Alimentação ecológica – Um Serviço à Humanidade


Dia Mundial da Alimentação

António Justo

Hoje celebra-se o dia mundial da alimentação. A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) submeteu a comemoração do Dia Mundial da Alimentação, deste ano, ao tema “Cooperativas agrícolas alimentam o mundo”. Este constitui um pau de dois bicos se atendermos ao facto de muitas multinacionais ditarem os preços dos produtos agrícolas a cooperativas locais agrícolas, chegando até a força-las indirectamente a comprar-lhes as sementes e até pesticidas e adubos. Os arrendamento Leasing (locações) torna-se problemático.

 

O direito a uma alimentação saudável e equilibrada, num mundo já com 7 bilhões de habitantes, é tarefa difícil num tipo de sociedade cada vez mais centrado em grandes cidades.

O lema “Cooperativas agrícolas alimentam o mundo” seria muito de saudar se acompanhado duma política descentralizadora da produção e comercialização dos produtos alimentares; isto é, se se fomentasse mais a produção biológica e os biótopos locais e regionais.

 

Facto é que no mundo existem praticamente apenas 10 monopolistas que dominam o mercado mundial da alimentação. São as seguintes multinacionais: Nestlé, Kraft, Pepsico, P&G, Kelloggs, MARS, J, Unilever, JonsonJonson e CocaCola.

 

Monopolistas destroem a Paisagem e os pequenos Lavradores

 

Com o fortalecimento dos monopolistas e consequente redução da produção em poucas mãos, assiste-se também ao aumento das monoculturas e à diminuição de oferta de produtos e à destruição dos pequenos agricultores. Para se fortalecer os monopolistas os lóbis criam até leis sobre as medidas comerciáveis da banana, da maça, etc., para que as de tamanho mais reduzido e menos “luzidio” sejam impedidas, destruindo-se, assim, o pequeno lavrador e aqueles que não usam pesticidas. Os monopólios agrários vão contra a diversidade de produtos agrícolas, sendo difícil de avaliar as consequências para a saúde.

 

De facto, também dez multinacionais dominam três quartos do mercado das sementes. Monsanto (USA) domina 27% do mercado mundial. DuPont (USA) e Syngenta (CH), produzem também pesticidas. (Cf. www.saatgutfonds.de). Assim as multinacionais, entrelaçadas entre elas determinam o produto agrícola a comercializar e até a fornecimento do adubo e pesticida a utilizar..

 

A industrialização da agricultura, concentrada em poucas firmas, leva também à monocultura destruindo assim a individualidade da paisagem, ameaçando o sistema ecológico. Uma investigação da Universidade Mochigan 2007 revela que se se procedesse à conversão da produção mundial de alimentos, em vigor, em agricultura biológica, verificar-se-ia um aumento na produção de alimentos em 50%, o que corresponderia a 4381 quilocalorias por pessoa e por dia.

 

Também a produção (reprodução) de sementes ecológicas protegeria a variedade de produtos vegetais e contribuiria para que os pequenos lavradores do interior se afirmassem não precisando de emigrar. As multinacionais fomentam apenas a produção de espécies (sementes) que necessitam de fertilizantes artificiais e pesticidas para terem boas produções e aumentarem os lucros especulativos. Na competição da manipulação biológica seria importante que os Estados se preocupassem em colaborar com universidades na produção de novas variedades de sementes adaptadas à mundivisão ecológica. Por enquanto, a compra de produtos biológicos ainda é um luxo, dado estes custarem, pelo menos, o dobro dos produtos agrícolas industriais. Os monopolistas fomentam a criação de verdadeiros campos de concentração de galinhas, porcos, etc. e roteamento de florestas. A humanidade ainda não chegou ao consumo alimentar.

 

Para se comer de consciência tranquila não chega um tratamento humano dos animais segundo as espécies a consumir. Além doutros aspectos, é preciso ter-se em conta o emprego da penicilina e hormonas no tratamento dos animais. A consequência do consumo de produtos, com tais ingredientes, vê-se já nas pessoas que cada vez se tornam maiores; há consequências que só podem ser observadas passadas várias gerações. Teologicamente poder-se-ia dizer que a Redenção de Cristo também se deu para os animais.

 

Depois da segunda guerra mundial desenvolveram-se as monoculturas com a industrialização da alimentação com a criação de espécies híbridas. Assiste-se a um êxodo das famílias do campo para as cidades. Neste ambiente os monstros da economia cada vez se afirmam mais contra os biótopos naturais.

 

O consumo de recursos para produzir um quilo de carne é hoje quatro vezes mais do que o que se precisaria para a produção de alimentação com cereais. A importação de soja para alimentar os animais destrói a floresta amazónica da américa do sul.

