O Papel dos Media na Cultura do Erro

A Mundivisão relativista possibilita um Progresso Tipo Roda de Hamster

Erros acontecem porque é próprio do humano errar seja na esfera privada, pública ou política. O problemático da questão situa-se, porém, no facto de os erros públicos (políticos) serem negociáveis mais que resolvidos e assim a vida passar a assumir um caracter meramente funcional porque reduzida à resolução de problemas!  Isto favorece uma situação social estratificada dos que estão em baixo a olhar para os de cima, diminuindo assim os pré-requisitos para uma melhor forma de lidar com os erros. Se partíssemos do princípio que somos todos falíveis a política seria menos arrogante, falsa e inflexível! Para isso não poderíamos prescindir da atraccão dos valores do bom, do belo e do verdadeiro, que foi o modelo cultural da nossa civilização ocidental e que representavam valores absolutos que a sociedade procurava. Atualmente o mundo ocidental encontra-se numa época de crise ao procurar afirmar no próprio modelo o relativismo moral e cultural em função do útil! Neste entremeio de mundivisões contraditórias torna-se difícil também para as elites governantes e acólitos tentar fazer valer para o povo o relativismo absoluto e reservar para elas uma espécie de verdade absoluta (direito a orientar com validade para as cúpulas e a correspondente exigência aos subordinados (circunscrita ao povo) de aceitarem viver no erro embora legitimado pelo relativismo (1).

Esta incoerência relativista desenvolve o poder explosivo político e promove a legítima desconfiança popular! O equívoco encontra-se no novo modelo conceitual, mas do qual as camadas dominantes vivem parasitariamente porque o relativismo apresentado e espalhado como mundivisão para o povo desqualifica o próprio povo que reduzido a utente ou consumidor de serviços perde qualquer legitimação para se opor às classes governantes a não ser através de uma revolução constante vinda das bases mas que na consequência para evitar tal  leva as elites a unirem-se entre elas, processo já atualmente em via, de maneira a tornarem-se cada vez mais despóticas como é o caso do modelo chinês ou cada vez mais oligárquicas, como já vai sendo o modelo anglo-saxónico (a ser apressado na Europa a pretexto da guerra na Ucrânia).

Atendendo à atual situação do Ocidente, até que se gere uma nova matriz político-económico-social, haverá que partir do erro como estado original normal e tentar protelar a cura especializando-nos não na cura do erro, mas na forma como o tratar! O relativismo não permite uma outra abordagem e a situação desesperada em que nos encontramos pode ser verificada na forma aflitiva como a mundivisão do poder relativista se afirma contra a Igreja Católica que continua a defender o modelo anterior na procura da verdade considerando o bem, o belo e a verdade na qualidade de bens absolutos já realizados no protótipo Jesus Cristo. Também a desconstrução do monoteísmo faz parte do âmago do relativismo que procura impor o politeísmo olímpico com os deuses das sensualidades humanas legitimadoras das lutas do direito dos mais fortes numa espécie de Olimpo das elites que se servem e riem dos humanos que vivem debaixo das nuvens na esperança de uma aberta que permita algum raio do sol cínico de algum deus!

Nesta situação deficitária, para se entrar num processo social de melhoria contínua será de pressupor a capacidade de lidar com o erro de maneira construtiva e positiva. Ao lidarmos com o erro de maneira positiva prestamos um serviço importante ao mecanismo social. Pressuposto será que tanto as esferas superiores como as inferiores reconheçam a realidade do erro.  Ao reconhecer-se que erramos estamos honestamente a assumir responsabilidade analisando as causas do erro e a dar os próximos passos para corrigi-lo (Não é fácil sair da roda de hamster!).

Muitos de nós e relevantemente os media não querem aprender com o erro porque não há interesse em analisá-lo ou em propor formas diferentes de o tratar;  chegam mesmo a usá-lo como algo fatal e também ele fazendo parte do negócio que dá oportunidade ao bom viver das elites e seus acomodados (Também nos Media do sistema é válido o princípio muçulmano: a mentira é boa desde que sirva o sistema; o sistema é sempre generoso para com os seus delegados e para com a administração)! Mais que interessados na mudança e no desenvolvimento do sistema vai-se vivendo, comodamente, dele, com os erros que possibilitam progresso aparente (o progresso da Roda de Hamster) que não o desenvolvimento! Neste sistema e para o qual, a nível geopolítico de momento, não há alternativa mais se necessitaria de um jornalismo crítico e responsável que analise e avalie os serviços prestados num processo de contínua aprendizagem se bem que limitada.   Também a indiferença e a apatia que se observa a nível popular é de basear na ordem relativista utilitária fomentadora de impotência e não numa estupidez natural advogada pelos beneficiados do sistema.

