A COR DO PRESIDENTE

Uma Era Incolor
António Justo
Afinal o mundo não parece tão mau como é. Desenvolve-se, pouco a pouco, devido à coragem e ao espírito de resistência de alguns. A eleição de Obama para Presidente só pode ser compreendida no processo de desenvolvimento humano manifestado na luta de Martin Luther King.

Não sei se o problema da designação da cor da pele constituirá só um problema dos “brancos” e da sua má consciência ou também estará carregada de sentidos para os “pretos”. Pelo sim e pelo não, o facto de se colocar a questão revela que não nos somos indiferentes e mostra a vontade de queremos ser mais justos uns com os outros e o desejo de nos entendermos. De facto, a ideia leva à acção, como demonstra o hipnotismo.

Objectivamente falando Obama não seria preto atendendo a que o pai era preto e a mãe era branca. Apesar de filho de mãe branca Obama Barack é tido como preto ou negro. Para alguns a palavra preto está sobrecarregada de ideologia discriminatória. Recorda uma história que deveria colorir o rosto dos brancos.

Há sessenta anos era moda dizer-se “de cor” em substituição da palavra “negro”. Há 15 – 20 anos, procurou-se evitar a palavra preto substituindo-a por “afro-americano”. Também esta designação conota a origem geográfico-cultural com que muitos se não identificam.

Embora Obama lute pela superação das barreiras das cores, ele declara-se pertencente à comunidade preta, designando-se a si mesmo como “a black man” e sente-se como fazendo parte da comunidade preta (black community”). A sua esposa é preta e os seus filhos são pretos também. Ele mesmo diz: “Que eu sou designadamente um preto, noto-o, o mais tardar, então quando em New York procuro fazer um sinal a um táxi”.

Na discussão das cores cada um dá às palavras que as designam a sua coloração afectiva que tem a ver com a própria experiência e cultura. As conotações projectadas no adjectivo vão da escravidão, à separação racial, à exploração económica, etc. Cada povo, cada pessoa tem uma relação especial com determinadas palavras. Assim, um chinês associa ao branco qualidades que o Ocidente atribui ao preto. Enquanto que o brando é uma cor do luto para o chinês, para os ocidentais o luto é associado com a cor preta.

A mesma subjectividade se dá também na palavra América (USA) que para uns é conotada como “país da liberdade”, para outros como o “reino do diabo”, para outros como um país num continente, etc., etc. Cada um se agasalha debaixo dos seus preconceitos. Em certo contexto, chamar Homem ao ser humano poderia também tornar-se uma ofensa ao hominídeo. A linguagem que usamos revela muito sobre nós mesmos. Não somos eunucos quando falamos.

A questão não está na cor da pele mas no que ela tem significado para muitos. O apostar na cor preta pode implicar, em certos casos, uma posição contra o racismo, uma opção pela mudança.

Tal como em muitas outras coisas usam-se designações sem rigor sujeitas às mais diversas conotações e generalizações. Problema seria sem em nome duma definição objectiva se entrasse na guerra por uma definição, sem contemplar o Homem. O colocar-se o problema tanto pode revelar o preconceito, como uma tomada de consciência para o significado das palavras e para o que elas podem provocar. O reconhecimento de preconceitos individuais e culturais é o primeiro passo no longo caminho do encontro duns com os outros. O problema está já no nosso sistema de pensamento: o preconceito é inerente ao conceito. Importante é reconhecer-se este condicionalismo humano. A questão está também no objecto do nosso motivo e interesse. O que importa é defender a humanidade que se encontra por baixo das cores das peles.

Gandhi conta na sua autobiografia que estava convencido que o Cristianismo era a resposta para o flagelo do sistema das castas na Índia. Ele pensava seriamente em tornar-se cristão. Um dia, na África do Sul, dirigiu-se a uma Igreja para participar numa missa. À entrada foi-lhe dito parta ter a bondade de participar numa missa reservada a pretos. Gandhi foi-se embora e nunca mais voltou. As ideias e os ideais podem ser o melhor; quem estorva são muitas vezes as pessoas.