 

A aberração do comércio está também no facto da indústria e comércio alimentar se encontrarem nas mãos de accionistas que ganham imenso com a especulação de produtos alimentares. Um efeito colateral do grande negócio pode ver-se também no facto da produção dos peitos de frangos se reservar para a Europa rica sendo os restos exportados para África, a preços naturalmente baixos, destruindo, deste modo, os mercados locais africanos.

 

 

Urge criar uma nova ordem económica de comércio justa e humana, especialmente no que respeita à produção e comercialização de alimentos. O consumidor tem o poder de reduzir o consumo de carne e optar por produtos regionais, por amor ao solo, aos animais, às águas e ao ar. Só o consumidor poderá, através duma compra consciente, contribuir para se mudar o sistema da concorrência actual num sistema de cooperação a favor do bem-comum.

 

António da Cunha Duarte Justo

antoniocunhajusto@gmail.com

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A Alma da Europa sofre – O seu Corpo também

QUINQUAGÉSIMO ANIVERSÁRIO DO CONCÍLIO VATICANO II

António Justo

Há 50 anos (11 de Outubro 1962) a Igreja Católica apostou no aggiornamento. João XXIII convocou os bispos de todo o mundo a reunirem-se em Roma, em concílio (2.400 bispos de todo o mundo, acompanhados de 200 teólogos e 100 observadores doutras confissões cristãs, cf. HNA de 15.10.2012).

 

Na abertura do Concílio, o Papa João XXIII deixou o trono em que era transportado e seguiu a procissão a pé.

 

O Vaticano II começou por reformar a liturgia passando o sacerdote a celebrar a missa de cara virada para a comunidade. A língua litúrgica (latim) deu lugar às línguas vernáculas. A primeira ordem maior – Diácono – precedente da ordenação do padre e da consagração de bispo, passa a ser acessível a homens casados. Intensifica-se o diálogo com outras confissões cristãs (ortodoxos e protestantes) através do movimento ecuménico. Os judeus passam a ser vistos como irmãos mais velhos dos cristãos.

 

Com o concílio a Igreja procurou reconciliar-se com o mundo moderno reconhecendo a liberdade religiosa e empenhando-se no diálogo com outras religiões. O reconhecimento da Igreja católica da liberdade religiosa fundamenta-se no Novo Testamento e no facto de cada ser humano, segundo a doutrina cristã, (imagem e filho de Deus) ser portador do gene divino e como tal a sua dignidade ser intocável e ter liberdade de consciência. A igreja institucional precisou de muito tempo para reconhecer na prática, os valores cristãos que a revolução francesa secularizou. Facto é que uma religião como o Islão, que não reconhece a dignidade humana ao indivíduo, não permitindo consequentemente a liberdade religiosa à pessoa, critica o catolicismo de se ter comprometido demasiado com o modernismo e acusa a “imoralidade” ocidental como consequência da liberalização.

 

Desde o Concílio tem havido grandes discussões e controvérsias entre a ala conservadora e a ala progressista da Igreja. Em águas agitadas da História, em momentos de transição, como aqueles em que nos encontramos, não é fácil chegar-se a compromissos na base da consideração das duas alas entre si. Um problema grande para a eclésia é o facto de muitos dos seus filhos prescindirem da comunidade e se arrogarem a apresentar o seu conceito de igreja como um conceito absoluto (no caso um absolutismo contra outro), quando segundo a mística católica se deve pensar e agir não só a partir do eu mas especialmente a partir do nós (cf. Trindade). Deparamos, por vezes, com uma tendência absolutista por parte da estrutura e um individualismo absolutista por parte de muitos dos seus críticos. De que há falta são personalidades fortes dentro da eclésia. Por todo o lado se encontram indivíduos célebres aplaudidos e feitos por esta ou aquela ideologia sem preocupação pela comunidade, que como o individuo é fraca, precisando os dois de ajuda. A ordem do dia para uns e outros poderia ser: ter compaixão uns dos outros na empresa da metanoia individual e eclesial!

