FÁTIMA LUGAR DO ENCONTRO – MEDITAÇÃO MARIANA

Ciência confirma Efeitos curativos através da Oração e da Meditação

 

António Justo

As áreas científicas da medicina, da teologia, da sociologia e da psicologia cada vez se complementam e interferem mais umas nas outras.

 

A ciência através de investigações feitas na universidade de Pádua, pelo cientista Luciano Bernardi, descobriu, experimentalmente, que a forma meditativa e rítmica na reza do Terço alternada sintoniza os ritmos biológicos do corpo, cria harmonia e estabiliza a saúde da pessoa a nível corporal e espiritual. A oração abre rotas e perspectivas importantes para o corpo e para a alma.

 

Tanto a recitação da Ave-Maria como de jaculatórias meditativas e ladainhas provocam o retardamento da frequência respiratória, o que fortalece o coração e os pulmões. Os fôlegos (inspiração – expiração) do adulto têm uma frequência de 12 a 20 por minuto.

 

Verificou-se que durante a reza alternada da Ave-maria – Santa Maria, a frequência respiratória chega a baixar a seis fôlegos por minuto. A baixa frequência respiratória conduz-nos à sintonia orgânica do corpo através da influência da frequência cardíaca da regulação da tensão arterial e da ressonância harmónica com o universo a um nível já espiritual.

 

É notório que em diferentes culturas as palavras, espírito, respiração, atmosfera, ambiente, se encontram etimologicamente interrelacionadas.

 

O medo, a ansiedade, a depressão, o stress, a excitação, aceleram o ritmo da respiração e com ela perturba-se o ritmo cardíaco e a tensão arterial. A interferência na actividade respiratória provoca a regulação do metabolismo da ligação do oxigénio e dióxido carbónico no sangue, mudando-se assim, com ela, a química do sangue. A técnica da respiração, usada também na reza do terço, une a parte superior do coração – razão com o abdómen – criando assim uma frequência de vibração orgânica facilitadora da sintonia e interacção matéria-espírito.

 

Oração e Meditação na Reza do Terço – Técnica

 

No exercício da oração/meditação, o medo e o sentimento de impotência dão lugar a uma mudança que pode proporcionar um sentimento de satisfação e de realização.

 

A Reza do Terço em grupo e em privado desvia-nos do ritmo do dia-a-dia e introduz a pessoa numa frequência ritmada que possibilita, através da respiração abdominal e da concentração, a um estado de paz e o acesso à vida interior e ao equilíbrio psicossomático. Para o efeito entram em sintonia: coração, cérebro, pulmões, alma e espírito. Através da respiração consciente, no abdómen, no peito, nos ombros sentem a tensão e distensão do inspirar e expirar unido ao coração e ao sentimento espontâneo. Aqui se interfere a acção do corpo e do espírito em colaboração e interferência mútua. Assim se contribui para o equilíbrio da vida. Se alguma parte do nosso corpo está dolorosa podemos, através do pensamento dirigir para lá a respiração, o espírito divino, para que também esta parte seja, de forma dirigida, incluída no jorro da vida, no amor.

 

O saber religioso, de que a respiração unida à palavra, conduz à unidade no sentido original da religião: re-ligar, que é um património de toda a humanidade. A consequente paz interior é um efeito acessório.

 

A reza do terço, no sentido católico, não se deixa reduzir a um método de higiene corporal nem mental. As diferentes técnicas das diversas culturas, porém, sem o espírito de entrega, e sem a diferenciação dos espíritos, poderiam ficar apenas por uma experiência sentimentalista equívoca (1 Cor 19).

 

Curioso é o facto da recitação do terço, na igreja católica, ser conduzida, por dois grupos, de maneira alternada, correspondentes à inspiração e à expiração. Enquanto o padre, o dirigente ou um grupo recita, dum folgo, “Ave-maria, cheia de graça, o Senhor é convosco, bendita sois vós entre as mulheres e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus”, o grupo responde “Santa Maria, Mãe de Deus, rogai por nós pecadores, agora e na hora da nossa morte. Ámen. “

 

Também, na reza individual, a primeira parte corresponde à expiração e a segunda à inspiração. A reza sintoniza as forças através da respiração ritmada que une o exterior ao interior e fomenta o ritmo cardíaco natural e a concentração da inteligência, resultando daí o bem-estar que predispõe a pessoa para a recepção de mensagens religiosas, para a percepção intuitiva, e pode preparar para uma eventual entrada em contemplação. Sentir o fervilhar do sentimento e da intuição no toque com o mistério não é ainda contemplação.

 

Na devoção popular, além da recitação do Terço são métodos comuns de acesso à contemplação o uso da repetição de palavras, frases em voz alta, em voz baixa ou simplesmente em pensamento. Cada pessoa, segundo o seu estado e mentalidade, encontra inconscientemente a palavra, jaculatória que melhor lhe corresponde.

 

Na pastoral juvenil usa-se também o canto no passeio, a observação do pôr / nascer do sol, da natureza, juntando-lhe o elevar das mãos como formas de acesso ao mistério. Em oração inspiro o sol da vida e expiro o descanso da noite. Então o mundo respira em mim e eu respiro o mundo.

 

Nesta atmosfera fomenta-se o acontecer da harmonia da “mens sana in corpore sano.” No cristianismo há diferentes espiritualidades, geralmente ligadas a tradições monásticas ou a congregações religiosas, praticando-se aí as mais diversas formas de meditação, geralmente também aferidas ao meditador / orador.

 

Nos ortodoxos está muito generalizada a prática da concentração no coração e de, na inspiração, dizerem “senhor Jesus Cristo” e na expiração “tem compaixão de nós”. No cristianismo, em geral, além de jaculatórias mais ou menos individualizadas é frequente o uso da palavra “Jesus” na inspiração e da palavra “Cristo” na expiração. Cada circunstancia pode solicitar uma palavra comum característica, tal como podemos verificar a alegria da época pascal na expressão: “Oh, Aleluia”

 

Na escolha das palavras predilectas, geralmente usa-se a palavra ou parte da expressão mais curta na inspiração e a mais longa na expiração. Outras formas de meditação praticadas nos conventos são: a meditação através do andar, dos gestos, do canto monótono (gregoriano, etc.), do silêncio, esvaziamento de pensamentos, de ladainhas e de outras palavras surgidas do coração ou da tradição religiosa, ligadas à respiração.

Uma forma concreta e eficiente de iniciar a oração ou meditação pode ser: concentração na respiração abdominal, para, na percepção do corpo, se passar depois à palavra. Posso começar pela jaculatória, ou mantra “Oh tu (ao inspirar), Maria (ao expirar)” para assim entrar na sintonia psicossomática e espiritual. Aqui se unem corpo e espírito a caminho do meu centro. Passo a ensimesmar-me de modo a sentir o jorro da energia universal, o amor, em mim e assim tornar-me parte vibrante de um todo em relação mútua (comunidade corpo místico de cristo, etc.).