Na discussão do espectro das cores a palavra preto ou branco parece-me a mais neutra embora cada biótopo geográfico e cultural tem a sua dinâmica a respeitar. O problema está latente em todo o ser humano que reage com medo ao desconhecido. Assim a experiência com bebés brancos e pretos mostra que o bebé preto reage com medo perante o branco e o bebé branco reage com medo perante o preto. Se virmos bem o homem branco não é mesmo branco nem o homem preto é mesmo preto.

Obama tem a cor da esperança, da justiça e da mudança. Ela é um protesto contra uma humanidade que tem abdicado de ser humana no sentido digno do termo. Ela é protesto, resistência e constitui programa para um mundo mais colorido, onde cada qual receba a possibilidade de se tornar ele mesmo. Como nele se combinam as cores, a nova era terá que deixar de continuar o diálogo perspectivo (dualista) para se iniciar a Era do triálogo relacional aperspectivo (integral trinitário).

António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com

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A AMÉRICA ELEGEU UM PRESIDENTE PRETO

América mais universal e menos americana

António Justo
Os Estados Unidos da América elegeram o seu primeiro presidente preto, 150 anos depois da libertação dos escravos. A América apresenta-se com um rosto novo ao mundo! Ao eleger um presidente preto, reconcilia-se consigo mesma e com o mundo.

Barack Obama conseguiu entusiasmar a América pela política. A participação eleitoral alcança um novo recorde. 153 milhões de cidadãos participaram nas eleições conseguindo Obama 52 % dos votos para si. A 20.o1.2009 tomará posse como presidente. O 44.° Presidente da USA apresenta muitas semelhanças com o presidente Kennedy que então foi o símbolo duma nova América.

Com a derrota de McCain a USA despede-se duma era histórica nostálgica de vitória e de força no mundo.

Num momento em que o sonho americano sofre as primeiras arranhaduras com a crise financeira, a USA procura um novo papel na história. Barack Obama personifica o sonho americano de vida, liberdade e felicidade. Ele consegue subir, com o próprio esforço, duma situação modesta ao mais majestoso cargo da América. Os votos em Obama são mais que os votos num partido. São os votos dum movimento, o grito da esperança que surge da profundeza da sociedade americana. Na vitória do partido democrático está presente a desilusão de políticas falhadas e a esperança daqueles que levantam a mão, no desejo de verem os seus interesses chegarem à ribalta da nação. Por todo o lado se torna latente o desejo dum novo começo.

Obama, na sua campanha eleitoral, procurou um novo estilo de discurso. Tentou superar os clichés ideológicos de direita e de esquerda, de Etablishment e de carenciados. Com estilo deixou alguns alertas dignos de escrita no álbum dos partidos: “Não há uma América liberal e uma América conservativa – há os Estados Unidos da América”. Aqui, Obama não se revela como um político normal. Ele quer construir pontes para melhor servir o povo americano.

Às águias do poder, que questionavam a sua experiência, ele responde:”Trata-se da capacidade de discernimento e não da experiência”. A América, tal como ele, é jovem e na sua juventude antecipa o futuro. Obama fala, no plural, dum futuro melhor onde “nós todos encheremos o sonho americano com nova vida, onde todos terão, verdadeiramente, as mesmas chances”. A América é sempre jovem porque a sua elite sonha e com ela o povo também. Nela a elite, com todos os seus paradoxos, não deixou de ser povo.

O povo americano elegeu uma biografia e não um programa. Na sua pessoa os americanos vêem a história da América, reconhecendo-se na sua mensagem de esperança e entusiasmo.

Todo o Mundo olha para a América porque sabe que grande parte do seu destino depende dela.

A concorrência da Rússia e da China, o ressentimento árabe, o terrorismo e a inveja europeia terão um novo peso na nova era que agora se anuncia.

