DE “SERVOS DA BURGUESIA” PARA “SERVOS DA POLÍTICA”?

Uma Caminhada ao longo dos Tempos entre Fracasso e Salvação

Em tempos passados vivia-se dos servos da terra; hoje, em sociedade avançadas, refinou-se o processo vivendo-se mais dos servos da mente.

As capacidades mentais e espirituais encontram-se em perigo de virem a ser subjugadas a princípios, agendas, ideologias e assim serem unilateralmente direcionadas para a defesa de grupos de interesses estabelecidos, de minorias ou reivindicativos, fora do contexto comum, enfim, uma inteligência mais orientada para a compreensão e expressão utilitária e menos para a sabedoria empática.

O saber e a ciência (universidades) não se devem tornar em servos da política, um sector profícuo em produzir os servos de hoje. A política, que deveria procurar a verdade e o bem comum, deixou de ser apelada pela Verdade integral para se servir do suborno e assim conseguir convencer, para os seus fins, a maioria dos cidadãos (uma estratégia democrática). (Observe-se a corrupção sistémica no Estado português, situação crónica que mereceria um estudo sério sobre o assunto, a nível de universidades.)

 O facto de vivermos em democracia e esta assumir uma forma de vida equacionada e expressa por partidos, que pretendem possuir a Verdade toda (ou a verdade variável), não nos pode desobrigar de procurar a Verdade para além daquilo que nos querem fazer querer (Verdade muitas vezes negada ou diluída no politeísmo ideológico-político) porque só assim nos livramos do jugo que pretendem impor-nos de maneira alienante; de facto, o sistema democrático, ao tornar-se cada vez mais autoritário e controlador  global, é tentado a contentar-se a que a Verdade fique reduzida às verdades relativas de partidos ou ordenanças sob a alçada do poder. Quanto mais o poder partidário estatal aumenta mais oportuna se torna a instituição cristã e moral acompanhada de desobediência cívica, uma vez que a política se mantem mais centrada nos interesses concorrentes da vida social terrena e a religião mais no sentido da vida e do bem da pessoa. Enquanto a política se fica por conceitos abstratos e leis (sem atitude virtuosa), a religião alia à ideia (à ideologia) a vida boa e exemplar! Não se pode criar uma nova base moral baseada apenas em princípios de igualdade jurídica e abstracta.

A verdade não pode ser de ordem democrática porque não é reduzível a um consenso. O consenso é uma ótima maneira de resolver pacificamente conflitos de interesses em democracia: revela-se, muitas vezes, como um método para o bom viver, mas que não substitui o seu sentido; a verdade na qualidade de dado sociológico, seria reduzida a um mero acto mental ou de número, a uma acção cerebral impossível de ser conciliada mesmo em democracia. Há ainda o perigo de muita gente considerar resultados estatísticos maioritários como sendo a verdade ou como dados orientadores da vida pessoal. A procura da Verdade a nada pode excluir e a nada se pode submeter e por isso permanecerá sempre uma actividade profética.

A Verdade não se deixa condicionar a actos de poder; como Deus, ela não escraviza e deixa sempre a tua consciência como última instância, como é praxe da ética cristã da justiça e do amor.

A Instituição eclesial ou secular e o indivíduo vivem um do outro, seguindo o chamamento de Deus (do bem comum) de forma mais ou menos consciente; portanto, cada crente, cada cidadão e cada época vive da intuição entre o fracasso e a redenção, muito embora expressos de forma religiosa ou de forma secular. Importante, para todos será centrar-se na caminhada e não se perder a olhar para a maneira do caminhar dos outros.

Encontramo-nos a caminho da libertação e a sociedade vai-se melhorando. Os valores vão-se afirmando e à medida que se alcançam e aperfeiçoam alguns, vão-se descobrindo outros. Para não nos refugiarmos em discursos sobre os malefícios do passado importaria reflectir mais no que se esconde e encontra por trás das nossas condições económicas, social e individualmente. Numa realidade em que tudo é relação e em que tudo está em relação seria anti natural querer-se abstrair da lei da complementaridade (onde fenómenos que aparentemente se excluem na realidade  se complementam e fazem parte da mesma realidade) como se fosse possível criar realidade/verdade autónoma emancipada da relação vital (1).