 

Uma outra jaculatória pode ser “Respira em mim, tu Espírito Santo”. Com o tempo podemos nós passar a respirar nele. Uma pessoa não religiosa poderá usar, entre outras, a fórmula “Respira em mim, tu elan vital”. A repetição individual, como a reza alternada em grupo, com o correspondente eco monótono criam o ambiente propício à dissolução das ideias e emoções do dia a dia.

 

A ligação da palavra à respiração abdominal e, ocasionalmente, à cantilena daí resultante amplificam a possibilidade de viver o momento presente. Aí deixo de ser estrangeiro para fazer parte do Ser integral, presencializado na relação com um Tu. O mesmo se diga da oração privada.

 

A Deus, à ipseidade pode chegar-se também através do vibrar do som (produzido, por exemplo na reza do Terço, no canto gregoriano ou outro apropriado). O ritmo da palavra e da respiração libertam-nos do pensamento, possibilitando-nos o acesso a outras esferas da realidade, mesmo à contemplação.

 

Naturalmente que estes métodos não podem ser fins em si mesmos, doutra maneira não passariam de uma forma sofisticada de atingir experiências semelhantes às da droga. Trata-se de encontrar a alteridade em relação com a ipseidade, a divindade em nós e entrar assim na ressonância divina. O Mestre Eckehart testemunhava esse processo com as seguintes palavras: “Deus está em nós, mas nós estamos fora de nós. Deus está em casa em nós, mas nós estamos no estrangeiro.” A oração ou meditação poderão constituir um momento gratificante no processo criação, incarnação e ressurreição em que estamos envolvidos. A realidade trinitária torna-se em princípio e fim de toda a oração que com o tempo se pode transformar numa unidade do “ora et labora”..

 

António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo

 

“Pegadas do Tempo”,

A FAMÍLIA GERADORA DE RELAÇÕES HUMANAS NA MISERICÓRDIA

Reflexão sobre a Família baseada em “A Alegria do Amor”

António Justo

A família é o lugar onde nos desenvolvemos como pessoas e cada família é a pedra base que constrói a sociedade”.

Na exortação apostólica “A Alegria do Amor” o Papa Francisco apela ao reforço da família, como “lugar da misericórdia” onde o plano de Deus se realiza. Não deixou de valorizar também a “dimensão erótica” do amor conjugal, como bom acompanhante: um “dom de Deus que embeleza o encontro dos esposos”. Como no Oceano, tudo o que é exterior muda e transforma-se com o tempo; as necessidades e as expressões afectivas também.

Não há caminhos feitos, há metas. A este propósito recordo uma história que ouvi de um colega padre no Domingo a seguir à Páscoa: uma comunidade de cristãos brasileiros questionava-se da razão de Jesus ter escolhido um pescador para chefe da Igreja. Depois de algo reflectirem, a resposta foi unânime: quem se movimenta em terra constrói estradas e asfalta-as. Consequentemente usará sempre o mesmo caminho. Pelo contrário, um pescador procura todos os dias um novo caminho. O importante é descobrir os peixes e dirigir-se para onde eles estão. Pode acontecer que o caminho de ontem não conduza onde os peixes de hoje se encontram.

A experiência dos pescadores da Galileia foi-se repetindo ao longo da História da Igreja, num caminho de sucesso e de falhas, que é também o caminho de cada um de nós. Jesus aparece aos discípulos em diferentes lugares; aparece lá onde estava o medo.  A mensagem pascal é reconfortante: Vive a vida em plenitude onde te encontras porque aí Deus está presente e procura-te sem te condenar; o pressuposto é a disponibilidade de te encontrares a ti mesmo no seguimento de uma presença envolvente.

Clima familiar

Família é mais que a soma de dois indivíduos que se possibilitam um ao outro. Família é o princípio de toda a união, é um laboratório de futuro. Sem família não há indivíduo e dos destroços de uma cultura o que permanecerá é a família. Na família nascem os sentimentos e a intimidade onde se inicia a primeira comunidade de pais-filhos- irmãos. Do amor entre os membros nasce a alegria de viver.  Uma estruturação equilibrada da pessoa e da família precisa de programas e ritos que dêem protecção e consistência ao indivíduo numa espiritualidade familiar (Cf. https://antonio-justo.eu/?p=4138).

Francisco encoraja a “cuidar a alegria do amor” na consideração pelo outro e na expressão do carinho e da ternura. Nesse sentido aconselha a usar na família muitas vezes e todos os dias as palavras “por favor”, “obrigado” e “com licença”. O beijo matinal mantem o amor fresco. Recomenda aos pais que, num clima de liberdade deem regras claras às crianças e cuidem pelo pouco consumo de telemóvel porque é uma tecnologia que conduz ao autismo.

A constante do amor de Deus no matrimónio faz crescer a afeição e o carinho entre o homem e mulher premeia-os com confiança, amor e paz interior misericórdia e ajuda o desenvolvimento pessoal; possibilita o encarar a vida e as pessoas com benevolência sem ter em foco as exigências da justiça numa atitude compassiva, também para com os mais necessitados.  “Bem-aventurados os misericordiosos, porque eles alcançarão misericórdia “(Mateus 5:7).

A Parábola do Filho Pródigo (Lucas 15:11-32), é um exemplo importante da extensão da misericórdia divina aos outros. O filho depois de ter malgastado tudo o que o pai lhe dera foi acolhido sem qualquer pedido de satisfação.

Deus é misericordioso, não olha para as nossa culpas, trata-nos com a graça e a bondade de um favor imerecido: Deus não faz contas, não julga, premeia (João 10,10). O bem que fizermos, por nós o fazemos; fazemo-lo no sentido de nos tornarmos entidades desenvolvidas e de consciência espiritual distinta. Em nós flui o mundo todo. “A maturidade chega a uma família quando a vida emotiva dos seus membros se transforma numa sensibilidade que não domina nem obscurece as grandes opções e valores, mas segue a sua liberdade, brota dela, enriquece-a, embeleza-a e torna-a mais harmoniosa para bem de todos”.

Misericórdia é mais que justiça

Misericórdia é, para o Doutor da Igreja Tomás de Aquino, a maior das virtudes. E o Papa Francisco faz dela programa de vida, ao enfatizar, com S. Tomás, a primazia da caridade na acção da Igreja e no agir de cada um. A “misericórdia” do estado social é insuficiente.

Para a igreja os pobres e os fracos “formam, em primeiro lugar, uma categoria teológica e só depois uma categoria sociológica ou política” (cf.: “Alegria do Evangelho”); para além da justiça está a misericórdia– a rede social da misericórdia, expressa também na Caritas, procura dar resposta à justiça social na sequência da tolerância. “A vida não é tempo que passa mas tempo de encontro” e a ”Solidariedade é uma reacção voluntária que nasce no coração de cada indivíduo” .