Embora o tema da guerra do Iraque tenha estado ausente durante a propaganda eleitoral, o seu fim não pode ser adiado indefinidamente. A sua vontade de reformar o sistema de saúde é mais que pertinente. Embora se incline para o proteccionismo económico (o que assusta os chineses) mostra-se mais liberal na política de segurança. Com ele talvez a presença militar da USA no mundo, com as suas 761 bases militares em 151 países, se faça sentir menos e a ideia imperialista presente em todas as civilizações se comece a embaçar. Com ele, os europeus querem ser tomados mais a sério. Esperam uma política que não se aproveite da rivalidade entre os Estados europeus e que assuma compromissos internacionais em questões de protecção do clima e do controlo de armamento. (O problema para Obama em relação à União Europeia será saber o que esta quer!) Os poderes que Obama tem de enfrentar são hercúleos: um mundo contraditório em si, os serviços secretos, as forças militares e económicas e uma pratica mundial em que o ser humano ainda não é tema prioritário.

Obama, filho de pai queniano e de mãe americana, desperta muitas esperanças também na África. Espera-se que ele não escreva apenas história americana. Os russos esperam, com ele, ser mais fácil recuperar o velho brilho de potência que tinham no tempo da União Soviética.

Obama não será nenhum santo. Neste sentido fala a sua carreira de político. Consta que nas escadas do poder partidário ninguém sobe sem cadáveres na cave. Além disso, as esperanças, nele colocadas, tornarão mais difícil o seu papel de presidente. As projecções colocadas no presidente eleito são de tal ordem que exigiriam dele uma pessoa sobre-humana para as satisfazer. Só resta lugar para o desencanto.

A crise financeira mostrou a necessidade duma nova ordem mundial. Uma mudança radical seria mais que óbvia.

Obama encontra, como hipoteca, a guerra do Iraque que terá de pôr fim em tempo determinado. O conflito israelo-árabe espera também por solução. A necessidade da USA se libertar da dependência dos regimes do petróleo possibilitará o renascimento da ecologia. Ele quer “um governo do povo para o povo”. A crise histórica em que o mundo se encontra não facilita o papel do presidente. Não será fácil tirar o carro da lama. A mudança em curso na América terá de se dar nas outras potências também, doutro modo o mundo não avança.

O novo presidente pode tornar-se numa oportunidade de reconciliação de muitos países com os Estados Unidos. Ele é o símbolo da nova era. Nele pode torna-se possível a integração da potência e da impotência e assim se passar da era do diálogo para a era do triálogo. A chama da liberdade deixará então de ser tão deslumbrante.

A sua vitória, integrada na sua biografia, revela a possibilidade de integração das forças do Sul com as do norte. Na sua personalidade se encontra a mistura americana, a mistura racial e religiosa. Barack Obama representa na sua pessoa a post-américa, a vontade de integração do mundo do norte e do mundo do sul. A América permanecerá sempre uma nação universal, um luzeiro que integra em si todas as culturas.

A América continuará a ser a AMÉRICA: talvez mais universal e menos americana!

António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com

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A AMÉRICA ELEGEU UM PRESIDENTE PRETO

América mais universal e menos americana

António Justo
Os Estados Unidos da América elegeram o seu primeiro presidente preto, 150 anos depois da libertação dos escravos. A América apresenta-se com um rosto novo ao mundo!

Barack Obama conseguiu entusiasmar a América pela política. A participação eleitoral alcança um novo recorde. 153 milhões de cidadãos participaram nas eleições conseguindo Obama já 57,7 % dos votos para si. O 44.° Presidente da USA apresenta muitas semelhanças com o presidente Kennedy que então foi o símbolo duma nova América.

A América ao eleger um presidente preto reconcilia-se consigo mesma e com o mundo.

Com a derrota de McCain a USA despede-se duma era histórica nostálgica de vitória e de força no mundo.

Num momento em que o sonho americano sofre as primeiras arranhaduras com a crise financeira, a USA procura um novo papel na história. Barack Obama personifica o sonho americano de vida, liberdade e felicidade. Ele consegue subir, com o próprio esforço, duma situação modesta ao mais majestoso cargo da América. Os votos em Obama são mais que os votos num partido. São os votos dum movimento, o grito da esperança que surge da profundeza da sociedade americana. Na vitória do partido democrático está presente a desilusão de políticas falhadas e a esperança daqueles que levantam a mão, no desejo de verem os seus interesses chegarem à ribalta da nação. Por todo o lado se torna latente o desejo dum novo começo.