Lidar com o erro pode ser desafiador, mas ao adoptar uma abordagem construtiva, podemos usar o erro como uma oportunidade para aprender e melhorar nossos serviços, tornando-os mais eficazes e benéficos a uma sociedade do bom, do belo e do verdadeiro e, numa fase intermédia, talvez se consiga construir em termos mais humanos e criativos um novo modelo cultural para a nossa civilização ocidental e assim conseguir-se sair do actual modelo relativista resumido na roda de Hamster! A mundivisão relativista possibilita um progresso tipo Roda de Hamster, um andar, de forma convencionada, no tapete do erro.

O facto de o humano se encontrar em diferentes biótopos geográficos, culturais e naturais não quer isto dizer que a sua diversidade exterior seja suficiente para se negar que as diferenças externas têm a sua consistência num só Sol.

A alternativa à afirmação egoísta da nova ordem relativista que favorece o oportunismo dos mais fortes seria a elaboração lenta, mas determinada de uma nova matriz social na base da inclusão dos polos.  A matriz do futuro, o modelo de uma nova ordem social, terá que ter como fundamento antropológico e cultural uma relação equilibrada entre os dois princípios vitais que penetram toda a natureza e toda a humanidade: a masculinidade e a feminilidade. Os dois princípios universais a actuar na natureza, no homem, na mulher e na sociedade terão de entrar numa relação de osmose complementar e abdicar da luta mútua pela superioridade de modo a substituí-la por uma relação de troca,  passando a ser uma troca entre iguais, muito embora com a possibilidade de sublimar energias negativas numa espécie de jogo, sem que este tenha de ser olímpico, como quereriam os seus deuses!

Entretanto, quem não dança fica sentado no banco a chupar o dedo!

António CD Justo

© Pegadas do Tempo

(1) A tese central do relativismo afirma que as crenças e descrenças não são verdadeiras ou falsas num sentido absoluto, mas apenas em relação a certas instâncias, como visões de mundo, culturas, religiões, formas de conhecimento, etc. O relativismo ético assume que diferentes culturas também têm diferentes valores morais (deveres). A posição oposta do universalismo representa a convicção de que os mesmos valores morais devem aplicar-se a todas as culturas. Segundo o relativismo ético, não há juízos morais objetivamente verdadeiros ou objetivamente justificáveis. Em vez disso, a verdade ou a justificação dos juízos morais é sempre relativa a padrões, que são bastante diferentes e podem variar de cultura para cultura. É uma escola filosófica de pensamento que vê a verdade das declarações, exigências e princípios como sempre dependentes de outra coisa e nega verdades absolutas

Ao contrário, para Platão o verdadeiro, o belo e o bom, representam valores absolutos!

DECISÕES DA ASSEMBLEIA FINAL DO CAMINHO SINODAL ALEMÃO

Uma Provocação alemã? Se sim – qual o porquê?

Medidas concretas tomadas pela assembleia sinodal para a Igreja na Alemanha:  de futuro em todas as dioceses serão possíveis celebrações de bênçãos para casais homossexuais. Já tinha havido uma reforma da lei católica do trabalho em 2022, segundo a qual a igreja também não despede uma gerente de creche que viva numa relação lésbica. A igreja católica emprega cerca de 650.000 pessoas a tempo inteiro, das quais 500.000 trabalham para a Caritas. E mais de 600.000 pessoas trabalham como voluntárias da Igreja Católica.

Leigos empossados, homens e mulheres, também podem pregar nas diferentes liturgias da igreja de modo a que a igreja se torne sinodal com mais participação em todos os níveis.

A bênção da igreja não será mais negada aos divorciados que se casem novamente.

Na última assembleia sinodal em Frankfurt, no terceiro dia (19.03) foi eleito um “Comitê Sinodal” que consta de 27 bispos diocesanos, 27 membros eleitos pelo ZdK (Comitê Central dos Católicos Alemães) e outros 20 membros agora eleitos pela assembleia (1). O “Comitê Sinodal” manterá o processo de diálogo entre representantes dos bispos alemães e representantes dos leigos e trabalhadores da Igreja.

Na assembleia do caminho sinodal (2) os membros revelaram-se capazes de compromissos embora alguns aspectos doutrinais tivessem de ficar em aberto para serem resolvidos no sínodo no Vaticano pelo Papa Francisco (diaconado para mulheres, celibato). Houve um clima de discussão-argumentação nas reuniões, muito característico do espírito discursivo alemão. Bispos e líderes leigos têm-se debatido de forma mais política do que piedosa por encontrar compromissos. As resoluções do caminho sinodal têm um aspecto de recomendações e de apelo ao Vaticano.

