentes temos que entrar todos em diálogo inclusivo, na consciência que somos todos irmãos-gémeos, filhos do mesmo Deus, todos ao serviço de todos na grande realidade que é a diferença: aquilo que nos individua e pode definir. Jesus venceu a dor integrando-a nele!

Fica a controvérsia num assunto, como tantos outros envolvidos pelo mistério da vida e pelas marcas do tempo. O ideal cristão e a natureza convidam-nos a fraternizar com a diferença sem termos de nos identificar com ela nem tão-pouco de nos perdermos em moralizações valorativas ou depreciativas.

© António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo (Português e História)

Pegadas do Tempo

  • (1) Diz o Pe. Harald Fischer, Decano da igreja católica em Kassel: “no Dia dos Namorados, temos abençoado todos os casais que vêm à igreja desde há anos, independentemente de serem casados, divorciados ou do mesmo sexo”.
  • (2) Até 1973 a Organização Mundial de Saúde (OMS), entidade ligada à ONU, afirmava que homossexualismo era distúrbio psicológico. No Brasil, o Conselho Federal de Psicologia (CFP) publicou uma resolução em 23 de março/99 proibindo os psicólogos de dizerem que podem ser ajudados a mudar sua orientação sexual. Pedofilia, homossexualismo é visto ora como doença, ora como desvio comportamental, dado a ciência não encontrar explicação convincente que façam uma pessoa homossexual (factores inactos (DNA), factores adquiridos e factores psicológicos. Trata-se de uma aceitação de tipos de relacionamentos. Muitos homossexuais sentem-se no direito de uma vida digna e em face ao preconceito caem no isolamento e na depressão; ninguém escolhe o isolamento nem é masoquista a ponto de gostar da exclusão. Alguns artigos meus relacionados com o temas : Porque não considerar sexualidade e espiritualidade como energias complementares… Celibato – Ontem uma Bênção – Hoje um Problema. O caracter apelativo do sexo e ainda Mulher de fraudada e Casamento civil para homossexuais : https://triplovblog.wordpress.com/2015/06/18/casamento-civil-de-homossexuais/

 

 

TOLERÂNCIA E PRECONCEITO – DOIS PRESSUPOSTOS DO PENSAMENTO

Como o Rebanho a pastar no Lameiro do politicamente Correcto da Polis

Por António Justo

Todos nós estamos mais ou menos prisioneiros da época em que vivemos. Por isso condenamos facilmente outras épocas e tempos, sem notarmos que o motivo que nos leva a condenar apressadamente o passado e os outros é o mesmo que impede de condenarmos o que se passa em nós e no nosso tempo.

Uma necessidade intemperada de definição e de identificação leva-nos a definir o outro como o oposto para assim nos vivenciarmos como próprios; se nos definíssemos no Outro, com letra maiúscula, certamente encontraríamos muito de comum em nós e nos outros e nos sentiríamos agradecidos por através deles nos sentirmos mais nós. Objecto de análise terá de ser sempre nós e os outros no tapete do passado e do presente numa perspectiva de futuro.

Quando se vê o problema, a culpa só nos outros significa que anda não nos conhecemos bem e deste modo não se não nota a necessidade de mudar. Deste modo se dissimula e abafa a justiça. Porém só a veracidade e a compreensão têm futuro. As instituições e ideologias podem ser bengalas a que nos apoiamos, mas seria um atraso de vida andarmos sempre agarrados a elas.

Até as leis e a jurisprudência, que parecem tão objetivas, incluem uma grande margem de interpretação, para poderem ser aplicadas segundo o “zeitgeist”, dos  interesses e princípios que se vão mudando ao longo do tempo. Por isso as leis têm um espaço de discernimento (discricionariedade judicial) além do  caráter político.

O julgamento do tempo é geralmente o pensar politicamente correcto (o crivo) que se pressupõe corresponder à ideologia da classe dominante para a maioria ou à lógica considerada certa. Em vez de nos referenciarmos com o Outro somos enredados na visão do Zeitgeist.

Os tempos mudam rapidamente, as mentalidades levam muito mais tempo a mudar-se; quanto às opiniões a mudança anda a par com a capacidade de reflexão pessoal e com as circunstancias acompanhantes.

Na sociedade contemporânea o Zeitgeist impede a reflexão e uma análise objectiva sobre a relação entre a realidade e o que somos levados a apreender dela. Hoje em dia, as reivindicações morais dos indivíduos estão acima da lei e da ordem (cf. Carla Rackete). Democracia sem leis não funciona. Tudo depende de todos, uns completam o que falta aos outros, por isso quanto mais todos mais tudo.