Obama, na sua campanha eleitoral, procurou um novo estilo de discurso. Tentou superar os clichés ideológicos de direita e de esquerda, de Etablishment e de carenciados. Com estilo deixou alguns alertas dignos de escrita no álbum dos partidos: “Não há uma América liberal e uma América conservativa – há os Estados Unidos da América”. Aqui, Obama não se revela como um político normal. Ele quer construir pontes para melhor servir o povo americano.

Às águias do poder, que questionavam a sua experiência, ele responde:”Trata-se da capacidade de discernimento e não da experiência”. A América, tal como ele, é jovem e na sua juventude antecipa o futuro. Obama fala, no plural, dum futuro melhor onde “nós todos encheremos o sonho americano com nova vida, onde todos terão, verdadeiramente, as mesmas chances”. A América é sempre jovem porque a sua elite sonha e com ela o povo também. Nela a elite, com todos os seus paradoxos, não deixou de ser povo.

O povo americano elegeu uma biografia e não um programa. Na sua pessoa os americanos vêem a história da América, reconhecendo-se na sua mensagem de esperança e entusiasmo.

Todo o Mundo olha para a América porque sabe que grande parte do seu destino depende dela.

A concorrência da Rússia e da China, o ressentimento árabe, o terrorismo e a inveja europeia terão um novo peso na nova era que agora se anuncia.

Embora o tema da guerra do Iraque tenha estado ausente durante a propaganda eleitoral, o seu fim não pode ser adiado indefinidamente. A sua vontade de reformar o sistema de saúde é mais que pertinente. Embora se incline para o proteccionismo económico (o que assusta os chineses) mostra-se mais liberal na política de segurança. Com ele talvez a presença militar da USA no mundo, com as suas 761 bases militares em 151 países, se faça sentir menos e a ideia imperialista presente em todas as civilizações se comece a embaçar. Com ele, os europeus querem ser tomados mais a sério. Esperam uma política que não se aproveite da rivalidade entre os Estados europeus e que assuma compromissos internacionais em questões de protecção do clima e do controlo de armamento. (O problema para Obama em relação à União Europeia será saber o que esta quer!) Os poderes que Obama tem de enfrentar são hercúleos: um mundo contraditório em si, os serviços secretos, as forças militares e económicas e uma pratica mundial em que o ser humano ainda não é tema prioritário.

Obama, filho de pai queniano e de mãe americana, desperta muitas esperanças também na África. Espera-se que ele não escreva apenas história americana. Os russos esperam, com ele, ser mais fácil recuperar o velho brilho de potência que tinham no tempo da União Soviética.

Obama não será nenhum santo. Neste sentido fala a sua carreira de político. Consta que nas escadas do poder partidário ninguém sobe sem cadáveres na cave. Além disso, as esperanças, nele colocadas, tornarão mais difícil o seu papel de presidente. As projecções colocadas no presidente eleito são de tal ordem que exigiriam dele uma pessoa sobre-humana para as satisfazer. Só resta lugar para o desencanto.

A crise financeira mostrou a necessidade duma nova ordem mundial. Uma mudança radical seria mais que óbvia.

Obama encontra, como hipoteca, a guerra do Iraque que terá de pôr fim em tempo determinado. O conflito israelo-árabe espera também por solução. A necessidade da USA se libertar da dependência dos regimes do petróleo possibilitará o renascimento da ecologia. Ele quer “um governo do povo para o povo”. A crise histórica em que o mundo se encontra não facilita o papel do presidente. Não será fácil tirar o carro da lama.

O novo presidente pode tornar-se numa oportunidade de reconciliação de muitos países com os Estados Unidos. Ele é o símbolo da nova era. Nele pode torna-se possível a integração da potência e da impotência e assim se passar da era do diálogo para a era do triálogo. A chama da liberdade deixará então de ser tão deslumbrante.

A sua vitória, integrada na sua biografia, revela a possibilidade de integração das forças do Sul com as do norte. Na sua personalidade se encontra a mistura americana, a mistura racial e religiosa. Barack Obama representa na sua pessoa a post-américa, a vontade de integração do mundo do norte e do mundo do sul. A América permanecerá sempre uma nação universal, um luzeiro que integra em si todas as culturas.