 

De facto, os conservadores, se não o dizem podem pensar o seguinte: o que os progressistas exigem do Vaticano já se encontra praticado pela igreja evangélica e esta parece ter ainda mais dificuldade em congregar gente no serviço religioso do que os católicos. Por outro lado, se a Igreja Católica se aproxima mais da prática protestante isso corresponde, ao mesmo tempo, distanciar-se da Igreja Ortodoxa e das outras religiões. Por outro lado, o conservadorismo e autoritarismo reinante entre os muçulmanos têm ajudado os maometanos a afirmar-se nos meios seculares europeus. Também se observa nos meios progressistas (Europa e USA) uma mentalidade racionalista por vezes à margem da fé! Uma razão sem fé é fria e uma fé sem razão é escura. A desarmonia já se encontra no ser de cada pessoa. Para uns a necessidade de salvação manifesta-se numa aspiração individualista e para outros numa ideia colectivista. A situação da igreja institucional não é de invejar. Dará erros se se orientar para o conservadorismo e errará se se movimentar para o progressismo. O único elo que dará consistência a uma igreja diferenciada é o amor. Sempre que o amor falte na relação seja da parte institucional ou da parte individual, perderam as duas partes a razão, porque o que mantem a relação entre o tu e o eu é o nós (o paráclito). Deixa de haver acção para se passar à reacção e a reacção fomenta a entropia.

 

A ideologia torna-se cada vez mais forte, querendo uma minoria europeia e americana impor a sua mundivisão como a medida da renovação sem considerar a visão doutras igrejas cristãs fora do Ocidente. Muitas vezes parece confundir-se ideologia com fé. Por outro lado seria possível uma igreja petrina forte em que as igrejas locais tivessem mais poder de iniciativa.

 

Um outro problema institucional é o facto de, no cristianismo, um bispo por poder sacramental estar à frente duma igreja e poder continuar igreja mesmo separando-se da Igreja mãe. (Em 1970 o bispo Marcel Lefebvre não aceitou a celebração da missa em vernáculo fundando a Fraternidade Sacerdotal Pio X que exige o regresso às práticas anteriores ao Vaticano II). O Papa para os não perder tem-se esforçado dando-lhes a mão, mas ao fazê-lo descontenta aqueles que querem uma igreja mais ao modo do mundo moderno. Isto torna mais difícil as conversações e os consensos. Por isso até uma minoria de bispos pode condicionar a tomada de decisões a nível do Vaticano. Também a mim me custa verificar que a Igreja Católica não dê mais um passo abrindo o diaconado às mulheres. Um presbiterado, demasiado masculino, não se encontra muitas vezes preparado para um mundo que embora de comportamento macho afectado, é, na sua alma, feminino.

 

Parece ser óbvio que a Igreja petrina se abra mais no sentido da Igreja joanina.

O catolicismo, primeiro modelo e ideal global de comunidades orgânicas complementares, tem a consciência de ser uma comunidade de crentes (Communio) no mundo e não uma cultura que se quer impor ao mundo.

 

 

O desenvolvimento da personalidade humana inerente ao cristianismo é único numa fenomenologia das culturas. Naturalmente que uma religião que fomenta o Homem adulto não pode comportar-se como outras culturas que o querem súbdito.

 

É doloroso verificar-se como a Igreja Católica é atacada, quando ela continua a ser a garante da memória da Boa Nova que dá consistência a um mundo ocidental desorientado. Uma cultura, uma civilização precisa, para subsistir, não só da masculinidade da política e da economia (corpo) mas também da feminidade da religião (alma). Portugal atingiu o apogeu da sua história no momento em que melhor soube unir os dois elementos (corpo e alma) no seu agir (Formação da nacionalidade e Descobrimentos).

 

 

António da Cunha Duarte Justo

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Os Municípios alemães empenham-se no Cultivo da Cidadania – Um Exemplo a seguir

As Comunas alemãs cultivam a Cidadania – Um Exemplo a seguir

Honrar os Idosos e as Famílias é Prática nacional

A RFA É FORTE PORQUE MODERNA E TRADICIONAL

 

António Justo
Na semana passada, desloquei-me à Baviera, Bad Wörishofen  para festejar o aniversário (90 anos) do meu sogro. Até aqui tudo seria normal se não fosse o facto de o vice-presidente da Câmara se deslocar a sua casa, acompanhado de um jornalista dum jornal da região. O vice-presidente da Câmara trouxe uma oferta da cidade e o jornalista entrevistou o meu sogro e fotografou a família; além disso, o vice-presidente entregou um documento da Câmara Municipal e um documento de parabéns do Chefe de distrito!

 

Cada comarca alemã tem a sua maneira própria de honrar idosos e famílias. Neste caso o representante da edilidade trouxe como prenda da cidade um cesto com uma toalha fina com insígnia da câmara, um licor e produtos cosméticos biológicos (à base de plantas, dado Bad Wörishofen ser uma estância termal)! A minha sogra pôs à mesa cervejas, uma garrafa de champagne e salchichas brancas (uma especialidade da Baviera) e pão.

