CHAMADA À ORAÇÃO PELO MUEZIM EM COLÓNIA

 

Na sexta-feira, 10 de Outubro, os muçulmanos em Colónia passaram a ser autorizados a apelar publicamente às orações através de altifalantes.

A directora do Centro de Investigação do Islão Global de Frankfurt receia que o apelo público do muezzin (do imã) na mesquita Dtib em Colónia possa ser interpretado pelos “islamistas da linha dura” como uma “vitória pontual”.

A fórmula anunciada significa “Allah é o maior, Allah é o maior. Não há divindade (nenhum deus) além de Allah e Allah é o maior. Allah é o maior e a Allah todos os louvores pertencem”. (Allahu Akbar Allahu Akbar La Ilaha Ilallah Wallahu Akbar Allahu Akbar Wa Lillahil Hamd)

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

A EUROPA ANDA PERDIDA NUMA FASE EM QUE OS IMPÉRIOS SE REOGANIZAM

Tempos de Crise universal beneficiam os Grupos globais oportunistas

O ser humano para subsistir precisa de um habitat natural, de instituições e de organizações sociais com ideologias ou doutrinas estáveis que lhes confiram consistência interna possibilitadora de identidade e de identificação. Neste sentido, a União Europeia encontra-se já há muito num processo de desconstrução/reorganização que vem acentuar o sentimento de crise implementado pela nova geoestratégia em construção.   

Das famílias, tribos, povos/nações surgiram os impérios e civilizações. Se antes os impérios eram determinados pelos interesses internos de nações, hoje organizam-se em torno de núcleos regionais económicos e ideológicos.

Se nas primeiras organizações dominavam as relações humanas empáticas já a nível de conglomerados (por exemplo, ONU; NATO/USA, Federação Russa, China, EU) dominam as relações funcionais (não empáticas) mais próprias de organigramas de funcionários em tempo de serviço; é um facto que o povo se orienta sobretudo pela moral e os Estados por interesses. A relação pessoal é, nestes organismos complexos substituída pelo interesse de jeito utilitário e funcional; em vez da lei moral de interacção pessoal rege a lei cívica de controlo externo (1).

Os tempos de viragem global são épocas de insegurança em que o medo ganha a dianteira, as instituições desconfiam umas das outras, chegando a confiança, também a nível individual, a ser substituída pela suspeita. As superpotências são perigosas entre si, o resto é obrigado a segui-las e a entreter-se com a informação que elas lhe dão.  Encontramo-nos num tempo que exige especial atenção a tudo, um tempo de guerras híbridas onde domina a propaganda e a contrapropaganda, a desinformação e a corrupção, o que complica uma avaliação da situação porque o cidadão é sobretudo o resultado de informação; da informação de uma realidade meramente virtual.

A crise atual é mais dolorosa do que outras passadas porque o mundo se transformou numa “aldeia” e o cidadão e a sociedade estão a ser reagendados e transformados em produto em função de algo imediato ao serviço de instituições económico-políticas globais que se servem da propaganda e da informação como meio de governo e de domínio de uma população cada vez mais exteriorizada e de governantes açaimados por agendas colectivas.

Os latifundiários do poder, interconectados entre si, criaram uma realidade e uma atmosfera social que chega já a ultrapassar o cinismo e a sátira. Gera-se uma consciência colectiva em que a arbitrariedade e a absurdidade passam a reduzir a realidade a uma narrativa de factos atrás de factos, não interessando sequer os elos de ligação entre eles. As populações vão-se contentando no alinhamento da dança atrás do rufo do tambor! Neste tempo triste a sociedade passa a andar como que atordoada na espectativa do estupefacto de uma realidade miragem.

O cidadão/consumidor é confrontado com situações irracionais em que a razão última dada se reduz a uma decisão autoritária sem fundo visível (No âmbito da Internet o consumidor cada vez é mais confrontado com artifícios refinados de aproveitamento da situação a que falta qualquer boa intenção de serviço e de transparência; o mesmo se observa em grandes fornecedores e prestadores de serviços). Isto cria a sensação de impotência e de se ser entregue a forças incontroláveis; esta situação é cada vez mais precária dado os portadores de confiança pública deixarem de ser eles mesmos para se transformarem em propagandistas de agendas e de interesses anonimizados que destroem o sentimento do bem-estar. Por outro lado, a aposta numa guerra só destruidora arruína a orientação da confiança interior e individual e conduz a sociedade a um estado depressivo porque inconscientemente se sente numa situação perdida. Os governantes transformaram-se em administradores da “miséria” e não fazem nada por devolver a esperança popular. Sem esperança (que é o sol da vida individual e social) não há progresso, não há sobrevivência e não há futuro porque a esperança e a confiança são os elixires da vida imprescindíveis para o bem-estar individual e social. Atualmente as notícias televisivas e cometários económicos e políticos exteriorizam-nos distanciando-nos de nós próprios e daquilo em que confiamos, preparando o caminho para um estado inerte e depressivo.