“Faz aos outros como queres que te façam a ti”, reza uma digna regra moral antiga. O ideal do amor ao próximo (independentemente de raça ou religião) tem uma dimensão emocional e espiritual ao contrário do imperativo categórico de Kant que corresponde à “moral sem amor”, como constata o cardeal Walter Kasper. A justiça embora seja o fundamento da vida social é seca. A racionalidade procura o que vale mais; tudo é vista na perspectiva e na lógica do negócio. De facto, em ciência e política, o altruísmo é considerado como lógica de negócio em que o doador recebe algo em compensação. A Igreja completa-o acrescentando à inteligência racional a inteligência afectiva com o sentimento e a espiritualidade. A misericórdia supera a justiça, porque tem em conta a pessoa.  É um modo de vida compassiva que integra a ternura e a benevolência predispondo a pessoa para as necessidades do próximo. A pessoa compassiva é realizada, por isso, renuncia à afirmação do ego à custa dos outros, respeitando os que não têm tanta força para se impor. Neste sentido precisa-se de uma nova educação, uma educação humana no sentido das bem-aventuranças e das obras de misericórdia, onde, de forma reduzida se se apresenta um programa especificado de vida (1). “A violência na família é escola de ressentimento e ódio nas relações humanas básicas”

Cristianização das mentalidades

Na base de uma vida familiar conseguida estão “o crescimento no amor mútuo”, o respeito, a tolerância e o perdão que garantem autoconfiança, estabilidade e humanidade.

O ideal católico do amor concretiza-se, como “projeto comum estável„ no sacramento do matrimónio, um estado sagrado, no exercício dos valores generosidade, compromisso, lealdade e paciência; onde surgem dificuldades maiores há resta o recurso ao exercício da misericórdia. Aponta para o ideal da “doação generosa e sacrificada, onde cada um renuncia a qualquer necessidade pessoal e se preocupa apenas por fazer o bem ao outro, sem satisfação alguma” (no sentido evangélico, seguir o chamamento divino sem ceder a fraquezas humanas que se considerem como critério de orientação nem ao facilitismo).

Por experiência penso que, na vida de casais, o mais difícil virá da dificuldade de estabelecer compromissos no aferimento de ideais, intenções e metas comuns, na relação do dia-a-dia; como família, um e outro agirá na qualidade de comunidade e não de indivíduo, o que supõe uma vida comum regrada e orientada por Deus e não apenas por objectivos imediatos nem sequer pelas tendências ou capacidades de um ou do outro; a perspectiva do nós prevalece sobre a do eu. Há casos de casais com mentalidades extremamente diferentes e a maioria deles não terá o ideal nem a paciência que tinha Sta. Mónica em relação ao seu filho Agostinho.

O amor a Deus é colocado acima das próprias necessidades e como tal serve de ponto de reencontro e de ponte que possibilita a realização do presente numa perspectiva de futuro gratificante. O matrimónio é processo em que os dois se desenvolvem na entrega mútua. Um desenvolvimento individual desafinado conduz a becos sem saída.

A vida familiar é dificultada por uma cultura do “individualismo desenfreado… e do Provisório ” acrescida da comodidade e de uma atitude de suspeita e desconfiança. A dificuldade de um equilíbrio entre vida familiar privada e vida laboral contribui para fomentar uma dinâmica de ressentimento e agressão.

Segundo o Papa, na vida familiar, a misericórdia é de colocar acima da moral tradicional. “O Sábado é para a pessoa e não a pessoa para o Sábado” (Mc, 2,27).

Uma atitude misericordiosa pressupõe a mudança de postura perante as comunidades de vida, perante as mães solteiras, os nascituros indefesos, os drogados, os homossexuais, os divorciados e todos os que vivem à margem da sociedade. A misericórdia divina é exemplo para a Igreja petrina; por isso, esta não poderá perder-se tanto no sector moral nem na acentuação pedagógica reguladora da vida dos fiéis; as falhas de cada pessoa já serão sancionadas nela mesma e exteriormente através da sociedade envolvente (leis, costumes e preconceitos).

O ideal proposto e vivido pela igreja tem de passar pela via de Deus que é o perdão (a nível institucional: anuição dos recasados à comunhão; a nível familiar: reconciliação e perdão, ritualizados na oração diária do fim do dia!).

A questão ética da relação ou validade de valores e normas é algo a ter-se presente. A exortação pastotral do papa dá primazia à misericórdia e aponta pistas na “A Alegria do Amor” não neutralizando a responsabilidade individual no respeito pela consciência pessoal como última instância perante Deus e perante si mesmo. Naturalmente, o outro lado da misericórdia, para a condição humana, é a justiça. A necessidade de misericórdia para com os fracos não pode passar por cima da sua responsabilidade nas relações vividas.

No dia-a-dia há pessoas que sentimos como não simpáticas e que são desgastantes e desagradáveis; nestes casos uma atitude autoconsciente e de benevolência misericordiosa ajuda a diminuir o estresse que a situação pode proporcionar.  A misericórdia presume que se dê e se renuncie a algo de si que se encontra na alteridade. Deus é misericordioso, não condena, perdoa e proporciona sempre uma oportunidade. O perdão não é uma estrada num só sentido (2), pressupõe a metanoia e reparação. Mas segundo o pensamento cristão não é um irmão que julga um irmão, há um terceiro que julga: a presença divina.

Misericórdia é dar de olhos nos olhos, é doação e entrega. Também implica ser misericordioso consigo mesmo na aceitação de se ser como se é e reconhecer as próprias limitações como algo natural e a aceitar para então se puder ultrapassar. Ao aceitarmo-nos com as nossas limitações estamos dispostos a aceitar os outros e a fazer uma caminhada com eles. Isto supõe a reconciliação consigo mesmo, com os outros e com a vida (3).  De facto, todos somos tecelões de um grande tecido e do qual fazemos parte: o mundo e a humanidade onde todos queremos mudar algo no sentido do futuro que é esperança.

Perdão é  possibilitador de futuro

O futuro só é possível onde houver perdão – muitas das faltas contra o próximo são acções de défices da própria autoimagem que procura confirmação em alguém.

Alegria e caridade pressupõem o dom da empatia que, por vezes, escapa à força de vontade e à praticabilidade. A justiça pode-se exigir, mas o amor não! Nele não se trata de exigir demais, mas de dar um passo mais largo do que a dor possibilita; o futuro é amor.

Por vezes, pessoas escrupulosas ou hipercríticas querem ver formas autoritárias na Igreja, querem ver tudo regulado por leis, partindo de uma ideia preconcebida, do como cada pessoa deveria ser.

É preciso recuperar a união da família, dela dependem os valores humanos. A família é um valor a defender por todos os grupos, independentemente de diferentes éticas. Ela é a matriz de qualquer ordem social com perspectiva de futuro.