 

O que aqui mais me surpreendeu, como estrangeiro, foi a abertura e a maneira simpática como o representante comunal e o jornalista falaram connosco, durante duas horas, sobre os problemas internos comunais e da maneira como davam resposta aos problemas locais apresentados.

 

Os municípios alemães homenageiam, além dos aniversários pessoais (90, 95, 100 anos), também os seguintes aniversários de casamento: bodas de ouro (50 anos), bodas de diamante (60), bodas de Ferro (65), bodas de Vinho (70). Semanas antes do aniversário a Comarca telefona à família para saber se é bem-vinda a sua visita.

 

O Presidente da RFA também assume o apadrinhamento honorífico para os filhos do mesmo pai e da mesma mãe, a partir do 7° filho vivo. Crianças adotadas são tratadas como filhos biológicos. Neste caso tem de ser feito um requerimento formal, nos departamentos concelhios, pelos interessados.

 

Na Alemanha, toda a pessoa recebe uma carta de felicitações concelhias ao atingir os 18 anos (maioridade civil).

 

A cidade mostra-se reconhecida pelo contributo dos seus cidadãos estando consciente que não é nada sem eles.

 

Uma sociedade que não deita ao esquecimento os idosos é uma sociedade honrada porque reconhece já o que é e vai ser nos que a construíram.

 

O meu amigo Dr. Jorge Santos, de visita à Alemanha constatava “é uma outra cultura e diferente modo de cidadania. Há um sentir comunitário e gratidão à memória. Ainda bem porque assim vive-se mais feliz”. Sim, cria-se um sentimento de pertença e até de maior compreensão por defeitos e problemas políticos, numa sociedade não anónima!

 

Já o livro dos Provérbios (16:31) reconhece ” Os cabelos brancos são uma coroa de beleza quando se acham no caminho da justiça.” Uma sociedade não envelhece se reconhece e honra os seus filhos e os seus pais!

 

Escrevo isto porque pode servir de exemplo, pelo menos a nível de paróquias, de Juntas de Freguesia e de Câmaras municipais, para a Lusofonia. Não chega homenagear publicamente só as pessoas da classe política e económica!

 

António da Cunha Duarte Justo

antoniocunhajusto@gmail.com

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Fanatismo religioso disciplina o Modernismo secularista

O Estado protege Criminosos e negligencia os Cumpridores da Lei

António Justo

A maneira como a política e a sociedade reagem à provocação de caricaturistas e à violência islâmica favorece a confusão das mentes. Uma arte banal e de mau gosto quer provocar os sentimentos religiosos de pessoas crentes, mostrando Maomé nos braços duma mulher nua, o Papa de nádegas nuas, Jesus como homossexual, etc. Quer-se desviar a atenção das pessoas dos problemas reais para discussões paralelas, servindo-se assim os extremistas muçulmanos e uma economia liberalista agressiva e desumana, como se os valores do Ocidente se reduzissem à liberdade de expressão ou à famigerada tolerância. Nos baixios de sociedades em desgraça domina a satisfação baixa do rir-se uns dos outros.

 

No que diz respeito à avaliação da liberdade de expressão na arte, a sociedade ocidental usa dois pesos e duas medidas. De facto, um Islão militante, consegue conquistar compreensão e até respeito pelas manifestações violentas contra a sua difamação, como se vê na discussão pública e na reacção da política. A violência e o medo, daí resultante, determinam a lógica e a argumentação pública. A avaliar por comentários políticos, a gravidade não vem do acto em si mas das possíveis reacções a ele. A arbitrariedade dos argumentos a favor e contra ultrapassa a razão e a ideia de liberdade.

 

Chega o cinismo duma caricatura, o fanatismo de „Innocence of Muslims“,ou a ganância duma editora que, para atrair as atenções, publica uma caricatura de Maomé na certeza que as mesquitas movimentarão (às sextas-feiras, depois das orações rituais) enormes massas, chegando aí a serem legitimados actos de violência criminosa.

 

Há um vídeo anti-islâmico. Há também muitos filmes e caricaturas anticristãos. Por exemplo, aqui na cidade de Kassel a “Caricatura” tem uma exposição de caricaturas. Numa delas Deus Pai diz para o filho Jesus na cruz: “Eh tu, eu fudi a tua mãe!” Os responsáveis de “Caricatura”, apesar do protesto escrito de cristãos, continuam a exibir tal caricatura em nome da arte e da liberdade de expressão.

 

A publicação de caricaturas ridicularizadoras do maometanismo é considerada perturbação da ordem pública por ferir os seus sentimentos religiosos; a ridicularização de símbolos cristãos não é relevante. O mesmo público, que condena a acção provocadora de caricaturistas ofensores do Islão, acha normal e até sinal de liberdade a difamação de símbolos cristãos. Será que se pensa que os cristãos não têm sentimentos religiosos ou que são demasiado tolerantes?