Pensava-se que na Europa a Esperança não morreria, mas com a progressiva morte da pessoa humana (da morte de Deus passou-se à morte do Homem) toda a esperança vai morrendo e sendo substituída por expectativas instaladas. Cada vez nos mergulhamos mais na dor do luto de guerras militares, subculturais (de capelinhas) e económicas que nos reduzem à qualidade de refugiados indesejados a viver na desconfiança de um mundo que leva muitos a terem de existir de forma sonâmbula e outros a terem de adormecer sob o manto da tristeza. Cada vez se ganha mais a impressão que, de dia para dia, a velha Europa, que abusara do mundo, morre, com a vã satisfação de morrer em conjunto. Uma Europa das nações que antes pensava o mundo sob a perspectiva nacionalista ainda não encontrou uma óptica geopolítica própria.

Em sociedades passadas só as elites se davam conta dos erros das elites e da História; hoje, os generais já não se encontram nos quarteis mas nas centrais da informação, nos gabinetes e nas operadoras globais que vão transformando o mundo num quartel e os estados em casernas de incorporados (onde muitos vestidos de uniformes se encontram alinhados na parada sempre à espera do toque da alvorada televisiva, para recebem instruções, que levam muitos a  rastejarem na lama da informação da coreografia política.  A guerra da informação não reflectida mobiliza mentalmente os citadinos transformando-os em “soldados” do sistema. O „mainstream “político-económico controla tudo ao assenhorear-se das capacidades mentais e emocionais das populações não deixando margem para alternativas. Tudo obedece: os implementados apresentando as agendas e os subalternos seguindo-as; não há lugar para a dúvida numa sociedade de interesses e interesseiros; esquece-se que onde não há dúvida não há desenvolvimento!

Na casa da Europa, sem tecto metafísico, a desmoronar-se por todo o lado, tudo se torna cada vez mais virtual, nada é verídico tudo se tornou narrativa de fantasmas e fantasias que levam à decadência alimentada pela pobreza do vizinho. O pensar humanista universal europeu deu lugar a um pensar latifundiário mercantil de economia e ideologia.

Precisamos de uma política lúcida empenhada na construção da paz que restitua a esperança ao povo.

António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo

Pegadas do Tempo

(1)  A “autoridade„ é substituída pelo poder, desenraizado da família e da terra, e, para se afirmar, tem de manter o balanço entre as exigências populares e as dos grupos relevantes para a subsistência do Estado). Na relação familiar ou de grupos acessíveis (onde se consiga uma visão do particular e do geral) torna-se possível uma relação de troca de confiança em que se dá também uma troca de benefícios mútuos e de protecção que pode possibilitar uma pessoa a ser uma autoridade para a outra enquanto no Estado ou grandes instituições as relações  são determinadas pelo ter autoridade sobre uma pessoa sem serem percepcionadas como autoridade, por esta se afirmar a nível do ter que assume um caracter meramente funcional, sendo exercida através de pressão ou poder. Também na escola um professor pode ter autoridade sobre um aluno sem que ele seja uma autoridade para o aluno; para o ser pressupõe-se uma relação não só funcional a nível de papéis, mas sobretudo uma relação empática de reconhecimento, bondade, amor e compreensão. As autoridades no espectro político e económico, porque empenhadas na defesa e imposição de interesses, não assumem o caracter de modelo ou de exemplo a seguir definindo-se geralmente pela mera ordem hierárquica (caracter burocrático). Quer no ser como no ter autoridade se pode influenciar as pessoas de forma positiva ou negativa. Exercer autoridade significa criar as condições para que algo seja feito em conjunto de maneira a se possibilitar desenvolvimento, ao indivíduo e ao grupo. Na carência disto, vamos tendo fartura de arrogância e mal-entender.