A América continuará a ser a AMÉRICA: talvez mais universal e menos americana!

António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com

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A Crise Financeira é uma Crise do Capitalismo e do Socialismo

UM ESTILO DE VIDA PROGRESSISTA MAS SEM FUTURO
António Justo
Com a crise do sistema financeiro, a globalização do medo real tornou-se um facto palpável. Não há civilização que não esteja implicada nas causas e consequências do furacão que teve origem na Wall Street. Esta crise financeira transforma-se numa crise económica universal que tocará com o preço das matérias-primas, com o bolso dos empregados, com a localização dos centros de produção das grandes multinacionais que privilegiarão as nações de proveniência contra as economias mais fracas. Ai dos países endividados! A recessão em curso atingirá as camadas mais fracas da sociedade ocidental e os países mais carenciados. Tudo isto é a consequência do agir de elites que, num mundo da quimera, trocaram a realidade pelo virtual.

Pouco a pouco também a cidadania se torna virtual e o povo vive em segunda mão. No passado o Homem era a medida de todas as coisas. Agora na era da nova espécie, no tempo do Homem cliente – consumista, e duma elite de Zés Pereiras, tudo vale; não há medidas, não há normas nem há regras. E o Zé Povo, condenado a acreditar, a confiar na fé de construção duma sociedade progressista baseada numa ética barata e oportuna, já não à medida do cidadão mas do proletário. A chanceler alemã, Ângela Merkel, ao afirmar que “o Estado tem de ser o protector da ordem” tocou um ponto nevrálgico da sociedade ocidental. Para se chegar porém a esse facto, pressupõe-se que o sistema partidário descubra primeiro o povo e a nação.
Os Estados estão a saque
Na Europa, os Estados, especialmente depois da queda do muro vermelho (muro da vergonha), passaram a estar cada vez mais a saque de ideologias políticas que ocuparam a ideia de democracia, instalando democracias de cariz partidário autoritário e monopolista, cada vez mais longe da realidade e do povo. Um socialismo rasteiro infiltrou-se nas mentalidades e nos quadros da sociedade ajudado pelo descrédito da velha sociedade do período fascista europeu. Na desordem e na confusão prosperam e legitimam o ilegitimável e os conservadores fracos passam a correr atrás de franco-atiradores.

Ao mesmo tempo a economia divorcia-se da cultura. O globalismo congrega então os interesses dum turbo-capitalismo desregrado e a ideia dum internacionalismo militante contra a terra e contra a cultura. Esta união de forças e de interesses acelera os problemas ecológicos. Não há forças conservadoras com coragem de defender a terra, o povo e a cultura. A política passou a andar ao sabor da ideologia e a economia acabou por depender da ideologia financeira, destruindo-se então a economia social.

O mundo financeiro desligou-se da economia produtiva e consequentemente também o mundo da política se desligou do cidadão considerando-o apenas sob a perspectiva do homo contribuinte. Na nova Europa, a escola e as universidades têm-se vindo a tornar em estaleiros para a indústria e para o comércio. Tudo tem de trabalhar a tempo pleno, correr de empreg para emprego, sem respeitar os tempos sagrados de descanso do Homem nem a sua dignidade. Tudo se sacrifica à produtividade, na banalidade dum factual alheio à realidade da natureza e do Homem.

As elites económicas e políticas tinham-se unido premiando o endividamento do povo, pretendendo criar um homúnculo consumidor e gastador em função das receitas da empresa e do Estado. O seu conceito fazia lembrar uma equipa de futebol em que só os jogadores marcadores de golos têm direito a ganhar, e para melhor em campo sem árbitro! Agora que os avançados se encontram aparentemente atolados na lama, os políticos procuram o assobio entretanto substituído pelo barulho das próprias claques.

A especulação chegou a tal ponto que, em vez de se fortalecer o poder de compra do consumidor, através dum ordenado justo, se despreza o trabalho do operário e se especula com trabalhadores mais pobres ainda doutras terras. Se antigamente as guerras se davam entre povos na defesa dos interesses das elites dos respectivos povos, hoje as guerras são realizadas entre as classes mais baixas dos diferentes povos para que as novas elites de mercenários beneficiem delas, dando-se também ao luxo de marginalizar a classe média, o verdadeiro motor das sociedades.