Conclusão

“Somos chamados a formar as consciências, não a pretender substituí-las”! Este apelo do Pontífice não significa uma cedência ao relativismo nem uma redução da acção da igreja a mero humanismo e filantropia. Na base está sempre a Boa-nova, a consciência e o seguimento da trdição espiritual apesar da mudança dos costumes e das vontades.

Na exortação “A Alegria do Amor” não se trata de uma flexibilização da doutrina católica no sentido de uma protestantização nem de uma ortodoxização da igreja católica, como pretendem ver grupos conservadores; muito menos uma cedência ao modernismo.

Na Exortação pontifícia não se trata de encontrar desculpas para aliviar erros sociais ou seguir tendências modernistas, o que só beneficiaria os traficantes de ideias e ideologias; em questão está o respeito pela consciência da pessoa concreta, o chamamento do Evangelho, a Igreja mãe e a família com seu primeiro lugar de exercício social.  Sem trair a tradição da Igreja ela possibilita uma certa ambiguidade de interpretação nalgumas passagens, o que por outro lado favorece melhor emprego numa prática de situações diversificadas.

O Pontífice critica “o fascínio do gnosticismo fechado no subjetivismo e o neopelagianismo autorreferencial e prometeuco com um elitismo narcisista e autoritário”.

O papa reconhece que “nem todas as discussões doutrinais, morais ou pastorais devem ser resolvidas através de intervenções magistrais… em cada país ou região, é possível buscar soluções mais inculturadas, atentas às tradições e aos desafios locais”. Para os divorciados com desejo de se recasarem permanece a doutrina da penitência com as mesmas condições de acesso aos sacramentos e que são: a confissão, o arrependimento sincero e o estado da graça.

Para a Igreja e para o cristão, o sentido de orientação é Deus, o oriente onde nasce o sol da iluminação.

“Queridas famílias, também vós sois uma parte do povo de Deus. Segui o vosso caminho em paz. Permanecei sempre unidos a Jesus e levai-O com o vosso testemunho a todos”, exorta o Pontífice.

Este papa é uma bênção para o mundo. Resta-nos abençoá-lo também.

António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo

Pegadas do Tempo

  • As sete obras de misericórdia corporais (Cf. Mateus 25:34-40): 1ª Dar de comer a quem tem fome; 2ª Dar de beber a quem tem sede; 3ª Vestir os nus; 4ª Acolher os peregrinos; 5ª Dar assistência aos doentes; 6ª Visitar os presos; 7ª Enterrar os mortos. As sete obras de misericórdia espirituais: 1ª Dar bom conselho; 2ª Ensinar os ignorantes; 3ª Corrigir os que erram;4ª Consolar os aflitos; 5ª Perdoar as ofensas; 6ª Suportar com paciência as fraquezas do nosso próximo; 7ª Rezar a Deus pelos vivos e defuntos. Os Sete Pecados Capitais contra as obras de misericórdia: 1° A Gula (é intemperança, desejo insaciável), 2° A Avareza (apego excessivo pelos bens materiais), 3° A Luxúria (a fixação no prazer sensual e material), 4°A Ira (sentimento descontrolado de raiva, ódio e rancor), 5° A Inveja (o ciúme, não vê o que tem para cobiçar as posses, status e habilidades do próximo), 6° A Preguiça (negligência, desleixo evita o trabalho), 7° A Soberba (Orgulho arrogante, Vanglória, Vaidade).
  • O Papa pede para se demitirem do sacerdócio os abusadores sexuais. A tolerância para com os criminosos não se deve tornar em injustiça para com as vítimas. Abuso além de pecado pessoal, é crime, por isso os superiores têm de o comunicar ao Ministério Público. Antigamente não se tinha ideia dos prejuízos psicológicos que causam tais delitos.
  • Em termos de recasados: Isto significa o perdão do adultério por Deus misericordioso é oposto pela negação da comunhão. Contradição fidelidade a Deus e infidelidade do divórcio. Deus quer a fidelidade e certamente não há nenhuma pessoa que possa perdoar de maneira global. Por isso há uma maneira nobre como a Igreja resolve a questão através do sacramento da penitência não reduzindo a questão a um caso perdido ou individual. A reconciliação consigo mesmo e com a comunidade dá-se no ponto de encontro onde se encontram o indivíduo com a comunidade para se realizarem como comunidade.

 

SABEDORIA CHINESA – UMA ADVERTÊNCIA AO “POPULISMO” EM VOGA

Um provérbio chinês lembra e ensina: “O medíocre discute pessoas. O comum discute factos. O sábio discute ideias”.

Este é um ensinamento também para populistas políticos de cima e para populistas de baixo! Na cena política, mesmo da classe estabelecida, assiste-se a uma brutalização da linguagem contra pessoas. Generaliza-se a falta de respeito para com pessoas e para com outras opiniões. Muitos dos que alegadamente defendem a tolerância revelam grande falta de tolerância. Não suportam opiniões diferentes; difamam-nas com atributos ditadores, em vez de argumentarem contra as suas ideias. A polarização da sociedade alarga-se pelas sociedades como um polvo alarga os seus braços.

António da Cunha Duarte Justo

A VIOLÊNCIA AUMENTA TAMBÉM NA EUROPA

Forte Emigração de Estados em Decomposição

Por António Justo

 

A realidade criminal na Alemanha

 

A delinquência do dia-a-dia, aliada à criminalidade de motivação ideológica, é “preocupante” como afirma o ministro do interior alemão ao apresentar a estatística criminal de 2016.

 

Em 2016, na Alemanha houve 6,37 milhões de infrações criminosas registadas pela polícia.  Houve 2418 casos de assassinatos e homicídios; 7.919 casos de violações e agressões sexuais; 151.265 casos registados de assaltos a casas.  A quota de esclarecimento geral é de 56,2%. É alarmante o à vontade com que bandos de estrangeiros vão ocupando as grandes cidades.

 

De motivação ideológica ou política registaram-se 23.555 infrações de extremistas da direita, 9.389 infrações de extremistas de esquerda e 3.372 casos de criminalidade de estrangeiros. À conta de requerentes de asilo, refugiados da guerra civil e refugiados tolerados houve 174.438 infratores (nos delitos não estão incluídas as violações contra as leis de imigração; muitas das vítimas são também elas refugiados!) Os infratores provêm na maioria de países da África do Norte; os crimes praticados por sírios  cf. www.bmi.bund.de não são tão frequentes. Dado a política de refugiados ter falhado, a soberania da opinião sobre criminalidade faz parte dos extremos da sociedade. Tornou-se rotina a apresentação da estatística sem que haja consequências a tomar em relação a elas. Enquanto for o povo a aguentar, o Estado prefere branquear a situação. Berlim é a capital do crime, com uma quota de 16.161 infrações por 100.000 habitantes.