Num meio simplicista que divide a sociedade, a política, a crença em bons e maus a reconciliação não entra em jogo. Impossibilita-se a compreensão da mentalidade do adversário porque não se reflectiu sobre a nossa.

© António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo

In “Pegadas do Tempo”

PORTUGAL TAMBÉM MERECERIA UMA ALTA CONSCIÊNCIA NACIONAL

Ramalho Eanes descreve a Realidade portuguesa de maneira lúcida

Por António Justo

O Portugal republicano traz consigo um problema que o tem impedido de se tornar numa república adulta com eficiência semelhante à da república Suiça ou de outros países europeus pequenos.

As elites portuguesas, demasiadamente ocupadas na defesa dos interesses de grupos corporativos, não têm contribuído para a formação de uma consciência nacional própria; por isso falta a Portugal uma instância ética de moral social. Isto fomenta  um discurso paralelo não analítico, meramente emocional,  puramente tudo de escape.

Na falta de uma consciência pública nacional, os governantes passam a ser a única referência para o povo (originando-se um discurso político-social à semelhança do futebol). Por isso, um povo tornado população, abdica de se ocupar do interesse colectivo e passa a estar apenas atento aos cães de guarda do sistema que seguem como ovelhas bem-educadas e habituadas a confundir a voz daqueles com a voz de Portugal.

O que o ex-presidente Ramalho Eanes disse na sua conferência de 24.06.2019 sobre “Portugal: as crises e o futuro” (1), descreve, de maneira preclara, a realidade de Portugal: facto este que o povo não pode reconhecer, devido ao nevoeiro do “pensar politicamente correcto” a que está submetido, e que os políticos não querem ver para continuarem na apagada e vil tristeza do “continue-se assim”; por isso impede-se um discurso crítico que vá estragar o grande negócio que a corrupção proporciona às corporações políticas, económicas e culturais  que beneficiam dela!  Além disso, a classe determinante serve-se do complexo de inferioridade de muitos educados a não tolerar sequer crítica construtiva porque “Portugal é o melhor”! Em vez de se implementar a formação de uma consciência ética social portuguesa, os interesses de grupos portugueses organizados em corporações estão empenhados em criar na opinião pública um patriotismo rasteiro de adeptos.

Muitos censuram o atual Presidente por não colocar na ordem do dia o tema da corrupção, como faz o ex-presidente. O senhor presidente da república é, porém, uma peça do sistema e como tal mais interessado em branquear as constatações de organizações independentes que apontam para o problema de Portugal. Quer-se um Portugal para “inglês ver” e para alguns beneficiados do sistema poderem passear por instituições estrangeiras de rosto levantado. O atual presidente, Rebelo de Sousa, considera a questão “sensível” porque sabe que se a sociedade portuguesa tomasse o assunto da corrupção a sério isso teria repercussões internacionais, ao chamar a atenção do jornalismo internacional (Este fala do que os jornalistas internos falam!). Por isso importa abafar a questão. Falar de corrupção incomoda o negócio e incomodaria os rostos lavados que se querem em Bruxelas. (Por vezes ganha-se a impressão que Bruxelas premeia portugueses que não fizeram bom serviço na defesa dos interesses do país!)

Dizer o que o ex-presidente constata não cai bem nos ouvidos de um patriotismo balofo de que bem vivem os que deveriam notar o que se passa, mas parece ser melhor viver-se desapercebido à custa do Estado alimentado por contribuintes demasiadamente explorados.

Algumas frases do ex-presidente Ramalho Eanes, que marcam um testemunho fidedigno do que se passa em Portugal: “A corrupção é uma “epidemia que grassa pela sociedade” onde “o mérito foi substituído pela fidelidade partidária” num Estado onde “a administração pública foi colonizada” pelos partidos, sobretudo pelos do “arco do poder”.

“Não há uma crise da democracia nem do regime, mas há uma crise da representação” e onde a relação entre eleitores e eleitos é “praticamente inexistente”.

Os deputados reduzem-se a serem “mais delegados dos partidos do que representantes dos eleitores”. Por isso “muitos eleitores não se sentem representados no poder político”. Também a Justiça e as contas públicas não escaparam ao olhar atento do General.

Que faz o senhor Presidente da república? (3)

Homens como Eanes precisam-se em todos os sectores da sociedade; um papel especial seria de esperar das artes, para se poder formar uma consciência nacional a que todos devam prestar contas (Estas por vezes encontram-se sob a dependência da promoção partidária ou pública e, deste modo condicionadas à subserviência do oportuno).