 

NA SEQUELA DE ELITES CRIADORAS DE INSPIRAÇÕES SUBMISSAS

A Emoção social instrumentalizada está a substituir a Razão e a destruir o Senso crítico

As democracias estão a ser desmioladas devido à prepotência de grandes poderios e falham por serem obrigadas a orientar-se por princípios imediatos que as reduzem, cada vez mais, ao papel de reagentes e não de agentes. Esta situação torna-se evidente ao constatarmos como os interesses dos EUA e da Rússia utilizam a Ucrânia e condicionam os governantes da Europa a reagirem de maneira a prejudicarem substancialmente a vida das populações que ficam longe da Ucrânia e a contribuírem para a divisão do mundo e dos povos. Os governantes europeus que foram eleitos para defenderem os interesses do povo que os elegeu atraiçoam os eleitores e a democracia dado os seus interesses de elites estarem conectados aos das elites das grandes potências que são contrários a uma política do bem-comum; reduzem a sua governação aos negócios miúdos da aclimatada população e criam nela a impressão de se preocuparem com ela.

Destrói-se a personalidade consciente pessoal e cria-se uma personalidade inconsciente colectiva que interioriza o pensar politicamente correcto e do mainstream! A consciência individual é substituída por ideias comuns e ideologias criadas por “pais incógnitos” e dirigidas a um anonimato, tornado democraticamente irresponsável. As elites pretendentes a dominar radicalmente não só a pessoa como grupos e nações criam acontecimentos e sugerem contínuos planos que obrigam a sociedade a ter de andar sempre atrás do acontecimento ritualizado e celebrado insistentemente nos meios de comunicação social; por outro lado como estratégia de autodefesa criam impulsos sociais e ideias que destroem as ligações pessoais (fomento do egocentrismo) grupos como família, região ou nação para os poderem anonimizar e assim tornar massa manobrável (pessoa organizada tem poder e força e não se deixa tão facilmente manipular pelo poder, por isso há todo o interesse em desvinculá-la reduzindo-a a mero indivíduo).

Assim se cria um círculo de retorno em que personalidades ou programas socialmente invisíveis criam ideias no povo que este depois exprime no mainstream e assim conseguem indirectamente democratizar processos autoritários e manipuladores e dando a impressão de estarem a dar resposta à vontade popular. Este proceder ameaça cada vez mais o processo de formação da opinião democrática. Um exemplo acabado disto temo-lo na guerra da informação sobre o contencioso Rússia/OTAN; a informação igual e repetitiva em todos os canais de TV e de informação é tão insistente que cria em pessoas indefesas a ideia de possuírem verdades absolutas que as leva a considerar anátemas aqueles que ousem sequer levantar uma dúvida ao que a massa tem de pensar. A consciência pessoal-individual é substituída pelo sentimento gratificante de pertença ao caudal do mainstream. Cria-se assim uma irracionalidade grupal que tem um efeito de massas semelhante ao criado num estádio de futebol que age como um todo psicológico inconscientemente movido e até exaltado. Se observamos a reacção das massas à contenda entre Rússia e USA/OTAN nos media e nas atitudes dos beligerantes de um lado e do outro vê-se confirmado que mesmo em sociedades consideradas avançadas como a europeia, as pessoas são levadas pela emoção e por um ditado colectivo que no fim se revelará como servidor de quem tem intenções antidemocráticas. A democracia se continuar a ser minada desta maneira deixa de o ser e, o que é mais sínico e catastrófico, deixa de o ser mediante um processo democrático. O inconsciente colectivo torna-se tão transformador do caracter das pessoas que as leva a uma disponibilidade de até se alistarem voluntariamente em guerras distantes de que não conhecem os interesses que se escondem por trás delas. Assim um convencido pelos media é levado a alistar-se nos exércitos ucraniananos pensando que serve a Ucrânia quando, de facto poderá estar a defender os interesses da OTAN/EUA ou da Rússia. As democracias ocidentais não são bem vistas quer pelo socialismo ideológico quer pelo turbo-capitalismo que apostam no dirigismo anónimo. A inconsciência colectiva passa a substituir a consciência individual e a servir, deste modo, os inimigos da democracia.