Todo o esforço por sair da demasiada dependência pessoal, legal, económica e mental é um serviço ao desenvolvimento pessoal e à humanidade. Estamos todos chamados a viver a liberdade de filhos de Deus.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

(1) Uma cultura da paz implica a implementação do princípio da complementaridade em geral como englobante da tolerância. Assim se manifesta também a compatibilidade do amor e omnipotência de Deus com a existência do mal no mundo (teodiceia) e na determinação da relação com a ciência natural (e teologia) também expressa na natureza humano-divina de Jesus Cristo. Também no mistério da Santíssima Trindade as entidades relacionais Pai-Filho geram uma terceira identidade – o Espírito Santo – que ao mesmo tempo pertence à realidade divina como complemento.

Quanto à emancipação pessoal é importante desde que a autodefinição não estabelecer a comunidade como fronteira. Indivíduo e instituição pressupõem uma certa dinâmica de concorrência em contínuo processo de transformação mútua. Esta seria reduzida a uma mudança de perspectivas se se colocasse a emancipação e objetivo de qualquer desenvolvimento do indivíduo no seu caracter funcional, ou seja, como libertação do patronato, da casa, das normas e objetivos dos pais. O passo consequente seria a emancipação do Estado e das leis. A redução da dependência no sentido de uma auto-libertação responsável implicaria também um certo distanciamento de uma psicologia que apenas aposta na emancipação pela emancipação (individualismo puro), levando o cliente a não se sentir responsável por suas próprias acções, chegando muitas vezes a culpar até os pais por existências fracassadas. O mesmo se diga da alienação da autorresponsabilidade no próprio partido ou da tendência para a diluição da responsabilidade do partido atribuída ao povo. Como seres e instituições frutos da relação, estamos todos comprometidos e interligados numa complementaridade que a todos compromete e corresponsabiliza; certamente a fonte dela encontra-se na pessoa que se define a partir de um nós. Mais que independentes somos seres sempre na pendência de algo ou de alguém, com o potencial da liberdade que nos quer mais iguais!

 

HITLER PÔS A CIÊNCIA AO SERVIÇO DO PODER E DA SUA IDEOLOGIA

70.000 Pessoas “sem valor para viver” assassinadas em Instituições de Eutanásia em 2 Anos

A ciência, a religião e a arte não escapam à sua instrumentalização para fins de afirmação ilícita do poder político-económico.

O darwinismo (teorias relativas à evolução das espécies) social servia-se do determinismo biológico como mundivisão. A ideologia nazista aplicava a doutrina de Darwin sobre a evolução por selecção natural à sociedade humana. Como o lavrador levava as vacas ao touro mais forte assim queria a política social de Hitler aplicar tais leis para “expurgar” da sociedade pessoas que considerava “inferiores”.

De 18 de agosto de 1939 até agosto de 1941, foram assassinadas cerca de 70.000 pessoas em instituições de eutanásia, principalmente por gaseamento ou injeção, porque consideradas “sem valor para viver”. Para essas instituições da morte eram levadas pessoas com deficiências físicas ou mentais bem como pessoas consideradas de vida “inferior” ou “anti-sociais” (estas pelos encargos económicos que poderiam causar). Os assassinatos em massa eram organizados pela “chanceleria” do Führer e médicos. O número de vítimas da “eutanásia infantil” é estimado em cerca de 5.000 crianças até 1945.

Durante o regime nazista cerca de 350.000 a 400.000 pessoas foram esterilizadas à força com base na “Lei sobre a Prevenção de Filhos de Doenças Hereditárias” (1).

O darwinismo social advogava a política do fim do século XIX e início do séc. XX como argumento moral justificativo do colonialismo e imperialismo em África e noutras zonas do globo. Hitler aplicou à sociedade humana as leis da biologia da evolução por selecção natural. Os nacional-socialistas consideravam a “raça germano-ariana” como superior e justificavam a sua mundivisão com o darwinismo social. O darwinismo social baseava-se na superioridade racial, social e cultural e dividia a sociedade em grupos superiores e inferiores, e os inferiores deveriam ser aperfeiçoados pelos superiores.

Uma das críticas ao darwinismo social é a transferência acrítica e errónea das leis biológicas para as sociedades humanas. Além disso, vários dos seus pressupostos básicos não são abrangidos pela teoria de Darwin e são considerados pela ciência moderna como desatualizados.