À semelhança dos fanáticos das montanhas do Afeganistão, também a nossa elite, por nós alimentada e legitimada, se refugia nas suas torres de marfim. Cada um olha do seu alto a realidade do mundo e do cidadão com altivez e desdém! A exploração ideológica e económica nunca andaram tão juntas e nunca foram tão descaradas como são hoje.

A Europa, nos últimos vinte e tal anos, tem destruído a sua personalidade e desmantelado o seu rosto humanista. O turbo-capitalismo e o socialismo uniram-se contra o Homem, contra a natureza e contra os biótopos culturais e humanos. Já não há sagrado, não há pátrias nem família que se não ponham à disposição. Da colonização externa passa-se à colonização interna. Com a morte de Deus morre o Homem, morre a sua interioridade, a sua ipseidade, aquilo que lhe dá dignidade! O Olimpo foi assaltado por novos deuses que nem a alma já respeita da pessoa agora socializada e reduzida a opinião de cliente.

Tudo cede às leis do mercado especulador. A nossa sociedade continua a recusar tornar-se adulta e ainda se arroga a vaidade de se comparar com outras. Prefere viver entre o medo adolescente e a exploração. De facto, nela tudo se torna cada vez mais instável: a vida social, a vida profissional, a vida familiar e a própria vida existencial. Se antigamente se pagava o medo com o Paraíso hoje paga-se com o voto e com o mercado. Viver torna-se num risco cada vez mais presente e consciente porque se opta por uma forma de vida em segunda mão. Se nas sociedades primitivas o Homem tinha medo das feras ameaçadoras hoje tem de recear os monstros que ele mesmo criou. As pessoas, com o medo, fogem à vida, tornando-se vítimas de muitas das ideias e das estratégias de fuga.

Assim, abdica-se da humanidade, no medo de perder o emprego, na insatisfação de ver o custo de vida aumentar e na insegurança duma reforma hipotecada. O Estado e a economia tornaram-se, também eles, nossos rivais. São, por vezes, mais um factor de insegurança do que de segurança. A lei da concorrência, a todos os níveis, parece ter-se emancipado da biologia já de si selectiva para se tornar na prática da concorrência pela concorrência. Cada vez se exige mais, se trabalha mais e se vê menos. Se antigamente o homem lutava primariamente contra as adversidades da lei da natureza, hoje, além desta, tem a luta contra as adversidades das forças institucionais que se apoderaram da cultura.

Também o sistema de saúde, que deveria sanar igualmente o medo dos pacientes, se torna, cada vez mais, no purgatório destes e no paraíso da indústria farmacêutica e de políticas de clientelas elitistas. A sociedade actual, em vez de tentar orientar-se para o fomento duma sociedade média mais estável, alargada e humana, nivela-se pela camada mais precária.

Se queremos a globalização, teremos antes de humanizar a economia e a relação social no respeito pelas ecologias. Agora que o homem vai atingindo uma consciência global torna-se mais premente a necessidade dum governo mundial mas que parta do Homem para o Homem, doutro modo o anonimato das superstruturas farão definhar os vestígios de humanismo ainda presentes nalgumas instituições. Apesar do vírus da rotina e do acomodamento não estará tudo perdido e o Homem encontra sempre uma saída. Há que encontrar primeiro o Homem para depois se recriarem as instituições.

António da Cunha Duarte Justo

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Liberdade Hipotecada

NÃO CHEGAM NOVAS REGRAS PARA A ECONOMIA
Liberdade Hipotecada
Antonio Justo
A crise financeira internacional revela a urgência de voltar à economia de mercado social pautado pela responsabilidade social e individual tal como exigem críticos do turbo-capitalismo e sugere a doutrina social da igreja. Para isso precisam-se cidadãos fortes num estado forte. A crítica analítica (não a sociedade proletária socialista) de karl Marx ao capital revela-se como correctivo oportuno às fúrias dum capitalismo atrevido que cada vez despreza mais as leis de trabalho.