Houve muita discussão sobre a abertura do sacerdócio às mulheres e sobre o celibato (3). Os bispos exigiram abertamente o diaconado para as mulheres. 93% da assembleia geral e 80% dos bispos votaram a favor; neste assunto aassembleia sinodal alemã apenas fez um apelo à igreja universal e ao Papa Francisco.Em outubro será realizado o sínodo mundial no Vaticano e também tratará das decisões da assembleia alemã.

Certamente o sínodo em Roma surpreenderá muita gente e não desiludirá muito os defensores de reformas. Quanto à bênção dos homossexuais e a abolição do celibato obrigatório tudo leva a entender que a assembleia sinodal de outubro no Vaticano oferecerá diferentes soluções para as respectivas culturas e igrejas regionais, obedecendo ao  lema: diversidade e unidade na igreja universal. Acho que tais mudanças são possíveis sem que a Igreja Católica se torne protestante; o seu maior problema será o da politização nas suas fileiras! A discussão pública na Alemanha sobre o caminho sinodal tem sido controversa e polarizada fazendo lembrar uma discussão entre partidos sobre uma instituição de grande relevância social, mas conduzida sob aspetos políticos sem grande preocupação espiritual. A discussão dos problemas é ainda mais dificultada pelo facto de nos encontramos num contexto político-social histórico adverso ao cristianismo por razões de domínio de caracter político que tende a reduzir a pessoa a mero cliente.

Alguns críticos temem que as discussões possam separar a Igreja Católica na Alemanha da Igreja universal. Outros veem no caminho sinodal uma oportunidade para a Igreja enfrentar os desafios da sociedade moderna.

Um dos argumentos teológicos em favor da mudança baseia-se na atitude cristã primitiva de interpretar os sinais dos tempos (um elemento da revelação) para que a igreja não se ausente da vida real.

No meio de tanta discussão o Papa encontra-se numa situação desconfortável e difícil porque o poderá levar a sentir-se só com o Espírito Santo: não será fácil conciliar a fé cristã com uma política mundana orientada por maiorias. Por outro lado, os sinais dos tempos não parecem indicar que se deva submeter a doutrina bíblica e eclesial a simples tradições de ética sexual, sejam eles do passado ou do presente. Tentar limitar hoje a sexualidade ao matrimónio sacramental revela-se ainda mais difícil que manter o celibato obrigatório para todos os padres.

Numa altura em que a pastoral (aplicação prática da doutrina e dos sacramentos sob orientação do bispo) tende a acentuar-se sobre a teologia (ciência que procura penetrar o conteúdo da fé por meio do método discursivo e da reflexão para dar resposta  às vicissitudes do presente, e uma resposta para o futuro) seria uma oportunidade para a mística cristã (religiosidade da vivência do encontro pessoal com Deus e da contemplação dos mistérios divinos) poder vir a assumir (finalmente!) um papel mais determinante na vida eclesial.

O Papa certamente continuará fiel à sua exortação sinodal “Querida Amazónia” defendendo uma reforma a partir da base, sem masculinizar as funções da mulher, mas que deve feminizar a praxis eclesial (4).

Na cultura alemã sobressai a racionalidade e a natureza científica envolvidas por uma forte ética de trabalho e amor pela ordem e estrutura deixando pouco espaço para a espiritualidade/religiosidade. Embora a religião cristã continue a ser uma parte importante da herança cultural alemã e da vida cotidiana de muitas pessoas, ao mesmo tempo observa-se uma perda crescente da fé e uma dispersão em práticas espirituais alternativas. Há muita procura e vontade de experimentar em práticas e filosofias espirituais alternativas, tendência esta que corresponde ao espírito do tempo que aposta mais na afirmação do ego e do hedonismo. A religiosidade é mais crença do que fé (pistis). É sintomático o facto de a língua alemã usar uma só palavra (Glaube) para designar crença e fé (Pístis).

Pelo que pude observar nestes últimos três anos da discussão dos temas do Caminho Sinodal, esta mais me parecia uma discussão político-social com pouco a ver com o espírito religioso ou com a fé. Fica-se mais pela liturgia da palavra do que pelo aspecto místico da devoção sendo a religião muito psicologizada e, como tal, orientada para as coisas deste mundo. Encontra-se tudo mais centrado e conotado com valores socialmente utilitários como justiça, solidariedade, direitos humanos, democracia e paz. Sente-se a falta de valores cristãos como fé, amor a Deus, devoção, respeito ao próximo, caridade, bondade, esperança e paz. Por vezes sobressai a impressão de se procurar apenas a autorrealização, e de se querer salvar e melhorar o mundo por conta própria.

O discurso público e religioso encontra-se unilateralmente politizado, facto que se observa cada vez mais na opinião pública europeia; a politização da vida ameaça empurrar para longe todas as outras áreas da vida pública.