 

Se o radicalismo e a violência passam a ser o critério de orientação para avaliação e decisão na sentença pública, então a política e a opinião publicada dá a perceber que os cristãos para serem tomados a sério e ouvidos, teriam de se tornar violentos e radicais. Dado a política tomar mais a sério a violência/medo do que a atitude pacífica descrimina a agressão pela positiva e a atitude cristã pela negativa. No mundo ocidental chegou-se ao extremo de quem nega as suas fontes (greco-judaico-cristãs) e difama o cristianismo é considerado progressista e defendido como representante da modernidade.

 

Um secularismo impúdico ao apoderar-se das democracias e dos órgãos de Estado dá cada vez mais margem ao extremismo, numa tática de submeter a razão ao medo e ao oportunismo. A perversidade do pensamento e da moral encontra-se na ordem do dia e agindo em nome duma democracia medrosa e envergonhada. Nela parece valer cada vez mais a máxima: direito recebe-o quem perturba a paz pública ou os lóbis parasitas que se assenhorearam dos Estados!

 

Naturalmente que aqui está mais em jogo do que a mera liberdade de expressão!

 

Ao fanatismo do “Innocence of  Muslins”, segue-se o fanatismo de massas maometanas; à tolerância cristã, nas sociedades ocidentais, segue-se o abuso do fanatismo secular.

 

Por outro lado, Estados de cultura árabe estão habituados a mandarem na sua terra ao ponto de incendiarem igrejas, perseguindo crenças não maometanas, sem que alguém os moleste por isso. Além disso querem mandar na casa dos outros sob o manto da hegemonia da religião. A reacção da política e dos Média, bem como a intervenção da Nato nas suas regiões, tem-lhes dado razão.

 

O abuso com filmes e com caricaturas contra a religião cristã tem sido protegido e querido pela política ocidental. Agora chegam estes estrangeiros a chamá-la à reflexão. Será um abuso eles quererem impor a sua ordem na casa dos outros?

 

Também é um facto que o secularismo tem abusado e engordado à custa do sentimento religioso cristão. O medo do poder secular da Europa perante o sentimento religioso muçulmano irá fazer aplicar leis anti-difamatórias da religião, de que indirectamente aproveitarão os cristãos. Os de fora vêm impor respeito pela religião! E de que maneira! Pelos vistos o braço secular parece entender mais de violência do que de paz!

 

Encontramo-nos perante um paralelismo intrigante: depois dos Descobrimentos as vítimas de perseguições religiosas na europa emigraram para a América em fuga ao fanatismo reinante; essa mesma Europa vê hoje o seu liberalismo extremo questionado pelo fanatismo árabe. Há que procurar uma nova estratégia de diálogo sem recorrer à blasfémia, à difamação, à exploração nem a grosserias; segundo a desleixada máxima cristã: na humanidade reside a divindade! Cada pessoa crente ou descrente é filho de Deus!

António da Cunha Duarte Justo

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antoniocunhajusto@gmail.com

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A nova Ordem social e humana a implementar

O Mestre da Galileia inicia um novo Eixo da História

Deus não encarna numa Cultura mas no Homem

 

António Justo

“Mestre, vimos um homem a expulsar demónios em teu nome e procuramos impedir-lho porque ele não anda connosco…” – “Não o proibais… Quem não é contra nós é por nós…”. “Se alguém escandalizar algum destes pequeninos…melhor seria… o lançassem ao mar”. Se a tua mão…, se o teu pé…, se um dos teus olhos é para ti ocasião de escândalo, deita-o fora porque é melhor entrar no reino de Deus só com um dos olhos do que ter os dois olhos e ser lançado na Geena…” Mc 9,38-43.45.47-48 (1)

 

Dois pontos de referência: o Homem é mais que ele mesmo, é tornar-se.

O velho Adão (Homem) significa a separação de Deus; o novo Adão (Jesus Cristo) significa a união nEle. O mestre da Galileia explica a diferença aos seus discípulos.

 

Para se ter acesso intelectual a este texto é necessário ter-se em conta o contexto social em que foi proferido. O texto enquadra-se na disputa que havia entre os Judeus defensores da tradição antiga de Moisés e os Judeus seguidores da Boa Nova de Jesus (N T). As disputas eram por vezes violentas e escandalosas. Era o embate duma tradição autoritária institucionalista e legalista, fechada em si mesma (AT – aqui o Homem é apenas objecto, destinatário de salvação) com uma visão radicalmente nova, aberta a todo o ser humano, em que o Homem é agente (NT- aqui o Homem é sujeito activo, receptor e emissor de salvação – possui o gene divino) sendo, nesta, o Homem e Deus o centro de tudo, num processo de evolução humana até à estatura do protótipo Jesus Cristo (JC). (2) Deus não encarna num livro mas no Homem. (3).