A falta de uma consciência nacional geral leva o corporativismo português a narrar os factos sem ligar a eles e deste modo a fomentar a atitude do ninguém liga. Por isso a integridade deste ex-presidente não encontra eco eficiente. Precisa-se de pessoas de intervenção que expressem os interesses do país e o sentimento do povo e formem também a sua consciência; doutro modo anda tudo à deriva de qualquer fala-barato, como se a opinião pública se reduzisse a ouvintes de um relato à maneira do futebol!

© António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

LIBRA – A MOEDA DO FACEBOOK

De Democracias partidárias para Democracias por acções?

António Justo

Com o anúncio do Facebook de querer criar uma moeda (Libra) digital, no primeiro semestre de 2020, os Bancos nacionais encontram-se em estado de alerta, pelo que isso implicaria para o sistema bancário em geral e para os reagrupamentos de interesses nacionais.

Para o banco alemão “o Facebook poderia tornar-se no maior gestor de activos do mundo e, deste modo, relevante no sistema.”

Os bancos centrais deixariam de determinar as regras do jogo, o que se tornaria um problema para o branqueamento de capitais, o financiamento do terrorismo e a evasão fiscal. Um outro aspecto importante que levará todos os governos a levantarem-se contra uma possível moeda concorrente  vem do facto de que, com tal criação, os governos deixariam de ter um instrumento importantíssimo no controlo dos cidadãos  como é a rede dos bancos (o número da conta bancária, tornou-se a nível de controlo indirecto dos passageiros, um índice seguro sobre quem viaja de um país para outro).

De facto uma moeda digital do Facebook, que tem 2,7 mil milhões de utilizadores, poderia possibilitar a milhões de utilizadores diários pagarem bens e serviços a preços mais reduzidos.

Pôr-se-ia a questão se dinheiro do banco central seria mais seguro do que o dinheiro privado. A verdade é que a concorrência, em geral, beneficia o cliente.

O jornal BILD informou que após o anúncio do Facebook de publicar sua própria moeda digital, o preço da criptomoeda Bitcoin subiu rapidamente em curto espaço de tempo, atingindo a maior cotação desde 2018 (1).

Hoje já se fala que a moeda Libra deve estar indexada ao euro e a outras moedas e e estar sujeita ao IVA nas transacções.

Este seria mais um golpe na soberania dos Estados e um passo largo na realização do capitalismo liberal.

Os banqueiros apontam para o perigo de os estados-nação se tornarem dependentes de uma única corporação gigante como Facebook.

De acordo com o Wall Street Journal, o Facebook tem apoiantes, entre eles, as duas empresas de cartões de crédito Visa e Mastercard, o provedor de serviços de pagamento PayPal e o provedor de serviços de viagens Uber (2).

Se é bem verdade que os Estados precisam de instituições que temperem a ganância de impostos dos governos, é certo que uma tal medida, sem regulação estatal, corresponderia a mais um grande passo  na implantação da total ditadura do capital e do dinheiro como único elixir existencial.

Será que o nosso sistema de democracia partidária não se tornaria numa democracia por acções?

© António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo, https://antonio-justo.eu/?p=5495

 

O DILEMA DA ALEMANHA É O IMPASSE DA UNIÃO EUROPEIA

Paradoxo do Centralismo francês versus Federalismo germânico

Por António Justo

O dilema da EU resume-se no confronto de dois sistemas de organização político-administrativa e na dualidade de interesses de uma Alemanha que é demasiado grande para ser só nação e demasiado pequena para ser império! A Alemanha como fulcro da Europa teria de estar, por natureza, virada para leste (Rússia) e para o ocidente (países latinos), o que implicaria a consequente implementação dos seus interesses económicos nos dois sentidos e consequentemente uma certa desquitação europeia dos EUA, o que inquietaria a França e outros países da EU. Devido à sua situação geográfica e social-histórica, a Alemanha, a longo prazo, não poderá deixar de oscilar entre o expandir da sua influência no sentido do Leste e no sentido do ocidente (e sul). (A mudança da Capital de Bonn para Berlim é também consequência da sua resposta à fidelidade histórica). Um outro aspecto que, no meu entender, a opinião publicada na praça pública tem menosprezado é o facto de a Alemanha resumir federalmente nela a grande ideia europeia de Carlos Magno, “o pai da Europa”. A Alemanha federal já realizou de maneira exemplar o caminho que a EU terá de realizar, não por convicção, mas por força das circunstâncias económica e estratégicas mundiais (o afirmar-se de novas constelações concorrentes, como China e grupos supranacionais).  