 

O problema é cultural e como tal de grande sustentabilidade

 

A esmagadora maioria dos imigrantes é muçulmana e não se integra na sociedade, como revela a recente percentagem de 70% de turcos na Alemanha a apoiarem o ditador turco Erdogan. O partido liberal (FDP) reagiu ao fenómeno desta votação que contradiz a mundivisão alemã de um Estado democrático de direito (e revela a mentalidade da comunidade turca a viver na Alemanha desde há 60 anos), exigindo publicamente que pessoas com dupla nacionalidade só devem ter a possibilidade de votar num país, para evitar conflitos de lealdade. Juridicamente é um caso quase impossível e como tal um tema propício para épocas de eleições.

 

Bandos de jovens do próximo Oriente, Eritreia e da Ásia central afirmam a sua presença nos centros urbanos europeus.

 

Estados em decomposição devido a fragmentações religiosas e tribais produzem bandos criminosos especialmente entre a numerosa juventude abandonada a si mesma que provoca distúrbios nos seus países (bolhas de juventude: Youth Bulges) e avalanches demográficas em direção a países fora de África e do próximo oriente; através da Líbia vêm africanos do sul do Saará (sobretudo da Somália, Eritreia e do oeste africano islâmico). Há muitos grupos criminosos que enriquecem à custa dos movimentos migratórios.

 

Na política de descolonização e de protetorados, o Ocidente criou estados-nação em regiões de cultura tribal cujos interesses são contrários a instituições nacionais centrais (justiça, polícia, administração central). Por exemplo a Líbia tem muitas tribos, mas não tem um povo nacional. Líbia e Somália têm governo, mas não têm Estado (No mundo árabe só Marrocos e o Egipto são países com estruturas estatais estáveis). A Europa incorreu no erro de transplantar a democracia de pluralidade partidária para sociedades de tradição tribal, o que não funciona, porque nelas, os factores de identidade seguem por outras rotas (etnia e religião) à margem da identidade nacional (Cf. “Tribes and State Formation in the Middle East”). Fundaram-se Estados nacionais nominais sem comunidade, muitos deles são Estados em desintegração, como se observa na Somália, Síria, Iraque, Líbia e Iémen, etiópia e Quénia, Nigéria (tribos em revolta). O crescimento da população nestas regiões cria gerações agressivas, sem futuro, que vêm para a Europa como Youth Bulges.

 

É autoengano quando os políticos falam, de poderem fazer face à Integração de pessoas em briga religiosa, étnica e tribal entre elas próprias” como refere o Prof. Dr. Bassam Tibi em Cícero 2/2017.

 

A Alemanha, com a sua política de refugiados descontrolada, favoreceu uma situação imprevisível e quer, em nome da solidariedade obrigar os outros países europeus a aceitar mais refugiados. Em 2015 a Alemanha acolheu quase um milhão e meio de refugiados; a França acolhe imigrantes até um limite máximo de 30.000.

 

A miopia política e a irresponsabilidade de cientistas da migração, para não serem intitulados de racistas, não se atrevem a apresentar análises realistas da situação. (Também é verdade que uma apresentação realista da situação desestabilizaria o sistema político europeu e fomentaria ainda mais os nacionalismos).

 

A tarefa europeia é mastodôntica: criar futuro para a geração sem futuro acolhida e criar um islão europeu compatível com a democracia ocidental.

 

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

A VIOLÊNCIA DA TOLERÂNCIA PROPAGADA NO TRATO COM O ISLAMISMO

A tolerância da intolerância é intolerante consigo mesma

António Justo

A liberdade é, depois da vida, o melhor bem que o Homem tem. Mas a liberdade para não ser receada tem como companheira a tolerância e a responsabilidade. A tolerância é filha da liberdade e da responsabilidade. As asas das ideias não devem ser cortadas para que os sonhos dos povos elevem a Terra. Toda a pessoa livre quer ser participante do poder sem se tornar súbdita dele.

Muitas vezes confunde-se mente aberta com indiferença ou cinismo sob a forma de tolerância. A tolerância da intolerância aplaina o caminho para a violência dos intolerantes. Por todo o lado se encontram disputantes sobre região e islão, mas o nível das discussões assemelha-se muitas vezes a campanhas partidárias e no caso a acções de prevenção contra a intolerância (1).

Tolerância e justiça são pressupostos de paz

 

Minorias reclamam, justamente, tolerância e respeito por parte da maioria da população, mas isto deve pressupor uma bilateralidade de tolerância da maioria que suporte a variedade e também da minoria que aceite a maioria. A situação de minoria não lhe confere automaticamente o estatuto de criança. O direito a uma certa autonomia constrói-se na afirmação da liberdade e do respeito cimentado pela responsabilidade.

Tudo o que é definido ou concreto é limitado porque percepcionado na perspectiva das subjectividades do conhecimento. O reconhecimento desta realidade tem como consequência a tolerância do percepcionado e afirmado também pelos outros, numa atitude leal de reciprocidade e na consciência da lei da complementaridade.

A tolerância para ser verdadeira e eficiente não pode assentar na areia da indiferença nem na embriaguez do cinismo.

Quem se encontra seguro nos seus valores tem maior probabilidade de apreciar e respeitar os valores dos outros. Para irmos ao encontro dos outros, com dignidade, temos de estar conscientes dos nossos valores. Ter uma visão implica assumir responsabilidade na defesa dessa própria mundivisão.

 

Substituir o pensar positivo pelo pensar amigo

 

Perante a violência islâmica visível no mundo, a tolerância tornou-se num tema importante devido à afirmação da diferença e do outro numa comunidade diferente.

A tolerância, embora seja uma virtude secundária importante, pode tornar-se numa armadilha do pensamento, se provoca o seu bloqueio.  O Ocidente, tolhido pelas derrotas que depois da segunda grande guerra sofreu em relação às suas falsas intervenções em terreno muçulmano e dependente do petróleo árabe, sofre as consequências da imigração muçulmana. (O Ocidente nas suas intervenções fomentou o extremismo de grupos muçulmanos usando-os para os seus fins que se revelaram injustos e contraproducentes.) A Europa, agora com os problemas em casa, comete o mesmo erro já praticado ao não ter em conta a vitalidade e estratégia inerente ao sistema islâmico; a Europa abdica de si mesma e arranja um modus vivendi confuso deixando o destino dos europeus abandonado à força do acaso e do que um dia se revele mais forte.

Confrontada com a bagunça criada apenas reage numa mistura de resignação, medo e coragem. Na praça pública faz do medo e da coragem um recurso elaborado a que chama tolerância: esta implica uma atitude corajosa ad intra mas que também pode tornar-se numa maneira de tratar a coragem pela fuga a ela (uma coragem negativa que camufla o medo como virtude dando-lhe a roupagem de tolerância): a Europa assume a virtude da mortificação como maneira de circundar o problema e adiá-lo, não tomando a sério o parceiro dialogante.