Na edição de fim de semana do jornal alemão que assino verifico que párocos católicos e evangélicos no seu espaço do jornal falam de temas da actualidade com alguma possível referência final bíblica, mas quase nunca há uma referência a Jesus Cristo ou a algo que tenha a ver com espiritualidade (o pároco está presente, mas ausente a conotação da religião/espiritualidade que representa). Resume-se tudo a alimento para a mente como se fosse embaraçoso falar de Jesus Cristo ou de espiritualidade. Mesmo em textos do episcopado sobressai uma linguagem administrativa mais adequada à teologia do que à pastoral. Na pastoral, muitas vezes, são usadas palavras muito sensatas que têm mais a ver com temas e sistemas seculares de pensamento do que com um sistema religioso de atitude cristã em relação com Deus. Pela impressão que tenho da maneira de ser alemã centro-norte, a pessoa está mais centrada em si mesma procurando encontrar em si a força para agir não contando muito com o apoio de outras dimensões da realidade como a fé, a graça e a oração. Na consciência social a espiritualidade encontra-se bastante privatizada.

Se os alemães exageram o debate a ponto de o politizarem e polarizarem, os portugueses mantêm uma cultura de debate público subdesenvolvida e por isso a opinião pública assume uma dimensão apenas vertical quando uma eclésia e uma verdadeira democracia deveriam dar mais valia à horizontalidade (fraternidade dos filhos de Deus)! Tudo cresce de baixo para cima!

António CD Justo

Pegadas do Tempo

(1) Após o término do Caminho Sinodal, as deliberações sobre as reformas da Igreja Católica devem continuar em um “Comitê Sinodal”. Para garantir que essas resoluções não fiquem apenas no papel, as coisas devem continuar – há uma série de tarefas: algumas coisas devem ser implementadas pelos bispos individualmente, algumas coisas pela conferência dos bispos, outras ainda precisam de mais trabalho em novas comissões e grupos de trabalho, e no que diz respeito ao ensinamento da Igreja, é submetido ao Papa em votação.

O Comitê Sinodal deve continuar e implementar o trabalho do projeto de reforma nos próximos anos. Bätzing: “O caminho sinodal não leva a uma divisão nem é o começo de uma igreja nacional. Rejeito firmemente tais alegações obscuras mais uma vez.”

(2) O objectivo do caminho sinodal é encontrar novas maneiras de proclamar com credibilidade o evangelho de Cristo. Para que isso aconteça, os membros da Assembleia sinodal seguem uma dupla escuta: por um lado, todos os membros se escutam sinceramente e, por outro lado, escutam o Espírito Santo. (Na escuta dos membros entre si geralmente trata-se de uma escuta a nível de elites imbuídas da cultura típica que as envolve!). Inclui os membros da Conferência Episcopal Alemã, 69 representantes do Comitê Central dos Católicos Alemães e outros representantes de serviços espirituais e escritórios eclesiais, jovens e indivíduos (Assembleia sinodal é composta por 230 pessoas). Resumo das quatro Assembleias sinodais em alemão:  https://katholisch.de/artikel/44051-beschluesse-offene-enden-und-hindernisse-wo-steht-der-synodale-weg

(3)  Até 1023 havia padres casados. O que é decisivo é a capacidade e o chamado de Deus para transmitir o amor a Deus.

(4) Sobre exortação sinodal “Querida Amazónia”: https://antonio-justo.eu/?p=5803

 

A INTOLERÂNCIA DO “DE QUE LADO ESTÁS?”

Entre intolerância política e intelectual

Ao observarmos a expressão pública verificamos nos diferentes meios de comunicação social e em diversas atitudes e comportamentos pessoais e grupais que nelas sobressai a falta de respeito e de aceitação em relação a diferenças, sejam elas de natureza cultural, religiosa, política, racial, sexual, género, etc… observa-se uma certa psicopatia  em meandros obscuros da sociedade que se refugiam, mesmo à luz do dia, na culpabilização do adversário. Se é verdade que também a vida real não escapa a uma certa “dialética” também é certo que a História nos ensina que terá de ser acompanhada pela dúvida metódica que se revela à posteriori como factor de desenvolvimento (A dúvida metódica mantém a tensão entre os opostos sem os eliminar e assim possibilita desenvolvimento).

observa-se uma certa psicopatia  em meandros obscuros da sociedade que se refugiam, mesmo à luz do dia, na culpabilização do adversário. Se é verdade que também a vida real não escapa a uma certa “dialética” também é certo que a História nos ensina que terá de ser acompanhada pela dúvida metódica que se revela à posteriori como factor de desenvolvimento (A dúvida metódica mantém a tensão entre os opostos sem os eliminar e assim possibilita desenvolvimento).