A atual filosofia centralista de Bruxelas corresponde a uma violação dos seus próprios interesses e do seu génio pois quer amarrá-la definitivamente aos romanos e por outro lado despreza os processos de desenvolvimento da independência histórica das diversas soberanias europeias.

Os países latinos, de pensamento mais abstrato e centralista, não estão dispostos a aceitar a realidade da influência económica germânica nem a compreender a dicotomia dos interesses de um país forte no centro e norte da Europa.  A União Europeia, fora de sentimentalismos bairristas, para ser construída com equidade, terá de ser construída a partir da Alemanha e, para já, no sentido de uma confederação de Estados.

O Brexit é um aviso e terá de constituir para a Alemanha, um grande momento de reflexão crítica sobre o constructo da EU até agora artificialmente produzido. Consequentemente, a EU que temos, precisa de uma substancial remodelação a nível de concepção e de modelo de realização (repensar a organização política de vários Estados num „Estado federal” que, a nível internacional, perdem autonomia, porque as constituições estatais se teriam de se subjugar a uma constituição central). De considerar que o que hoje a inteligência não vê, amanhã a necessidade obrigará.

Trump que joga com o dilema germânico, também dilema da Europa, tenta cativar o Reino Unido no sentido do império anglófono e ao mesmo tempo enfraquecer a Europa, debilitando a Rússia, com o aumento da presença militar da NATO na sua fronteira e com a implementação de sanções económicas. De notar também a agressividade do governo dos USA contra o atual empreendimento russo-alemão de construir um gasoduto entre os dois países. As guerras são sempre de base económica e ideológica no sentido de formar hegemonias…

O problema alemão não resolvido historicamente será o de se decidir por expandir no sentido leste ou oeste. Os USA e a França farão tudo por tudo para que a Alemanha se vincule exclusivamente ao Ocidente europeu. Forçar a Rússia a unir-se à China constituirá, porém, um erro europeu histórico que adiará o natural processo de desenvolvimento e definição europeia.

A EU tem de arredar caminho na sua estratégia de desautorizar nações membros e de se armar em juiz sobre os países a ponto de os humilhar, como tem acontecido a membros que se manifestam ainda adolescentes nas suas atitudes e exigências. A estratégia de fomentar oposições ou de se castigar grupos rebeldes num país membro corresponde a uma estratégia de guerra e não de paz, ao contrário do que se pretende defender com a criação da EU como espaço de paz. A Europa, atendendo à sua História e à história dos diferentes países, está vocacionada a tornar-se antes numa confederação de Estados e não primeiramente numa apressada federação em que estes teriam consequentemente de renunciar à sua soberania, historicamente alcançada depois de muitos séculos de lutas.

O Presidente francês Emmanuel Macron disse na TV suíça (11.06.2019) que daria o seu voto a Ângela Merkel para Presidente da Comissão Europeia, embora a chanceler alemã tenha já excluído essa hipótese. Mácron disse aí que a “Europa precisa de personalidades fortes que tenham uma credibilidade e competência pessoal para preencher as posições” (Talvez sob esta proposta se encontre a esperança de uma mulher germânica amarrar mais a Alemanha aos interesses da Europa do Sul!). A concretização dessa proposta resolveria o empasse da escolha em via para tal posto, mas não resolveria a questão de fundo da EU. A questão a resolver consistirá em transformar o constructo EU numa instituição orgânica europeia. O Povo a acordar não quer que Zeus desvie a Europa para fora dela… Segundo a mitologia grega a Europa era uma princesa fenícia que deu o nome ao continente Europeu. O Deus Zeus apaixonou-se por ela e para passar desapercebido aos ciúmes de sua mulher transformou-se num touro misturando-se nos reses de touros do pai de Europa e como era brilhante e manso seduziu a princesa Europa, que ao colocar-se no seu dorso se viu transportada rapidamente para Creta onde desfrutou dela, abandonando-a mais tarde.