Para se não abusar da tolerância torna-se óbvio substituir o pensar positivo pelo pensar amigo.

Pelo que me é dado observar, em disputas dos meios de comunicação social e em palestras com certos profissionais do diálogo, chego a ter a impressão que nos aproximamos de uma atitude de tolerância violenta (flexibilidade ad extra e empedernimento ad intra). Em vez de se discutirem as questões num terreno neutro, a nível de teses e princípios moventes, de argumentação e de prós e de contras (seguindo o método da controvérsia), passa-se a um discurso meramente pedagógico, com um caracter de autorreferência ou de mera catalogação de exemplos. Cai-se no equívoco de se querer ter um pensar positivo em vez de se ter um pensar amigo. O pensar positivo é monorreferencial e como tal individualista, levando à indiferença enquanto o pensar amigo é estrutural e como tal interessado em criar comunidade (acentua a intercultura e não a multicultura guetoal). Abdica-se do pensar livre e do discurso desembuçado para se passar a um discurso passado pela própria grelha, a grelha da circunstância e do oportunismo. O discurso motivado pelo pensar positivo torna-se próprio de uma atitude de escravos de uma liberdade fechada, sem referência, criadora de   desinteresse e que implementa uma forma de estar individual e social de tipo autista, virada só para o momento e com tal sem conotações, voltada para os guetos equacionados em termos de multiculturas. O discurso do pensar amigo parte de uma matriz aberta orientadora que se encontra e discute com outras matrizes de forma controversa, sem se perder no acidental, e é motivado pela consciência da precaridade de todos os sistemas, numa vontade de aproximação e procura comum da “verdade” e na intenção de criar comunidade.

A tolerância torna-se violenta quando preponderantemente centrada no aspecto moral ou no sentimento circunstancial que, precipitadamente, opta por ou contra uma das partes, sem dar tempo a uma supervisão das próprias emoções ou opiniões, feita à luz da razão ponderada. A tolerância violenta cria tabus e proíbe de pensar ou evita o pensamento causal com medo das sombras negativas que a realidade encarada poderia deixar (ou consciencializar). Torna-se cobarde ao misturar nela o medo com um certo narcisismo – a necessidade de fazer boa figura – uma espécie de complexo da simpatia que se resume em cinismo e hipocrisia.

O medo que nos tolhe leva-nos à tolerância violenta

 

Uma olhadela sobre os Media europeus, em questões de muçulmanos, revela posições antagónicas que se situam entre o medo do islão e a islamofilia até à própria negação. A sociedade permanece indecisa entre medo e admiração e deste modo aprisionada nos sentimentos que alguns categorizam de islamofobia e de islamofilia.

A sociedade europeia foi traumatizada, ao longo da História, pela experiência que teve no contacto com a violência islâmica e que hoje se expressa à semelhança dos seus tempos primordiais. A experiência do medo e da insegurança (também a ameaça e a imprevisibilidade do antigo corso e da pirataria é hoje avivada com o terrorismo que irrompe do seio da Umma.) levou a sociedade ocidental ao recalcamento dos próprios sentimentos e à internalização do medo, fazendo do islamismo um tabu; os políticos, que conhecem o metier do poder verificando que não levarão a melhor perante o sistema islâmico, preferem ignorar a sua realidade.  Temos disso um exemplo nas actuais relações entre a Alemanha e a Turquia; torna-se típica a maneira subserviente como o governo alemão reage às difamações e ataques atrevidos do governo turco, porque, embora o governo alemão (e a EU) tenha mais poder, não o pode usar pois o governo turco tem o poder da violência (e o método de enganar e obter vantagens: Hudaybiyyah) e esta é quem determina a História em momentos decisivos, porque na realidade há sempre interesses a ser repartidos.

O islão (=submissão), também a nível de consciência colectiva, constitui um risco ominoso para o homem Ocidental se, inconscientemente, o transforma em tabu: o pensamento ocidental, como se depara geralmente na imprensa publicada, em vez de encarar o islamismo com naturalidade e como é, pensa-o como ele deveria ser e, para tal, desliga a razão e recalca os seus sentimentos naturais de agressividade, transformando-os em sentimentos de compreensão para não ter de se confrontar com a realidade da prática e da filosofia contida no Corão, na Sharia e nas ahadith da Suna nem ter de tomar uma atitude perante o agir violento do islamismo por toda a parte. Autoridades muçulmanas, vêem-se assim sem necessidade de reflectir nem desenvolver a sua filosofia e religião em termos de uma plataforma de complementaridade num plano intercultural universal; assim, a sua reacção  perante os occidentais só pode ser de piedade cínica, e vêem-se encorajadas a afirmar o seu ideário que entendem como superior e dogmático porque não encontram resistência interna nem externa; de facto o comportamento extremamente tolerante dos “infiéis cristãos ou ateus” e da política que os rodeia confirma-os na sua fantasia e estimula-os a continuar a agir sob o pressuposto da sua guerra-santa (jihad), pelos vistos, vantajosa: “se queres amigos bate-lhes”. Para que a política se torne responsável e creditável é necessário que tome o poder cultural e religioso tão a sério como toma o comércio e o negócio regulado por convenções bilaterais. (Não me refiro aqui à grande riqueza e capacidade de energias pessoais que muçulmanos trazem à sociedade ocidental a nível económico porque enquanto muitos dos seus colegas de escola dos países acolhedores não sabem a razão porque estuda nem o que querem na vida, muitos colegas muçulmanos esforçam-se e querem subir na vida e por isso esforçam-se mais, chegando mais tarde na sociedade mais longe do que os colegas autóctones).

Intelectuais inibidos na capacidade crítica na discussão como o Islão

 

A realidade política mostra-nos, por um lado, a expulsão das minorias não muçulmanas dos seus países e, por outro lado, uma migração de povos muçulmanos (xiitas e sunitas) para o Ocidente: nos países de maioria muçulmana só é possibilitado, em termos de futuro, o latifúndio muçulmano e fora deles os minifúndios islâmicos.

Em vez de nos perguntarmos porque é que o islão avança e muda o mundo através da violência, procuram-se no Corão versículos de paz, numa tentativa eficiente de se ignorar a realidade violenta a acontecer em quase todo o mundo, onde o islão está presente; a política e a opinião pública ocidental, além de não querer entender a filosofia/política e a mensagem vinculativa inerente ao  Corão-Sharia-Suna, tem o descaramento de chegar a afirmar com as autoridades muçulmanas que as barbaridades que acontecem não têm nada a ver com o islão.  Os políticos europeus deixam-se orientar pelo princípio, “o que não deve ser não se pensa” e as autoridades islâmicas julgam segundo o princípio, “o que é bom é islâmico, o que não é bom não pertence ao islão”. Por outro lado, o secularismo que governa o Ocidente, demasiadamente encostado ao Estado equivoca-se ao sonhar com o fim das religiões esperando que estas se desqualifiquem umas às outras! O poder secular ainda não acordou ao não constatar que o islão é o seu verdadeiro rival. Ignoram que a religião é povo e como tal é a força mais política que o acompanhará até ao fim dos tempos!