A democracia estava mais adequada e bem guardada nos Estados-nação porque com a política democrática, as injustiças nos Estados-nação poderiam ser fundamentalmente eliminadas: direitos civis e humanos, estado de direito, liberdades individuais, saúde, etc.; com a formação de grandes conglomerados de nações corre-se grande perigo de se dificultar a proximidade ao cidadão e este não consegue abranger novas complexidades criadas. Facto é que da ideia nacionalista que nos regia estamos a passar para ideia imperialista de grandes conglomerados. A nossa tradição imperialista com a ideia de que outros povos são inferiores e ignorantes está agora a moldar o nosso comportamento passando num estádio intermédio a assumir o espírito guerreiro, bárbaro e tribal. Transferem a glória nacional para a luta competitiva internacional como sistema de dominação!

O novo conceito estratégico da Cimeira da OTAN em Madrid (1) salvaguarda também próximas aventuras globais numa atitude de defesa dos próprios valores intocáveis mesmo fora do próprio âmbito. Deste modo legitima-se a brutalidade do passado na relação entre países, o que impede o início de uma estratégia de elaboração de relações de paz. Assim se continua a legitimar as lutas pelo poder entre nações e blocos de nações. A maior potência mundial EUA não aproveita a oportunidade única de poder-se estabelecer uma relação amistosa entre blocos e nações possibilitadora da convivência na complementaridade de povos e culturas (em vez da estratégia da confrontação urge a colaboração na grande missão de fomentar o bem-comum entre todos os povos e o bem-estar de cada pessoa. Doutra maneira continuarão a ser sacrificadas as populações a meros interesses do poder e dos poderosos.

 

Nunca tivemos na história ocidental povo tão levianamente “crente” a ponto de as pessoas irem paulatinamente perdendo a consciência da razão. Nas sociedades europeias antigas, as elites políticas, culturais e económicas juntavam a crença à razão, o que as ajudava a manter um certo equilíbrio e um real espírito crítico. Hoje a emocionalização social dirigida torna-se tão forte e tão potente que desacredita qualquer tentativa crítica e de bom senso. Hoje a emocionalização social torna-se tão vigorosa e tão potente que desacredita qualquer tentativa crítica e de bom senso. Na “liturgia“ televisiva diária contínua não fica espaço para a autorreflexão e quando muito esta é orientada só no sentido de afirmação ou de negação. Os fomentadores da opinião pública estão conscientes da sua victória porque sabem que o que cada um tem de mais sagrado é a própria opinião e como tal o indivíduo identifica-se através dela mesmo quando ela lhe foi inconscientemente impingida. Deste modo estamos na iminência de criar uma democracia fantasiosa. As técnicas da propaganda e do posicionamento passaram a ser base do discurso público que psicologicamente forma mentalidades autoritárias e intolerantes de maneira a ter uma audição selectiva que já impede o registo de aspectos que conduziriam ao espírito crítico tornado impossível devido à intolerância que funciona como escudo protector do próprio autoritarismo aprendido; é triste observar-se, até de maneira evidente, o comportamento autoritário e altaneiro dos nossos governantes na EU, também ele indiferenciado como é próprio do rebanho. Isso leva ao seguidismo (do “Maria vai com as outras”) e ao consequente calor das massas (opinião pública republicada). Foi destruída sistematicamente a argumentação lógica e de modo tão eficiente que qualquer tentativa de argumentação é logo qualificada de se encontrar na posição oposta embora assim não seja.

Querem-se posições radicais que não permitam interpretações. A insegurança é tal que para se sentir seguro basta encostar-se a qualquer palha que sirva de âncora. Assim a fantasia colectiva, secundadadora dos timoneiros do poder, submete-se totalmente ao aliado considerado protector que é ainda fortalecido pelo medo do inimigo. Fomentam-se ídolos e inimigos catalisadores das emoções públicas que vão engrossar o caudal das massas que fornecem energia a outros moinhos que não os próprios.

Gustave Le Bom, no seu livro “A Multidão” afirma que “a acção inconsciente das massas que substitui a atividade consciente dos indivíduos é uma das principais características da era atual” (2).