 

Um outro elemento do contexto está na discussão, entre os discípulos, de quem entre eles seria o maior. Não tinham percebido a nova maneira de estar e ser na nova ordem humana e social JC. Nela a dignidade vem de baixo, surge do servir, do interior onde se encontra o germe divino a desenterrar numa atitude de louvor a Deus bem condensada no Magnificat.

 

A atmosfera de competição religiosa, inveja, intolerância e do escândalo provocado levam Jesus a ter de explicar, de forma clara, o que ali estava em jogo: duas mundivisões quase antagónicas na maneira de entender o mundo, Deus e o Homem (de notar que no AT havia a vocação messiânica que desagua no JC, o problema estava nas diferentes facções e vivências; ao falar aqui de AT refiro-me à lei petrificada e alienatória que obriga as pessoas a terem medo e a andarem de cabeça baixa). Também os seus discípulos se embrenhavam nos conflitos, por vezes, ainda com o espírito velho e isso provocava escândalo entre os fiéis mais frágeis, aos “pequeninos” na fé. De facto, os discípulos queriam reservar para si a patente JC e construir muros, tal como os “fariseus„ faziam. Ainda não tinham compreendido que a porta de acesso ao divino e ao humano é o Homem no JC e não uma mera doutrina/lei.

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Jesus emprega uma linguagem simbólica e usa nela as imagens de expressão da época.

Embora o radicalismo das imagens pareça ser uma hipérbole, as metáforas usadas querem incutir no discípulo a seriedade e a radicalidade da nova maneira de ser e definir a Realidade e o Homem (democracia humana radical – eclésia). Nas metáforas, aqui empregadas usa-se o órgão pela função que desempenha (método de comunicação muito usado na Bíblia). As mãos, os pés fazem aquilo que se vê e que é natural a partir duma visão antiga legalista, opressora da pessoa e da liberdade individual. Por isso é preciso cortar radicalmente com a visão/olho e os meios/pé e mão que levam à sua realização. Na lei há uma mão (agir velho), um pé (submissão: porque Jesus é contra o domínio lava os pés dos discípulos), um olho (visão/mentalidade velha), que não pode ser assumido na Boa Nova; chegou a hora de usar o olho divino.

Jesus não manda lançar fora os dois olhos, as duas mãos, os dois pés na Geena. Sabe que a realidade se expressa de maneira bipolar e por isso escolhe exemplos de órgãos duplos. Isto porque a pessoa consta de duas componentes, a materialista e a divina. Trata-se aqui de deitar fora a parte má de nós. Aquela que nos impede a salvação e o acesso ao bem. Na nova visão do mundo iniciada em e por J C há uma dimensão trinitária, não apenas a dualista. Todos são chamados a sacrificar algo. O sacrifício por maior que seja ainda é pequeno comparado com o mais importante que é o reino de Deus e a tragédia da catástrofe que seria tornar-se lixo.

 

Também não chegam as obras porque também estas podem acontecer numa relação de objecto-sujeito e não de sujeito-sujeito (A ortodoxia deve ceder a uma ortopraxia relacional pessoal). Esta implica uma relação sujeito-sujeito (à imagem da relação entre Jesus e o pai no JC). O Homem novo é fundamentalmente desobediente ao ambiente porque é filho de Deus e não da lei.

 

O Filho do Homem quer reiniciar a criação e estabelecer uma nova ordem e uma nova mentalidade em certo paradoxo com a tradição. O que estava em questão não era a passagem duma crença para outra nem duma ideologia para outra. O que estava em questão era a destruição dos muros elaborados para a subjugação do Homem e em benefício de alguns. Tudo o que prejudica o desenvolvimento do Homem deve ser sacrificado. As coisas não têm valor se não servem o Homem. A grande viragem axial da História iniciada pelo JC é o reconhecimento (consciência nova) que o novo Homem se encontra no centro do ser, na divindade. Agora não se trata de descobrir Deus fora porque ele se encontra dentro, como se verifica no JC. Tarefa do Homem é integrar em Deus a sua parte de fora. Por isso o Cristianismo é muito mais que uma religião, não podendo, por isso, ser reduzido a uma cristandade, nem deixar-se abusar tornando-se preparador de ovelhas submissas para uma sociedade política e económica que se expressa mais pela exploração do Homem do que pela sua libertação.