O conhecido intelectual Thilo Sarrazin, perito em política e economia, tentou fazer uma abordagem bastante objetiva sobre os estrangeiros especialmente turcos , no livro “Alemanha extingue-se a si mesma”. Foi logo boicotado e crucificado pela imprensa do mainstream e pela classe política estabelecida, não interessada em investigar os dados e premissas que um livro de não-ficção apresenta.   Reagiu escandalizada certamente pelo facto de um dos seus ter falado texto claro e trazer consigo o perigo de se entrar numa discussão intelectual que poderia conduzir a uma análise séria da questão. É compreensível o medo da política face às emoções populares que por isso prefere um discurso mais orientado para a tolerância da mentira do que para a tolerância da verdade. A verdade não deve ser pública, mas salvaguardada na privacidade de leituras esclarecedoras.

Na Alemanha, o número 12 do catálogo de ética do Código da Imprensa determina que no caso de delitos cometidos deve ser escondida ” a pertença do criminoso ou do suspeito de minorias religiosas ou éticas”; deste modo dá-se uma discriminação negativa da maioria ao só poderem ser referenciados os com nome e etnia os criminosos da maioria. Ao impedir-se que a realidade seja conhecida fomenta-se inconscientemente o problema.

De uma maneira geral, os intelectuais europeus actuais, devido à grande percentagem de estrangeiros islâmicos na população e devido à domesticação exercida pelo pensar politicamente correcto, têm também receio de serem identificados com correntes da população denominadas de “populistas” e de contribuírem para um espírito anti-islâmico cada vez mais presente numa parte da população que não consegue digerir os factos do dia-a-dia.

A moderação da capacidade crítica em relação ao Islão torna-se assim natural; os interesses e os erros cometidos na sociedade aconselham-nos a não o encarar de maneira livre objectiva como fizeram outros intelectuais em séculos passados. Assim os intelectuais abdicam do seu importante papel político que deveria ser colocado na balança das decisões políticas e na formação da opinião pública. Naturalmente, toda a pessoa formada tem, em geral, um sentido maternal em relação à população não exigindo demasiado dela (por outro lado como os formadores de opinião têm um estatuto privilegiado não se encontrando geralmente envolvidos nos sectores produtivos da população podem permitir-se ficar-se pelo abstracto).  Muitos intelectuais parecem sofrer, também eles, do trauma colectivo (medo que se transforma em consideração pelo islão) e, por isso, sempre que se referem a barbaridades cometidas por motivação islâmica, vêem-se na necessidade de apresentar também explicações confusas desculpantes chamando em ajudas das barbaridades muçulmanas as barbaridades europeias de séculos passados, segundo o princípio: as culpas do passado justificam as do presente. Nestes aspectos, adopta-se praticamente a defesa árabe e não se é capaz de fazer uma análise antropológico-sociológica e filosófica da cultura islâmica nem uma fenomenologia do hommo arabicus e do hommo europaeus ou, mais propriamente, uma fenomenologia antropológica e sociológica do hommo christianus e do hommo islamicus) em proveito das partes. Também se encontram aqueles que se declaram ateus e colocam todas as culpas nas religiões e deste modo se sentem ilibados de qualquer discussão séria não notando que a sua crença ateia é irmã da crença religiosa e o que está em jogo é a distinção entre poder religioso e poder do Estado (A César o que é de César e a Deus o que é de Deus).

A ausência de saber, aliada ao não querer saber, leva a uma cegueira político-social que confunde a realidade factual com desejos e fantasias (esta postura atribui ao islamismo uma vontade de paz que não encontra provas na História nem nos seus fundamentos (Corão, Sharia e Suna), que pressupõem, a nível mundial, apenas uma monocultura constituída do hommo islamicus). A história do islão é, predominantemente, uma história de guerras e guerrilhas, uma sociedade com uma economia da guerra que se serve da sujeição (escravização), do pagamento de imposto islâmico (ou discriminação) e da pirataria „sarracena” como meio de sustentabilidade.

Histórica e socialmente o “muçulmano” não conhece o fenómeno de desenvolvimento que se dá também através da osmose (dar e receber), apenas conhece o fenómeno da afirmação pela assimilação do outro até que a identidade deste desapareça (exemplo: Turquia moderna hoje só com 0,2% de cristãos quando no início do sec. XX tinha 22%). Outrora, “o infiel” enquanto não fosse assimilado pelo Islão tinha de se vestir de forma a ser reconhecido como não muçulmano e pelo pagamento especial do imposto por cabeça; nos estados islâmicos actuais o imposto foi substituído pela discriminação e repressão institucional e social de quem não for muçulmano. O problema começa no momento em que passam a ser maioria!

Em muitos foros de discussão nostálgica nota-se, por vezes, uma necessidade latente de ser enganado: não se pretende entender a realidade como ela é (para a poder mudar), entende-se como ela deveria ser. Muitos sentir-se-iam mal se tivessem de constatar que o islão não é uma religião como as outras. O temor fino é tanto e a coragem é tão pouca que leva a sociedade ocidental, instituições e indivíduos à necessidade de, em seu nome, branquearem os aspectos negativos de factos praticados por muçulmanos e a não falar da escravidão branca no Mediterrâneo. Fala-se de cruzadas sem explicarem o ataque sistemático muçulmano ao império cristão do Oriente que foi absorvido e transformado em monocultura islâmica também com a ajuda indirecta dos povos cristãos do Ocidente.

Com Ayatollah Khameini desde 1981 e com a queda da União Soviética e as intervenções do Ocidente (Afeganistão, Jugoslávia, Iraque, Líbia e Síria) foram desestabilizados os regimes autoritários e deste modo a guerra santa e o fanatismo islâmico ganharam asas em todas as regiões onde se encontram muçulmanos.  

A irresponsabilidade dos agentes políticos e o factor medo internalizado leva o Ocidente à cobardia que nos é própria em encontros com os representantes das corporações islâmicas. Uma Alemanha complexada pela culpa nazi também se encontra sob a obrigação de dar bom exemplo. O nosso comportamento de complexados pelo colonialismo exercido, fortalece-lhes a ideia de que quem deve mudar são os povos acolhedores. Numa cultura em que a agressividade é socialmente aceite afirma-se a impressão de que compreensão e tolerância é fraqueza. Mesmo assim, a atitude que nos deve levar a encarar o islão não deve ser para o combater ou atacar, mas para incentivar os muçulmanos a revolucionar o islão por dentro: a única chance para ele e para a paz no mundo. Se Alá mudou de opinião no Corão num período que não chegou sequer a duas dezenas de anos (período de Meca para período de Medina) muito mais motivo terá para a mudar depois de 1500 anos.