Generalizam-se problemas humanos próprios de um ou outro membro para os atribuir à instituição a que o indivíduo pertence. Por vezes assiste-se a um certo tribalismo no agrupamento de opiniões diferentes resultante da polarização: do lado bom os que pensam como eu e do outro os rejeitados por terem opiniões diferentes. Este pensar maniqueísta conduz à discriminação de pessoas ou grupos com base em características religiosas (teísta ou ateu), orientação política ou sexual, etc… Na consequência é assumido um sentimento perturbado expresso em desdém, raiva ou hostilidade contra outros grupos.

Dá-se a falta de diálogo ao recusar-se ouvir outros pontos de vista e quando abundam os preconceitos arraigados a estereótipos ou ideias fixas sobre crenças.  Tudo isto conduz a uma atmosfera de violência.

A falta de aceitação e respeito em relação a outras pessoas e grupos conduz a uma série de comportamentos e atitudes negativas. Uma sociedade altamente em crise cria nos seus membros a necessidade de se definirem vincadamente para terem a impressão de possuírem uma identidade firme (A sociedade compensa assim nos seus membros a própria identidade decadente). Neste momento histórico em que as potências se esforçam por criar uma nova ordem mundial baseada na guerra fria, também as instituições se encontram em crise mas também elas reagem no sentido do que constatava  Gil Vicente: as instituições são intocáveis, o problema está sempre nos seus membros… Ai dos não alinhados que não embarquem nos facilitismos e não aceitem deixar-se levar na onda!

A intolerância política manifesta-se individual, grupal ou colectivamente quando uma pessoa ou grupo expressa desprezo, ódio ou discriminação em relação a outra pessoa ou grupo baseando-se em opiniões políticas, ideológicas ou partidárias. A intolerância política pode manifestar-se em ataques verbais, difamação, agressão física, ameaças, boicotes. A sociedade actual demasiadamente politizada fomenta especialmente a discriminação política através de polarização, desinformação e medos que levam ao fanatismo. O fanatismo político prejudica o diálogo democrático e o processo político, gerando divisões e conflitos entre diferentes grupos, desestabilizando a sociedade que passa a ser pervertida ao serviço de grupos de interesses político-económicos. A convivência pacífica e democrática só pode ser garantida mediante uma atitude de respeito e tolerância mútua em relação às diferenças de mundivisão político-social. Uma matriz política em que os partidos do centro defendam os seus interesses difamando sistematicamente os extremos (tanto os Comunistas como o Chega) carece da atitude de diálogo pressuposto de toda a democracia; o mesmo se diga destes em relação aos partidos do poder!

Também a intolerância intelectual se encontra muito divulgada e expressa-se na falta de respeito e tolerância em relação às opiniões, ideias e conhecimentos de outras pessoas em áreas, como política, religião, ciência, arte, cultura, etc. Geralmente a intolerância intelectual deve-se à falta de saber, preconceitos, medo, desinformação, arrogância, etc. A intolerância intelectual usa como meios a ridicularização, a desqualificação, o ataque pessoal e a difamação e cria como seu lugar de refúgio “bolhas ideológicas “alérgicas a ideias ou opiniões diferentes. Ao impedir-se o diálogo e o debate saudável entre as pessoas fortalecem-se as forças do poder vigente em detrimento da possibilitação de melhor futuro.

Actualmente observa-se que a intolerância política se fortalece com a intolerância intelectual e deste modo limitam a liberdade de expressão, a diversidade de ideias e a criatividade. Quem não pensa como o politicamente correcto quer, ou como os intelectuais ao serviço do sistema, é colocado fora dos muros da cidade, tal como acontecia em sociedades antigas, nos casos de lepra!

. Além disso, ela pode prejudicar o processo de aprendizado e a busca pelo conhecimento, já que É fundamental que haja respeito mútuo e tolerância em relação às opiniões e ideias divergentes, de modo a poder garantir-se uma convivência pacífica e democrática.

António CD Justo

Pegadas do Tempo

A ETERNA BATALHA DOS GÉNEROS DEVE-SE À MATRIZ SOCIAL MASCULINA

Dia internacional da Mulher só um apelo à igualdade a nível de verniz e esmalte?

Enquanto não se começar a encarar o problema dos papéis sociais a nível de matriz integral (masculinidade-feminilidade) não se leva a questão suficientemente a sério porque é tratada como uma questão de verniz e esmalte da sociedade. Apesar de tudo, os projetos de ajuda e as medidas legais dirigidas em favor das mulheres são actualmente muito importantes se concebidos a partir do ponto de vista das mulheres.

As pessoas continuam dizendo que as mulheres devem ter as mesmas chances e oportunidades que os homens. Mas quem são as pessoas, quem é a “cara”?

Na sociedade e na política diz-se que se devem repensar os modelos dos papéis sociais. A intenção é boa e alguns resultados também. Mas, o que há para pensar quando nosso pensamento estrutural e a ordem social assentam em princípios masculinos?