A ideologia nazi também fundamentava os seus planos de expansão para leste com a ideia do seu “espaço vital no Leste”. Estes planos de alargamento eram justificados com a ideia da “raça germano-ariana” como a “raça mestra”. De acordo com isto, há muitos indivíduos com características diferentes numa geração. Os espécimes mais adaptados ao ambiente transmitem os seus genes à geração seguinte.

Esta visão materialista considerava a comunidade do povo alemão hereditariamente valiosa e “racialmente pura”; daí o considerarem os estrangeiros como estranhos à comunidade e começarem por excluir os judeus e os ciganos e por praticar a eutanásia.

Na sequência desta experiência, as novas gerações alemãs praticam uma política de imigração bastante indiscriminada!

Como se vê, até a ciência traja as modas do tempo ou deixa-se vestir e na sociedade arranjam-se sempre “valores” justificadores de medidas contra a vida e de pretextos para uma expansão agressiva: se ontem valia a superioridade da raça e a raça pura hoje tende a valer a superioridade da democracia e a qualidade de vida! Na falta de um investimento numa cultura humana e sistémica da paz continuarão a cultura da guerra e a mera funcionalidade da pessoa a valer como padrão social.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

(1) https://www.bpb.de/kurz-knapp/hintergrund-aktuell/295244/vor-80-jahren-beginn-der-ns-euthanasie-programme/

SOCIEDADE ALEMÃ CADA VEZ MAIS PERPLEXA

Na passagem do ano (Ano Novo) houve grande violência contra polícias, carros de socorro e paramédicos. Só em Berlim, a polícia e os bombeiros fizeram quase 4.000 operações tendo sido atacados várias vezes, com bombas e fogos de artifício, pistolas automáticas e foguetes tendo sido feridos 33 bombeiros e polícias.
Também houve ataques à polícia, bombeiros e paramédico nas cidades de Essen, Bochum, Duisburg, Leipzig e Frankfurt/Oder!
Em 2021, houve 88.600 ataques a policias na Alemanha.
Os políticos alemães mostram-se chocados com a extensão da violência do Ano Novo mas o que fica é a perplexidade.
António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo

MORREU O PAPA “EUROPEU” EMÉRITO BENTO XVI

Uma Era chega ao Fim

Em 2022 morreram os dois maiores símbolos de uma sociedade em vias de grandes mudanças: o Papa Bento XVI com 95 anos e a Rainha Elisabeth, monarca do Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, com 96 anos.

Neste mundo em crise de mudança debatem-se dois tipos de sociedade de maneira facciosa. O ano 2023 talvez consiga tornar-se em fundamento para uma nova era de paz em que se inicie uma estratégia de vida não fundamentada em vencedores e vencidos nem na fixação de posições maniqueias.

O emérito Papa, de perfil claro, revelou-se sempre contra a arbitrariedade e o relativismo dominante do pensar politicamente correcto do espírito do tempo. Ele anunciou o evangelho em tempo oportuno e inoportuno. Como guardião da fé e do ensino da igreja nem sempre correspondeu a exigências de mudança principalmente em questões de moral sexual. Fica para o Papa Francisco a missão de mudar algumas estruturas na Igreja. Quanto ao problema de abusos sexuais dentro da Igreja pediu perdão por eles, mas não assumiu responsabilidade pessoal. No parecer das forças mais progressistas especialmente activistas na Alemanha, Bento XVI seguiu o espírito do papa João Paulo II na missão de adiar o Concílio Vaticano II. Bento XVI reabilitou em parte Lutero, mas não considerou a igreja evangélica como Igreja. Defendia a união em aspectos confessionais (para-liturgias em comum, etc.)  mas afirmava as diferenças de doutrina e por isso a não celebração em comum da eucaristia.

Na discussão atual há que estar-se atento para que uma igreja alemã mais centrada no racional não perca o outro aspecto essencial que é o caracter espiritual-místico da Igreja.

A sua iniciativa de abdicar do pontificado nos últimos dez anos ficará na História como uma cesura por, em parte, ter dessacralizado o papado, o que servirá de guia para outros papas.