Nos últimos 70 anos, o crescimento económico tem garantido a Europa pacífica… agora que “outros valores mais altos se levantam” como a (China) e em que o povo se começa a intrometer no processo da EU instam grandes transformações. Um aparelho burocrático a que falta a alma (povo), se não arrepia caminho, corre, cada vez mais o perigo de se transformar numa ilusão…

O centralismo exagerado foi o coveiro de grandes civilizações. O que está em jogo na EU é a velha luta europeia entre o centralismo francês e o federalismo germânico e entre a hegemonia americana na Europa e uma Europa que possa olhar de olhos nos olhos os EUA, além da falta de realismo de que grande parte da Rússia é europeia (ao contrário de uma Turquia que já o foi e cujo movente é puramente económico).

A experiência feita dos nacionalismos como fonte de guerra e o seu ressurgimento atemoriza muitos bons pensantes europeus (de momento, porém, tais movimentos não expressam mais que a necessidade de correpções num conceito de EU talvez demasiado capitalista-socialista).

A EU como a Europa encontram-se em contínuo processo de mudança tendo, depois da II Grande Guerra, criado vários laços circunstanciais (1).

A EU tem estado a ser construída em contradição com a dinâmica da formação natural orgânica das estruturas de um Estado. Daí o Brexit e os movimentos nacionalistas surgentes como sintoma de um problema maior: o da oligarquia burocrática de Bruxelas atrelada a um globalismo liberal anónimo e sem limites. Tem-se feito muito trabalho louvável, mas falta a coesão que lhe daria vida e esta chama-se povo.

A EU tem de ser refeita; o permanente estado de crise de Bruxelas vem principalmente do facto de os seus actores terem querido fazer do cume da pirâmide a sua base ao ignorar povo e a tradição. A oligarquia transforma-se assim numa espécie de Olimpo longínquo em oposição aos terráqueos. Tudo seria mais fácil se não fossem as duas almas da europa a terem de ser metidas num só corpo (EU): o génio federalista alemão ligado à terra e o génio centralista francês mais um parto de cabeça e por outro o génio católico latino em confronto com o protestantismo nórdico. 

Não admira que o Presidente francês Mácron esteja a avançar com o seu desejo de liderar o discurso sobre a reorganização de uma UE (2) a fim de a modelar no sentido centralista do tipo francês (3); é também compreensível que os alemães se mostrem reservados, embora uma verdadeira União Europeia possa ser mais bem acomodada, posteriormente, num molde federalista à semelhança do alemão.

A hora dos alemães só chegará depois de alguns erros economicistas e de alguns exageros latinos. Os movimentos nacionalistas, que se encontram de vento em popa apesar das anticampanhas da classe estabelecida nas capitais europeias, são a melhor prova de como tem sido mal encaminhado o discurso sobre a Europa: um discurso demasiadamente orientado no sentido autoritário e autocrático provoca o desrespeito nos relegados a espectadores. A agressão que durante anos se cultivava contra Angela Merkel e o seu Ministro da Economia, nalguns estados latinos, pode considerar-se em parte equivocada ao querer reduzir o espírito alemão ao aspecto económico.

Objecto de uma discussão séria seria o discurso sobre a elaboração de um superestado central ou de uma confederação, e assim se ultrapassar um discurso público reduzido ao economismo. A observação das duas mentalidades pode ser constatada no partido francês de Le Pen que luta no sentido de uma soberania nacionalista centralista e no partido alemão AfD que centra o seu discurso mais num contexto europeu cultural que colmataria numa EU – uma confederação de estados que respeite a gene de uma europa das nações. Uns e outros metem o pé na poça, como é natural em movimentos reagentes.

Que seria dos bons se não houvesse os maus e que seria dos maus se não houvesse os piores nem os melhores! Do desprezo recíproco surge a energia alimentadora da guerra que descrita na perspectiva do discurso de uns e dos outros só pretende o bem, o desenvolvimento.

© António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo (História e Português)

In Pegadas do Tempo

 

  • (1) A crise do carvão na França levou a França a aproximar-se da Alemanha em 1950, através da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço, considerada por Robert Schuman como a “primeira etapa da federação europeia”, a criação da OECE como resposta ao Plano Marshall (1948), a criação da NATO em 1949 sob gerência dos USA e que culmina no reconhecimento dos USA como a grande potência mundial, relativizando os tradicionais potentados nacionais internacionais vigentes até à primeira guerra mundial).
  • (2) ALEMANHA FEDERALISTA CONTRA FRANÇA CENTRALISTA NA REFORMA DA UNIÃO EUROPEIA? https://antonio-justo.eu/?p=5353
  • (3) MACRON QUER A REFORMA DA UNIÃO EUROPEIA QUE OS PAÍSES NÓRDICOS NÃO QUEREM https://antonio-justo.eu/?p=4764