 

A mudança (metanoia) não pode acontecer sem o corte total com a maneira de pensar e agir normal (habitual). A dor que custa o cortar com o passado, com o homem velho, não é nada em comparação com a nova vida. O Homem novo passa a ser fonte de vida, deixando de beber a água menos límpida trazida por outras vias/mentalidade patriarcalista proveniente duma sociedade de tribos ou de ideologias arrogantes. A pessoa nova é filha de Deus e não apenas adepta ou súbdita! A filiação divina concede a todo o Homem, por natureza, a dignidade de participar na divindade e tornar-se também obreiro de salvação. As estruturas exteriores são condicionalismos necessários mas a purificar também. O Homem, para entrar nesta nova ordem do Homem e da criação (novo eixo da História, nova infra e supraestrutura), terá que mutilar muito do passado e iniciar uma mudança de atitude. O Homem novo já não se restringe à verdade empacotada na roupagem da lei ou da cultura porque a verdade acontece na pessoa livre e sem medo de Deus nem do diabo. O valor da lei e da cultura, se não é contra o Homem serve de referência, podendo tornar-se numa pedagogia/liturgia de iniciação. Todos nós precisamos duma referência e esta implica também o reconhecimento da eclésia (Deus, a Realidade não é só pessoa mas também comunidade!); se não fosse a Igreja com o seu pecado, por muito estranho que pareça, (até o espírito precisa dum corpo limitado!) a cristandade não teria passado dos primeiros séculos e da vivência de pequenos grupos. Através da culpa e nela conseguiu afirmar-se no mundo entre sociedades também elas a viver da culpa (“Oh felix culpa”- reconhecia Paulo!) Sem a culpa teríamos perdido a memória! Ela faz-nos conscientes e abre-nos a porta de entrada para o JC. O seguimento do JC exige a auto-renúncia (deixar o homem velho) para assumir a atitude do JC e assim se tornar no sal da terra. Por isso é preciso cortar o lixo em nós.

 

Geena era a lixeira de Jerusalém; o fogo dessa fogueira era alimentado pelos restos (lixo) não aproveitáveis, aí lançados pelos moradores da cidade.

 

Jesus, nestas conversas com os discípulos, procura iniciá-los na nova mística (no novo Adão) que está a irromper na nova concepção da realidade na natureza JC e na sua comunidade. Ele está muito preocupado com o escândalo que uns e outros dão aos “pequenos na fé” ao defenderem posições numa práxis ainda do velho Adão.

 

Jesus corta com um Deus senhorial, que legitimava, consequentemente, todos os senhorios sociais e humanos. O lugar de acontecimento divino não é já a sinagoga, a lei nem a moral de costumes. O lugar do acontecer divino passa a ser o Homem, a terra. Deus desce à terra (encarnação!) e não ao templo nem a uma cultura, como era dantes (deslegitimou toda a cultura ou ideologia que se arroga para si o monopólio da divindade; neste sentido, também atitudes senhoriais da igreja petrina, e especialmente o Islão são um regresso a um “antigo testamento” legalista). Esta é a grande revelação do cristianismo. Deus entra no mundo pelo Homem, pelo JC e o acesso ao divino e ao humano é agora o Homem, através do seu protótipo e da natureza JC. As instituições, as leis, os gurus e as autoridades perdem a sua relevância. O ser humano, na convergência do JC atinge agora a sua maioridade, deixa de ser criança e de ser escravo do exterior. Nos nossos genes trazemos a divindade e a materialidade, temos uma personalidade múltipla. Daí a necessidade duma aprendizagem pedagógica. Por vezes o espírito encontra-se enterrado mesmo no fundo de nós. Necessita da ajuda dos irmãos (eclésia) e do Espírito Santo para adquirir consciência e realizar a natureza JC. A dignidade não vem do cargo nem do serviço mas do servir com a consciência de ser verdadeiramente um membro da família de Deus a realizar o Seu reino. Não há mestres, todos estão vocacionados a ser caminho, verdade e vida em serviço e interacção com o JC. Mesmo aquele que se usa de Jesus para expulsar os diabos, se o faz no seu espírito isto é suficiente porque o novo reino, não se confina à pertença a este ou àquele grupo, é uma atitude de tudo em todos num esforço comum de assumir a natureza JC. Na resposta que deu aos discípulos, Jesus condena a sua mentalidade de arame farpado, apontando para a tolerância do bem noutros ambientes. Não é relevante o religioso ou o profano, qualitativo é o serviço do Homem, ao Homem à medida do JC. Há muitos cristãos anónimos que actuam no espírito de Cristo e muitos cristãos registados que não entenderam o espírito (natureza) de Cristo, isto é, a realidade que são nEle. Há que aceitar a diferença, todos nos encontramos a caminho… A nova ordem não se delimita pelo muro das definições ou pertenças mas pela consciência da filiação divina. A nova orientação não é o templo nem a lei mas o Homem e em todo ele se encontra enterrado um tesouro a descobrir.