O comportamento da muçulmana está para o muçulmano como o Ocidente para o Islão

 

Nas relações da consciência pública entre Ocidente e Islão dá-se um fenómeno paralelo ao que acontece entre os homens e as mulheres muçulmanas. A escravização e a submissão sistemáticas das mulheres muçulmanas durante séculos levaram-nas a criarem um inconsciente de seres de segunda natureza, em relação ao homem; a submissão expressa-se numa aceitação internalizada e inconsciente do patriarcalismo exacerbado como algo natural (a dor psíquica habitual torna-se inconscientemente normal, parecendo activar, na mulher, um processo de dessensibilização da própria consciência como mecanismo de defesa automático de acomodação ao homem para não sentir tanto a dor, pois a realidade da situação encarada conscientemente tornaria a dor insuportável; por isso reagem com orgulho num islão de lenço na cabeça; um islão moderno tornar-se-ia para elas num desafio provocante – o sistema económico fomenta a sua dependência legitimando por sua vez a tradição machista). Faz-se da situação dada e da necessidade uma virtude e da violência sofrida, algo que no fundo também conduz a um certo clímax de satisfação (isto faz lembrar o filme em qua a mulher violada que, um dia, na sua dor, chega a querer ter relações sexuais com o violador e assim ter a satisfação de o usar no segundo acto; esta é a forma que ela tem de se vingar dele! Lembra também um fenómeno psicológico não raro de mulheres muito boas e “legais” se sentirem atraídas preferencialmente por assassinos ou por criminosos que se encontram em prisões! No caso das mulheres da burca a sua prisão dá-lhes o sentimento de autoprotecção perante um mundo bruto e agreste).

A prática da subjugação é elaborada pelo inconsciente como um momento sentido necessário para manter a ordem; assim a subjugação torna-se habitual e parte da natureza, deixando de aparecer como sofrimento consciente ou como algo estranho. O contacto dos povos do ocidente com os povos islâmicos e a lida constante com a violência turca e árabe e com a pirataria do norte de áfrica no Mediterrâneo, leva o Ocidente a internalizar a sua consciência de ser mais fraco em relação à força islâmica. A força islâmica envolve te tal forma o indivíduo e a sociedade que as pessoas ocidentais, com um certo senso de privacidade se refugia criando uma consciência colectiva já não de vítima, nem de acusador, mas de menino bem-comportado em relação ao irmão mais forte. O Ocidente com a experiência multisecular da escravização e do ter de se aceitar como diferente leva-o a considerar natural a discriminação e violência sofrida; perante a impotência internalizada durante séculos, a condição de vítima é compensada com a aceitação e o reconhecimento do agressor. (Na História contemporânea os povos árabes têm razão em insurgirem-se contra as intervenções do Ocidente que os confirmam no seu papel de se julgarem vítimas!)

A meu ver, torna-se interessante verificar o facto de também a cultura muçulmana criar, por sua vez um trauma na sua alma; o trauma árabe funciona no sentido inverso ao do trauma do Ocidente; o homo turcus-arabicus ao não compreender ele mesmo nem assumir a responsabilidade dos actos da sua brutalidade, não pode desenvolver nele a culpa e por isso inverte-a considerando-se vítima; a agressão e a crueza são tais que uma consciência colectiva não suportaria explicar e por isso cria inconscientemente o complexo de vítima: deste modo não precisa de reflectir os próprios actos, dado o Corão legitimar a violência; Cria-se assim uma dinâmica paralela: fora a violência factual e dentro a sensibilidade repousante. A culpa está fora, nos outros.

Por tudo isto não há interesse na averiguação da realidade, nem da História nem dos factos porque isso exigiria uma gestão de resultados com soluções que implicariam o compromisso esclarecido em benefício dos povos e de uma paz sustentável. Isso implicaria a integração de consciência e inconsciência e o reconhecimento do dentro e fora, da razão e do coração, de Deus e da natureza, não como antagónicos, mas como polos numa relação de complementaridade em que a realidade é apercebida de forma a-perspectiva, como não reduzível a um ponto de vista ou perspectiva. A feminidade é um pressuposto da paz não podendo ser reduzida ao sector privado (ao dentro). A feminidade terá de ser uma componente do ideal público (do fora…). Numa sociedade equilibrada a feminilidade e a masculinidade passam a não ser polos extremos para se encontrarem num fluxo interactivo contínuo de energias diferentes numa Consência de Complementaridade num todo.

Conclusão

O saber é universal não se podendo manter nos limites de uma religião, cultura ou ciência como entende o islão; a sabedoria ultrapassa a razão e o entendimento não se pode meter no espartilho de uma só lógica ou interesse. O coração une e a cabeça discerne, um articula e a outra desarticula. Por isso, para se alcançar uma visão global integral não se poderá abstrair do coração nem da razão, o que não justifica ficar-se na ambivalência ou na oposição como forma de se afirmar na vida. A realidade afirma-se através de uma dialética certamente polar, mas de preocupação abrangente e inclusiva. O pensamento não tem proprietário e também não pode ser enfunilado num só determinado tipo de lógica ou cultura.

Consequentemente, a fraqueza de uma ideologia seja ela científica, política ou religiosa não constitui argumento que fundamente o combate contra ela nem qualquer violência contra os seus seguidores. Doutro modo seguiríamos nas nossas apreciações e atitudes uma práxis muito à semelhança do actuar dos países muçulmanos.

Do mesmo modo não deveria constituir argumento, evitar uma discussão aberta e séria sobre o Islão, pelo facto de a sua estratégia drástica de afirmação ser um modelo prático e oportuno para a organização, defesa e execução de interesses de grupos de tipo maquiavélico.

©António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo (História e português)

Pegadas do Espírito no Tempo,

  • (1) Observei muitos profissionais do diálogo (políticos e cristãos), em grandes palestras com os seus parceiros muçulmanos ou em simpósios sobre o islamismo e constatei, quase sempre, que os parceiros ocidentais abdicavam da própria personalidade e dos valores que representavam. O mesmo se constata em conversas com pessoas no dia-a-dia. Chegam a dar a impressão que os nossos valores herdados não precisam de defesa ou se encontram à disposição perante parceiros que os não aceitam (dando também a impressão de não conhecerem verdadeiramente os valores em jogo de uma parte nem da outra). Actua-se como se se tratasse de defender a nossa simpatia e vaidade pessoal e para tal até nos adiantamos aos parceiros dialogantes citando frases bonitas do Corão, mas sem ter a coragem de abordar o tema da intolerância e da violação dos direitos humanos nele contidos. Em diálogo pressupõe-se o encontro de sistemas abertos ainda orientáveis e não apenas de frases feitas nem troca de simpatias.