António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo

 

Pegadas do Tempo, https://antonio-justo.eu/?p=7868

  • (1) Cimeira da OTAN em Madrid: https://antonio-justo.eu/?p=7672
  • (2) Para Gustave Le Bon, uma multidão não é um simples agregado de indivíduos; ela deve, ao contrário, ser percebida, a partir de uma perspectiva psicológica, como uma entidade única e indivisível, distinta da simples adição dos elementos isolados que a compõem. Portanto, o desaparecimento da personalidade consciente, a predominância da personalidade inconsciente, a orientação por sugestão Cimeira de Madrid e o contágio de sentimentos e ideias na mesma direção, a tendência a transformar imediatamente em ação as ideias sugeridas, tais são as principais características do indivíduo na multidão… A multidão aparece então como algo ameaçador, imprevisível e fundamentalmente irracional. Com Canetti, mudamos nosso ponto de vista. Canetti faz uma distinção fundamental na multidão, entre a multidão e a massa. Uma massa é uma matilha atingida por um fenómeno de emergência. Psychologie des foules (Le Bon):  https://www.infoamerica.org/documentos_pdf/lebon2.pdf 

 

MORREU GORBATCHEV ANTIGO LÍDER SOVIÉTICO E NOBEL DA PAZ

O Demolidor de Fronteiras morre no Ano dos Construtores de Fronteiras

Mikhail Gorbatchev (1931-2022), outrora o segundo homem mais poderoso do mundo, morreu com 91 anos (30/08). Foi um estadista soviético e depois russo que governou a URSS entre 1985 e 1991. Ele não destruiu a União Soviética, como alguns querem fazer crer, a URSS desmoronou-se por si própria devido à falência económica do sistema e à política de liberdade de expressão e de reconstrução) por ele iniciada em 1985 (1). Com a sua Perestroika (plano de Gorbachev para modernizar a economia e a sociedade soviéticas) e Glasnost (transparência, fim da censura oficial), possibilitou a ultrapassagem da guerra fria. Ele terminou com o sistema comunista estalinista na esperança de iniciar uma nova era! Queria preservar o comunismo sob um sinal diferente, mas o povo decidiu o contrário e ele aceitou a realidade em vez de recorrer ao poder militar. Gorbatchev foi um europeu antes dos políticos europeus terem acordado para a Europa e deste modo encontramo-nos numa constelação sem Europa, sem Ucrânia e sem Rússia, transformados em meros membros da OTAN.

Também a UE deixou de ser “europeia” para se tornar norte-americana e a Alemanha voltou à sua tradição guerreira e assim não haverá remédio para uma política europeia pacífica de compromissos; sim porque os alemães de ontem que eram pela paz – os Verdes – se tornaram nos mais activos propagandistas da guerra e o próprio chanceler, depois de muitas hesitações cedeu à corrente anti compromisso. Acabaram-se as manifestações pela paz!…

Mikhail Gorbatchev foi um europeu que ficou sem resposta europeia, mas, em vez dela, com resposta americana. A sua ideia da “casa europeia” não foi acompanhada por todos e agora voltamos à guerra fria escoltada de uma guerra quente, cada vez a ser mais puxada para a UE pelos nossos governantes! Perdeu-se a oportunidade de se organizar uma terceira via liberta do sistema comunista e do sistema globalista turbo-capitalista.

Gorbatschev calou-se sobre a guerra da Ucrânia, certamente por desilusão com Putin e com os EUA/OTAN.

O mundo inteiro chora Gorbachev, embora na Rússia e nos comunistas permanece uma imagem confusa dele.

Putin disse “M Gorbachev foi um político e estadista que teve uma tremenda influência no curso da história mundial”.

Gorbachev tinha criticado Putin por restringir a liberdade e a democracia. Gorbachev também criticou o Ocidente (EUA) por se declarar o vencedor (“triunfalismo”) da Guerra Fria, explorando a fraqueza da Rússia e prosseguindo políticas míopes.

Em 08/11/2019 o Gorbachev advertiu que a tensão atual entre a Rússia e o Ocidente está a colocar o mundo em “perigo colossal” devido à ameaça das armas nucleares. NA BBC apelou a todos os países a declarar que as armas nucleares devem ser destruídas.

Como se viu na União Soviética e na antiga Alemanha socialista, no momento em que um estado ditatorial permita um pouco de liberdade ao povo, o fim do sistema processa-se rapidamente. Isto significa que o sistema ditador comunista não corresponde ao espírito natural da pessoa nem ao de uma sociedade e como tal não proporciona sustentabilidade social.

A “Gorbi” se deve a paz de que tínhamos desfrutado na Europa. Que descanse em paz!

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

(1)  A sua política de Glasnost e perestroika (‘abertura’ e “transparência”) foi veneno num sistema que não pode existir sem um centralismo total do Estado. Por isso ainda há muitos defensores de uma ditadura de esquerda que condenam Gorbatchev.  Liberdade de expressão e liberdade de imprensa isenta de controlo e de influências será sempre uma utopia em todos os sistemas de governo.