Esta é a hora do Estado, a hora da segurança, a hora dos políticos e a hora da burocracia. A ideia da liberdade tornou-se frágil perante a necessidade de segurança agora prioritária! A crise leva à consciência da liberdade hipotecada.

Esta crise poderia dar oportunidade ao nascimento dum novo sistema financeiro mundial orientado para o povo e para os povos. A História apenas reage, não parece predispor de tempo para pensar e agir a partir duma nova perspectiva. Neste momento todas as energias se dirigem no sentido da estabilidade do Estado e do sistema financeiro, passando a questão da necessidade duma nova ordem social e da justiça social para um lugar menos relevante. Não resta tempo para filosofar. O activismo torna-se óbvio para defender a carteira e colocar o dinheiro em segurança…

A América Latina, em vários Estados, já adivinhava a crise ao fortalecer o poder do Estado perante o mercado financeiro. É realmente necessário muita força para controlar os grandes e para poder impor-se contra a corrente do banal agendado. A História continuará a repetir e a falar das mesmas crises, dos mesmos mecanismos de poder e de opressão, acomodada à prática de que o óbvio é contra o humano.

A situação faz lembrar um doente que, em vez de procurar descobrir o sentido mais profundo da sua doença, recorre aos comprimidos e às injecções, porque só pensa em livrar-se da doença o mais depressa possível, sem pensar que a enfermidade é apenas um sinal de alarme a chamar a atenção para o estilo de vida seguido. O alarme do sistema económico dá sinais mas a política e a economia só parece estar interessada em desligar o alarme para que tudo corra como de costume. O problema permanece, sabendo-se de antemão que o alarme voltará a tocar noutra circunstância.

O Neo-liberalismo revelou-se como uma ideologia especulativa alheada às regiões e às sociedades: abusa da natureza e do Homem. O mercado livre descontrolado e desregulado conduz à omnipotência e omnipresença duma casta cínica que se apodera de todos os grupos precisando sempre de vítimas para sobreviver.

Uma economia de mercado sem um enquadramento ético e social conduz à catástrofe.

Não chega a desculpa da lógica da causa e efeito nem tão pouco se justifica o alinhamento atrás dum mercado livre na esperança de que ele tudo regulará.

O Homem tem memória curta e a massa anónima é bicho de hábitos. Em breve tudo passará à ordem do dia, do rotineiro, à conveniência da banalidade do factual. Assim, para o povo não ficar sem o dinheiro dos bancos falidos, os governos disponibilizam as verbas do povo, hipotecando as próximas gerações. O dinheiro agora emprestado aos bancos desvalorizar-se-á e o dito povo solucionará a crise com maior desemprego e pagando taxas de juro mais elevadas. Não está em discussão a tomada de medidas pelos Estados, o que preocupa é que esta seja tomada sem o povo e à sua margem; o que preocupa é o sistema!

Assim, contrariamente ao que se esperava, a América e o seu sistema parecem sair-se bem da crise. De facto o Dólar tem encarecido e o Euro embaratecido.

As elites do êxito revelaram-se incapazes. A arrogância da elite económica revelou-se precária perante a elite política. A Alemanha colocou 500 biliões de Euros à disposição de bancos em risco de falência; estes têm medo de recorrer ao subsídio público, por um lado por terem de se submeter a regras estabelecidas pela classe política e por outro lado para não manifestarem a sua fraqueza perante a sua clientela, o que poderia provocar a falta de confiança nas suas instituições.

Facto é que, na Alemanha, bancos que recorram à subvenção do Estado, terão de submeter-se a maior controlo estatal e os seus chefes não poderão ganhar mais de 500.000 euros por ano. A Caixa de Depósitos da Baviera é a primeira a recorrer à disponibilização de dinheiros públicos num valor de 5-6 biliões de euros.

Se o mundo fosse tão fácil de governar como o céu e o inferno, não seria precisa a inteligência humana. Porém, parece exigir-se demais à inteligência humana ao pretender-se acabar com o inferno de uns e o paraíso de outros.

A esperança permanecerá a riqueza de uns e a miséria de outros!

António da Cunha Duarte Justo

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