 

A nova ética é estar em serviço, não servindo nem sendo servido. Agimos todos para o bem na tarefa de realizar o JC em nós e no mundo. O JC não pretende substituir um sistema antigo por outro sistema. Ele sabe que os sistemas se definem pelo poder que legitima a violência entre si e contra terceiros. Por isso o JC aposta apenas no Homem, na pessoa humana, que é vítima de si mesma, das estruturas, da lei e até da moral. (Esta é uma razão porque a Igreja apela à transformação do homem a nível individual não se pondo à frente de revoluções) Na nova ordem do mundo e do Homem não há uns a dar ordens e outros a cumprir, nele todos são filhos divinos em atitude de servir uns aos outros no espírito de uns nos outros. O ajudar o outro é ajuda a mim na construção do nós. Se todos os filhos do rei são príncipes, todo o ser humano é príncipe na realeza divina. Por isso não pode haver escravos nem senhores, apenas filhos. Não se trata de se procurar a salvação mas de salvar-se salvando em comunhão com o JC no amor do Paráclito.

 

Com o JC o Homem alcançou a sua maioridade e plenitude (transformação do velho Adão no novo Adão), tendo de se regenerar a partir de dentro, numa caminhada do Jesus para o Cristo. No cadinho da nossa vida teremos de expulsar o lixo, aquilo que nos impede de resplandecermos a divindade.

 

Quem entra na relação com JC encontra-se na fonte da vida que é o Paráclito, passando este a agir nele. JC quebrou os muros do eu para mergulhar no nós, na divindade, onde cada pessoa assume a consciência de todas as pessoas numa imanência transcendente (corpo místico e realidade trinitária).

 

António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo

 

(1)                 Para Marcos o acesso a Jesus Cristo só é possível mediante uma mudança radical de atitude e mentalidade, uma visão espiritual (ver com o olho de Deus) porque, num mundo que vive sobretudo de exterioridades e da afirmação pelo contrário, a identidade do Messias encontra-se oculta, precisando duma pedagogia especial, duma iniciação (catarses do intelecto e da prática) para se poder chegar a ela (evolução do Adão velho para o novo Adão). O JC encontra-se na intimidade do céu com a terra, por isso é preciso subir ao céu para poder compreender a terra. Os discípulos, ainda mal iniciados, discutiam acerca do céu e da terra mas principalmente a nível de intelecto e da velha mentalidade (olho do domínio) sem a “vivência” da fé que parte da intimidade/unidade (reino de Deus) e não da divisão.

(2)                 Resumindo: A mentalidade semita de estrutura autoritária tribal representada num Deus distante e legalista (Moisés, AT) com a subjacente concepção de Homem escravo, objecto de salvação, é contrariada pela nova atitude judaica expressa no JC que reconhece em Deus o pai e em cada Homem um filho de Deus e como tal sujeito de salvação; esta mundivisão desautoriza as instituições e as leis que se afirmem no sustentáculo da velha mentalidade. Esta nova consciência de ser e estar no mundo é de tal modo revolucionária que levou os historiadores a considerar o JC como eixo da História. De notar que apesar de 2000 anos passados ainda prevalece nas pessoas e nas instituições a velha mentalidade. A “democracia de filhos de Deus” em que cada Homem é realmente “príncipe herdeiro”, continua, duma maneira geral a ser uma utopia cristã.

(3)                 Deus não encarna num livro, numa língua, numa cultura mas no Homem. O centro do acontecimento não está na Bíblia, no Corão, no Templo, na nação, no costume, no chefe mas no Homem, filho de Deus. A lei, a tribo, a nação, a cultura não podem subordinar o Homem individual. Cada ser humano, como filho de Deus faz parte duma realidade maior! A sua dignidade é intocável (Daqui os direitos do Homem). A incarnação/inlibração de Deus no Corão constitui um retrocesso histórico; por isso continuam a subjugar o Homem à sua cultura. Com JC a referência de pensamento religioso passa a ser uma pessoa e não um abstrato, um constructo. O organigrama de pensamento e social tem de ser elaborado ao contrário, pondo a pirâmide ao contrário. Pensar o eu a partir do nós, do nós divino.

 

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