Numa sociedade masculinizada em que a competição, a luta e a subjugação são glorificadas, vale a pena a luta feminina  até que se chegue à consciência de se fomentar uma matriz social e humana integradora dos princípios (e aptidões) da feminilidade e da masculinidade em equilíbrio e osmose, no âmbito homem-mulher-sociedade.  Doutro modo toda a justa luta se concentra na disputa da feminilidade por ver reconhecida na matriz masculina a sua identidade bastante reduzida a termos de papéis masculinos. A matriz vigente vai sendo obrigada a ceder nas bordas, mas não no núcleo.

É verdade que, quando as crianças atingem a idade de brincar, passam a assumir os papéis que a sociedade lhes proporciona e a escola mais prega. A base do problema está no modelo social da masculinidade e começa aqui tendo por base um ensino orientado preponderantemente pela aquisição de aptidões de conotação masculina.

Muitos contribuem para que se esconda o problema pondo-o na armadilha política do estilo de vida tradicional ou nos pais (um sistema de culpabilização só para alijar a carga!). Outros falam da proibição de comprar sexo como se uma sociedade machista resolvesse o problema com a ajuda de verniz e esmalte.

Os papéis sociais estão baseados na matriz unilateral masculina (na continuação da ordem patriarcal a ser mais ou menos suavizada com o tempo) que permeia todas as sociedades e ordens sociais no mundo.

Onde todos teríamos que trabalhar seria no surgir de uma nova matriz antropológico-social preparadora de uma nova ordem mundial (consciência) que tivesse como base as forças da masculinidade e da feminilidade, numa perspectiva de complementaridade e inclusão já não só a nível de funções na sociedade padrão, mas sobretudo a nível do ser e do modo de estar (integrador dos dois princípios ou energias) num modelo de sociedade equilibrada.

mas não apenas promove o mesmo tratamento, mas isso teve que surgir da igualdade de consciência e respeito pelos outros. As características masculinas foram enfatizadas sobre as características femininas e à custa delas. Claro, não é preciso padronizar as características específicas, mas vale o esforço  feito ou a fazer para que cada indivíduo e sociedade integrem as características femininas e masculinas de modo a (para que externamente na estrutura social) o princípio da masculinidade e da feminilidade não lutarem um contra o outro (segundo o modelo das forças masculinas), mas se equilibrem um ao outro fora da plataforma de um poder esgotado em brigas e concorrência de interesses ou de posição oposta. Uma sociedade que tem sido puxada, direccionada e movida pelo reino masculino exterior (carapaça exterior da sociedade), carece de mudança fundamental e para isso deixar de negligenciar o reino interior (feminilidade, espiritualidade) que aguarda aceitação e implementação. Esta missão torna-se difícil principalmente numa época de crise como a nossa em que se espera uma mudança radical de mentalidade e que se vê estrebuchar nos figurinos machos do espectro político.

A nível de luta exterior e de papeis sociais a mulher continua a ser a grande vítima dos nossos padrões de sociedade, como apresento agora em relação à Alemanha:

Na Alemanha, um país desenvolvido, há uma diferença de 18% no salário por hora entre homens e mulheres. As mulheres geralmente recebem menos do que seus colegas homens pelo mesmo trabalho. Conforme relatado pelo Departamento Federal de Estatística, as mulheres a partir dos 65 anos receberam um rendimento bruto médio de 17.814 euros por ano em 2021 e os homens 25.407 euros.

O risco de pobreza em 2021 é de 20,9% para as mulheres e 17,5% para os homens. O limite para uma pessoa solteira era de 14.969 euros por ano (dados estatísticos do HNA 8.3).

De acordo com a ONU, a cada hora no mundo, 5 meninas e mulheres são mortas por seus parceiros ou outro membro da família. Na Alemanha, esse crime ocorre a cada três dias (138 casos em 2020). As pessoas costumam falar em “tragédia familiar”, “assassinato por honra” ou “drama de ciúmes”, mas basicamente são casos de feminicídio.

As barreiras estruturais são cimentadas por uma matriz masculina que se perpetua como legado da sociedade patriarcal.

Ao fazermos parte de um sistema temos que contar com os paradoxos a ele inerentes (contradições dos sistemas e dos neles instalados) e ir fazendo por nos aperfeiçoar individual e socialmente de maneira a poder influenciar activamente o sistema que de si é prepotente. Enquanto o poder se orientar sobretudo pela materialidade (crença na masculinidade) e não integrar nele a espiritualidade (feminilidade) viverá na e da exterioridade como se pode ver bem documentado na máscula e estúpida  guerra entre o bloco ocidental e a Rússia a decorrer na Ucrânia.

Quanto à luta pela emancipação da mulher, penso ser adequada a palavra emancipação porque se trata da libertação de um modelo masculino baseado na subjugação que atraiçoou sobretudo a feminilidade. Na sua luta, a mulher está a seguir os critérios próprios do modelo social masculino. Ao sujeitar-se ao modelo masculino próprio de uma sociedade patriarcal embora moderada, a mulher pode estar a  reagir (adoptando tal modelo) a modos de um complexo de inferioridade não auto-consciente  da riqueza da identidade feminina;  ao assumir as técnicas de afirmação próprias da sociedade de matriz masculina apenas reagem, em relação ao modelo agressor, adoptando os métodos deles e assim assumem indiretamente modelo tradicional e ao não apresentar um modelo alternativo que inclua cem por cento a feminilidade  estão a contribuir para a perda da própria identidade feminina. Da interação da masculinidade e da feminilidade, da essência do ser feminino e do ser masculino poderá surgir um modelo mais criativo e menos potente. Nas formas de emancipação e manifestações públicas deveriam ser apresentadas acções femininas e projectos de sociedade inclusivos que deem relevância à feminilidade a incluir numa nova matriz social a criar. Doutro modo destruída a identidade feminina, a especificidade do ser mulher, toda a sociedade será destruída para preparar mundo meramente técnico e artificial. A feminilidade não pode ser reduzida a um manufacturado de uma sociedade de matriz masculina para não se tornar num mero elemento na linha de montagem da produção económica. Precisamos de uma nova sociedade mais feminina, mais amante da paz e dos dons e valores genuínos de cada um. Urge o surgir de uma avalanche feminina, um movimento de solidariedade da feminilidade em todo o mundo que use meios e invente um método feminino alternativo à maneira de ser e estar actualmente em vigor.

É natural que a luta pela emancipação se tenha inicialmente expressado sobretudo com mulheres possuidoras de uma identidade em que a masculinidade nelas sobressaia em relação à feminilidade (Esta estratégia masculina de autoafirmação será ainda muito oportuna na sociedade islâmica em que um verdadeiro revolvimento cultural humano só poderá ter efeito através da acção unida das mulheres). Encontramo-nos num momento em que os movimentos emancipatórios deverão estar muito atentos para não serem açambarcados por movimentos políticos de masculinidade exacerbada. Movimentos políticos e económicos do poder são por natureza masculinos e como tal deveriam ser confrontados com movimentos de base feminina não apenas feminista (feminista seria o papel masculino assumido por mulheres em que a feminilidade poderá estar em segundo plano).

O feminismo exacerbado corre o perigo de perverter os próprios dons e expressões característicos e por fim ver a própria identidade destruída (perda de feminilidade e desprezo da maternidade em benefício da masculinidade quando esta já é política e socialmente exacerbada).  O seu verdadeiro sentido e superioridade basear-se-ia no Ser e não só no ter (posse masculinidade) com um formato mental feminino que na sua maneira de estar partiria do nós e não do ego (característica maternal da sociedade). No modelo actual sobressaem os valores de caracter masculino: o dinheiro, o poder subordinador e o sucesso, colocando-se o homem no lugar de Deus e acima da moral e até como o criador dos valores numa sociedade que quer de combate porque deste modo a oportunidade é dos mais fortes.  

Tendo em conta a rudeza do modelo da nossa sociedade, é natural  que o movimento feminino se afirme pela luta, mas também é certo que no dia internacional da mulher ativistas representantes da masculinidade se aproveitam para envolver as mulheres em actividades de luta afirmadoras de estratégias masculinas (querem-nas feministas e não femininas!). Trata-se de reconhecer a mulher toda e não reduzir a sua emancipação a papéis político-económicos de formato masculino.

A mulher terá de usar várias estratégias numa luta da integração da feminilidade num modelo de masculinidade agreste. Para isso, no meu entender, necessita-se de um combate próprio com firmeza e perseverança, mas à maneira feminina sem perder o elo do amor sustentável que tudo une, como expressão da feminilidade criadora e mãe, porque dela tal como da terra tudo sai.

António CD Justo

Pegadas do Tempo

ENTRE MEDITAÇÃO E ORAÇÃO

Na Procura do Eu e do Nós

Quando se acompanha o desenvolvimento de uma criança torna-se desconsolador verificar como à medida que esta vai adquirindo aptidões comportamentais e sociais, ao mesmo tempo vai perdendo muito do brilho da sua individualidade original enquanto a máscara da pessoa vai sendo configurada. À medida que se perdem dons e carismas (a Graça) esvai-se a individualidade.  Os hábitos adquiridos e os cargos vão substituindo as atitudes individuais e então passamos a ser determinados pelo exterior e não por nós mesmos. Uma educação de caracter funcional concorre em grande parte para a alienação individual ao passarmos mais a tornar-nos portadores de hábitos, funções e crenças. A dignidade, não vem do serviço ela assenta nos próprios dons. O serviço, a profissão só lhe poderá dar mais brilho. Não é fácil de aguentar a tensão entre o nosso ser individuo e o nosso ser sociedade e manter o equilíbrio de tal modo que o indivíduo seja a base para a sociedade e não se torne a sociedade o conteúdo do indivíduo/pessoa.

Na natureza, tudo cresce de dentro para fora, do interior para o exterior. A árvore não nasce a partir dos ramos, a semente é que traz em si a potência da árvore. Não deve ser a sociedade a determinar o comportamento e o ser do indivíduo, mas o indivíduo a descobrir nele mesmo a sociedade e numa relação transcendente servir a sociedade. O Grão (a semente) é símbolo da “Palavra de Deus” e da ipseidade criativa e criadora.  É por isso que Jesus disse: “A menos que o grão de trigo caia na terra e morra, ele permanecerá um único grão. Mas se morrer, dá muito fruto (Jo. 12:24). “E algum caiu em boa terra; e brotou e deu fruto a cem por um. Ao dizer isso, Jesus bradou. Quem tem ouvidos para ouvir, ouça!” Não basta ficar-se pelas impressões sensoriais que percepcionam o mundo exterior!)…

Trata-se de envolver o próprio corpo e interiorizar a palavra de Deus, sem esforços nem objectivos fixos no espírito de liberdade do “Seja feita a Tua vontade.” O esforço estará em criarmos silêncio em nós e em torno de nós, calando as ideias e pensamentos, para podermos abrir a porta da dimensão espiritual e assim lograrmos ouvir a voz da intuição (o canal divino da voz universal). Chegados aí a palavra de Deus identifica-se com o mais interior de nós mesmos. Neste estado passaremos a superar a polaridade que nos domina no dia a dia e então vivenciamos a serenidade que surge do húmus da humildade que até torna mais produtivo mesmo o terreno mais ressequido pela torreira do orgulho/arrogância.

Nesses momentos (poucos ou muitos) poderemos melhor compreender o que Jesus dizia, “a vós foi dado conhecer o mistério do “reino de Deus”; mas aos outros em parábolas, para que não vejam se já o veem, e não entendam se já o ouvem”. Sim, trata-se do acontecer vivencial integral num momento místico (certamente muitos já terão tido a experiência mística do encontro unífico onde o elemento quase se dissolve no todo – diria a experiência trinitária – seja num momento de oração de admiração e contemplação seja na observação de um pôr do sol ou no sentir a imensidão do mar ou num momento ou acto de sobrecarga energética à imagem do encontro de energias que produzem o “relâmpago” iluminador). Nesse momento abstraímos do nosso ego para entrarmos numa relação do nós Humanidade-Universo-Deus. Nesse momento tornam-se irrelevantes confissões, mundivisões, morais e as questiúnculas existenciais.

Ao entrarmos em comunhão, na relação eu-tu-nós, à imagem  da relação pessoal trinitária, em que as três pessoas englobam toda a realidade criada e não criada (veja-se o mistério Jesus Cristo que engloba o divino e a criação), tudo aspira a uma relação pessoal interligada e personalizada no amor (por isso costumo designar o mistério da Trindade como a fórmula de toda a realidade, pois é o que experimento ao meditá-lo); na Trindade expressa-se a pessoa na medida em que se expressa em relação com a outra num todo! Tudo se encontra interligado, incarnação-morte-ressurreição, o mundo espiritual e o cosmos astral e humano: como humanos somos como que micro-cosmos resumos do todo em relação com o todo. A elaboração de conceitos numa visão reducionista leva à percepção materialista do mundo e da realidade e a um exteriorismo que assenta numa concepção mecanicista e materialista da realidade e da vida. A matéria sem o espírito é como o corpo sem o sangue.

É verdade que um corpo inerte também produz rebentos, mas nesse sentido ficar-nos-íamos pela químico-física de Lavoisier do “Na natureza nada se cria, nada se perde, tudo se transforma”, portanto,  numa perspectiva apenas terrena do elemento e não do todo porque se no “mundo nada se cria, tudo se copia” será importante pormo-nos à procura do original.

Por isso seria do bem comum e do interesse de cada um que todos construíssem as suas individualidades numa base que possibilite comunidade apesar das diferenças e possíveis contradições em que os limites ou fronteiras pessoais possam tender a formar fronteiras mas que a partir da experiência do nós, essas fronteiras  passem a assumir um caracter da osmose, possibilitando a passagem do amor que tudo une entre tudo e todos!

António CD Justo

Teólogo e Pedagogo (a carapaça exterior)

Pegadas do Tempo