Bento XVI foi um grande teólogo e um dos maiores intelectuais da Europa atual. Como grande erudito, também dominava oito línguas. Os seus livros são de recomendar pela oportunidade dos temas e pela clareza da sua linguagem que contribui para pessoas sem formação teológica poderem, mais facilmente, entrar no aspecto filosófico-místico e espiritual do catolicismo.

A liturgia da despedida será no dia 5 de janeiro onde se reunirão representantes de Estados de todo o mundo. Bento XVI é enterrado na galeria ao lado do papa João Paulo de II.

Conseguiu chamar a atenção para o núcleo da Boa Nova cristã: o amor e a fé, como mostrou a sua primeira encíclica “Deus é amor” (1).

Foi célebre o seu discurso no parlamento alemão (2) onde mostra os pilares da civilização ocidental e ao mesmo tempo se insurge contra o espírito político do tempo dizendo que o homem não é apenas uma liberdade que se cria por si própria; o homem não se cria a si mesmo; ele é espírito e vontade, mas é também natureza.

Na sua palestra científica na universidade de Ratisbona (3), Bento XVI revelou-se, na qualidade de pessoa entre as destacadas, como a personalidade mais corajosa da Europa.  Da reacção emotiva do mundo árabe à sua lição de Ratisbona em que também disse que “O sangue não agrada a Deus”, o Papa aprendeu que o seu cargo mais que científico é político. Soube, porém, manter-se firme sem desculpas, apesar da praxis hesitante dos que se orientam apenas pelo politicamente correcto, e encorajando os cientistas a não abdicarem perante o medo. Ele tem sido um exemplo de coragem e empenho também para a política.

Bento XVI manteve-se fiel ao seu conservadorismo não correspondendo ainda a muitas esperanças postas nele ao procurar defender a impermeabilidade da religião em relação ao espírito político do tempo.

Vivemos tempos muito ricos em que visões tradicionais e novas se devem complementar sem necessidade de se combaterem umas às outras. O novo não existe sem o velho.

A despedida do ano velho mostra que a visão da história permanecerá dividida!

 

António da Cunha Duarte Justo

Teólogo

Pegadas do Tempo

 

(1) Encíclica em português: https://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/encyclicals/documents/hf_ben-xvi_enc_20051225_deus-caritas-est.html

(2) Um Dia Santo para a Natureza para os Animais e Plantas: https://antonio-justo.eu/?p=1945; Papa Bento XVI e os Sinais dos Tempos: https://antonio-justo.eu/?p=2442

(3) Em Ratisbona Bento XVI revelou-se o homem exposto mais corajoso da Europa: http://blog.comunidades.net/justo

BOM ANO 2023

Vamos todos investir no produto bruto interno da felicidade

Tantos desejos de boas festas e felicidades são o melhor indicativo da importância da felicidade de cada um. Neste sentido em 2023 vou pessoalmente fazer por ser feliz e substituir cada ideia negativa por uma ideia positiva de modo a não ficar no “ralenti” da sombra da vida (só com o motor a trabalhar) a vê-la passar de forma vertiginosa. Há coisas que não posso mudar fora mas talvez possa mudar dentro de mim procurando para isso experimentar um outro ângulo de visão.

Vou procurar sorrir mesmo quando apetece chorar; isto na esperança que o sorriso mesmo mecânico funcione como interruptor do centro emocional do cérebro activado positivamente pelos músculos faciais.

Vou tentar deixar as crises balançarem numa atitude otimista perante a vida, apesar de tudo, no sentido de um convívio de paz sem vencedores nem vencidos e sem qualquer estresse no sentido do positivo ou do negativo. Sei que caminhando com Deus vale a pena a caminhada mesmo quando ele pareça ausente.

Passo a referir o caso do “produto bruto da felicidade” como objectivo individual e nacional digno de ser atingido. No estado do Butão, no Himalaia, em vez do produto nacional interno bruto, é usada a felicidade nacional bruta como medida do sucesso do país.

No Butão o bem-estar da população, o produto bruto da felicidade é investigado e verificado por uma comissão de felicidade instituída.

A felicidade como produto interno é um objectivo pacífico que vale a pena pôr no orçamento individual e do Estado.

Desejo a todos a soberania da felicidade, aquela que nos coloca num estado de alegria comunicativa!

Um feliz 2023 à medida dos vossos sonhos e projectos com um produto bruto da felicidade muito elevado!

Um sorriso para todos!

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo